Rompimento com Lisboa. Carta de D. Pedro a D.
João VI
de repúdio aos decretos das Cortes (22 set. 1822)
Rio, 22 de setembro de 1822
Meu Pai e Senhor,
Tive a honra de receber de Vossa Majestade uma
carta datada de 3 de agosto, na qual Vossa Majestade me repreende pelo modo de
escrever e falar da facção luso-espanhola (se Vossa Majestade me permitir, eu
e meus irmãos brasileiros lamentamos muito o estado de coação em que Vossa
Majestade jaz sepultado); eu não tenho outro modo de escrever, e como o verso
era para ser medido pelos infames deputados europeus e brasileiros do partido
dessas despóticas cortes executivas, legislativas e judiciárias, cumpria ser
assim; e como eu agora, mais bem informado, sei que Vossa Majestade está
positivamente preso, escrevo (esta última sobre pastas já decididas pelos
brasileiros) do mesmo modo porque, com perfeito conhecimento de causa estou
capacitado que o estado de coação a que Vossa Majestade se acha reduzido e que
o faz obrar bem contrariamente ao seu gênio liberal. Deus nos livrasse se outra
coisa pensássemos.
Embora se decrete a minha deserdação, embora se
cometam todos os atentados que em clubes carbonários forem forjados, a causa não
retrogradará, e eu, antes de morrer, direi aos meus caros brasileiros: "Vêde
o fim de quem se expôs pela pátria, imitai-me."
Vossa Majestade manda-me, que digo! mandam as
Cortes por Vossa Majestade, que eu faça executar e execute seus decretos; para
eu os fazer executar e executá-los era necessário que nós brasileiros livres,
obedecêssemos à facção; responderemos em duas palavras: "Não
queremos."
Se o povo de Portugal teve direito de se
constituir - revolucionariamente - está claro que o povo do Brasil o tem
dobrado, porque vai-se constituindo, respeitando-me a mim e às autoridades
estabelecidas.
Firme nestes inabaláveis princípios, digo
(tomando a Deus por testemunha e ao mundo inteiro), a essa cálifa sangüinária,
que eu, como Príncipe Regente do Reino do Brasil e seu defensor perpétuo, hei
por bem declarar a todos os decretos pretéritos dessas facciosas, horrorosas,
maquiavélicas, desorganizadoras, hediondas e pestíferas Cortes, que ainda não
mandei executar, e todos os mais fizeram para o Brasil, nulos, írritos, inezequíveis,
e como tais como um vento absoluto, que é sustentado pelos brasileiros todos,
que unidos a mim, me ajudam a dizer: "De Portugal nada; não queremos
nada".
Se esta declaração tão franca
irritar mais os ânimos desses lusos-espanhóis, que mandem tropas aguerridas e
ensaiadas na guerra civil, que lhes faremos ver qual é o valor brasileiro. Se
por descoco se atreverem a contrariar nossa santa causa, em breve verão o mar
coalhado de corsários e a miséria, a fome e tudo quanto lhes pudermos dar em
trooo de tantos benefícios, será praticado contra esses corifeus; mas quê!
quando os desgraçados portugueses os conhecerem bem, eles lhe darão o justo prêmio.
Jazemos por muito tempo nas trevas; hoje vemos a
luz. Se Vossa Majestade cá estivesse seria respeitado, e então veria que o
povo brasileiro sabendo prezar sua liberdade e independência se empenha em
respeitar a autoridade real, pois não é um bando de vis carbonários e
assassinos, como os que têm Vossa Majestade no mais ignominioso cativeiro.
Triunfa e triunfará a independência brasílica,
ou a morte nos há de custar.
O Brasil será escravizado, mas os brasileiros, não:
porque enquanto houver sangue em nossas veias há de correr, e primeiramente hão
de conhecer melhor o - Rapazinho - e até que ponto chega a sua capacidade,
apesar não ter viajado pelas Cortes estrangeiras.
Peço a Vossa Majestade que mande apresentar esta
às Cortes! às Cortes que nunca foram gerais, e que são hoje em dia só de
Lisboa, para que tenham com que se divirtam, e gastem ainda um par de moedas a
este tísico tesouro.
Deus guarde a preciosa vida e saúde de Vossa
Majestade, como todos nós brasileiros desejamos.
Sou de Vossa Majestade, com todo o respeito, filho
que muito o ama e súdito que muito o venera.
Pedro
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