|
Eu, porém,
pela tua grande misericórdia
entrarei na Tua casa;
prostrar-me-ei com temor
no teu Santo Templo.
(Sl. 5, 8)
Eu os conduzirei ao Monte Santo
e os encherei de alegria
em minha casa de oração.
Seus holocaustos e
sacrifícios
subirão agradáveis ao meu Altar,
porque o Meu Templo
será chamado Casa de Oração
para todos os povos.
(Is. 57, 6)
A Igreja
Ortodoxa adora a Deus com o mesmo espírito com o qual ele é adorado no Céu
(segundo as revelações presentes em Isaías, Ezequiel e no Apocalipse). Isso
supõe a utilização de elementos externos como o incenso,
as velas,
as vestes litúrgicas, as prostrações, do momento em que adorar a Deus na terra
comporta uma experiência que envolve também o corpo. A Igreja venera a cruz, os
evangelhos, as imagens de Cristo e, por extensão, todos os ícones
dos santos. Prestando-lhes homenagem, o fiel volta-se ao Protótipo por ele
representado (Cristo).
Todo acto litúrgico da Igreja Ortodoxa não é,
absolutamente, vivido como uma ostentação triunfalíssima, pois os sinais servem
para convidar o fiel a voltar o próprio olhar sobre si e não para fora de si. A
Liturgia
não quer atingir a imaginação nem seu fim é doutrinar e submeter os fiéis ao
poder de outros homens que decidam por eles. A Igreja e a Liturgia outra coisa
não são do que um ambiente no qual saímos de nós fisicamente e espiritualmente
para conseguir sempre mais e sempre melhor voltar o próprio olhar em si mesmo,
lugar no qual Deus se revela. Para tal fim, é indispensável abrir os olhos do
coração, isto é, da própria interioridade.
O primeiro exercício que o fiel deve cumprir é o de
afastar-se dos pensamentos e das fantasias da vida mundana, fazer um profundo
silêncio sobre si. Somente assim os sinais e os símbolos litúrgicos começam a
interpelar e a interagir com a interioridade do homem.
A Liturgia, com os seus gestos e palavras, entra, envolve e “prende” o cristão de dentro para fora. O resultado é aquele de sentir de maneira clara e sensível a intervenção de algo novo, de uma força anteriormente desconhecida. Tal força, que se faz sentir claramente em quem começa a abrir os olhos diante deste tipo de experiência, tradicionalmente é chamado pela Igreja com o termo “Graça”. É somente assim que a Igreja, em lugar de ser transformada pelo mundo, transforma o mundo e, através do culto prestado a Deus, confessa aquilo que crê e que vive, terminando por irradiar uma realidade que não é humana (“Eu vos dou a paz, minha paz eu vos dou. Não como o mundo a dá, eu a dou para vós...” - Jo. 14, 27).
Naturalmente, sendo como uma reunião, a Liturgia
exige empenho. As palavras cantadas devem, tornar-se mentalidade e vida de quem
as canta e isso pode perturbar o cansado e ignorante cristão moderno.
Outro elemento que particularmente perturba o homem
de hoje é o tempo dedicado ao culto. No Ocidente, especialmente na Liturgia da
Igreja Católica Romana numa Missa Dominical que supere meia hora traz cansaço.
No Cristianismo Ortodoxo, mesmo de Rito Latino, a Divina
Liturgia (Santa Missa) dura ao menos uma hora e meia. Se ainda é precedida
de algum outro ofício, dura duas horas e meia. Dá-se o caso em que diversos
ofícios com a Divina Liturgia durarem também 12-13 horas, tendo início à tarde
e terminando na manhã seguinte. Neste caso, estamos diante das assim chamadas
“Vigílias” ou “Agripnie”. Experiências deste tipo
mostram a extrema relatividade do tempo e fazem entrar num outro tipo de
dimensão onde Liturgia e vida coincidem. Tudo isso nada mais é do que uma
antecipação daquilo que será o Paraíso no qual não existirá o tempo, mas um
eterno presente.
Contudo, o tempo litúrgico é um elemento que o
cristão ortodoxo vive de modo profundamente diverso em comparação com o cristão
ocidental. Enquanto que no Ocidente o cristão é “obrigado” a permanecer firme
em seu posto, a estar atento, a não sair da Igreja antes do tempo, no Oriente o
cristão aproxima-se da Liturgia com o espírito com que o sedento se aproxima da
fonte. Quanto maior a sede, maior sua vontade de beber. E a fonte não pára de
jorrar água, estando ali para isso.
Estás cansado? Ninguém te obriga a permanecer (na
Ortodoxia não existe o preceito festivo, ou seja, a obrigação de ir á Missa no
domingo). Estás com sono? Por um momento, dorme! (Às vezes os visitantes não
ortodoxos ficam um pouco desconcertados quando vêm algum monge dormindo na
igreja durante os longos ofícios matutinos).
A Liturgia é como uma nave na qual tu estás
viajando. Quer durmas, quer estejas vigiando, a nave continua navegando. A
Liturgia é como o alimento que a criança prende quando está no ventre da mãe (a
Igreja). O facto de que ele esteja aparentemente sem fazer nada não significa
que ele não cresça. Como a criança no ventre materno, assim o cristão. Isso
permite, também hoje, a conservação dos tempos de celebração que o Ocidente
tinha há muito tempo atrás. Evidentemente, com isso, o fiel não é convidado ao
desempenho, pois mesmo quando repousa, o faz para recomeçar a trabalhar com
maior zelo. O tempo é dado exactamente para trabalhar a si mesmo e para
crescer, não para se distrair infinitamente como crianças num parque de
diversões.
Contudo, é totalmente estranho ao espírito ortodoxo
uma participação que envolva os crentes estética, sentimental ou
intelectualmente. A Igreja não é um teatro ou um espectáculo televisivo! Muito
menos é uma cátedra universitária. Os homens entram na Igreja para serem
ontologicamente transformados e curados, não para permanecer o que eram antes de
entrar com alguma consolação sentimental a mais! É também completamente
estranho ao espírito ortodoxo viver a Liturgia como se fosse um diálogo entre o
Sacerdote e os fiéis, ou como se fosse um momento em que se possa ministrar a
catequese. A Liturgia é o lugar onde fala a força de Deus, não onde se
demonstra a razão dos homens, por mais justa que possa parecer.
Hoje como ontem, a Liturgia da Igreja Ortodoxa
oferece, a quem o deseja, uma perspectiva diversa na qual se espelha e se
reflecte misticamente a inefável presença de Deus, único horizonte de esperança
num mundo enlouquecido sempre mais à procura de sentido. A beleza litúrgica
como revelação de Deus e oferta do homem.
A Liturgia da Igreja Ortodoxa é um ícone completo da
Liturgia Celeste, uma imagem da eternidade. Cada elemento seu é utilizado para
revelar ao coração do homem a beleza do Reino de Deus. Quer na língua grega,
quer na hebraica, o termo “belo” significa também bom. A verdade de Deus é
também uma beleza: uma beleza que atrai o coração do homem. Para poder
compreendê-la, o homem deve adquirir aquele espírito de criança do qual nos
fala Cristo. Este espírito não é a ingenuidade ou a afectação, mas aquela
possibilidade insubstituível de maravilhar-se, através da qual Deus se deixa
descobrir no mais profundo de nós mesmos. Somente os corações puros, simples e
humildes diante de Deus podem captar a beleza na qual Ele nos mostra sua Face,
no radiante esplendor de seu amor. O ensinamento das iconografias, a riqueza
dos textos litúrgicos, como o conjunto daquilo que se pode definir a “estética”
litúrgica, não se orientam unicamente para a razão; antes de tudo, falam ao
coração do homem. Portanto, a Liturgia é feira para envolver o homem, nutri-lo,
iluminá-lo.
O fiel que participa da oração da Igreja não o faz
para concentrar-se intelectualmente num ensinamento codificado, mas para
impregnar-se da beleza da Liturgia, mergulhar em sua atmosfera, nutrir sua
alma, o coração e o espírito. Repetimos: é preciso entrar na Liturgia como uma
criança que saboreia com surpresa as maravilhas do mundo, o que comporta uma
atitude pacífica, ao mesmo tempo distendida e concentrada. É por isso que os
ofícios litúrgicos – às vezes muito longos – não são vividos nos termos de
obrigação, mas como uma vida na vida onde o tempo pára, numa pregustação do
Reino futuro no qual é importante uma certa ascese para permanecer em pé e
atentos.
Na Liturgia, a beleza não é somente um ícone da
glória de Deus porque foi dedicada a Deus. Por “dedicada” deve-se entender
literalmente “oferta a Deus como oferta sacrificas”. No seio da Liturgia o
homem é chamado a render a Deus tudo aquilo que faz parte de sua vida, tudo o
que a torna preciosa, tudo quanto constitui um dom de Deus e o transforma em
acção de graças.
Ora, o sentido do belo é certamente o sinal mais
profundo da imagem divina no homem. Manifestando a beleza litúrgica em todos os
seus aspectos, o homem não oferece a Deus apenas os talentos que Ele lhe deu
para multiplicar, mas realiza também aquela capacidade inestimável de poder
maravilhar-se diante da beleza plasmada pelo homem para ser ícone de Deus.
Mons. Dom ++ Paulo
Jorge de Laureano – Vieira y Saragoça
(Mar Alexander I
da Hispânea)