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Mitológica
O socorro
Ele foi cavando, cavando, cavando, pois sua
profissão - coveiro - era cavar. Mas, de repente, na distração
do ofício que amava, percebeu que cavara demais. Tentou sair da
cova e não conseguiu. Levantou o olhar pra cima e viu que,
sozinho, não conseguiria sair, gritou. Ninguém atendeu. Gritou
mais forte. Ninguém veio. Enrouqueceu de gritar, cansou de
esbravejar, desistiu com a noite. Sentou-se no fundo da cova,
desesperado. A noite chegou, subiu, fez-se o silêncio das horas
tardias. Bateu o frio da madrugada e, na noite escura, não se
ouvia um som humano, embora os cemitério estivesse cheio dos
pipilos e coaxares naturais dos matos. Só pouco depois da
meia-noite é que lá vieram uns passos. Deitado no fundo da cova
o coveiro gritou. Os passos se aproximaram. Uma cabeça ébria
apareceu lá em cima, perguntou o que havia: "o que é que
há?"
O coveiro então gritou, desesperado: "Tire-me daqui, por
favor. Estou com um frio terrível!" "Mas,
coitado!" - condoeu-se o bêbado - "Tem toda razão de
estar com frio. Alguém tirou a terra de cima de você, meu pobre
mortinho!" E, pegando a pá, encheu-a de terra e pôs-se a
cobri-lo cuidadosamente.
Millôr Fernandes.
MORAL: "Nos momentos graves é preciso verificar muito bem para quem se apela."