Hipócrates de Kos (460-370 a.C.): Nasceu nesta ilha jónica, sendo filho de um asclepíade de nome Heráclides, de quem recebeu a formação médica básica. Contemporâneo de Péricles, de Empédocles, Sócrates e Platão. A maior contribuição para a Anatomia renascentista foi a do belga André Vesálio (século XVI), que contrarios aos ensinamentos de Aristóteles e Galeno, procedeu à dissecação de cadáveres. A livro "Estrutura do Corpo Humano" (1543) deu uma exata dimensão da estrutura do corpo humano.

QUERES SER MÉDICO?

Queres ser médico, meu filho? Esta é uma aspiração de uma alma generosa e de um espirito ávido de ciência. Desejas que os homens te tenham por um deus que alivia seus males e afugenta deles o temor. Porém, tens pensado no que vai ser a tua vida?

Terás que renunciar à vida privada: enquanto a maioria dos cidadãos podem, terminada sua tarefa, isolar-se dos inoportunos, tua porta estará sempre aberta a todos. A toda hora do dia e da noite virão atrapalhar teu descanso, tuas aflições, tua meditação; já não terás horas para dedicar à tua família, à amizade, ao estudo. Já não te pertencerás.

Os pobres, acostumados a padecer, te chamarão em caso de urgência. Porém os ricos te tratarão como a um escravo encarregado de remediar seus excessos: seja porque têm uma indigestão ou porque estão resfriados, farão que te despertem a toda pressa tão rápido como sentem a menor moléstia. Terás de mostrar-te muito interessado pelos detalhes mais vulgares de sua existência. Apenas começam a convalescer, já os estorvas. Quando lhes falas de pagar os cuidados que lhes destes, se enfadam e te denigrem. Quanto mais egoístas são os homens, mais atenção exigem.

Não contes que este ofício tão duro te faça rico. Eu te asseguro: é um sacerdócio, e não seria decente que te produza ganâncias como as que obtém o empresário ou o político.

Tenho compaixão de ti se te atrai o que é formoso: verás o mais feio e repugnante que há na espécie humana. Todos teus sentidos serão maltratados. Terás de colar teu ouvido contra o suor de peitos sujos, respirar o odor de míseras casas, os fartos perfumes subidos das cortesãs; terás que palpar tumores, curar chagas verdes de pus, contemplar urinas, esquadrinhar os esputos, fixar tua vista e teu olfato em imundices, meter o dedo em muitos lugares. Quantas vezes, em um dia formoso e ensolarado, ao sair de um banquete ou de uma representação de Sófocles, te chamarão para ires ver um homem que, molestado por dores de ventre, te apresentará um recipiente nauseabundo, dizendo-te satisfeito: graças que teve a precaução de guardá-lo. Recorda, então, que hás de agradecê-lo e mostrar todo teu interesse por aquela dejeção.

Até a beleza das mulheres, consolo do homem, se desvanecerá para ti. As verás pela manhã, desgrenhadas, desengonçadas, desprovidas de suas belas cores, olvidadas pela beleza, parte de seus atrativos. Deixarão de ser deusas para converterem-se em seres afligidos de misérias sem graça. Somente sentirás por elas compaixão.

O mundo te parecerá um vasto hospital, uma assembléia de indivíduos que se queixam. Tua vida transcorrerá à sombra da morte, entre a dor dos corpos e das almas, vendo umas vezes o duelo de quem é destroçado pela perda de seu pai, e outras a hipocrisia que, à cabeceira do agonizante, faz cálculos sobre a herança.

Quando a custo de muitos esforços prolongastes a existência de alguns anciãos ou de crianças débeis ou disformes, virá uma guerra que destruirá o mais saudável que há na cidade. Então te encarregarão que separes os menos dotados dos mais robustos, para salvar os enfraquecidos e enviar os fortes à morte.

Pensa bem enquanto é tempo. Porém se, indiferente à fortuna, aos prazeres, à ingratidão; se, sabendo que te verás muitas vezes só entre feras humanas, tens a alma o bastante estóica para satisfazer-se com o dever cumprido, ou te julgas suficientemente pago com o obrigado de uma mãe que acaba de dar a luz, com um rosto que sorri porque a dor se aliviou, com a paz de um moribundo a quem acompanhas até o final; se anseias conhecer o homem e penetrar na trágica grandeza de seu destino, então... seja médico, meu filho.


(Autor desconhecido)

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