A IMPOSSÍVEL COMUNHÃO EUCARÍSTICA
Uma Amarga Medicina Ecuménica
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Pe. Wladimir
Zelinskij
Sacerdote ortodoxo e teólogo
Para um cristão
ortodoxo, empenhado não só no movimento, mas também no espírito ecuménico,
não há problema mais doloroso do que nossa não hospitalidade eucarística. Após
tantos gestos simbólicos de abertura, de amizade, de reconhecimento da plena
validade da vida religiosa do outro, chegamos exactamente ao coração de nossa
fé, ao mistério eucarístico, e de novo descobrimos que este coração está
dividido. Como se estivessem divididos espírito e verdade: o primeiro, que ama
“o irmão separado” e vai onde o manda o coração; a segunda, porém, imóvel,
petrificada, constituída pelas pedras preciosas de nossas tradições. Não
finjamos que as nossas verdades sejam feitas de matéria tão leve que lhes
permita infiltrar-se nas dobras de nosso espírito.
A fé, mesmo descoberta do zero, em idade adulta, é
sempre herdada e investe cada um de nós com a sua responsabilidade para com
aqueles que a plasmaram e viveram entre nós.
Muitas vezes a Ortodoxia denomina-se “a fé de nossos
pais” e cada filho, se em algum dia resolve fazer tudo a seu modo, no dia seguinte
perde sua identidade. Não é mais um filho, mas um estranho cujas ovelhas não
lhe conhecem a voz (Jo. 10, 5). Por isso, para um
ortodoxo que tem a paixão pela unidade, o ecumenismo -
o que os outros cristãos nem sempre compreendem – é como um navegar com uma
vela com dois mastros. Num está o peso da sua fidelidade, da paternidade
espiritual, dogmática, canónica, institucional. Sobre o outro mastro nada há
além do sonho, a saudade, o desejo de estar plenamente unido em Cristo com
todos os outros que participam deste mistério, comungam desta luz, reconhecem o
seu Deus naquela face humana e no reflexo de sua imagem na face do próximo.
Afinal, o que fez o ecumenismo um século após seu nascimento? Uma coisa
essencial, indispensável, mas simples: conseguiu convencer a maior parte dos
cristãos de que os hereges e cismáticos do passado não só são seres humanos
dignos de respeito, mas também “irmãos em Cristo”, apesar de separados. Esta
descoberta, que hoje parece tão óbvia, foi o principal objectivo de nosso caminho,
mas também o ponto de partida. Tomamos consciência de que o termo “irmãos
separados” nada mais é do que a estação de desembarque, o verdadeiro caminho
donde partir.
Se a separação humana, mística, em parte também
espiritual, estava vencida, se a divisão doutrinal foi um pouco superada, a
última e mais difícil vitória permanece o “afastamento” eucarístico.
Mas como? Não há vitória mais fácil do que suprimir
as diferenças teológicas, que à época pareciam tão essenciais, as “tradições
dos antigos”, para desvalorizá-las radicalmente. Neste caso, o movimento tem de
dar uma parada, chegamos à estação final, todos permanecem em seus asilos
eclesiais com regular e amigável troca de visitas eucarísticas em mesas
diferentes, mas cobertas para todos. Por acaso cremos que seja este o tipo de
unidade que Cristo espera de nós? Que sejamos reconhecidos como seus discípulos
com esse ideal de amor que faz desabrochar a indiferença?
“Que bela alma cristã possuis”, num dia disse um
monge do Athos
ao Padre (futuro Cardeal) Yves Congar, OP, “Se tivesses sido baptizado, até
poderias salvá-la”. Nessa intransigência, porém, que não está isenta de amor e
de dor pela perda eventual de um próximo, ao menos existe clareza e
honestidade.
A honestidade do movimento ecuménico foi substituída pela alegria da fraternidade universal. Sim, a alegria é uma forte mensageira da esperança, mas não a única. Quanto mais o ecumenismo caminhar, mais serão insuficientes as coisas já adquiridas: o reconhecimento recíproco do baptismo, a possibilidade da oração comum, a concordância em algumas fórmulas teológicas. O sonho da unidade inevitavelmente se confronta com o mistério eucarístico, esculpido nas palavras e conceitos aos quais aderimos com força, com os quais não podemos fazer compromissos, mas que para os outros se tornam como pedras de nossos corações...
Talvez, na unidade que se constrói ocultamente, deva
também chegar o momento do sofrimento. A alegria deve andar junto com a dor à
qual denominarei o remédio ecuménico, com a amargura da hospitalidade
impossível, porque antes que os filhos possam se unir também os pais devam ser
reconciliados. Antes de chegar à mesa comum devemos também descobrir o Cristo
comum, plenamente reconhecido na fé de um outro, mas também vivido com a mesma
plenitude espiritual na Eucaristia. Ainda estamos divididos. Queremos nos unir.
“Sem mim, nada podeis fazer” (Jo. 15, 5).
Mons. Dom ++ Paulo
Jorge de Laureano – Vieira y Saragoça
(Mar Alexander I
da Hispânea)