Sidney Gunsman
Editor da Revista Wizard Brasil e do site Universo HQ
por Marcelo Oliveira Data 07/06/2006
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MHQ - Como foi o início da sua carreira como jornalista? Sobre o que escrevia antes dos quadrinhos?

Sidney - Bem, quando entrei na faculdade de jornalismo, em 1988, já era formado em Educação Física. trabalhei com jornalismo esportivo, em rádio, por quase dois anos. Era uma época brava e não ganhava nada (mesmo) na rádio e ainda estava na faculdade de jornalismo. Fiquei quase dois anos pagando para trabalhar como repórter.

MHQ - Em que momento e como você decidiu escrever sobre quadrinhos?

Sidney - Na faculdade, eu e um grupo de amigos criamos um jornal mural, no qual comecei a fazer algumas críticas de quadrinhos. Era a época do boom da Abril e da Globo, e todos os grandes jornais de São Paulo abriam páginas e páginas para falar de HQs.   Aí, com a boa e velha cara-de-pau que Deus me deu, enfiei vários desses textos debaixo do braço e saí visitando as pessoas que escreviam à época.   Numa dessas visitas, o Leandro Luigi Del Manto, da Editora Globo, publicou a minha primeira matéria: um artigo sobre quadrinhos e música, que saiu nas revistas Fantasma e Sandman, ambas no número # 7. Depois disso, como fiz alguns textos pro Leandro, ele me chamou para ser redator lá. Fiquei até 1992, quando, num corte, fui demitido.   Aí, tive que lembrar que eu era um JORNALISTA, e não um JORNALISTA DE QUADRINHOS. Fui trabalhar na área de comunicação empresarial, que paga MUITO melhor, na qual fiquei de 1992 a 2001. Meu último emprego antes de retornar aos quadrinhos, na Conrad, foi como gerente de comunicação de uma empresa de transportes.   Nesses anos todos, mantive meu nome em evidência pro público de HQs escrevendo para jornais, revistas, sites etc. Me orgulho muito de, desde 1993, jamais ter passado um mês sem escrever uma matéria sobre quadrinhos, seja como colunista (revista Sci-Fi News, site AREA-51, Wizard) ou como frila.   Sabendo dessa experiência adquirida e pelos frilas que vinha fazendo pra Conrad, o Rogério de Campos me convidou para ocupar o cargo de editor executivo de toda a linha de quadrinhos da editora, em dezembro de 2001. E após sair da Conrad fui convidado para editar a Wizard, como free-lance.

MHQ - No artigo "Enquanto isso no Brasil..." você meio que faz um apelo aos periódicos nacionais incluírem em seus brindes quadrinhos, a exemplo do que já é feito lá fora. Entretanto, você não acha que isso poderia desvalorizar as obras e por consequencia esse tipo de iniciativa não rolar aqui no Brasil?

Sidney -Não creio que o fato de um álbum bem editado e caprichado graficamente encartado num jornal desvalorize a obra. Pelo contrário.   Acredito, sim, que haja um preconceito tolo por parte dos jornais, de achar que não haverá procura pelos “brindes” (entre aspas, porque eles são pagos pelo leitor). Basta olharem os números dos periódicos que fizeram esse tipo de promoção, pra ver o erro que estão cometendo. Até na Argentina e no Chile foi um sucesso absoluto. Por que imaginar que no Brasil não seria?

MHQ - Você acredita que os quadrinhos podem ser um início para o hábito de leitura em crianças? Por quê?

Sidney -Com a mais absoluta certeza. O fato de os quadrinhos serem uma leitura inicial, associada à imagem, desenvolve demais o raciocínio das crianças. O mundo inteiro sabe disso e agora, felizmente, profissionais sérios estão abrindo caminhos nesse sentido também no Brasil.   As HQs são uma baita ferramenta de auxílio educacional. Até pesquisas comprovam isso.

MHQ - Os quadrinhos nacionais usam muito a folkcomunicação como linguagem mostrando personagens regionais como o Chico Bento,´o Zé Carioca e a Turma do Xaxado, por exemplo. Esse poderia ser o grande trunfo tupiniquim para as nossas criações decolarem se exploradas corretamente?

Sidney -Acho que o x da questão é se criar personagens regionais, mas que tenham um conteúdo universal. É o caso do Ferdinando, por exemplo, que é um caipira norte-americano, mas gerava identificação em leitores do mundo inteiro.   O Chico Bento e o Xaxado seguem a mesma linha. Ou seja, é um caminho a ser explorado e melhorado.

MHQ - A Marvel e a DC, principalmente, sempre abordaram temas polêmicos em suas histórias e personagens, como preconceito racial e social, comportamento e ideologias, por exemplo. Na sua opinião, se as pessoas que marginalizam as HQs prestassem mais atenção no conteúdo a aceitação das HQs poderia ser melhor no Brasil?

Sidney -Não precisariam nem “prestar atenção”, bastaria LÊ-LAS! Alguns críticos ferozes dos quadrinhos jamais leram um gibi. Isso é um preconceito tacanho, burro! E todo leitor tem obrigação de trabalhar para acabar com ele. Costumo dizer que é um trabalho de formiga, porque será só assim que reverteremos o quadro.   É comum eu conceder entrevistas e, ao falar mais detidamente sobre este ou aquele gênero, o repórter dizer: “Nunca imaginei que os quadrinhos estavam nesse nível”. Pois é! Não tem cinema de aventura, terror, drama, documentário, erótico, suspense, infantil, adulto... Os quadrinhos têm as mesmíssimas subdivisões. E com bons trabalhos em todas elas.

MHQ - Hoje temos muitos profissionais vindos de outras mídias para escrever quadrinhos, como Brad Meltzer, Joss Weldon e Brian Singer, por exemplo. A grande sacada do mercado foi a inclusão desses profissionais nas equipes de criação das editoras? Quais seriam as vantagens e as desvantagens disso no mercado? Foi uma grande sacada, sem dúvida. Mas me assusta um pouco, pois meio que atesta que há pouca mão-de-obra boa entre os roteiristas norte-americanos. Não à toa, os super-heróis tornaram-se produtos para leitores numa faixa etária acima de 25 anos e simplesmente não há renovação! É preocupante.

MHQ - Crise de Identidade é a grande sensação dos quadrinhos no momento aqui no Brasil junto com os recentes lançamentos de álbuns europeus. Você acredita que esse nível de publicações pode fazer o cenário no Brasil melhorar?

Sidney -Acho que obras de impacto ajudam a trazer de volta leitores que estavam longe dos quadrinhos. Isso acontece. Agora, cadê a formação de novos leitores? Só o Mauricio faz isso. E quando a criança sai dos gibis dele vai pra onde? Simplesmente, não há um produto para essa faixa etária.   Assim, milhares de crianças deixam de ler quadrinhos todos os anos. As editoras se acomodaram na postura cômoda de ganhar grana com tiragens baixas, trabalhando para leitores fiéis e com poder aquisitivo razoável. Mas esse pessoal é uma parcela pequena. Ou seja, nenhuma das editoras está pensando no futuro, só no presente. Isso me preocupa!

MHQ - Para você qual será o lançamento deste ano para os leitores brasileiros depois de Crise de Identidade?

Sidney -Tem muita coisa boa saindo no Brasil. Teremos mais álbuns do Tintim, do Sandman, do Corto Maltese, de Sin City, todos materiais sensacionais. Obras do Manara, do Eisner, Persépolis, Fábulas, Planetary, Preacher, Ken Parker, muita coisa legal. Mas notou que quase todas que citei são republicações? Pois é... de inédito, não há tantos filés assim.   Creio que Crise Infinita, da DC, vai chamar muito a atenção.

MHQ - Se hoje alguém que está iniciando no mundo dos quadrinhos pedisse sua opinião a respeito de uma leitura obrigatória, qual álbum ou arco de histórias você indicaria?

Sidney - Dependeria da faixa etária. Se fosse uma criança, com certeza, Turma da Mônica.   Para alguém um pouco mais velho, Tintim, Asterix, Dragon Ball, One Piece. Para leitores maduros, mas que não lêem quadrinhos ou estão afastados deles, fica fácil: Sandman, Corto Maltese, Júlia, Mágico Vento, Vagabond, Ken Parker, Persépolis, Maus, Buda, qualquer obra do Will Eisner, Sin City, O Cavaleiro das Trevas, Watchmen, V de Vingança, Moonshadow, Elektra: Assassina, nossa a lista iria MUITO longe. E dependeria do perfil do leitor cada indicação, lógico.
Foto:Marcelo Oliveira
Sidney Gunsman