Vida e Obra de Bernardo Guimarães
  poeta e romancista brasileiro [1825-1884 - biografia]

 
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No "Atualidade", do Rio de Janeiro

por Armelim Guimarães
(do livro inédito "Bernardo Guimarães, o romancista da Abolição") 

Terminei o capítulo anterior [BG volta a Ouro Preto] com a decisão do Coronel Antônio da Silva Paranhos, que conheceu Bernardo Guimarães em Catalão (sul de Goiás), de levar o poeta para a Corte.

Deve ter sido no Natal de 1858, ou pouco antes, que BG chegou ao Rio. Ali, tudo se ajeitara para o poeta, inclusive uma boa casa de pensão na rua do Núncio.

Flávio Farnese da Paixão, já avisado em carta pelo Paranhos, recebeu de braços abertos ao velho companheiro das Arcadas de São Francisco, daquela Paulicéia buliçosa, agora distante.

Farnese, então um jovem de 23 anos, formado em Direto no ano de 1856, era também mineiro, nascido no Serro. Ele morreria ainda moço, com 35 anos, no Rio, em 6 de setembro de 1871. Estaria Bernardo Guimarães em Ouro Preto, recém-chegado de Congonhas, aonde semanalmente ia para dar aulas no Colégio, quando soube da morte do grande amigo, por quem tinha a maior admiração. Imediatamente sentou-se à escrivaninha e compôs um longo e sentido poema.

Porém que se não antecipem sarcófagos! Ainda estamos com Bernardo na sua primeira permanência no torrão carioca.

Naquele ano de 1858, Farnese havia fundado, com Lafayette Rodrigues Pereira, o jornal "Atualidade", órgão do Partido Liberal.

A Bernardo Guimarães, que não era filiado a facção nenhuma, e até tinha ojeriza pela política, foi, de início, confiada a seção de literária do periódico.


Marcou época

O "Atualidade" marcou época no jornalismo brasileiro. Segundo Coelho Neto, é daí por diante que a "feição do jornal foi perdendo a austeridade ferrenha, modelando-se pelos principais órgãos franceses, já na parte de informações, já nas seções doutrinárias e de literatura". "Depois do 'Atualidade' , jornal político, do programa adiantadamente liberal, redigido por Lafayette Rodrigues Pereira, Flávio Farnese, Pedro Luís Pereira de Sousa e Bernardo Guimarães, a imprensa, impulsionada pelas idéias, começou a progredir, não só na capital do Império como nas Províncias". ("Compêndio de Literatura Brasileira", 1992, pág. 169).

Informa José Luís de Almeida Nogueira nas suas clássicas "Tradições e Reminiscências - Estudantes, Estudantões, Estudantadas", no 7º volume, págs. 221 e 222:

"Essa folha política e literária, na qual também colaborava Bernardo Guimarães, gozou durante certo tempo das auras da popularidade e deveu essa vantagem aos princípios de adiantado liberalismo que doutrinava, ao estilo colorido e empolgante em que era escrita e ao prestígio resultante de pureza da vida pública dos seus jovens e talentosos redatores".

"Há equívoco em supor-se que ele (Bernardo) não passou, então, de simples redator-literário da 'Atualidade'. É certo que, com o seu nome, só apareceram ali produções suas em versos e, sem assinatura alguma, quatro longas críticas". (Basílio de Magalhães, "Bernardo Guimarães", pág. 38).

Diz o mesmo autor, mais adiante, nas páginas 39 e 40: "Sei, entretanto, que muitos editoriais políticos da 'Atualidade', tidos como oriundos da pena de Flávio Farnese ou da de Lafayette Rodrigues Pereira, eram realmente da do autor dos "Cantos da Solidão". O insigne jurista e conspícuo estadista, que depois presidiu ao Gabinete de 24 de maio de 1883, confessou a amigos,  em palestra, depois da morte do escritor ouro-pretano, que não hesitaria em recorrer, muitas vezes, a este, para a elaboração de artigos de grande responsabilidade partidária e que foram estampados nas colunas daquele órgão liberal. E, não obstante a frieza com que (Lafayette) costumava julgar os homens, não vacilava em proclamar, com desusado calor de expressão:

-- Bernardo Guimarães foi um gênio! Se sse entregasse ao estudo, ao trabalho e a uma vida regular, teria assinalado a época em que existiu, porque o seu prodigioso talento tudo supria!"

O mais notável de Bernardo, nessa intensa fase jornalística, foi o desejo de "meter a lenha com vontade" -- a expressão é de Antônio de Alcântara Machado, em "O fabuloso Bernardo Guimarães".

Cacetadas

Basílio de Magalhães, depois de informar que o escritor mineiro colaborou ainda em outros jornais e revistas, demora-se em examinar as "cacetadas" do boêmio vila-riquense, críticas em que estava "poucas vezes com razão, muitas sem ela".

A primeira dessas críticas foi inserta no "Atualidade" de 16 de junho de 1859. Investira-se Bernardo contra as "Sátiras, Epigramas e Outras Poesias", obra do padre José Joaquim Correia de Almeida, publicada em 1858. Julgou imperfeito o estilo, fracas as idéias, despropositados os assuntos e impróprias certas imagens e expressões. Quanto à estrofe:

Entrei na sala,
Que os livros conta;
Fiquei aturdido,
Cabeça tonta.

faz Bernardo a seguinte pergunta:

-- Onde já se viu sala contar livros?
Após essa interrogação, traça o jornalista de Ouro Preto uma espichada sarabanda no padre poeta, concluindo:

"Se a vulgaridade da idéia, a sordidez do pensamento; se a trivialidade dos conceitos, a insipidez e a dissonância dos versos fossem os grandes dotes do cultor das musas, o Sr. Padre Correia seria o maior poeta do mundo!"

Não tardou o padre Correia com a resposta, estampada que foi no "Correio Mercantil" de 2 de agosto do mesmo ano sob o título "O Padre Correia, de Barbacena, ao crítico da 'Atualidade'. A este, deu o sacerdote das sátiras o nome de "sapo literato".

Não seria Bernardo quem ficaria quieto. Apenas quatro dias depois, o "Atualidade" de 6 de agosto publicava, sob a epígrafe "Ainda o poetrastro do Sr. padre José Joaquim Correia de Almeida", a nova descarga de descompostura, assim terminando:

"Ganso grasnador, jamais lhe será permitido desprender seu vôo nas regiões onde os cisnes equilibram as suas asas. Para que, pois, tentar o impossível, para que roubar para as musas, que o repelem, o tempo destinado ao Flos Sanctorun,ao Breviário, aos sermões, às práticas e aos cantos do De Profundis? O procedimento do Sr. padre Correia, que, pelo culto das musas, divindades pagãs, afrouxa seu fervor católico, não pode ser agradável aos gloriosos padres Santo Antônio e São Francisco. Outro ofício, Sr. padre! Ne sutor ultra crepidam!"

Anota Basílio de Magalhães no seu "Bernardo Guimarães":

"A essa nova acometida seguiu-se ainda outra, que, em vez de ser inserta na "Porta Literária", o foi na seção "Comunicados" do jornal de que era (Bernardo) co-redator. Encerrou ele o libelo com um artigo intitulado "O Sr. padre Correia e a Crítica" ("Atualidade" de 20 de agosto), onde diz que 'há tanta distância entre o mestre de Retórica de Barbacena e o de Lisboa, quanto há entre Molière e qualquer garoto de aldeia", insere, pro apropositada sarcasmo, atribuindo-a a 'padre de Minas', comprida poesia (seria dele próprio ou do irmão sacerdote?), 'dirigida a uma velha pretensiosa, que mandara flores ao autor', assim terminada:

Fiz mal, fui bem temerário
Em receber tuas flores;
Mas, enfim, como vigário,
Em paga dos teus favores,
Vou mandar-te um bom rosário."

Segundo Basílio de Magalhães, F. Wolf, que lera os ataques de Bernardo Guimarães ao clérigo versejador, assim opina em sua "História de la Litterature Brésiliense":

"Quoiqu'on l'ait attaqué avec violence, sort commun des poètes satiriques, et qu'on lui ait dénie tout mérite, nous pensons que ses adversaires ont exagére."

"Mesmo no humorismo satírico -- diz Agripino Grieco falando de Bernardo Guimarães -- a avaliar pelo pouco que publicou, acho-o preferível ao padre Correia de Almeida, quase sempre mazorral e tabaquento." ("Evolução da Poesia Brasileira", Rio, 1944).

O padre José Joaquim era também mineiro, nascido na histórica cidade de Barbacena em 1820. Foi intelectual de grande cultura e profundo conhecedor de latim. Notabilizou-se como poeta satírico, chegando a publicar alguns volumes de suas famosas sátiras e epigramas. Em prosa, publicou uma "Notícia da Cidade de Barbacena". Faleceu em 1905.

Gonçalves Dias

A segunda das memoráveis críticas de Bernardo foi contra Gonçalves Dias. Ataques nem sempre justos, porém demonstrativos da inteira independência de escolas e de padrões da época, partidos de harpa revolucionária do bardo vila-riquense, juízos estes comprovantes de que o crítico do "Atualidade" não era -- para usar a palavra das letras nacionais -- o "turiferário de ídolos, qual o vulgum pecus das letras nacionais", pois o cantor dos "Timbiras" já era, então, o consagrado vate da intelectualidade brasileira, a coqueluche dos suspiradores românticos de então.

Diz Sílvio Romero, como que justificando a censura de Bernardo ao menestrel maranhense: "Foi sempre contrário ao indianismo e por isso criticou de Gonçalves Dias" ("História da Literatura Brasileira", 1903, 2º volume, página 240).

Realmente, ao bardo mineiro, que conhecera de perto os caiapós e os xavantes das rechãs goianas; que convivera com os índicos do então Sertão da Farinha Podre, com eles sentando-se nos mesmos bancos escolares de Campo Belo, repugnava ouvir loas e mistificações para debuxar índios falsificados pela fantasia, que falam português clássico, e imaginar perfumes em fétidas malocas. Aliás, o próprio Basílio de Magalhães, que não comungava com o ouro-pretano nas críticas que fez, observa esta faceta bernardina: "Apesar do influxo da época, exercido principalmente por Gonçalves Dias, Gonçalves de Magalhães e Castro Alves, não embrenhou Bernardo Guimarães no atraente aranhol do indianismo, nem se deixou aliciar pelas campanulagens e lantejoulas do condoreirismo".

A verdade é que ninguém, mais do que Bernardo Guimarães, estimava e admirava a Gonçalves Dias. Foi relativamente pequena a sua convivência com ele na capital do Império, bastante, entretanto, para soldar as amizades, como se velhas fossem.

"Usava (Bernardo), amiúde, a blusa de brim pardo que Gonçalves Dias lhe oferecera no Rio. Era sua relíquia". (Antônio Constantino, "O Incrível Bernardo Guimarães", na "Gazeta-Magazine", de 23-3-1941). Também o professor Carlos José dos Santos menciona essa camisa histórica.

Morto o autor de "O Canto do Piaga", Bernardo Guimarães escreveu o canto elegíaco Morte de Gonçalves Dias, longo poema publicado pela "Reforma" e depois, em 1873, incluído no volume de "O Índio Afonso", em apêndice. O poema, "de alto culto" no dizer de Augusto de Lima, foi escrito em 1864, publicado em 1869, "como protesto contra a atitude da Câmara dos Deputados, que recusou ao Maranhão o auxílio para a estátua do cantor dos 'Timbiras"'.

Quando saiu à luz dos prelos o romance "O Índio Afonso", o jornal "Reforma" assim se referiu ao poema adicionado a esse volume: 

"Quem não se recordaria daquela ode dedicada à memória do imortal autor dos "Timbiras", para cuja sepultura houve uma Câmara de Deputados que recusou os meios de comprar uma singela lousa? Foi isto que indignou o bardo, que, em versos tão belos como melhores não os fez Garret, contou aos seus contemporâneos aquele procedimento indecente, bem como o fim desastroso do maior poeta brasileiro.

"Realmente -- continua o "Reforma" -- hoje só Bernardo Guimarães poderia substituir o vácuo que nas letras pátrias deixou o cantor das palmeiras e do sabiá. Os dois poetas têm muitos pontos de contato: ambos grandes pelo gênio que os inspira, admiradores fanáticos das magnificências da terra em que nasceram; infelizes por não terem na Pátria a importância a que têm direito pelo seu talento, um vive de mesquinho ordenado de professor de um Liceu em uma pequena cidade, o outro morreu, ao avistar o verde das costas brasileiras, em um imundo navio de vela, sem nenhum dos carinhos a que tinha direito." (Artigo reproduzido no prólogo da "Novas Poesias").


Mas ainda estamos no Rio de Janeiro de 1859 e 1860, e Bernardo Guimarães é o implacável zagunchador do jornal de Parnese e Lafayette.

"O menestrel montanhês foi excêntrico até nas lides jornalísticas, sobretudo na Corte! Ali passou mexendo com perigosas caixas de marimbondos!" (Sousa Ataíde, "A Orgia dos Duendes").

A terceira das interessantes críticas de Bernardo pelas colunas do "Atualidade" foi contra Junqueira Freire, o criador das "Inspirações do Claustro".

Macedo

Uma quarta e curiosa apreciação é a que Bernardo faz da "A Nebulosa" de Joaquim Manuel de Macedo. Depois de ter sido esse poema incensado pelos maiores luminares da crítica, o romancista mineiro "desceu a ripa" na produção.

Com suas críticas, o vila-riquense sacrificou até a popularidade de sua obra. Tinha, então, pronta para o palco, uma peça em cinco atos, intitulada "A Voz do Pajé", apresentada com grande êxito em Ouro Preto, em 1860.

Esse drama emocionado, muito ao gosto das platéias de então, trazia à cena o Capitão-mor Coelho de Sousa e sua bela filha Elvira, que se apaixonara pelo índio Henrique. Mas o Capitão-mor queria ver a filha casada com Diogo Mendonça. Por um sinal que tinha à altura do coração, Henrique foi reconhecido como Jurupema, o filho do valente pajé Pirajiba, ao qual jurou conduzir a sua hoste contra os homens de Coelho de Sousa. Situação angustiosa! Mas o pajé sempre presente, para não deixar Henrique, ou seja, Jurupema, esmorecer na cruenta vindita, imposto por seu povo. Tudo acaba com o suicídio dos namorados. Sobre o cadáver de Jurupema, exclama, ao cair do pano, o pajé angustiado:

Acabou-se a nação dos Potiguares!

Tudo estava preparando para uma monumental apresentação, na Corte, de "A Voz do Pajé". A música seria de Elias Álvares Lobo. Joaquim Manuel de Macedo, porém, enraivecido contra Bernardo Guimarães, que lhe não perdoara "A Nebulosa", tomou o expediente de traiçoeiramente impedir a apresentação, no Rio, da tragédia de Bernardo, "o que conseguiu a contento, graças a sua influência maléfica entre os bastidores dos palcos da capital do Império", assim informa Luis Gomes de Sousa Ataíde.

Em Carlos José dos Santos, que foi um dos poucos íntimos do bardo mineiro em Ouro Preto, encontra-se a confirmação desse fato:

"Bernardo Guimarães não foi, em seu tempo, muito aplaudido nos círculos literários do Rio de Janeiro porque criticou, com muito espírito,  "A Nebulosa" de Macedo, a mais importante das composições desse escritor. Ora, Macedo era o oráculo daquele temo, e, apesar da grande amizade que o grande artista dramático João Caetano votava ao poeta, foram baldados os seus esforços. Os dramas de Bernardo Guimarães foram sempre rejeitados pelo Conservatório Dramático do Rio, por influência de Macedo." ("Bernardo Guimarães na Intimidade", publicação da "Revista do Arquivo Público Mineiro", de 1928, página 29).

Realmente, Macedo andava, por aqueles idos, no pináculo da fama e do prestígio, sobretudo no teatro. Suas peças, como "O Fantasma Branco" e "O Primo da Califórnia", transformadas em óperas, e o drama sacro "O Sacrifício de Isaac", publicada no folhetim do "Jornal do Comércio" em 1859, arrancavam delirantes aplausos  das platéias da Corte. Não considerando toda essa notoriedade e conceito popular, o escritor de Ouro Preto "desceu o sarrafo" no dramaturgo de São João de Itaboraí. A crítica que fez à comédia "Luxo e Vaidade", representada pela primeira vez por volta de setembro de 1860, não foi publicada por conter algo impróprio  para a divulgação, mas copiada e decorada por muitos, e andou pelos cafés e até pelas galerias e frisas dos teatros, provocando risos convulsivos, tal a graça e originalidade com foi feita, em versos chistosos e engenhosíssimos. É natural que o autor de "A Moreninha" se enfurecesse com a provocação.

Avalie-se o quanto custo ao boêmio vila-riquense o seu topete de crítico sincero, mordaz e brincalhão!

Conquanto avesso ao indianismo da moda, mas, valendo-se da sua própria observação na hinterlândia ameríndia, o romancista escreveu o seu drama para pôr em movimento, na ribaltas do país, a gente da maloca, que ele de perto conheceu. Falando sobre "A Voz do Pajé", observou Augusto de Lima:

"Esse drama, ou melhor, tragédia desconhecida pela maioria dos críticos e absolutamente ignorada nas platéias do Rio, contém cenas emocionantes que, embora o gênero em que foram escritas, podiam ainda hoje interessar aos espectadores, e presta-se admiravelmente à redação de um drama lírico nacional, tanto quanto o conto "Jupira", já adaptado pelo nosso maestro Francisco Braga.

"O drama "A Voz do Pajé", se não está perdido, como perdidas ou truncadas estão todas as demais peças teatrais de Bernardo, deve-se isto à feliz iniciativa de Dilermando Cruz, que o transcreveu, na íntegra, na segunda edição de seu "Bernardo Guimarães", em 1914, lançado pela Imprensa Oficial do Estado de Minas Gerais. Esta peça, segundo Carlos José dos Santos, foi inspirado no Natchez, de Chateaubriand. Teria o professor Carlos ouvido isto do próprio Bernardo Guimarães?

Naqueles dois primeiros anos de atividades na imprensa carioca, trabalhou ativamente o escritor mineiro na redação do "Atualidade", redigindo artigos de fundo, elaborando crônicas, fornecendo-lhe reportagens de rua e notícias colhidas no Senado. Foram produções em que não aparecia o seu nome.

"Estando no Rio, trabalhava em diversos jornais. Não sabia taquigrafia. Tomava o resumo dos discursos dos senadores para "Atualidade", jornal importante da época. Certa vez, estava orando o Marquês de Olinda (Pedro de Araujo Lima), e Bernardo prestava-lhe toda a atenção. O marquês incomodou-se com isso e, quando acabou o discurso, disse-lhe:

-- Sr. Bernardo, estava encarando tanto em mim! É preciso dizer-lhe que vim hoje de calças brancas; quando assim me visto, é porque estou atacado de outras coisas!" (Carlos José dos Santos).

Nem só Bernardo, então, era um "excêntrico".

Outros jornais

Colaborou ainda o mineiro em outros jornais do Rio. Citam-se, entre outros, a "Reforma", o "Jornal do Comércio", o "Correio Mercantil" e "O Ipiranga". Este último foi o que, em 1865, estamparia os seus "Disparates rimados".

Quando, pela primeira vez, o poeta chegou à Corte, já encontrou no comércio a segunda edição dos seus "Cantos da Solidão", a que havia incluído as "Inspirações da Tarde". O volume fora impresso na Tipografia Americana, de José Soares do Pinho, por iniciativa de Flávio Farnese.

Mas o harpista das Alterosas, quando no Rio de Janeiro, poucas obras poéticas produziu. Os labores do ganha-pão no jornal roubavam-lhe todo o tempo disponível para os versos. Foi ali menos andarilho, menos passeador. Raras foram as vezes que lhes sobrou folga para percorrer os arrabaldes da metrópole do Império, como gostava de fazer. No mar, a seu ver, estava toda a beleza da urbe de Estácio de Sá. Mais tarde, a baía do Botafogo lhe arrancaria versos demonstrativos de seu êxtase diante da magnífica obra da natureza, ali estendida.

E ficou ele logo conhecido na Corte como repentista bocageano, e as matronas e os velhotes temiam -- com exagero, por certo -- as rimas penetrantes e satíricas do ouro-pretano.

Francisco de Paula Ferreira de Resende, nas "Minhas Recordações" (Livraria José Olympo Editora, 1944, página 306), que conviveu com o poeta em São Paulo e em Ouro Preto, deixou documentada alguma coisa da harpa zombeteira e fescenina de seu coestaduano, quando no Rio.

Tomar

Em 1860, Bernardo Guimarães compareceu a um baile promovido pelo Conde e pela Condessa de Tomar. O Conde, também um Bernardo -- António Bernardo da Costa Cabral -- ficou na história de Portugal, por ter dado causa à revolução da Maria da Fonte. Que o próprio Ferreira de Resende nos conte o resto, com os seus excessivos  pontos-e-vírgulas, com sua linguagem de relatório forense:

"Eu, porém, disse que o gênio de Bernardo Guimarães era quase sempre satírico; e vou disto dar aqui um exemplo. Hoje parece que não há um só português que não reconheça as reais virtudes de D. Maria II, porque se esta pôde ter defeitos ou se não não foi uma boa rainha, o que está fora de toda dúvida, é que ela, como mulher, poderia servir de exemplo ainda mesmo àquelas que não são rainhas. Todos, porém, sabem o que são paixões políticas, e o ódio que em Portugal se votava aos Cabrais fez com que se inventasse o que bem se espalhasse, que não só a proteção que a rainha lhes dispensava não era devida a motivos exclusivamente políticos; mas ainda, que se o rei se mostrava indiferente ou se fazia de cego, é que para isso também tinha os seus motivos particulares. Ora, quando o Conde de Tomar veio ao Brasil como ministro plenipotenciário de Portugal, Bernardo Guimarães se achava por acaso residindo na Corte; e apenas ali chegou aquele Conde, fez ele imediatamente esta sátira ou antes este epigrama extremamente ferino:

Dizem que o Costa Cabral
Só é Conde de Tomar;
Mas, se cornos ele toma,
Cornos também sabe dar...
E eis aí porque é que o chamam
Conde de dar e tomar."

Mal principiou 1861, com o coração de saudades dos sertões goianos, deixou o boêmio mineiro o Rio de Janeiro, pondo-se a caminho de Minas Gerais, de onde, depois de um mês de repouso em Ouro Preto, partiria para Catalão, a aprazível cidade do sul de Goiás, onde iria reassumir o cargo de juiz e de delgado de polícia.
...      

 


Lafayette Rodrigues Pereira
 (1834-1917), acima, um dos
 fundadores do "Atualidade",
trabalhou com BG nesse
jornal do Rio de Janeiro



Antônio Gonçalves Dias
 (1823-1864), acima, não
gostou de uma crítica de
 BG, mas os dois
tinham amizade



O crítico Sílvio Romero
(1851-1914), acima,diz
que BG, por ser contra o
indianismo, tinha de criticar
o poeta Gonçalves Dias
 



O poeta Junqueira Freire
(182-1855), acima, também
foi criticado por BG quando
este trabalhou no jornal
"Atualidade", do Rio


 
Joaquim Manuel de Macedo
(1820-1882), acima, não
gostou nada da crítica que
Bernardo fez ao seu badalado
poema-romance "
A Nebulosa"



Francisco de Paula Ferreira
de Resende (1823-1893),
acima, conviveu com BG
em Ouro Preto e também
no Rio de Janeiro



Pedro de Araujo Lima,
o Marquês de Olinda
(1793-1870), acima,
não gostava de ser
olhado por Bernardo

 

Quando o português Conde
 de Tomar (1803-1889), acima,
esteve no Rio de Janeiro,
 Bernardo fez sobre ele
 um maldoso versinho