Depois
de seu estabelecimento em Canaã, nenhum esforço vigoroso fizeram
as tribos para completar a conquista da terra. Satisfeitas com o
território já ganho, seu zelo se debilitou logo, e a guerra
interrompeu-se. "Quando Israel cobrou mais forças, fez dos
cananeus tributários; porém não os expeliu de todo." Juí.
1:28.
O
Senhor havia cumprido fielmente, de Sua parte, as promessas feitas a
Israel; Josué quebrara o poder dos cananeus, e distribuíra a terra
às tribos. Apenas lhes restava, confiando na certeza do auxílio
divino, completar a obra de desapossar os habitantes da terra. Mas
isto eles deixaram de fazer. Entrando em aliança com os cananeus,
transgrediram diretamente a ordem de Deus, e assim deixaram de
cumprir a condição sob a qual Ele prometera colocá-los de posse
de Canaã.
Desde
a primeira comunicação da parte de Deus a eles no Sinai, haviam
sido advertidos contra a idolatria. Imediatamente depois da proclamação
da lei, foi-lhes enviada esta mensagem por intermédio de Moisés,
concernente às nações de Canaã: "Não te inclinarás diante
dos seus deuses, nem os servirás, nem farás conforme às suas
obras; antes os destruirás totalmente, e quebrarás de todo as suas
estátuas. E servireis ao Senhor vosso Deus, e Ele abençoará o
vosso pão e a vossa água; e Eu tirarei do meio de ti as
enfermidades." Êxo. 23:24 e 25. Deu-se-lhes a certeza de que
enquanto permanecessem obedientes, Deus subjugaria seus inimigos
diante deles: "Enviarei o Meu terror diante de ti,
desconcertando a todo o povo aonde entrares, e farei que todos os
teus inimigos te virem as costas. Também enviarei vespões diante
de ti, que lancem fora os heveus, os cananeus, os heteus, diante de
ti. Num só ano os não lançarei fora diante de ti para que a terra
se não torne em deserto, e as feras do campo se não multipliquem
contra ti. Pouco a pouco os lançarei de diante de ti, até que
sejas multiplicado, e possuas a terra por herança. … Darei nas
tuas mãos os moradores da terra, para que os lances fora de diante
de ti. Não farás concerto algum com eles, ou com os seus deuses.
Na tua terra não habitarão, para que não te façam pecar contra
Mim; se servires aos seus deuses, certamente será um laço para
ti." Êxo. 23:27-33. Estas instruções foram reiteradas da
maneira mais solene por Moisés, antes de sua morte, e foram
repetidas por Josué.
Deus
colocara Seu povo em Canaã como poderoso parapeito, para deter a
onda do mal moral, a fim de que este não inundasse o mundo. Sendo
fiel a Ele, era o intuito de Deus que Israel prosseguisse de vitória
em vitória. Ele daria em suas mãos nações maiores e mais
poderosas do que os cananeus. A promessa era: "Se
diligentemente guardardes todos estes mandamentos que vos ordeno…
também o Senhor de diante de vós lançará fora todas as nações,
e possuireis nações maiores e mais poderosas do que vós. Todo o
lugar que pisar a planta do vosso pé será vosso; desde o deserto,
e desde o Líbano, desde o rio, o rio Eufrates, até o mar
ocidental, será o vosso termo. Ninguém subsistirá diante de vós;
o Senhor vosso Deus porá sobre toda a terra que pisardes o vosso
terror e o vosso temor, como já vos tem dito." Deut. 11:22-25.
Mas,
sem consideração para com seu alto destino, preferiram o caminho
da comodidade e da condescendência própria; deixaram escapar sua
oportunidade para completarem a conquista da terra; e por muitas
gerações foram afligidos pelos remanescentes desses povos idólatras,
que, conforme predissera o profeta, eram como "espinhos nos
vossos olhos", e como "aguilhões nas vossas
ilhargas". Núm. 33:55.
Os
israelitas "se misturaram com as nações, e aprenderam as suas
obras". Ligaram-se matrimonialmente com os cananeus, e a
idolatria espalhou-se como uma praga por toda a terra.
"Serviram os seus ídolos, que vieram a ser-lhes um laço.
Demais disso, sacrificaram seus filhos e suas filhas aos demônios.
… E a terra foi manchada com sangue." "Pelo que se
acendeu a ira do Senhor contra Seu povo, de modo que abominou a Sua
herança." Sal. 106:34, 38 e 40.
Antes
que se extinguisse a geração que recebera instruções de Josué,
a idolatria fez pequeno avanço; mas os pais haviam preparado o
caminho para a apostasia de seus filhos. O desacato às restrições
do Senhor por parte daqueles que entraram na posse de Canaã,
disseminou sementes de males, as quais continuaram a produzir
amargos frutos por muitas gerações. Os hábitos simples dos
hebreus lhes haviam assegurado saúde física; mas a associação
com os gentios determinou a condescendência com o apetite e paixão,
o que diminuiu gradualmente a força física e enfraqueceu as
capacidades mentais e morais. Pelos seus pecados os israelitas foram
separados de Deus; Sua força foi removida deles, e não mais podiam
prevalecer contra seus inimigos. Assim foram levados sob a sujeição
das mesmas nações que por intermédio de Deus haviam subjugado.
"Deixaram
ao Senhor Deus de seus pais, que os tirara da terra do Egito" (Juí.
2:12), "e os guiou pelo deserto como a um rebanho (Sal.
78:52)." "Pois Lhe provocaram a ira com os seus altos, e
despertaram-Lhe o zelo com as suas imagens de escultura." Sal.
78:58. Portanto o Senhor "desamparou o tabernáculo em Silo, a
tenda que estabelecera como Sua morada entre os homens. E deu a Sua
força em cativeiro; e a Sua glória à mão do inimigo". Sal.
78:60 e 61. Todavia Ele não desamparou completamente o Seu povo.
Houve sempre uns remanescentes que eram fiéis a Jeová; e de tempos
em tempos o Senhor suscitava homens fiéis e valentes para derribar
a idolatria e livrar os israelitas de seus inimigos. Mas quando
morria o libertador, e o povo ficava livre de sua autoridade,
voltavam gradualmente aos seus ídolos. E assim a história de
apostasias e castigos, de confissão e livramento, repetia-se
reiteradas vezes.
O
rei da Mesopotâmia, o rei de Moabe, e depois destes os filisteus e
os cananeus de Hazor, guiados por Sísera, tornaram-se por seu turno
os opressores de Israel. Otniel, Sangar, Eúde, Débora e Baraque
foram levantados como libertadores de seu povo. Mas, de novo,
"os filhos de Israel fizeram o que parecia mal aos olhos do
Senhor, e o Senhor os deu na mão dos midianitas". Até ali a mão
do opressor não havia caído senão levemente sobre as tribos que
moravam ao este do Jordão; mas na presente calamidade foram os
primeiros a sofrer.
Os
amalequitas ao sul de Canaã, bem como os midianitas na sua
fronteira oriental e nos desertos além, eram ainda os implacáveis
inimigos de Israel. Esta última nação havia sido quase destruída
pelos israelitas nos dias de Moisés; mas desde então aumentaram
grandemente, e se tornaram numerosos e poderosos. Tinham tido sede
de vingança; e agora que a mão protetora de Deus se retirara de
Israel, chegara a oportunidade. Não somente as tribos ao este do
Jordão, mas todo o país sofreu com suas devastações. Os
habitantes selvagens e cruéis do deserto, numerosos "como
gafanhotos" (Juí. 6:5), vinham como enxame sobre a terra, com
seus rebanhos e gado. Como uma praga devoradora, espalhavam-se pelo
país, desde o rio Jordão até à planície filistéia. Vinham logo
que as searas começavam a amadurecer e ficavam até que os últimos
frutos da terra fossem colhidos. Despojavam os campos de seus
produtos, e roubavam e maltratavam os habitantes; e então voltavam
aos desertos. Assim os israelitas que moravam em território aberto
eram obrigados a abandonar suas casas, e a congregar-se nas cidades
muradas, a fim de procurar refúgio nas fortalezas, e mesmo a
encontrar abrigo nas cavernas e no recesso das rochas, entre as
montanhas. Por sete anos continuou esta opressão, e então, como o
povo em sua angústia atendesse à reprovação do Senhor, e
confessasse seus pecados, Deus levantou de novo um auxiliador para
eles.
Gideão
era filho de Joás, da tribo de Manassés. A divisão a que esta família
pertencia não mantinha posição de destaque, mas a casa de Joás
distinguia-se pela coragem e integridade. Quanto a seus valorosos
filhos é dito: "Cada um ao parecer, como filhos de um
rei." Juí. 8:18. Todos, com exceção de um, haviam tombado
nas lutas contra os midianitas, e ele fizera com que seu nome fosse
temido pelos invasores. A Gideão veio o chamado divino para
libertar seu povo. Estava ocupado na ocasião a trilhar o trigo. Uma
pequena quantidade deste cereal fora escondida, e, não ousando ele
batê-lo na eira comum, recorrera a um local próximo do lagar;
pois, estando ainda longe o tempo do amadurecimento das uvas, pouca
observação se dava agora às vinhas. Enquanto Gideão trabalhava
em segredo e silêncio, meditava com tristeza na condição de
Israel, e considerava como o jugo do opressor poderia ser quebrado
de seu povo.
Subitamente
o "anjo do Senhor" apareceu, e a ele se dirigiu com estas
palavras: "O Senhor é contigo, varão valoroso."
"Ai,
Senhor meu", foi a resposta, "se o Senhor é conosco, por
que tudo isto nos sobreveio? e que é feito de todas as Suas
maravilhas que nossos pais nos contaram, dizendo: Não nos fez o
Senhor subir do Egito? Porém agora o Senhor nos desamparou, e nos
deu na mão dos midianitas."
O
mensageiro do Céu replicou: "Vai nesta tua força, e livrarás
Israel da mão dos midianitas; porventura não te enviei Eu?"
Gideão
desejou algum sinal de que Aquele que agora Se lhe dirigia era o
Anjo do Concerto, que, nos tempos passados, havia agido em prol de
Israel. Anjos de Deus, que tiveram comunhão com Abraão,
demoraram-se certa vez em sua casa a fim de participar de sua
hospitalidade; e Gideão agora roga ao Mensageiro divino que fique
como o seu hóspede. Indo apressadamente à sua tenda, preparou de
seu escasso suprimento um cabrito e bolos asmos, que trouxe e pôs
diante dEle. Mas o Anjo ordenou-lhe: "Toma a carne e os bolos
asmos, e põe-os sobre esta penha e verte o caldo." Assim fez
Gideão, e então foi dado o sinal que ele desejara: com o cajado
que tinha na mão o Anjo tocou a carne e os bolos asmos, e uma chama
que irrompeu da pedra consumiu o sacrifício. Então o Anjo
desapareceu de sua vista.
O
pai de Gideão, Joás, que partilhava da apostasia de seus patrícios,
construíra em Ofra, onde morava, um grande altar a Baal, junto ao
qual o povo da cidade adorava. Foi ordenado a Gideão destruir este
altar, e erguer um altar a Jeová, sobre a rocha em que a oferta
fora consumida, e ali apresentar um sacrifício ao Senhor. A oferta
de sacrifício a Deus fora confiada aos sacerdotes, e se restringira
ao altar em Silo; mas Aquele que estabelecera o culto ritual e para
quem todas as ofertas daquele culto apontavam, tinha poder para
mudar as estipulações do mesmo. O livramento de Israel deveria ser
precedido por um protesto solene contra o culto de Baal. Gideão
devia declarar guerra contra a idolatria, antes de sair para
batalhar com os inimigos de seu povo.
A
determinação divina foi fielmente posta em prática. Sabendo Gideão
que encontraria oposição se aquilo fosse tentado abertamente,
levou a efeito o trabalho em segredo; com auxílio de seus servos,
fez tudo em uma noite. Grande foi a raiva dos homens de Ofra ao
virem eles, na manhã seguinte, a prestar suas devoções a Baal.
Teriam tirado a vida de Gideão, caso não houvesse Joás (a quem
havia sido referida a visita do Anjo) tomado a defesa de seu filho.
"Contendereis vós por Baal?" disse Joás. "Livrá-lo-eis
vós? Qualquer que por ele contender ainda esta manhã será morto;
se é deus, por si mesmo contenda; pois derribaram o seu
altar." Se Baal não podia defender seu próprio altar, como se
poderia confiar que ele protegesse seus adoradores?
Todos
os pensamentos de violência para com Gideão se dissiparam; e,
quando ele fez soar a trombeta de guerra, os homens de Ofra
acharam-se entre os primeiros a reunir-se sob sua bandeira. Arautos
foram expedidos à sua própria tribo de Manassés e também para
Aser, Zebulom e Naftali, e todos corresponderam ao chamado.
Gideão
não ousou colocar-se à frente do exército sem ainda novas provas
de que Deus o chamara para este trabalho, e de que seria com ele.
Ele orou: "Se hás de livrar a Israel por minha mão, como tens
dito, eis que eu porei um velo de lã na eira; se o orvalho estiver
somente no velo, e secura sobre toda a terra, então conhecerei que
hás de livrar a Israel por minha mão como tens dito." Pela
manhã, o velo estava úmido, enquanto a terra estava seca. Mas então
surgiu uma dúvida, visto que a lã naturalmente absorve a umidade
quando há alguma no ar; a prova não poderia ser decisiva. Daí o
pedir ele que o sinal fosse invertido, rogando que sua extrema
precaução não desagradasse ao Senhor. Seu pedido foi satisfeito.
Assim
encorajado, Gideão guiou suas forças a dar combate aos invasores.
"Todos os midianitas e amalequitas, e os filhos do oriente se
ajuntaram num corpo, e passaram, e puseram o seu campo no vale de
Jezreel." A força total sob o comando de Gideão contava
apenas trinta e dois mil homens; mas, com o vasto exército dos
inimigos estendendo-se diante dele, veio-lhe a palavra do Senhor:
"Muito é o povo que está contigo, para Eu dar aos midianitas
em sua mão; a fim de que Israel se não glorie contra Mim, dizendo:
A minha mão me livrou. Agora pois apregoa aos ouvidos do povo,
dizendo: Quem for covarde e medroso, volte, e vá-se apressadamente
das montanhas de Gileade." Aqueles que não estavam dispostos a
enfrentar perigos e agruras, ou cujos interesses mundanos atraíam
da obra de Deus seu coração, não acrescentariam força aos exércitos
de Israel. Sua presença mostrar-se-ia apenas uma causa de fraqueza.
Estabelecera-se
como lei de Israel que, antes de irem à guerra, se fizesse a
seguinte proclamação em todo o exército: "Qual é o homem
que edificou casa nova e ainda a não consagrou? vá, e torne-se à
sua casa, para que porventura não morra na peleja e algum outro a
consagre. E qual é o homem que plantou uma vinha e ainda não
logrou fruto dela? vá, e torne-se à sua casa, para que porventura
não morra na peleja e algum outro o logre. E qual é o homem que
está desposado com alguma mulher e ainda a não recebeu? vá, e
torne-se à sua casa, para que porventura não morra na peleja e
algum outro homem a receba." E os oficiais deviam falar ainda
ao povo, dizendo: "Qual é o homem medroso, e de coração tímido?
vá, e torne-se à sua casa, para que o coração de seus irmãos se
não derreta como o seu coração." Deut. 20:5-8.
Pelo
fato de seu exército ser tão pequeno em comparação com o do
inimigo, Gideão se abstivera de fazer a proclamação usual. Ficou
surpreso com a declaração de que seu exército era por demais
grande. Mas o Senhor via o orgulho e a incredulidade que existiam no
coração de Seu povo. Despertos pelos apelos estimulantes de Gideão,
alistaram-se com prontidão; mas muitos ficaram cheios de medo
quando viram as multidões dos midianitas. Entretanto, caso houvesse
Israel triunfado, esses mesmos teriam tomado a glória para si próprios,
em vez de atribuírem a vitória a Deus.
Gideão
obedeceu à determinação do Senhor, e com coração pesaroso viu
vinte e dois mil, ou mais de dois terços de sua força total,
partirem para casa. De novo veio a ele a palavra do Senhor:
"Ainda muito povo há; faze-os descer às águas, e ali tos
provarei; e será que, aquele de que Eu te disser: Este irá
contigo, esse contigo irá; porém todo aquele, de que Eu te disser:
Esse não irá contigo, esse não irá." O povo foi levado ao
lado da água, na expectativa de fazer um avanço imediato ao
inimigo. Alguns apressadamente tomaram um pouco de água na mão e a
beberam enquanto andavam; mas quase todos se curvaram sobre os
joelhos e comodamente beberam da superfície da corrente. Os que
tomaram água com as mãos foram apenas trezentos dentre os dez mil;
todavia estes foram escolhidos; a todo o resto foi permitido voltar
para casa.
O
caráter muitas vezes é provado pelo meio mais simples. Aqueles que
em tempo de perigo estavam preocupados com suprir suas necessidades,
não eram os homens em quem se poderia confiar em uma emergência. O
Senhor não tem lugar em Sua obra para os indolentes e
condescendentes consigo mesmos. Os homens de Sua escolha foram os
poucos que não permitiram que suas necessidades os detivessem no
desempenho do dever. Os trezentos homens escolhidos não somente
possuíam coragem e domínio próprio, mas eram homens de fé. Não
se haviam contaminado com a idolatria. Deus os poderia dirigir, e
por meio deles operar o livramento para Israel. O êxito não
depende do número. Deus pode livrar tanto com poucos como com
muitos. Ele é honrado nem tanto pelo grande número como pelo caráter
daqueles que O servem.
Os
israelitas estavam estacionados no cume de uma colina sobranceira ao
vale em que se acampavam as hostes dos invasores. "E os
midianitas, e amalequitas, e todos os filhos do oriente jaziam no
vale como gafanhotos em multidão; e eram inumeráveis os seus
camelos, como a areia que há na praia do mar em multidão." Juí.
7:12. Gideão tremeu ao pensar no conflito do dia seguinte. Mas o
Senhor falou-lhe à noite, e ordenou-lhe que, juntamente com Pura,
seu auxiliar, descesse ao acampamento dos midianitas, dando a
entender que ali ele ouviria algo para a sua animação. Ele foi, e
esperando nas trevas e silêncio, ouviu um soldado relatar um sonho
a seu companheiro: "Eis que um pão de cevada torrado rodava
pelo arraial dos midianitas, e chegava até às tendas, e as feriu,
e caíram, e as transtornou de cima para baixo; e ficaram
abatidas." O outro respondeu com palavras que agitaram o coração
do ouvinte invisível: "Não é isto outra coisa, senão a
espada de Gideão, filho de Joás, varão israelita. Deus tem dado
na sua mão aos midianitas, e a todo este arraial." Gideão
reconheceu a voz de Deus falando-lhe por meio desses estrangeiros
midianitas. Voltando aos poucos homens ao seu comando, disse:
"Levantai-vos, porque o Senhor tem dado o arraial dos
midianitas nas vossas mãos."
Por
direção divina foi-lhe sugerido um plano de ataque, o qual
imediatamente ele se pôs a executar. Os trezentos homens foram
divididos em três companhias. A cada homem foi dada uma trombeta, e
um archote escondido em um cântaro de barro. Os homens foram
estacionados de tal maneira que se aproximassem do arraial midianita
de diferentes direções. Tarde da noite, a um sinal da corneta de
guerra de Gideão, as três companhias soaram suas trombetas; então,
quebrando os cântaros, e ostentando os fachos luzentes,
precipitaram-se sobre o inimigo com o terrível grito de guerra:
"Espada do Senhor, e de Gideão."
O
exército, que dormia, despertou subitamente. De todos os lados
via-se a luz dos archotes em chamas. Em todas as direções ouvia-se
o som das trombetas, com o clamor dos assaltantes. Julgando-se sob o
ataque de uma força esmagadora, os midianitas ficaram tomados de pânico.
Com gritos selvagens de espanto fugiram para salvar a vida, e,
tomando seus próprios companheiros como inimigos, mataram-se uns
aos outros. Espalhando-se a notícia da vitória, milhares de homens
de Israel que haviam sido despedidos para suas casas, voltaram, e
uniram-se em perseguição do inimigo que fugia. Os midianitas se
encaminhavam para o Jordão, esperando atingir seu próprio território
além do rio. Gideão enviou mensageiros à tribo de Efraim,
incitando-os a interceptarem aos fugitivos a passagem para os vaus
do sul. Nesse ínterim, com seus trezentos, "cansados, mas
ainda perseguindo", Gideão atravessou o rio, logo após
aqueles que já haviam ganho a margem oposta. Os dois príncipes,
Zeba e Salmuna, que haviam estado no comando de todo o exército, e
que escaparam com uma força de quinze mil homens, foram
surpreendidos por Gideão, sendo essa força completamente dispersa,
e os chefes capturados e mortos.
Nesta
formidável derrota, pereceram nada menos de cento e vinte mil dos
invasores. Quebrou-se o poder dos midianitas, de modo que nunca mais
puderam fazer guerra contra Israel. As notícias espalharam-se
rapidamente por longe e perto, de que o Deus de Israel de novo
combatera por Seu povo. Palavras nenhumas podem descrever o terror
das nações circunvizinhas, quando souberam quão simples meio
prevalecera contra o poder de um povo ousado e guerreiro.
O
dirigente a quem Deus escolhera para subverter os midianitas, não
ocupava posição preeminente em Israel. Não era príncipe,
sacerdote, nem levita. Julgava-se o menor na casa de seu pai. Mas
Deus viu nele um homem de coragem e integridade. Não confiava em si
próprio, e queria seguir a direção do Senhor. Deus nem sempre
escolhe para a Sua obra homens dos maiores talentos; antes escolhe
os que melhor pode usar. "Diante da honra vai a
humildade." Prov. 15:33. O Senhor pode operar com mais eficácia
por meio daqueles que se acham mais cônscios de sua própria
insuficiência, e que confiarão nEle como seu dirigente e fonte de
poder. Ele os tornará fortes, unindo sua fraqueza ao Seu poder, e sábios
ligando sua ignorância à Sua sabedoria.
O
Senhor poderia fazer muito mais por Seu povo, se este acalentasse a
verdadeira humildade; mas poucos há a quem possa ser confiada
grande medida de responsabilidade ou êxito, sem que se tornem
confiantes em si mesmos e esquecidos de sua dependência de Deus. É
por isto que, ao escolher os instrumentos para Sua obra, o Senhor
despreza aqueles que o mundo honra como grandes, talentosos e
brilhantes. Estes muitas vezes são orgulhosos e confiantes em sua
própria competência. Acham-se capazes de agir sem o conselho de
Deus.
O
simples ato de fazer soar a trombeta, pelo exército de Josué, à
roda de Jericó, bem como pelo pequeno grupo de Gideão, em redor
das hostes de Midiã, foi eficaz pelo poder de Deus para transtornar
a força de seus inimigos. O plano mais completo que tenham os
homens imaginado, independente do poder e sabedoria de Deus,
mostrar-se-á um fracasso, ao passo que os métodos menos
promissores terão êxito se forem divinamente indicados, e
executados com humildade e fé. A confiança em Deus e a obediência
à Sua vontade são tão necessárias ao cristão na luta espiritual
como a Gideão e a Josué nos seus combates com os cananeus. Pelas
repetidas manifestações de Seu poder em prol de Israel, queria
Deus levá-los a ter fé nEle – a fim de buscarem Seu auxílio,
com toda a confiança, em todas as emergências. Ele está
precisamente tão disposto a agir pelos esforços de Seu povo, hoje,
e realizar grandes coisas por meio de fracas instrumentalidades. O Céu
todo aguarda o nosso pedido de Sua sabedoria e força. Deus é
"poderoso para fazer tudo muito mais abundantemente além
daquilo que pedimos ou pensamos". Efés. 3:20.
Gideão
voltou da perseguição aos inimigos da nação para encontrar
censura e acusação por parte de seus próprios compatriotas.
Quando ao seu chamado os homens de Israel foram arregimentados
contra os midianitas, a tribo de Efraim ficara atrás. Consideravam
aquele esforço como uma ação perigosa; e, como Gideão não lhes
fizesse uma convocação especial, aproveitaram-se desta desculpa
para não se unirem a seus irmãos. Mas, quando a notícia da vitória
de Israel chegou a eles, os efraimitas ficaram com ciúmes, porque não
haviam participado da mesma. Depois da derrota dos midianitas, os
homens de Efraim haviam por determinação de Gideão se apoderado
dos vaus do Jordão, impedindo assim a escapada dos fugitivos. Por
este meio grande número de inimigos foram mortos, entre os quais
estavam dois príncipes, Orebe e Zeebe. Assim, os homens de Efraim
acompanharam o combate e auxiliaram na completa vitória. Não
obstante, ficaram com inveja e irados, como se Gideão fora levado
pela sua própria vontade e juízo. Não discerniram a mão de Deus
na vitória de Israel, não apreciaram Seu poder e misericórdia no
livramento deles; e este mesmo fato demonstrou-os indignos de serem
escolhidos como Seus instrumentos especiais.
Voltando
com os troféus da vitória, raivosamente censuraram a Gideão:
"Que é isto que nos fizeste, que não nos chamaste, quando
foste pelejar contra os midianitas?"
"Que
mais fiz eu agora do que vós?" disse Gideão. "Não são
porventura os rabiscos de Efraim melhores do que a vindima de
Abiezer? Deus vos deu na vossa mão aos príncipes dos midianitas,
Orebe e Zeebe; que mais pude eu logo fazer do que vós?"
O
espírito de inveja poderia facilmente ter provocado uma contenda
que haveria causado lutas e morticínio; mas a resposta modesta de
Gideão abrandou a ira dos homens de Efraim, e eles voltaram em paz
para casa. Firme e intransigente onde havia uma questão de princípios,
e na guerra "varão valoroso", Gideão possuía também um
espírito de cortesia que raramente se vê.
O
povo de Israel, em gratidão pelo seu livramento dos midianitas,
propôs a Gideão que ele se tornasse seu rei, e que o trono se
confirmasse aos seus descendentes. Essa proposta estava em direta
violação dos princípios da teocracia. Deus era o rei de Israel, e
para este a colocação de um homem no trono seria a rejeição de
seu Soberano divino. Gideão reconheceu este fato; sua resposta
mostra quão verdadeiros e nobres eram os seus intuitos. "Sobre
vós eu não dominarei", declarou ele, "nem tão pouco meu
filho sobre vós dominará; o Senhor sobre vós dominará."
Mas
Gideão caiu em outro erro, que acarretou desgraça à sua casa e a
todo o Israel. O perigo de inatividade que se segue a uma grande
luta acha-se muitas vezes repleto de maiores perigos do que o tempo
de conflito. A este perigo estava Gideão agora exposto. Um espírito
de inquietação o possuiu. Até ali se contentara com realizar o
que Deus lhe determinava; mas agora, em vez de esperar guia divina,
começou a fazer planos por si mesmo. Havendo os exércitos do
Senhor ganho uma assinalada vitória, Satanás redobrara seus esforços
para transtornar a obra de Deus. Assim, idéias e planos foram
sugeridos à mente de Gideão, pelos quais o povo de Israel se
transviou.
Porque
lhe houvesse sido mandado oferecer sacrifício sobre a pedra onde o
anjo lhe aparecera, concluiu Gideão que ele fora designado para
oficiar como sacerdote. Sem esperar a aprovação divina, decidiu-se
a arranjar um lugar conveniente, e instituir um sistema de culto
semelhante àquele que se levava a efeito no tabernáculo. Com o
forte sentimento popular a seu favor, não encontrou dificuldade ao
executar seus planos. A seu pedido, todos os pendentes de ouro
tomados aos midianitas lhe foram dados como sua participação do
despojo. O povo também reuniu muitos outros materiais custosos,
juntamente com as vestes ricamente adornadas dos príncipes de Midiã.
Com o material assim fornecido, Gideão confeccionou um éfode e um
peitoral, imitando os que eram usados pelo sumo sacerdote. Sua
conduta demonstrou-se uma cilada para ele próprio e sua família,
bem como a Israel. Aquele culto não autorizado levou muitos do povo
afinal a esquecerem-se inteiramente do Senhor e servir aos ídolos.
Depois da morte de Gideão, grande número de pessoas, entre as
quais estava a sua própria família, uniu-se a esta apostasia. O
povo desviou-se de Deus pelo mesmo homem que uma ocasião vencera a
idolatria.
Poucos
há que se compenetram de quão grande alcance é a influência de
suas palavras e atos. Quantas vezes os erros dos pais produzem os
mais desastrosos efeitos em seus filhos, e descendentes destes,
muito tempo depois que os próprios autores foram postos nos túmulos!
Cada um exerce uma influência sobre os outros, e será responsável
pelo resultado dessa influência. Palavras e ações têm um poder
eloqüente, e a longa vida do além mostrará o efeito de nossa vida
aqui. A impressão produzida por nossas palavras e ações reagirá
certamente sobre nós, trazendo bênção ou maldição. Tal
pensamento confere uma terrível solenidade à vida, e deve
atrair-nos a Deus, com humilde oração, a fim de que Ele nos guie
pela Sua sabedoria.
Aqueles
que ocupam as mais elevadas posições podem transviar outros. Os
mais sábios erram; os mais fortes podem vacilar e tropeçar. Há
necessidade de que constantemente se derrame em nosso caminho a luz
do alto. Nossa única segurança está em confiar nosso caminho
implicitamente Àquele que disse: "Segue-Me."
Depois
da morte de Gideão, "os filhos de Israel se não lembraram do
Senhor seu Deus, que os livrara da mão de todos os seus inimigos em
redor. Nem usaram de beneficência com a casa de Jerubaal, a saber,
de Gideão, conforme a todo o bem que ele usara com Israel".
Esquecidos de tudo que deviam a Gideão, seu juiz e libertador, o
povo de Israel aceitou seu filho Abimeleque, de nascimento vil, como
seu rei, o qual, para sustentar seu poderio, assassinou todos os
filhos legítimos de Gideão, com exceção de um. Quando os homens
rejeitam o temor de Deus, não demora afastarem-se da honra e da
integridade. Uma apreciação da misericórdia do Senhor determinará
a apreciação daqueles que, como Gideão, foram usados como
instrumentos para abençoar Seu povo. A conduta cruel por parte de
Israel para com a casa de Gideão, foi o que se poderia esperar de
um povo que manifestava tamanha ingratidão para com Deus.
Depois
da morte de Abimeleque, o governo dos juízes que temiam ao Senhor
serviu durante algum tempo para impedir a idolatria; mas não muito
tempo depois o povo voltou às práticas das comunidades gentílicas
que em redor deles havia. Entre as tribos do norte, os deuses da Síria
e Sidom tinham muitos adoradores. Ao sudoeste os ídolos dos
filisteus, e a leste os de Moabe e Amom haviam desviado os corações
de Israel do Deus de seus pais. A apostasia, porém, de imediato
trouxe o seu castigo. Os amonitas subjugaram as tribos orientais, e,
atravessando o Jordão, invadiram o território de Judá e Efraim.
Ao oeste, os filisteus subiram de sua planície ao lado do mar,
queimando e pilhando por toda parte. Novamente Israel pareceu
achar-se abandonado ao poder de seus inimigos implacáveis.
De
novo o povo procurou auxílio dAquele a quem tanto haviam abandonado
e insultado. "Os filhos de Israel clamaram ao Senhor, dizendo:
Contra Ti havemos pecado, porque deixamos a nosso Deus, e servimos
aos baalins." Juí. 10:10-16. Mas a tristeza não operara o
verdadeiro arrependimento. O povo lamentava porque seus pecados lhes
haviam acarretado sofrimento, mas não porque tivessem desonrado a
Deus pela transgressão de Sua santa lei. O verdadeiro
arrependimento é mais que tristeza pelo pecado. É uma decidida renúncia
ao mal.
O
Senhor lhes respondeu por um de Seus profetas: "Porventura dos
egípcios, e dos amorreus, e dos filhos de Amom, e dos filisteus, e
dos sidônios, e dos amalequitas e dos maonitas, que vos oprimiam,
quando a Mim clamastes, não vos livrei Eu então da sua mão?
Contudo vós Me deixastes a Mim, e servistes a outros deuses, pelo
que não vos livrarei mais. Andai, e clamai aos deuses que
escolhestes; que vos livrem eles no tempo do vosso aperto."
Estas
solenes e terríveis palavras transportam o espírito para outra
cena: o grande dia do juízo final, em que os que rejeitaram a
misericórdia de Deus e desprezaram Sua graça serão trazidos em
face de Sua justiça. Naquele tribunal devem prestar contas os que
dedicaram os talentos que Deus lhes deu – de tempo, meios ou
inteligência – ao serviço dos deuses deste mundo. Deixaram seu
verdadeiro e amoroso Amigo, para seguirem o caminho da conveniência
e dos prazeres mundanos. Tencionavam em algum tempo voltar a Deus;
mas o mundo, com suas loucuras e enganos, absorveu-lhes a atenção.
Os divertimentos frívolos, o orgulho no vestir, a satisfação do
apetite, lhes endureceram o coração e embotaram a consciência, de
maneira que não ouviram a voz da verdade. Foi desprezado o dever.
Coisas de valor infinito foram estimadas levianamente, até que o
coração perdeu todo o desejo de sacrificar-se por Aquele que tanto
deu pelo homem. Mas no tempo da ceifa colherão o que semearam.
Disse
o Senhor: "Porque clamei, e vós recusastes; porque estendi a
Minha mão, e não houve quem desse atenção; antes rejeitastes
todo o Meu conselho, e não quisestes a Minha repreensão; … vindo
como assolação o vosso temor, e vindo a vossa perdição como
tormenta, sobrevindo-vos aperto e angústia, então a Mim clamarão,
mas Eu não responderei; de madrugada Me buscarão, mas não Me
acharão. Porquanto aborreceram o conhecimento, e não preferiram o
temor do Senhor; não quiseram Meu conselho e desprezaram toda a
Minha repreensão. Portanto, comerão do fruto do seu caminho, e
fartar-se-ão dos seus próprios conselhos." "Mas o que Me
der ouvidos habitará seguramente, e estará descansado do temor do
mal." Prov. 1:24-31 e 33.
Os
israelitas humilharam-se agora perante o Senhor. "E tiraram os
deuses alheios do meio de si, e serviram ao Senhor." E o
amoroso coração do Senhor "se angustiou" por causa da
desgraça de Israel. Oh, que longânima misericórdia de nosso Deus!
Quando Seu povo abandonou os pecados que haviam excluído Sua presença,
Ele lhes ouviu as orações, e logo Se pôs a agir em prol deles.
Levantou-se
um libertador na pessoa de Jefté, gileadita, o qual fez guerra
contra os amonitas, e destruiu eficazmente o seu poderio. Durante
dezoito anos, por este tempo, Israel havia sofrido sob a opressão
de seus adversários; todavia a lição ensinada pelo sofrimento foi
de novo esquecida.
Como
o povo voltasse aos seus maus caminhos, o Senhor permitiu ainda que
fossem oprimidos pelos seus poderosos inimigos, os filisteus. Por
muitos anos foram constantemente perseguidos, e por vezes
completamente subjugados, por aquela nação cruel e belicosa.
Haviam-se misturado com esses idólatras, unindo-se com eles nos
prazeres e no culto, até se confundirem com os mesmos, no espírito
e nos interesses. Então esses professos amigos de Israel
tornaram-se seus mais acérrimos inimigos, e procuravam por todos os
meios conseguir sua destruição.
Semelhantes
a Israel, mui freqüentemente os cristãos se rendem à influência
do mundo, e conformam-se aos seus princípios e costumes, a fim de
obter a amizade dos ímpios; mas no fim achar-se-á que tais
professos amigos são os mais perigosos adversários. A Bíblia
claramente ensina que não pode haver harmonia entre o povo de Deus
e o mundo. "Meus irmãos, não vos maravilheis, se o mundo vos
aborrece." I João 3:13. Diz nosso Salvador: "Sabei que,
primeiro do que a vós, Me aborreceu a Mim." João 15:18. Satanás
opera por intermédio dos ímpios, sob a capa de uma pretensa
amizade, para seduzir o povo de Deus ao pecado, a fim de que os
possa separar dEle; e, quando é removida a sua defesa, leva então
seus agentes a se voltarem contra eles e procurar efetuar sua
destruição.
SANSÃO
Em
meio da ampla apostasia, os fiéis adoradores de Deus continuaram a
pleitear com Ele o livramento de Israel. Posto que não fossem
aparentemente atendidos, embora ano após ano o poder do opressor
continuasse a repousar mais pesadamente sobre a terra, a providência
de Deus lhes estava preparando auxílio. Mesmo nos primeiros anos da
opressão dos filisteus, nascera uma criança por meio da qual era
desígnio de Deus humilhar a força daqueles poderosos adversários.
À
beira do território montanhoso, sobranceiro à planície da Filístia,
achava-se a cidadezinha de Zorá. Ali morava a família de Manoá,
da tribo de Dã, uma das poucas casas que em meio da deserção
geral permaneceram fiéis a Jeová. À mulher de Manoá, a qual não
tinha filhos, o "Anjo do Senhor" apareceu, com a mensagem
de que ela teria um filho, por meio de quem Deus começaria a livrar
Israel. Em vista disto o Anjo lhe deu instruções com relação aos
seus próprios hábitos, e também quanto ao tratamento do filho:
"Agora, pois, guarda-te de que bebas vinho, ou bebida forte, ou
comas coisa imunda." Juí. 13:4. E a mesma proibição deveria
ser imposta desde o princípio à criança, com o acréscimo de que
o cabelo não lhe deveria ser cortado; pois que cumpria ser ele
consagrado a Deus como nazireu desde o seu nascimento.
A
mulher procurou o marido, e depois de descrever o Anjo, repetiu sua
mensagem. Então, receosos de que cometessem algum erro na
importante obra a eles confiada, orou o esposo: "Rogo-te que o
homem de Deus, que enviaste, ainda venha para nós outra vez e nos
ensine o que devemos fazer ao menino que há de nascer." Juí.
13:8.
Quando
o Anjo de novo apareceu, a ansiosa indagação de Manoá foi:
"Qual será o modo de viver, e serviço do menino?" A
instrução prévia foi repetida: "De tudo quanto Eu disse à
mulher se guardará ela. De tudo quanto procede da vide de vinho não
comerá, nem vinho nem bebida forte beberá, nem coisa imunda comerá;
tudo quanto lhe tenho ordenado guardará."
Deus
tinha uma importante obra para o prometido filho de Manoá realizar,
e foi para assegurar-lhe as habilitações para esta obra que os hábitos
de ambos, mãe e filho, deveriam ser cuidadosamente regulados.
"Nem vinho nem bebida forte beberá" foi a instrução do
Anjo à mulher de Manoá; "nem coisa imunda comerá: tudo
quanto lhe tenho ordenado guardará." Juí. 13:12-14. O filho
será influenciado para o bem ou para o mal pelos hábitos da mãe.
Ela própria deve ser governada pelos princípios, e praticar a
temperança e renúncia de si mesma, se quer o bem-estar do filho.
Conselheiros imprudentes insistirão com a mãe quanto à
necessidade de satisfazer todo o desejo e inclinação; mas tal
ensino é falso e pernicioso. A mãe é colocada por ordem do próprio
Deus sob a obrigação mais solene de exercer o domínio de si
mesma.
E
os pais, bem como as mães, acham-se incluídos nesta
responsabilidade. Pai e mãe transmitem aos filhos suas características,
mentais e físicas, e suas disposições e apetites. Como resultado
da intemperança paterna, as crianças muitas vezes têm falta de
força física, e de capacidade mental e moral. Alcoólatras e
fumantes podem transmitir a seus filhos seu insaciável desejo, seu
sangue inflamado e nervos irritáveis; e efetivamente o fazem. O
libertino muitas vezes lega à prole, como herança, os seus desejos
impuros, e mesmo moléstias repugnantes. E, como os filhos têm
menos poder para resistir à tentação do que o tiveram seus pais,
a tendência é para que cada geração decaia mais e mais. Em grau
elevado, os pais são responsáveis não somente pelas paixões
violentas e apetites pervertidos dos filhos, mas também pelas
enfermidades de milhares que nascem mudos, cegos, doentes ou
idiotas.
A
indagação de cada pai e mãe deve ser: "Que faremos pelo
filho que nos nascerá?" O efeito das influências pré-natais
tem sido por muitos considerado levianamente; mas a instrução
enviada do Céu àqueles pais hebreus, e duas vezes repetida da
maneira mais explícita e solene, mostra como é este assunto
considerado por nosso Criador.
E
não era bastante que o filho prometido recebesse um bom legado dos
pais. Este devia ser seguido de um ensino cuidadoso e da formação
de hábitos corretos. Deus determinara que o futuro juiz e
libertador de Israel fosse desde a infância ensinado na estrita
temperança. Devia ser nazireu desde seu nascimento, achando-se
assim posto sob proibição perpétua do uso do vinho ou de bebida
forte. As lições de temperança, renúncia e governo de si mesmo
devem ser ensinadas às crianças mesmo desde a primeira infância.
A
proibição do Anjo incluía toda a "coisa imunda".Juí.
13:14. A distinção entre alimentos limpos e imundos não era um
estatuto meramente cerimonial e arbitrário, mas baseava-se em princípios
sanitários. À observância desta distinção pode atribuir-se em
grande parte a maravilhosa vitalidade que durante milhares de anos
tem distinguido o povo judeu. Os princípios de temperança devem
ser mais abrangentes do que a mera abstenção de bebidas alcoólicas.
O uso de alimento estimulante e indigesto é, muitas vezes, tão
ofensivo à saúde como aquelas, e em muitos casos lança as
sementes da embriaguez. A verdadeira temperança nos ensina a
dispensar inteiramente todas as coisas nocivas, e usar
judiciosamente aquilo que é saudável. Poucos há que se
compenetram, como deviam, do quanto seus hábitos no regime
alimentar têm que ver com sua saúde, seu caráter, sua utilidade
neste mundo e seu destino eterno. O apetite deve sempre estar sob a
sujeição das faculdades morais e intelectuais. O corpo deve ser o
servo da mente, e não a mente a serva do corpo.
A
promessa divina a Manoá foi cumprida no tempo devido com o
nascimento de um filho, a quem foi dado o nome de Sansão. Crescendo
o rapaz, tornou-se evidente que possuía extraordinária força física.
Isto, entretanto, não dependia, conforme Sansão e seus pais bem
sabiam, de seus compactos músculos, mas sim de sua condição de
nazireu, de que o seu cabelo não cortado era símbolo. Houvesse
Sansão obedecido às ordens divinas tão fielmente como fizeram
seus pais, e seu destino teria sido mais nobre e mais feliz. Mas a
associação com os idólatras o corrompeu. Achando-se a cidade de
Zorá próxima do território dos filisteus, Sansão veio a travar
relações amistosas com eles. Assim, em sua mocidade surgiram
camaradagens cuja influência lhe obscureceu toda a vida. Uma jovem
que habitava na cidade filistéia de Timnata, conquistou as afeições
de Sansão, e ele decidiu fazer dela sua esposa. A seus pais
tementes a Deus, que se esforçavam por dissuadi-lo de seu propósito,
sua única resposta era: "Ela agrada aos meus olhos." Juí.
14:3. Os pais finalmente cederam aos seus desejos, e realizou-se o
casamento.
Exatamente
quando entrava para a varonilidade, época em que deveria executar
sua missão divina – tempo este em que mais do que em todos os
outros deveria ser fiel a Deus – ligou-se Sansão aos inimigos de
Israel. Não procurou saber se poderia melhor glorificar a Deus
estando unido ao objeto de sua escolha, ou se se encontrava a
colocar-se em posição em que não poderia cumprir o propósito a
ser realizado pela sua vida. A todos os que em primeiro lugar
procuram honrá-Lo, Deus prometeu sabedoria; mas não há promessa
àqueles que se inclinam a agradar a si mesmos.
Quantos
não estão adotando a mesma conduta de Sansão! Quantas vezes se
efetuam casamentos entre os que são tementes a Deus e os ímpios,
porque a inclinação governa a escolha de marido ou mulher! As
partes não pedem conselho de Deus, nem têm em vista a Sua glória.
O cristianismo deve ter influência dominante na relação
matrimonial; mas dá-se muitas vezes o caso de que os motivos que
determinam esta união não se coadunam com os princípios cristãos.
Satanás procura constantemente fortalecer o seu poder sobre o povo
de Deus, induzindo-os a entrar em aliança com seus súditos; e a
fim de realizar isto ele se esforça por despertar paixões impuras
no coração. Mas o Senhor em Sua Palavra instruiu claramente Seu
povo a não se unir àqueles nos quais não habita o amor para com
Ele. "Que concórdia há entre Cristo e Belial? Ou que parte
tem o fiel com o infiel? E que consenso tem o templo de Deus com os
ídolos?" II Cor. 6:15 e 16.
Em
sua festa nupcial foi levado Sansão à associação familiar com os
que odiavam ao Deus de Israel. Quem quer que voluntariamente entre
para uma relação tal, sentirá a necessidade de se conformar até
certo ponto com os hábitos e costumes de seus companheiros. O tempo
assim despendido é mais que desperdiçado. Entretêm-se pensamentos
e falam-se palavras que tendem a derribar as fortalezas dos princípios
e enfraquecer a cidadela da alma.
A
esposa, para cuja obtenção Sansão transgredira o mandado de Deus,
mostrara-se traidora a seu esposo antes de encerrar-se a festa
nupcial. Irado pela sua perfídia, Sansão abandonou-a por algum
tempo, e foi sozinho para sua casa em Zorá. Quando, depois de
acalmar-se, voltou em busca da esposa, encontrou-a como mulher de
outro. Sua vingança, devastando todos os campos e vinhas dos
filisteus, induziu-os a assassiná-la, embora as ameaças deles a
houvessem compelido ao dolo com que tivera início aquela
calamidade. Sansão já havia dado prova de sua força maravilhosa,
matando sozinho um leão novo, bem como matando trinta dos homens de
Asquelom. Agora, levado à cólera pelo bárbaro assassínio da
esposa, atacou os filisteus, e feriu-os "com grande
ferimento". Então, desejando um seguro refúgio de seus
inimigos, retirou-se para a "rocha de Etã" (Juí. 15:8),
na tribo de Judá.
Para
aquele lugar foi ele perseguido por poderosa força, e os habitantes
de Judá, grandemente alarmados, concordaram de maneira vil em
entregá-lo a seus inimigos. Em conformidade com isto, três mil
homens de Judá subiram a ele. Mas mesmo com tal disparidade não
teriam ousado aproximar-se dele, se não se houvessem assegurado de
que ele não faria mal a seus compatriotas. Sansão consentiu em ser
ligado e entregue aos filisteus; mas primeiro exigiu dos homens de
Judá a promessa de o não atacarem, e o compelirem assim a destruí-los.
Permitiu-lhes que o amarrassem com duas cordas novas, e foi levado
ao arraial de seus inimigos por entre demonstrações de grande
alegria. Mas, enquanto suas aclamações estavam a despertar ecos
nas colinas, "o Espírito do Senhor possantemente Se apossou
dele" Juí. 15:14. Rebentou as fortes cordas novas como se
fossem fios de linho queimados. Agarrando então a primeira arma à
mão, a qual, embora fosse apenas a queixada de um jumento, foi mais
eficaz do que espada ou lança, feriu os filisteus até que fugiram
aterrorizados, deixando mil homens mortos no campo.
Estivessem
os israelitas prontos a unir-se a Sansão, e continuar a vitória, e
poderiam nesta ocasião ter-se livrado do poder dos opressores. Mas
eles se haviam tornado desanimados e covardes. Negligenciaram a obra
que Deus lhes ordenara fazer, desapossando os gentios, e uniram-se a
eles nas suas práticas degradantes, tolerando-lhes a crueldade, e
mesmo favorecendo-lhes a injustiça enquanto esta não se revertia
contra eles. Ao serem trazidos sob o poder do opressor, submetiam-se
timidamente à degradação de que poderiam ter escapado, caso
houvessem tão-somente obedecido a Deus. Mesmo quando o Senhor lhes
levantava um libertador, abandonavam-no com freqüência e uniam-se
a seus inimigos.
Depois
da vitória de Sansão, os israelitas o tornaram juiz, e governou
Israel durante vinte anos. Mas um passo errado prepara o caminho
para outro. Sansão tinha transgredido o mandado de Deus, tomando
esposa dentre os filisteus, e outra vez aventurou-se a ir entre eles
– agora seus inimigos mortais – com o fim de satisfazer paixões
ilícitas. Confiando em sua grande força, que inspirara tamanho
terror aos filisteus, foi ousadamente a Gaza visitar uma prostituta
do lugar. Os habitantes daquela cidade souberam da sua presença, e
estavam ansiosos de vingança. Seu inimigo estava encerrado com
segurança dentro dos muros da mais potentemente fortificada de
todas as suas cidades; estavam certos de sua presa, e apenas
esperavam a manhã para completarem o seu triunfo. À meia-noite
Sansão foi despertado. A voz acusadora da consciência encheu-o de
remorsos, ao lembrar-se de que violara seus votos de nazireu. Mas,
apesar de seu pecado, a misericórdia de Deus o não abandonara. Sua
prodigiosa força de novo serviu para livrá-lo. Indo à porta da
cidade, arrancou-a do lugar, e levou-a com as ombreiras e tranca ao
cimo de uma colina no caminho de Hebrom.
Contudo,
mesmo esta difícil escapada não lhe deteve a má conduta. Não se
arriscou outra vez a ir entre os filisteus, mas continuou à procura
daqueles prazeres sensuais que o estavam atraindo à ruína. Ele
"se afeiçoou a uma mulher do vale de Soreque" (Juí.
16:4), não longe de seu próprio lugar de origem. O nome dela era
Dalila – "a consumidora". O vale de Soreque era célebre
pelas suas vinhas; estas também ofereciam uma tentação ao
vacilante nazireu que já havia condescendido com o uso do vinho,
quebrando assim outro laço que o ligava à pureza e a Deus. Os
filisteus observavam vigilantemente os movimentos de seu inimigo; e,
quando este se degradou pela sua nova aliança, resolveram por meio
de Dalila efetuar sua ruína.
Uma
delegação composta de um dos principais homens de cada província
filistéia, foi enviada ao vale de Soreque. Não ousavam tentar
prendê-lo, enquanto estivesse de posse de sua grande força, antes
era seu propósito saber, sendo possível, o segredo de seu poder.
Subornaram, portanto, a Dalila, para o descobrir e revelar.
Importunando
a traidora a Sansão com suas perguntas, ele a enganou declarando
que a fraqueza de outros homens lhe sobreviria se fossem
experimentados certos processos. Quando ela punha aquilo à prova,
descobria-se o engano. Então ela o acusou de falsidade, dizendo:
"Como dirás: Tenho-te amor, não estando comigo o teu coração?
já três vezes zombaste de mim, e ainda me não declaraste em que
consiste a tua força." Juí. 16:15. Três vezes Sansão teve a
prova mais clara de que os filisteus se haviam coligado com aquela
que o encantava, a fim de o destruir; mas, quando fracassava o propósito
dela, tratava o caso como simples gracejo, e bania cegamente os seus
receios.
Dia
após dia Dalila insistia com ele, até que "sua alma se
angustiou até à morte"; contudo um poder sutil o conservava
ao lado dela. Vencido finalmente, Sansão deu a conhecer o segredo:
"Nunca subiu navalha à minha cabeça, porque sou nazireu de
Deus desde o ventre de minha mãe; se viesse a ser rapado, ir-se-ia
de mim a minha força, e me enfraqueceria, e seria como todos os
mais homens." Despachou-se imediatamente um mensageiro aos
chefes dentre os filisteus, insistindo que viessem a ela, sem
demora. Enquanto dormia o guerreiro, cortaram-lhe as pesadas porções
de cabelo. Então, conforme fizera três vezes antes, ela chamou:
"Os filisteus vêm sobre ti, Sansão." Despertando
subitamente, pensou em exercer sua força como antes, e destruí-los;
mas os braços impotentes recusaram-se a cumprir a sua ordem, e
soube que "o Senhor Se tinha retirado dele". Juí. 16:16,
17 e 20. Depois de ter sido rapado, Dalila começou a molestá-lo e
a causar-lhe dor, pondo assim à prova a sua força; pois os
filisteus não ousavam aproximar-se dele antes que estivessem
completamente convencidos de que seu poder desaparecera. Então o
agarraram, e havendo-lhe arrancado os olhos, levaram-no a Gaza. Ali
foi preso com correntes e obrigado a trabalhos pesados.
Que
mudança para aquele que fora juiz e campeão de Israel – agora
fraco, cego, preso, rebaixado ao trabalho mais servil! Pouco a
pouco, tinha violado as condições de sua vocação sagrada. Deus
tinha tido muita paciência com ele; mas, quando se entregara tanto
ao poder do pecado que traiu o seu segredo, o Senhor Se afastou
dele. Não havia virtude alguma em seu longo cabelo, mas este era
sinal de fidelidade para com Deus; e, quando sacrificou este símbolo
na satisfação da paixão, perdeu também as bênçãos de que ele
era um sinal.
No
sofrimento e humilhação, como joguete dos filisteus, Sansão
aprendeu mais acerca de sua fraqueza do que jamais soubera antes; e
as aflições o levaram ao arrependimento. Crescendo-lhe o cabelo, a
força lhe voltava gradualmente; seus inimigos, porém,
considerando-o um prisioneiro algemado e indefeso, não tinham
apreensões.
Os
filisteus atribuíram a vitória aos seus deuses; e, exultantes,
desafiaram ao Deus de Israel. Foi marcada uma festa em honra a Dagom,
o deus-peixe, "protetor do mar". Das cidades e dos campos,
por toda a planície dos filisteus, o povo e seus grandes se
congregaram. Multidões de adoradores enchiam o vasto templo e as
galerias próximas do teto. Era uma cena de festa e regozijo. Havia
a pompa do serviço sacrifical, seguido de música e banquetes. Então,
como o máximo troféu do poder de Dagom, foi trazido Sansão.
Aclamações de triunfo saudaram o seu aparecimento. O povo e os príncipes
zombaram de seu estado miserável, e adoraram o deus que subvertera
o "destruidor de seu país". Depois de algum tempo, Sansão,
como se estivesse cansado, pediu permissão para recostar-se de
encontro às duas colunas centrais em que se apoiava o teto do
templo. Proferiu então silenciosamente a oração: "Senhor
Jeová, peço-Te que Te lembres de mim, e esforça-me agora só esta
vez, ó Deus, para que de uma vez me vingue dos filisteus." Com
estas palavras, cingiu com os poderosos braços as colunas; e
clamando: "Morra eu com os filisteus", curvou-se e o teto
caiu, destruindo em um só fragor toda aquela vasta multidão.
"E foram mais os mortos que matou na sua morte do que os que
matara na sua vida."
O
ídolo e seus adoradores, sacerdotes e camponeses, guerreiros e
nobres, foram juntamente sepultados sob as ruínas do templo de
Dagom. E entre eles estava o corpo gigantesco daquele que Deus
escolhera para ser o libertador de Seu povo. Notícias da terrível
destruição foram levadas à terra de Israel, e os parentes de Sansão
desceram de suas colinas, e, sem encontrarem oposição, recobraram
o corpo do finado herói. E "subiram com ele, e sepultaram-no
entre Zorá e Estaol, no sepulcro de Manoá, seu pai". Juí.
16:28-31.
A
promessa de Deus de que por meio de Sansão começaria a
"livrar a Israel da mão dos filisteus" (Juí. 13:5), foi
cumprida; mas quão tenebroso e terrível é o relato daquela vida
que poderia ter sido um louvor a Deus e uma glória para a nação!
Se Sansão tivesse sido fiel à vocação divina, ter-se-ia cumprido
o propósito de Deus em sua honra e exaltação. Mas ele rendeu-se
à tentação, e mostrou-se infiel à sua incumbência; e sua missão
cumpriu-se com a derrota, escravidão e morte.
Fisicamente
falando, Sansão foi o homem mais forte da Terra; mas no domínio de
si mesmo, na integridade e firmeza, foi um dos mais fracos. Muitos
tomam erradamente as paixões fortes como caráter forte; mas a
verdade é que aquele que é dominado por suas paixões é homem
fraco. A verdadeira grandeza do homem é medida pela força dos
sentimentos que ele domina, e não pelos sentimentos que o dominam.
O
cuidado providencial de Deus estivera com Sansão, a fim de que ele
pudesse estar preparado para realizar a obra que fora chamado a
fazer. Mesmo no princípio da vida esteve cercado de condições
favoráveis para a força física, vigor intelectual e pureza moral.
Mas, sob a influência de companheiros ímpios, deixou aquele apego
a Deus que é a única salvaguarda do homem, e foi arrastado pela
onda do mal. Aqueles que no caminho do dever são levados à prova
podem estar certos de que Deus os guardará; mas, se os homens
voluntariamente se colocam sob o poder da tentação, cairão mais
cedo ou mais tarde.
Justamente
aqueles que Deus Se propõe usar como Seus instrumentos para uma
obra especial, Satanás, empregando seu máximo poder procura
transviar. Ele nos ataca em nossos pontos fracos, procurando, pelos
defeitos do caráter, obter domínio sobre o homem todo; e sabe que,
se tais defeitos são acalentados, terá bom êxito. Mas ninguém
precisa ser vencido. O homem não é deixado só a vencer o poder do
mal pelos seus fracos esforços. O auxílio está às mãos, e será
dado a toda alma que realmente o desejar. Anjos de Deus, que sobem e
descem pela escada que Jacó viu em visão, auxiliarão a toda alma,
que o deseje, a subir mesmo aos mais altos Céus.
O
MENINO SAMUEL
Elcana,
levita do Monte Efraim, era homem de riqueza e influência, e um dos
que amavam e temiam ao Senhor. Sua esposa, Ana, era mulher de
piedade fervorosa. Meiga e humilde, distinguia-se o seu caráter por
um grande ardor e fé elevada.
A
bênção tão ansiosamente buscada por todo hebreu era negada a
este bom casal; seu lar não se alegrava com vozes infantis; e o
desejo de perpetuar seu nome levou o esposo – assim como já havia
levado muitos outros – a contrair um segundo casamento. Mas este
passo, motivado pela falta de fé em Deus, não trouxe felicidade.
Filhos e filhas foram acrescentados à casa; mas a alegria e beleza
da sagrada instituição de Deus foram mareadas, e interrompera-se a
paz da família. Penina, a nova esposa, era ciumenta e dotada de espírito
estreito, e conduzia-se com orgulho e insolência. Para Ana, parecia
a esperança estar destruída, e ser a vida um fardo pesado;
enfrentou, todavia, a prova com resignada mansidão.
Elcana
observava fielmente as ordenanças de Deus. O culto em Silo ainda
era mantido; mas, por causa de irregularidades no ministério, os
serviços dele, Elcana, não eram exigidos no santuário, a que,
sendo ele levita, deveria comparecer. Contudo subia com sua família
para adorar e sacrificar, nas reuniões aprazadas.
Mesmo
entre as solenidades sagradas ligadas ao serviço de Deus,
intrometia-se o mau espírito que lhe infelicitara o lar. Depois de
apresentarem as ofertas em ações de graças, toda a família,
segundo o costume estabelecido, unia-se em uma festa solene mas
prazenteira. Em tais ocasiões Elcana dava à mãe de seus filhos
uma porção, para ela e para cada um dos filhos e filhas; e em
sinal de atenção para com Ana dava-lhe porção dupla,
significando que sua afeição por ela era a mesma como se ela
tivesse um filho. Então a segunda esposa, ardendo em ciúmes,
reclamava a preferência, como sendo ela altamente favorecida por
Deus, e escarnecia de Ana em sua condição de mulher destituída de
filhos como prova do desagrado do Senhor. Isto se repetia de ano em
ano, até que Ana não mais o pôde suportar. Incapaz de ocultar sua
mágoa, chorou sem constrangimento, e retirou-se da festa. Seu
marido em vão a procurou consolar. "Por que choras? e por que
não comes? e por que está mal o teu coração?" disse ele;
"não te sou eu melhor do que dez filhos?"
Ana
não proferiu censura alguma. O fardo que ela não podia repartir
com amigo algum terrestre, lançou-o sobre Deus. Ansiosamente rogou
que lhe tirasse a ignomínia, e lhe concedesse o precioso dom de um
filho para o criar e educar para Ele. E fez um voto solene de que,
se seu pedido fosse satisfeito, dedicaria o filho a Deus, mesmo
desde o seu nascimento. Ana tinha-se aproximado da entrada do tabernáculo,
e na angústia de seu espírito "orou, e chorou
abundantemente". Contudo, entretinha em silêncio comunhão com
Deus, não proferindo nenhuma palavra. Naqueles tempos ruins, tais
cenas de adoração eram raramente testemunhadas. Festins
irreverentes, e mesmo embriaguez, eram coisas comuns, mesmo nas
festas religiosas; e Eli, o sumo sacerdote, observando Ana, supôs
que estivesse dominada pelo vinho. Julgando administrar uma repreensão
merecida, disse com severidade: "Até quando estarás tu
embriagada? Aparta de ti o teu vinho."
Condoída
e surpresa, Ana respondeu brandamente: "Não, senhor meu, eu
sou uma mulher atribulada de espírito; nem vinho nem bebida forte
tenho bebido, porém tenho derramado a minha alma perante o Senhor.
Não tenhas, pois, a tua serva por filha de Belial; porque da multidão
dos meus cuidados e do meu desgosto tenho falado até agora."
O
sumo sacerdote ficou profundamente comovido, pois era homem de Deus;
e em lugar de repreensão proferiu uma bênção: "Vai em paz;
e o Deus de Israel te conceda a tua petição que Lhe pediste."
A
oração de Ana foi atendida; recebeu a dádiva que tão
fervorosamente havia rogado. Olhando para o filho, chamou-o Samuel
– "pedido a Deus". I Sam. 1:8, 10, 14-16 e 20. Logo que
o pequeno teve idade suficiente para separar-se de sua mãe, ela
cumpriu seu voto. Amava o filho com toda a devoção de um coração
de mãe; dia após dia, observando suas faculdades que se expandiam,
e ouvindo seu balbuciar infantil, cingia-o mais estreitamente em
suas afeições. Era seu único filho, uma dádiva especial do Céu;
mas recebera-o como um tesouro consagrado a Deus, e não queria
privar o Doador daquilo que Lhe era próprio.
Mais
uma vez Ana viajou com o esposo para Silo, e apresentou ao
sacerdote, em nome de Deus, sua preciosa dádiva, dizendo: "Por
este menino orava eu; e o Senhor me concedeu a minha petição, que
eu Lhe tinha pedido. Pelo que também ao Senhor eu o entreguei, por
todos os dias que viver." I Sam. 1:27 e 28. Eli ficou
profundamente impressionado pela fé e devoção desta mulher de
Israel. Ele próprio, pai por demais condescendente, ficou
atemorizado e humilhado vendo o grande sacrifício desta mãe,
separando-se de seu único filho, para que o pudesse dedicar ao
serviço de Deus. Sentiu-se reprovado pelo seu amor egoísta, e com
humilhação e reverência prostrou-se perante o Senhor e adorou.
O
coração da mãe encheu-se de alegria e louvor, e ela almejava
extravasar sua gratidão a Deus. O Espírito de inspiração lhe
sobreveio; e orou Ana e disse:
"O
meu coração exulta ao Senhor,
O meu poder está exaltado no Senhor;
A minha boca se dilatou sobre os meus inimigos,
Porquanto me alegro na Tua salvação.
Não há santo como é o Senhor;
Porque não há outro fora de Ti,
E rocha nenhuma há como o nosso Deus.
Não multipliqueis palavras de altíssimas altivezas,
Nem saiam coisas árduas da vossa boca;
Porque o Senhor é o Deus da sabedoria,
E por Ele são as obras pesadas na balança. …
O Senhor é o que tira a vida, e a dá;
Faz descer à sepultura e faz tornar a subir dela.
"O Senhor empobrece e enriquece;
Abaixa e também exalta.
Levanta o pobre do pó,
E desde o esterco exalta o necessitado,
Para o fazer assentar entre os príncipes,
Para o fazer herdar o trono de glória;
Porque do Senhor são os alicerces da Terra,
E assentou sobre eles o mundo.
Os pés dos Seus Santos guardará,
Porém os ímpios ficarão mudos nas trevas,
Porque o homem não prevalecerá pela força.
Os que contendem com o Senhor serão quebrantados;
Desde os céus trovejará sobre eles.
O Senhor julgará as extremidades da Terra;
E dará força ao seu rei,
E exaltará o poder do seu ungido." I Sam. 2:1-3 e 6-10.
As
palavras de Ana eram proféticas, tanto a respeito de Davi, que
reinaria como rei de Israel, como do Messias, o ungido do Senhor.
Referindo-se a princípio à jactância de uma mulher insolente e
contenciosa, aponta o cântico para a destruição dos inimigos de
Deus, e o triunfo final do Seu povo remido.
De
Silo, Ana voltou silenciosamente para o seu lar em Ramá, deixando o
menino Samuel para ser educado para o serviço da casa de Deus, sob
a instrução do sumo sacerdote. Desde o primeiro despontar da
inteligência do filho ela lhe ensinara a amar e reverenciar a Deus,
e a considerar-se como sendo do Senhor. Por meio de todas as coisas
conhecidas que o cercavam, procurou ela elevar seus pensamentos ao
Criador. Depois de separada de seu filho, a solicitude da fiel mãe
não cessou. Cada dia ele era objeto de suas orações. Cada ano ela
lhe fazia, com suas próprias mãos, uma túnica para o serviço; e,
subindo com o esposo para adorar em Silo, dava ao menino esta
lembrança de seu amor. Cada fibra da pequena veste era tecida com
uma oração para que ele fosse puro, nobre e verdadeiro. Não pedia
para o filho grandezas mundanas, mas rogava fervorosamente que ele
pudesse alcançar aquela grandeza a que o Céu dá valor – que
honrasse a Deus e abençoasse a seus semelhantes.
Que
recompensa teve Ana! e que estímulo para a fidelidade é o seu
exemplo! Há oportunidades de inestimável valor, interesses
infinitamente preciosos, confiados a toda mãe. A humilde rotina dos
deveres que as mulheres têm considerado como uma fastidiosa tarefa,
deve ser encarada como obra grandiosa e nobre. É privilégio da mãe
abençoar o mundo pela sua influência, e fazendo isto trará
alegria a seu próprio coração. Ela pode fazer retas veredas para
os pés de seus filhos, através de claridade e sombra, em direção
às alturas gloriosas do Céu. Mas, unicamente quando procura em sua
vida seguir os ensinos de Cristo, é que a mãe pode esperar formar
o caráter de seus filhos segundo o modelo divino. O mundo está
repleto de influências corruptoras. A moda e os costumes exercem
forte poder sobre os jovens. Se a mãe falta em seu dever de
instruir, guiar e restringir, os filhos naturalmente aceitarão o
mal, e se desviarão do bem. Que toda mãe vá muitas vezes ao seu
Salvador com a oração: "Ensina-nos o que faremos pela criança."
Atenda ela à instrução que Deus dá em Sua Palavra, e ser-lhe-á
dada sabedoria conforme a necessitar.
"O
mancebo Samuel ia crescendo, e fazia-se agradável, assim para com o
Senhor como também para com os homens." I Sam. 2:26. Se bem
que a juventude de Samuel fosse passada no tabernáculo, dedicada ao
culto de Deus, não se achava ele livre de influências más ou
exemplos pecaminosos. Os filhos de Eli não temiam a Deus, nem
honravam a seu pai; mas Samuel não procurava sua companhia nem
seguia seus maus caminhos. Fazia esforço constante para tornar-se o
que Deus queria que ele fosse. Este é o privilégio de todo jovem.
Deus Se apraz mesmo quando as criancinhas se entregam ao Seu serviço.
Samuel
fora posto sob os cuidados de Eli, e a beleza de seu caráter
suscitou a afeição ardorosa do idoso sacerdote. Era amável,
generoso, obediente e respeitoso. Eli, aflito pelo descaminho de
seus filhos, obtinha descanso, consolo e bênção na presença
daquele que estava sob seu encargo. Samuel era serviçal e afetivo,
e nunca pai algum amou a seu filho mais ternamente do que Eli àquele
jovem. Coisa singular era que, entre o magistrado principal da nação
e a simples criança, existisse uma afeição tão ardorosa.
Sobrevindo a Eli as debilidades próprias da idade, e enchendo-se
ele de ansiedades e remorsos pelo procedimento dissoluto de seus
filhos, voltou-se para Samuel em busca de consolo.
Não
era costume entrarem os levitas para os seus serviços peculiares
antes que tivessem vinte e cinco anos de idade; Samuel, porém, foi
uma exceção a esta regra. Cada ano lhe eram confiados encargos de
mais importância; e, quando ainda era criança, um éfode de linho
foi posto sobre ele em sinal de sua consagração ao serviço do
santuário. Jovem como era ao ser trazido para ministrar no tabernáculo,
tinha Samuel mesmo então deveres a cumprir no serviço de Deus,
conforme sua capacidade. Estes eram a princípio muito humildes, e
nem sempre agradáveis; mas cumpria-os da melhor maneira que lhe
permitia a habilidade, e com coração voluntário. Levava sua
religião a todo dever da vida. Considerava-se servo de Deus, e o
seu trabalho como o trabalho de Deus. Seus esforços eram aceitos,
porque eram motivados pelo amor a Deus e por um desejo sincero de
fazer a Sua vontade. Foi assim que Samuel se tornou cooperador do
Senhor do Céu e da Terra. E Deus o habilitou a cumprir uma grande
obra em prol de Israel.
Se
as crianças fossem ensinadas a considerar a humilde rotina dos
deveres de cada dia como o caminho a elas indicado pelo Senhor, como
uma escola em que deveriam adestrar-se para a realização de um
serviço fiel e eficiente, quanto mais agradável e honroso lhes
pareceria o seu trabalho! O cumprir todo dever como sendo ao Senhor,
lança um encanto ao redor da mais humilde ocupação, e liga os
obreiros na Terra com os seres santos que fazem a vontade de Deus no
Céu.
O
bom êxito nesta vida, e no ganhar a vida futura, depende de uma
atenção fiel e conscienciosa às coisas pequenas. Vê-se a perfeição
nas menores das obras de Deus, não menos do que nas maiores. A mão
que elevou os mundos no espaço é a mesma que fez com delicada perícia
os lírios do campo. E assim como Deus é perfeito em Sua esfera de
ação, devemos nós ser perfeitos na nossa. A estrutura simétrica
de um caráter forte e belo baseia-se nos atos individuais do dever.
E a fidelidade deve caracterizar nossa vida nos seus mínimos
pormenores bem como nos máximos. A integridade nas pequenas coisas,
a realização de pequenos atos de fidelidade e pequenas ações de
bondade, alegrarão a senda da vida; e, quando terminar a nossa obra
na Terra, verificar-se-á que cada um dos pequenos deveres fielmente
cumpridos exerceu uma influência para o bem – influência esta
que jamais poderá perecer.
A
juventude de nossos tempos pode tornar-se tão preciosa à vista de
Deus, como o foi a de Samuel. Mediante a fiel manutenção de sua
integridade cristã, podem os jovens exercer forte influência na
obra de reforma. Necessita-se de tais homens neste tempo. Deus tem
uma obra para cada um deles. Jamais alcançaram os homens maiores
resultados em favor de Deus e da humanidade do que os que podem ser
conseguidos em nosso tempo por aqueles que forem fiéis ao encargo
que Deus lhes confiou.
ELI
E SEUS FILHOS
Eli
era sacerdote e juiz em Israel. Ocupava as posições mais elevadas
e de maior responsabilidade que havia entre o povo de Deus. Como
homem divinamente escolhido para os sagrados deveres do sacerdócio,
e posto no país como a autoridade judiciária mais elevada, era ele
olhado como um exemplo, e exercia grande influência sobre as tribos
de Israel. Mas, embora tivesse sido designado para governar o povo,
não governava a sua própria casa. Eli era um pai transigente.
Amando a paz e a comodidade, não exercia a sua autoridade para
corrigir os maus hábitos e paixões de seus filhos. Em vez de
contender com eles ou castigá-los, submetia-se à sua vontade e os
deixava seguir seu próprio caminho. Em vez de considerar a educação
de seus filhos como uma das mais importantes de suas
responsabilidades, tratou desta questão como se fosse de pequena
relevância. O sacerdote e juiz de Israel não foi deixado em trevas
quanto ao dever de restringir e governar os filhos que Deus dera aos
seus cuidados. Mas Eli recuou deste dever, porque o mesmo implicava
contrariar a vontade de seus filhos, e tornaria necessário puni-los
e repudiá-los. Sem pesar as terríveis conseqüências que se
seguiriam à sua conduta, condescendeu com seus filhos no que quer
que desejassem, e negligenciou a obra de os habilitar para o serviço
de Deus e para os deveres da vida.
De
Abraão disse Deus: "Eu o tenho conhecido, que ele há de
ordenar a seus filhos e a sua casa depois dele, para que guardem o
caminho do Senhor, para obrarem com justiça e juízo." Gên.
18:19. Eli, porém, permitiu que seus filhos o governassem. O pai se
tornou sujeito aos seus filhos. A maldição da transgressão foi
visível nas corrupções e males que assinalaram a conduta de seus
filhos. Estes não tinham a devida apreciação do caráter de Deus
nem da santidade de Sua lei. Para eles o Seu serviço era uma coisa
comum. Desde a infância se haviam acostumado ao santuário e aos
seus serviços; mas em vez de se tornarem mais reverentes perderam
toda a intuição da santidade e significação do mesmo. O pai não
lhes corrigira a falta de reverência para com a sua autoridade; não
impedira ao desrespeito deles pelos serviços solenes do santuário;
e, quando chegaram à maioridade, estavam cheios dos frutos mortíferos
do ceticismo e da rebelião.
Se
bem que totalmente incapazes para o ofício, foram postos como
sacerdotes no santuário para ministrarem perante Deus. O Senhor
dera as instruções mais específicas com relação à oferta de
sacrifícios; mas estes homens ímpios levaram ao serviço de Deus o
seu desrespeito à autoridade, e não deram atenção à lei das
ofertas, que deveriam ser feitas da maneira mais solene. Os sacrifícios,
que apontavam à morte de Cristo, no futuro, estavam destinados a
conservar no coração do povo a fé no Redentor vindouro; daí o
ser da máxima importância que as determinações do Senhor com
relação aos mesmos fossem estritamente atendidas. As ofertas pacíficas
eram especialmente uma expressão de ações de graças a Deus.
Nestas ofertas apenas a gordura devia ser queimada no altar; certa
porção especificada era reservada aos sacerdotes, mas a maior
parte era devolvida ao ofertante, para ser por ele e seus amigos
comida em uma festa sacrifical. Assim todos os corações deveriam
ser com gratidão e fé encaminhados ao grande Sacrifício que
deveria tirar o pecado do mundo.
Os
filhos de Eli, em vez de se compenetrarem da solenidade deste serviço
simbólico, apenas pensavam como poderiam dele fazer o meio para a
satisfação própria. Não contentes com a parte que lhes tocava
das ofertas pacíficas, exigiam uma porção adicional; e o grande número
desses sacrifícios apresentados nas festas anuais dava aos
sacerdotes oportunidade de se enriquecerem, à custa do povo. Não
somente reclamavam mais daquilo a que tinham direito, mas
recusavam-se mesmo a esperar até que a gordura estivesse queimada
como oferta a Deus. Persistiam em reclamar qualquer porção que
lhes agradasse, e, sendo-lhes negada, ameaçavam tomá-la pela violência.
A
irreverência por parte dos sacerdotes logo despojou o serviço de
sua significação santa e solene, e o povo "desprezava a
oferta do Senhor". I Sam. 2:12-36. O grande sacrifício antitípico
para o qual deveriam olhar em antecipação, não mais era
reconhecido. "Era pois muito grande o pecado destes mancebos
perante o Senhor."
Esses
sacerdotes infiéis também transgrediam a lei de Deus e desonravam
o ofício sagrado pelas suas práticas vis e degradantes; todavia,
continuavam a poluir com sua presença o tabernáculo de Deus.
Muitos dentre o povo, cheios de indignação ante o corrupto
procedimento de Hofni e Finéias, deixaram de subir ao lugar
designado para o culto. Assim o serviço que Deus ordenara era
desprezado e negligenciado porque se achava ligado com os pecados de
homens ímpios, ao mesmo tempo em que aqueles cujo coração era
inclinado ao mal se tornavam audazes no pecado. A impiedade, a
dissolução, e mesmo a idolatria, prevaleciam em terrível extensão.
Eli
tinha errado grandemente em permitir que seus filhos ministrassem no
ofício santo. Desculpando a sua conduta, sob um pretexto ou outro,
tornou-se cego aos seus pecados; mas chegaram afinal a um ponto em
que não mais ele podia cerrar os olhos aos crimes dos filhos. O
povo se queixava das suas ações violentas, e o sumo sacerdote
ficou pesaroso e angustiado. Não ousou permanecer em silêncio por
mais tempo. Mas seus filhos haviam crescido sem a idéia de
consideração para com qualquer pessoa a não ser para consigo
mesmos; e agora não se preocupavam com quem quer que fosse. Viam a
mágoa do pai, mas seus duros corações não se comoviam.
Ouviam-lhe as brandas admoestações, mas não se impressionavam,
tampouco modificavam sua má conduta, embora advertidos das conseqüências
de seu pecado. Se Eli houvesse tratado com justiça seus ímpios
filhos, teriam sido rejeitados do ofício sacerdotal, e punidos de
morte. Temendo assim trazer a ignomínia e a condenação pública a
seus filhos, manteve-os nos mais sagrados cargos de confiança.
Permitiu também que misturassem sua corrupção com o santo serviço
de Deus, e infligissem à causa da verdade um dano que os anos não
poderiam apagar. Quando, porém, o juiz de Israel negligenciou sua
obra, Deus tomou a questão em Suas mãos.
"Veio
um homem de Deus a Eli, e disse-lhe: Assim diz o Senhor: Não Me
manifestei, na verdade, à casa de teu pai, estando eles ainda no
Egito, na casa de Faraó? E Eu o escolhi dentre todas as tribos de
Israel para sacerdote, para oferecer sobre o Meu altar, para acender
o incenso, e para trazer o éfode perante Mim; e dei à casa de teu
pai todas as ofertas queimadas dos filhos de Israel. Por que dais
coices contra o sacrifício e contra a Minha oferta de manjares, que
ordenei na Minha morada, e honras a teus filhos mais do que a Mim,
para vos engordardes do principal de todas as ofertas do Meu povo de
Israel? Portanto, diz o Senhor Deus de Israel: Na verdade tinha dito
Eu que a tua casa e a casa de teu pai andariam diante de Mim
perpetuamente; porém agora diz o Senhor: Longe de Mim tal coisa,
porque aos que Me honram honrarei, porém os que Me desprezam serão
envilecidos. … E Eu suscitarei para Mim um sacerdote fiel que
obrará segundo o Meu coração e a Minha alma, e Eu lhe edificarei
uma casa firme, e andará sempre diante do Meu ungido." I Sam.
2:27-30 e 35.
Deus
acusou Eli de honrar seus filhos mais do que ao Senhor. Eli
permitira que a oferta designada por Deus como uma bênção a
Israel se tornasse coisa desprezível, e isto em vez de levar seus
filhos a envergonhar-se por suas práticas ímpias e abomináveis.
Aqueles que seguem suas próprias inclinações, com uma afeição
cega para com seus filhos, condescendendo com eles na satisfação
de seus desejos egoístas, e não fazem uso da autoridade de Deus
para repreender o pecado e corrigir o mal, tornam manifesto que estão
honrado seus ímpios filhos mais do que a Deus. Estão mais ansiosos
por defender a reputação deles do que glorificar a Deus; mais
desejosos de agradar a seus filhos do que comprazer ao Senhor e
guardar o Seu serviço de toda a aparência do mal.
Deus
responsabilizou Eli, como sacerdote e juiz de Israel, pela condição
moral e religiosa de Seu povo, e, em sentido especial, pelo caráter
de seus filhos. Ele devia a princípio ter tentado restringir o mal
por meio de medidas brandas; mas, se estas não dessem resultado,
devê-lo-ia ter subjugado pelos meios mais severos. Incorreu no
desagrado do Senhor por não reprovar o pecado e executar a justiça
no pecador. Não se pôde contar com ele para que Israel fosse
conservado puro. Aqueles que têm muito pouca coragem para reprovar
o mal, ou que pela indolência ou falta de interesse não fazem um
esforço ardoroso para purificar a família ou a igreja de Deus, são
responsáveis pelos males que possam resultar de sua negligência ao
dever. Somos precisamente tão responsáveis pelos males que poderíamos
ter impedido nos outros pelo exercício da autoridade paterna ou
pastoral, como se esses atos tivessem sido nossos.
Eli
não dirigiu sua casa segundo as regras de Deus para o governo da
família. Seguiu seu próprio juízo. O extremoso pai deixou de
tomar em consideração as faltas e pecados dos filhos, em sua
meninice, comprazendo-se com o pensamento de que após algum tempo
eles perderiam suas más tendências. Muitos estão hoje a cometer
erro semelhante. Julgam que conhecem um meio melhor para educar os
filhos do que aquele que Deus deu em Sua Palavra. Alimentam neles más
tendências, insistindo nesta desculpa: "São muito novos para
serem castigados. Esperemos que fiquem mais velhos, e possamos
entender-nos com eles." Assim os maus hábitos são deixados a
se fortalecerem até que se tornam uma segunda natureza. Os filhos
crescem sem sujeição, com traços de caráter que são para eles
uma maldição por toda a vida, e que podem reproduzir-se em outros.
Não
há maior desgraça para os lares do que permitir que os jovens
sigam o seu próprio caminho. Quando os pais tomam em consideração
todo desejo dos filhos, e com estes condescendem no que sabem não
ser para o seu bem, os filhos logo perdem todo o respeito para com
os pais, toda a consideração pela autoridade de Deus e do homem e
são levados cativos à vontade de Satanás. A influência de uma
família mal dirigida é dilatada, e desastrosa a toda a sociedade.
Acumula uma onda de males que afeta famílias, comunidades e
governos.
Por
causa da posição de Eli, sua influência era mais vasta do que se
ele fora homem comum. Sua vida familiar era imitada em todo o
Israel. Os funestos resultados de seu proceder negligente e amante
da comodidade, eram vistos em milhares de lares que se modelaram
pelo seu exemplo. Se se condescende com os filhos em práticas
ruins, ao mesmo tempo em que os pais fazem profissão de religião,
a verdade de Deus é levada ao opróbrio. A melhor prova de
cristianismo de uma casa é o tipo de caráter gerado pela sua influência.
As ações falam mais alto do que a mais positiva profissão de
piedade. Se os que professam a religião, em vez de aplicarem esforços
ardorosos, persistentes e diligentes para manter um lar bem dirigido
em testemunho dos benefícios da fé em Deus, forem frouxos em seu
governo, e condescendentes com os maus desejos de seus filhos, estarão
a fazer como Eli, e trarão injúria à causa de Cristo e ruína
sobre si e suas casas. Mas, por maiores que sejam os males da
infidelidade paterna sob qualquer circunstância, são eles dez
vezes maiores quando existentes nas famílias daqueles que são
designados para ensinadores do povo. Quando estes deixam de governar
sua casa, estão, pelo seu mau exemplo, transviando a muitos. Sua
culpa é tanto maior do que a dos outros quanto sua posição é de
maior responsabilidade.
Fora
feita a promessa de que a casa de Arão andaria diante de Deus para
sempre; mas esta promessa fora dada sob a condição de que se
dedicassem eles à obra do santuário com singeleza de coração, e
honrassem a Deus em todos os seus caminhos, não servindo ao eu, nem
seguindo suas próprias inclinações perversas. Eli e seus filhos
tinham sido provados, e o Senhor os encontrara inteiramente indignos
da exaltada posição de sacerdotes ao Seu serviço. E Deus
declarou: "Longe de Mim." I Sam. 2:30. Ele não pôde
cumprir o bem que tencionara fazer-lhes, porque deixaram de
desempenhar a sua parte.
O
exemplo dos que administram em coisas santas deve ser de maneira que
incuta no povo a reverência para com Deus, e o receio de O ofender.
Quando os homens, servindo de embaixadores "da parte de
Cristo" (II Cor. 5:20) para falar ao povo acerca da mensagem de
misericórdia e reconciliação, enviada por Deus, fazem uso de sua
vocação sagrada qual manto para encobrir a satisfação egoísta
ou sensual, constituem-se eles os agentes mais eficazes de Satanás.
Como Hofni e Finéias, fazem com que os homens desdenhem a oferta do
Senhor. Podem prosseguir com sua má conduta, em segredo, por algum
tempo; mas, quando finalmente é apresentado seu verdadeiro caráter,
a fé do povo recebe um abalo de que muitas vezes resulta a destruição
de sua confiança na religião. Fica na mente uma desconfiança
contra todos os que professam ensinar a Palavra de Deus. A mensagem
do verdadeiro servo de Cristo é recebida com dúvida. Surge
constantemente a pergunta: "Não se mostrará este homem ser
como aquele que julgávamos tão santo, e achamos tão
corrupto?" Assim a Palavra de Deus perde o seu poder sobre a
alma dos homens.
Na
reprovação de Eli a seus filhos acham-se palavras de uma significação
solene e terrível – palavras que todos os que ministram em coisas
sagradas bem fariam em ponderar: "Pecando homem contra homem,
os juízes o julgarão; pecando, porém, o homem contra o Senhor,
quem rogará por ele?" I Sam. 2:25. Houvessem seus crimes
lesado unicamente seus semelhantes, e poderia o juiz ter feito a
reconciliação, indicando uma pena, e exigindo a devida restituição;
e assim os transgressores poderiam ter sido perdoados. Ou, se não
tivessem eles sido culpados de um pecado de presunção, uma oferta
para o pecado poderia ter sido apresentada por eles. Mas seus
pecados estavam de tal maneira entretecidos com seu ministério de,
na qualidade de sacerdotes do Altíssimo, oferecerem sacrifício
pelo pecado, e a obra de Deus foi de tal maneira profanada e
desonrada perante o povo, que nenhuma expiação por eles poderia
ser aceita. Seu próprio pai, embora fosse sumo sacerdote, não
ousou interceder em favor deles; não os podia defender da ira de um
Deus santo. De todos os pecadores, são os mais culpados os que lançam
o desdém aos meios que o Céu proveu para a redenção do homem –
pecadores estes que "de novo crucificam o Filho de Deus, e O
expõem ao vitupério". Heb. 6:6.
|