QUANDO FALAMOS DO "PRIMADO"

NÓS NOS REFERIMOS AO PRIMADO DA IGREJA DE ROMA,

EXERCIDO PELO PAPA ENQUANTO BISPO DESSA SÉ

 

 

 

Monsenhor Ioannis Zizioulas, Metropolita Ortodoxo de Pérgamo

 

 

Monsenhor Ioannis Zizioulas, Metropolita de Pérgamo, na Turquia, é um dos teólogos ortodoxos mais respeitados, sobretudo no Ocidente. "E um dos mais originais e profundos teólogos da nossa época", já escrevia sobre ele no início da década de 1980 o teólogo e sacerdote, mais tarde Cardeal Yves Congar, dominicano francês. Ao longo dos anos, esse homem de Igreja de maneiras corteses e aristocráticas continuou sua leitura aguda e penetrante da tradição dos Padres gregos, aprofundando sua percepção que baseia toda a realidade e vida da Igreja no Sacramento da Eucaristia.

O Metropolita Zizioulas participou várias vezes do debate teológico sobre o Primado, definido por ele "condicio sine qua non da catolicidade da Igreja". No Simpósio Romano do final de Maio, sua conferência sobre as recentes discussões entre os teólogos ortodoxos em torno do primado esteve entre as mais assistidas e debatidas.

 

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Quero lembrar que tradicionalmente o Primado do Bispo de Roma, tal como se estruturou ao longo dos séculos, tem sido considerado pela Igreja Ortodoxa uma espécie de imperialismo religioso, não conforme à tradição sinodal da Igreja, que prevê que membros do episcopado, enquanto sucessores dos apóstolos, exerçam colegialmente o ministério da autoridade. Nas últimas décadas, surgiram oportunidades para reconsiderar  a questão numa perspectiva nova, aberta pela eclesiologia de comunhão indicada também pelo Concílio Vaticano II.

Numa eclesiologia de comunhão, toda Igreja local é Igreja em sentido pleno, em virtude da eucaristia por ela celebrada segundo o mandato confiado por Jesus aos apóstolos e seus sucessores. Sob esse aspecto, todos os Bispos são iguais: as Igrejas locais por eles guiadas são Igrejas em sentido pleno, quaisquer que sejam suas dimensões ou o número de seus fiéis. Por isso, nenhuma instituição, como os sínodos, os concílios ou o primado deveriam funcionar de maneira a comprometer ou eliminar a plenitude da Igreja local.

Segundo a Tradição, o Bispo de Roma é o primeiro Bispo de toda a Igreja. A dificuldade a respeito do Primado Petrino está no facto de que ele implica uma jurisdição universal pela qual o Papa pode interferir na Igreja local. Mas, se pudermos encontrar um caminho para acolher o primado universal do Papa que não comporte danos à plenitude da Igreja local, nós poderemos aceitá-lo.

Acerca da Igreja Ortodoxa não poder reconhecer a jurisdição universal do Bispo de Roma, a definição concreta do reconhecimento do seu Primado por parte dos ortodoxos, ainda necessita ser avaliado. No meu ponto de vista, em primeiro lugar, o Bispo de Roma não deveria fazer nada sem os outros Bispos. Deveria sempre consultá-los. Além disso, não deveria interferir na vida normal das outras dioceses e das outras Igrejas. Ele é o Bispo de sua Igreja. Pode ter uma influência moral e, canonicamente, pode ter o poder de convocar os sínodos e de se exprimir como porta-voz de toda a Igreja. Mas não pode fazer nada de forma solitária. Não representa toda a Igreja enquanto indivíduo. Só pode ser guardião do “depositum dei” em comunhão com os outros Bispos.

Em primeiro lugar, o próprio Papa é um Bispo e todos os Bispos são sacramentalmente iguais a ele, receberam a mesma graça. Enquanto Bispo, ele mesmo é o chefe de uma Igreja local. O próprio primado não pertence a ele, mas a sua Igreja. Quando falamos do Primado, nós referimo-nos ao Primado da Igreja de Roma, que é exercido pelo Papa enquanto Bispo daquela Sé.

Nas Igrejas do Oriente, todos podem reconhecer que, segundo a Tradição da Igreja, o Bispo de Roma é o primeiro Bispo. Mas o facto de fundamentar o seu Primado na Sucessão de Pedro já é uma questão problemática. O reconhecimento dessa posição primacial nos primeiros séculos nada mais era que um facto consumado, uma tradição que podia estar também relacionada à importância da cidade de Roma do ponto de vista político. Obviamente, os Bispos de Roma sempre consideraram seu papel na Igreja ligado à Sucessão de Pedro. Ao passo que, na Igreja Bizantina, essa não era a razão pela qual o Papa era reconhecido como primeiro entre os Bispos. Existia uma taxis, uma ordem estabelecida, segundo a qual a primeira Sé era a de Roma, a segunda, a de Alexandria, a terceira, a de Antioquia. Depois havia a de Constantinopla, que se tornou segunda, ou foi considerada até mesmo à altura da Sé de Roma, segundo o que se estabeleceu nos Concílios Ecuménicos. Seja como for, isso era aceito como um facto consumado, sem que houvesse uma teoria definida a respeito da Sucessão de Pedro.

Na célebre conferência de Graz, em 1976, o então Professor Joseph Ratzinger afirmava que "pode não ser impossível hoje, do ponto de vista cristão, o que foi possível durante um milénio" e que, a respeito da doutrina do Primado, Roma não pode pretender do Oriente mais do que foi formulado e praticado no primeiro milénio".

Acho que, no momento actual, a Igreja de Roma não leva em conta essa fórmula. Nos encontros de diálogo com os ortodoxos, os representantes católicos tendem a deixar de lado a perspectiva indicada pela experiência de unidade do primeiro milénio. Isso é uma pena, obviamente. Mas nós hoje temos de buscar um caminho para nos encontrarmos sobre outras bases, e estas podem ser indicadas pela eclesiologia de comunhão.

O problema do uniatismo está também estreitamente ligado ao do Primado. Sobre isso não há dúvidas. Espero, inclusive, que o diálogo teológico possa voltar a caminhar encarando justamente a questão do Primado. Dentro desse contexto, e relacionando­-se com ele, a discussão estagnada sobre o uniatismo talvez também possa ter um novo andamento. Essa discussão não pode ser encarada como um problema distinto, como ocorreu nos últimos dez anos, mas, sim, como parte do diálogo amplo sobre a eclesiologia.

A impressão de que no imaginário colectivo, também por influência da mídia, a Igreja inteira seja identificada com o Papa e suas iniciativas pode ser um perigo, pois pode dar a impressão de que no universo inteiro só existe uma diocese, com um só Bispo Universal, o que não ajuda a eclesiologia de comunhão a se tornar base para um possível reconhecimento do Primado da Igreja de Roma por parte das Igrejas do Oriente. Pode também dar a impressão de que a Igreja não é uma realidade doada por Deus, mas feita pelos eclesiásticos. Ao passo que, se reconhecermos a eucaristia como base da nossa eclesiologia, reconheceremos que a Igreja vem de Deus como um dom. Que não somos nós que a fazemos.

 

 

Arcebispo Primaz Katholikos

Mons. Dom ++ Paulo Jorge de Laureano – Vieira y Saragoça

(Mar Alexander I da Hispânea)

 

 

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Última actualização deste Link em 23 de Abril de 2009