O CORTIÇO

 

CENAS E COMENTÁRIOS

“O Cortiço” é um livro singular pela força da narrativa, pelo choque dos tipos em contraste, pela numerosidade das figuras que apresenta. Com esse romance Aluísio Aze­vedo realiza a obra que lhe dá lugar definitivo na novelística brasileira. Apresenta um exame minucioso, cruel e causti­cante do submundo humano do Rio de Janeiro do século passado. Retratista e impressionista, Aluísio fez suas per­sonagens grosseiras e vulgares e foi ele quem descobriu o mestiço brasileiro como fator de arte em suas várias dimen­sões e posições sociais.

 

“O Cortiço” explora ainda o estrangeiro, rico ou pobre, a exploraçao a que eram submetidos os trabalhadores, a cobiça desenfreada de uns, o adultério na alta sociedade, a prostituição e as misérias coletivas. Aluísio queria um livro arrojado para pintar cinco épocas distintas do país, durante as quais o Brasil vai se transformando até chegar ou a um completo desmoronamento político e social, ou a uma com­pleta regeneração de costumes imposta pela revolução.

 

O romance apresenta como quadro central: o cotidiano do rico milionário carioca, Miranda e do português estran­geiro pobre, o vendeiro João Romão. Rita Baiana e Firmo são os mulatos que aparecem no romance, O português Jerônimo e sua mulher, a princípio guardam, absoluta aus­teridade no ambiente sórdido em que vivem, mas esse am­biente os transforma e os adapta às condições novas. Se­gue-se o processo de prostituição de Pombinha e o adulté­rio galante de Estela, mulher de Miranda, cujos amores são timidamente relatados pelo escritor, O mérito da obra está

no traçar o quadro panorâmico da coletividade, o painel so­cial desequilibrado, fixá-lo por inteiro para que pudesse ser observado como fator principal da ruína social, as descri­ções do romance são minuciosas e precisas, e os diálogos vivos e naturais, O escritor não se preocupa em traçar indi­vidualidades em criar tipos que permaneçam por sua ori g nalidade e personalidade identificadora. Ao contrário de Machado de Assis, Aluísio é fraco psicólogo, residindo sua ocupação artística em verificar o comportamento social dos seres que cria, ou seja, sondar até que ponto o social pode determinar a vida individual do ser humano, o que se obser­va com os inúmeros portugueses que pululam o livro e que aos poucos vão se condicionando ao meio tropical brasilei­ro, ao clima, perdendo suas qualidades modestas e sóbrias para se corromperem, vítimas do sensualismo tropical e da malandragem coletiva que domina a todos. Aluísio deixa bem viva a sua preferência pelo comum a todos, pelo roti­neiro, pela visão total da sociedade, ou de seus aspectos sórdidos e negativos, de onde se explica a linguagem sim­ples, direta, clara e correta, além de viva e palpitante, que caracteriza seus romances.

 

 

OUTROS PONTOS A CONSIDERAR

  Sem dúvida alguma, o melhor romance de Aluísio Azevedo é O Cortiço, publicado em 1890, pouco an­tes de seu autor desinteressar-se inteiramente da li­teratura, optando pela carreira diplomática.

 

  Nesse livro, não é mais a estória das personagens que interessa tanto. Mais do que elas, salienta-se a rivalidade entre o espaço de João Romão e o do co­mendador Miranda, a simbolizarem todo o processo de transformação econômica em momento de  ex­pansão urbana.

 

  João Romão, um ganancioso comerciante de ori­gem portuguesa, possui uma pedreira, uma taverna e um terreno razoável, onde constrói casinholas de baixo custo para lugar. Secundando-o nas tarefas e com ele repartindo a cama, a figura da negra Berto­Ieza, ex-escrava forte e também ambiciosa, suposta­mente alforriada.

 

  A poucos metros da venda, havia um sobrado que veio a ser ocupado por Miranda, Estela e Zulmira, uma família economicamente segura, cujo chefe vendia pano por atacado.

 

  A proximidade do cortiço incomodava Miranda que, por sua vez, incomodava João Romão com seu ar de fidalguia e seu título de comendador.

 

  A contratação de Jerônimo, um operário português, para o trabalho na pedreira altera um pouco a com­posição do cortiço, para onde ele se muda em com­panhia da mulher, a Piedade. Essa alteração ganha intensidade, sobretudo a partir do momento em que nasce o interesse amoroso entre o operário e a Rita Baiana, beleza máxima daquele agrupamento.

 

• Rita, no entanto, tinha compromisso com Firmo, mu­lato garboso e gabola, capoeirista hábil, morador de um cortiço vizinho, o “Cabeça-de-Gato”. No primeiro enfrentamento, Firmo leva a melhor e atinge Jerôni­mo com uma navalhada.

 

  Enquanto isso, Botelho, um agregado em casa de Miranda, começa a estimular o interesse de João

Romão por Zulmira, a filha do atacadista de panos.

Nesse projeto, evidentemente, inclui-se um plano para dispensar Bertoleza.

 

  A essa altura, Rita e Jerônimo, vivem juntos e a preocupação deste é vingar-se da navalhada que o atingira e, se possível, eliminar seu rival de vez. Atra­vés de uma combinação prévia, dois tipos escusos atraem Firmo para uma cilada e Jerônimo assassi­na-o a pauladas.

 

  Em conseqüência dessa morte, os “cabeças-de-ga­to’ atacam os “carapícus” do cortiço de João Romão e a luta só se interrompe por causa de um incêndio provocado.

 

              Na verdade, desse fogo arrasador renasce um corti­ço novo e mais “próspero”. O fogo ajudara, indireta­mente, os planos de João Romão que, agora, já vi­nha mantendo boas relações com a família de Miran­da. Só restava o impecilho de Bertoleza. Mas o provi­dencial Botelho descobrira o dono daquela escrava, cujo dinheiro da alforria, tão duramente economiza­do, fora embolsado por João Romão. Diante da ameaça de retorno ao cativeiro, Bertoleza estripa-se.