Capítulo
26
do livro inédito
"Bernardo Guimarães, o romancista da
Abolição"
Últimas
produções
Armelim Guimarães
Bernardo Guimarães aproximavam-se do ômega de suas existência. Observou
Almeida Nogueira, nas suas “Tradições e Reminiscências” (2º volume, páginas
168 e 169), que “a expressão fisionômica, que, na quadra acadêmica, era
viva e prazenteira, revestiu-se, com o perpassar do tempo, de vaga melancolia,
que se foi transformando em sombria tristeza”.
Ainda quando estava no Rio de
Janeiro, em 1864, já ele se apavorava com as cãs que já se iam manifestando.
O poema é longo, com 31
estrofes. Tem por título A meus primeiros cabelos brancos, e foi incluído no
volume das “Evocações”.
O amadurecimento da vida,
contudo, não lhe roubou o plectro. “A idade, os desgostos, as desilusões não
conseguiram, como a tantos, esclerosar-lhe o talento”, notou Escragnolle Dória.
(“Dr. Bernardo Guimarães, em Minas Gerais em 1925”, de Victor Silveira, página
410).
Na verdade, em 1882 ainda teve
ânimo para reunir vários poemas publicados esparsamente, e algumas poesias inéditas,
e enviou-as a Garnier, com o título “Folhas do Outono”, que bem convinha à
idade e aos desenganos. Este livro foi editado em 1883. Contém as seguintes
composições:
Ode,
oferecida ao amigo Dr. Francisco de Paula Pereira Lagoa (Ouro Preto, dezembro de
1867);
Estrofes,
oferecidas ao Dr. F.L. Bittencourt Sampaio (novembro de 1875);
Poesias,
dedicada a Luísa Augusta Amaral da Veiga, por ocasião de seu 14º aniversário
(Ouro Preto, novembro 1870);
Hino
do 3º Batalhão de Voluntários, dedicado aos soldados que, sob o comando
do Brigadeiro Amorim Rangel, partiram de Ouro Preto para a Guerra do Paraguai
(Ouro Preto, 18670;
Flor
sem nome (sem data);
O
vôo angélico, poema dedicado à jovem Seinel, trapezista do Circo Eqüestre
de Luís Casali (Ouro Preto, janeiro de 1881);
Poesia,
oferecida ao amigo Pedro de Moura Estevão, em memória de uma irmã desse amigo
(Ouro Preto, 4 de junho de 1881);
Dois
anjos, ao amigo Francisco Lana, por ocasião do falecimento de suas duas
filhas gêmeas (março de 1878);
Não
queiras morrer, oferecida ao amigo desembargador José Antônio Alves de
Brito, à memória de sua filha Zulmira, falecida na idade de 20 anos” (sem
data);
A
Camões (sem data);
Camões,
“poesia recitada no Teatro de Ouro Preto por ocasião de celebrar-se o
terceiro centenário do grande épico português” (1880);
Estrofes,
“dedicadas ao Sr. José Tinoco, espirituoso e ilustrado cronista do “Jornal
do Comércio”, quando passou pelo Ouro Preto acompanhando SS.MM.II em sua
visita a esta Província” (Ouro Preto, julho de 1881);
Uma
lágrima, à memória do Dr. Francisco Carlos de Magalhães, poesia escrita
no álbum de D. Ambrosina Augusta de Magalhães (Ouro Preto, julho de 1881);
Epitalâmio
(sem data);
Décimas,
ao aniversário de Maria Canuta, “habilíssima pianista e cantora”, sobrinha
do poeta, filha de seu irmão desembargador Joaquim Caetano da Silva Guimarães
(10 de maio de 1882);
À
morte da inocente Maria, filha do amigo Pedro Queiroga (junho de 1880);
A
sereia e o pescador (sem data);
No
álbum de B. Horta, composição dedicada aos seus “jovens amigos”
Bernardo Horta de Araújo e Pedro de Moura Estêvão (Ouro Preto, 20 de agosto
de 1881);
Hino
à Lei de 28 de setembro de 1871 (Ouro Preto, 28 de setembro de 1882);
Hino
a Tiradentes, em comemoração dos 90 anos da execução “do infeliz mártir
da liberdade”, posto em música “pelo hábil e inspirado maestro” Emílio
Soares de Gouveia Horta (Ouro Preto, abril de 1882);
Saudades
do sertão do oeste de Minas, “fantasia”
dedicada ao “particular amigo” Dr. Francisco de Lemos, “engenheiro
provincial daquela zona” (Ouro Preto, maio de 1882);
Saudação
a Dom Pedro II, quando S.M. visitava Ouro Preto (1881);
Hino
a D. Pedro II, cantado pelas alunas da Escola Normal ao Imperador, por ocasião
de sua visita à capital da Província (Ouro Preto, abril de 1881);
À
moda (Ouro Preto, agosto de 1877);
Hino
à preguiça (sem data);
O
Ipiranga e o 7 de setembro, poema dedicado a José Bonifácio (Ouro Preto,
setembro 1882).
Nesta última coletânea,
inseriu ainda Bernardo Guimarães algumas poesias de sue pai, João Joaquim da
Silva Guimarães, e de seu já então falecido irmão padre Manuel Joaquim da
Silva Guimarães.
E como as auras outonais trazem
sempre a pungente saudade, Bernardo retoma a pena de prosador e faz um romance
de reminiscências, a Rosaura, a Enjeitada. Os estudantes que aqui revivo são
os colegas saudosíssimos da Paulicéia, e ele próprio, mal disfarçado em
Belmiro. Depois, a história se transforma no romance de Adelaide, filha do
Major Damásio. Nas páginas desta obra, deixa ele aquarelado o São Paulo
daqueles meados de século, que tão bem conheceu nos seus dias de acadêmico.
Na “Folha de S.Paulo” de 6
de janeiro de 1983, o historiador e sociólogo Ernani Silva Bruno, sob o título
“Há um século, um romance pioneiro sobre São Paulo”, lembra a importância
que “Rosaura, a Enjeitada” representa como documentação histórica da
Paulicéia de mais de um século atrás.
Prossegue Ernani Bruno: “Essa
circunstância – comenta Silva Bruno – não pode deixar de merecer destaque
porque, ao contrário do Rio de Janeiro, que teve no século passado seus
bairros, logradouros, casas e costumes registrados na ficção de Manuel Antônio
de Almeida, Macedo, Alencar, Machado, Aluísio Azevedo, o burgo paulistano não
encontrou, nos domínios da ficção de boa categoria, quem lhe fixasse os traços
característicos”. “Mas Bernardo Guimarães, no romance que agora completa
100 anos, tentou a proeza. Embora nem de longe se preocupasse com uma descrição
literária abrangente do burgo paulistano, inseriu pela primeira vez, em nossa
literatura de ficção, bairros, recantos, edificações e costumes que
compunham a fisionomia da cidadezinha provinciana de meados do século
passado.”
A “Rosaura” foi lançada,
realmente, em 1883, pelo famoso editor B.L. Garnier, estabelecido na rua do
Ouvidor, no Rio, esse bom e honrado livreiro que morreria dez anos depois, após
ter dado imensa contribuição à cultura brasileira com a sua grande editora.
Por essa época, Francisco de
Paula Ferreira Resende (“Minhas Recordações”, páginas 306 e 307)
encontrou-se com o escritor em Ouro Preto, e lamenta que ela ainda se entregasse
ao prazer da bebida, como nos distantes dias da Faculdade.
A verdade é que Bernardo
continuava a produzir poemas admiráveis e romances que não denunciam a moafa
crônica que lhe querem atribuir com iníqua insistência. Veja-se, por exemplo,
com que graça, um ano antes de sua morte, em 1883, ele, com um poema humorístico,
estampado no “Colombo” da Campanha (edição de 30 de setembro de 1883),
criticava o Parecer da Comissão de Estatística da freguesia
de Madre-de-deus-do-angu, e o acalorado debate da Assembléia Provincial
de Minas a propósito da mudança da denominação do referido povoado.
Esses versos foram transcritos
Basílio Magalhães no “Bernardo Guimarães”, páginas 126 e 128, e incluídos
por Alphonsus de Guimaraens Filho nas “Poesias Completas de Bernardo Guimarães”.
Bernardo, em 1882, conforme ele
próprio informa numa carta do Dr. Fernando Saldanha Moreira, imaginou reunir em
volume seus versos cômicos que mais lhe agradavam, “Eu pretendo – dizia ele
– fazer publicação de poesias bestialógicas, não obscenas, e entre essas
uma das mais patuscas e estudantásticas que
eu tenho é uma paródia a Castro Alves, que começa assim:
Era hora das epopéias,
Das epopéias gigantes;
Na fronte dos estudantes
Pululam gentis idéias.
“Quase que posso jurar que o
José Luís a tem no seu canhenho” (de Dilermano Cruz).
“Foi pena – acrescenta Basílio
de Magalhães – deixasse ele irrealizado esse projeto, porque assim se
perderam, seguramente, muitas das suas mais características produções.”
Inúmeras composições de
Bernardo Guimarães estão lamentavelmente perdidas. O poeta, dispersivo e sem
reconhecer o próprio mérito, não cuidava de guardar
o que escrevia, salvando-se poucos de seus versos. Veja-se o que, a propósito,
ele próprio fala no prólogo da edição de 1865 do volume de “Poesias”:
“Vou pois explicar a razão por que não
tenho amontoado volumes sobre volumes, posto que tenha rabiscado muito papel.
Em primeiro lugar entendo que nem tudo quanto
se escreve merece as honras de ser editado em livro.
Em segundo lugar o pouco que tenho escrito
existe disperso e solto, como as escrituras da sibila, ao capricho dos ventos
revoando.
Ora é o esboço de um drama, que lá fica nas
gavetas sem chave do estudante de S. Paulo.Ora são folhas soltas de um ensaio
de romance, que o vento, entrando pelas janelas abertas, entorna pelo pátio, e
as faz rebolcar-se na lama.
Ora é uma ode esquecida entre as páginas de
um livro.
Ora um madrigal, que foi para a fonte
ensaboar-se com a roupa.
Ora são artigos de periódicos, literários,
que se imprimem depois de muitas fadigas e despesas, e depois se distribuem
alguns raros exemplares, indo o resto para as tavernas servir de embrulho.
Ora são folhetins neste ou naquele gênero; e
todos sabem que o folhetim é por sua natureza efêmero.
Ora é um folheto, que se imprime com muita
dificuldade, e do qual se tiram apenas algumas centenas de exemplares, e se
esvaecem como um vapor por esse espaço imenso.
Ora é uma composição ligeira, que se confia
a um amigo, e que este, tão descuidoso como o autor, vai passando de mão em mão,
até que se lhe perde o rasto.
Ora é um drama, que se confia a um teatro com
toda a fé e esperança, e que fica enterrado na poeira dos arquivos, sem que se
lhe tenha lido uma só palavra, - fóssil que algum dia talvez os geólogos
desenterrarão.
E por estes e vários outros modos o autor tem
perdido não pequena porção de seus manuscritos.
Já se vê que se não salvei a nado as minhas
poesias, não sou menos herói do que Camões, fazendo-as escapar de todos esses
naufrágios e perdições de toda sorte. Se o público e mesmo a posteridade me
não ler, não será portanto por minha culpa.”
Segundo quer Pires de Almeida, Bernardo Guimarães
teria continuado no lar, mesmo na velhice, as escolásticas vividas na Chácara
dos Ingleses, e as sessões fantásticas da Sociedade Epicuéria.
Antônio de Alcântara Machado (“O Fabuloso
Bernardo Guimarães”, em “O Jornal” de 15 de maio de 1929, Rio), assim
comenta:
“E Pires de Almeida conta algumas de suas façanhas
que (diz ele) se deparam em Ouro Preto. Bernardo morava no segundo andar de um
prédio cujos fundos davam para a serra. Em baixo residia um sargento de milícias.
Cada vez mais fechado e sorumbático,
vivia assombrando a rua. Sempre firme no éter, se estendia numa
velha espreguiçadeira de palhinha, coberta de pedaços de chita de todas
as cores, e mandava o moleque semear tempestade.
“O negrinho, então, apanhando uma colcha
escarlate, fartos lenços de Alcobaça e duas ou três toalhas de rosto, corria
pela sala, abalroando na mesa, na estante, nos livros. Era a tormenta.
“Cessados os relâmpagos, Bernardo punha no
canapé um pano vermelho, deitava-se, abria a “Divina Comédia” no primeiro
canto, edição ilustrada, e, enquanto no centro da mesa flamejava o ponche de
conhaque, manda o moleque acender pedacinhos de papel que soltava no ar a modo
de linguão de fogo. Era o inferno. Depois guarnecia o canapé com apanhados de
lençóis que lhe produziam o efeito de alvas espumas, armava sobre ele a rede,
deitava-se nela e mandava o moleque sacudir com toda a força. Era o navio da
procela.
“Mas me digam se pode haver coisa mais
estupenda”.
Se não há equívoco com algum possível homônimo,
esse publicista, irresponsável palhaço, que tanto tentou conspurcar o
comportamento de Bernardo Guimarães, falsificando com fantasias ferinas e
burlescas o perfil do escritor mineiro, atribuindo-lhe exageradas libações e
procedimentos ridículos e vexatórios, trata-se do médico carioca José
Ricardo Pires de Almeida (1843-1913), arquivista e bibliotecário da Câmara
Municipal do Rio de Janeiro. Foi Inspetor Geral de Higiene. Durante mais de
trinta anos colaborou no “Jornal do Comércio” do Rio.
A exemplo de Pires, algumas pessoas procuravam
erigir uma figura caricata de Bernardo Guimarães, descrevendo-o como um beberrão
inveterado e um insano paspalhão a cometer sandices. D. Teresa Guimarães,
mulher do ouro-pretano, sempre muito lúcida, aos 84 anos em 1934, bem como seus
filhos – destacadamente os mais velhos, Horácio, Afonso e Bernardo Guimarães
Filho – sempre desmentiram todas essas idiotices.
Antônio Constantino, no artigo “O Incrível
Bernardo Guimarães” (“Gazeta Magazine” de 23 de março de 1941), reproduz
mais longamente as truanescas e mentirosas palhaçadas concebidas por Pires de
Almeida, contra as quais há o testemunho de D. Theresa.
“A figura de Bernardo Guimarães – informou
ela, em entrevista, a um jornalista – tem servido de cabide a muita anedota.
Mesmo aqui em Minas, onde todos o admiram, correm as histórias mais
disparatadas a propósito do grande boêmio. Aí está justamente o engano.
Bernardo, uma vez casado e com a responsabilidade
de cargos públicos, foi sempre um grande trabalhador. Interrompido no trabalho
muitas vezes ao dia, para atender a pessoas que vinham de toda parte para
conhece-lo, disse Bernardo certa ocasião:
-- Homem, vou instituir uma taxa para esses
visitantes. Quem quiser ver o leão tem de pagar.
“Ceava com rapazes, aceitava convites para
jantar, e, nessas ocasiões, apreciava um copo de bom vinho. Mas os anedotistas,
não para desprestigiar o Bernardo, mas para prestigiar as anedotas, ia
atribuindo a ele alguns episódios absolutamente incompatíveis com um homem de
espírito e finamente educado. Dos seus amigos, vivem ainda, entre outros, o
Comendador Antônio Gomes Monteiro e o Coronel José Bernardes de Paula Aroeira.
“Mas Bernardo deixou umas obras literária
vultosa; viveu com poucos recursos e não deixou uma só dívida. Aí está: sua
enorme boêmia é apenas uma lenda!” (Do Suplementonº 197 do “Minas
Gerais”, 1925, Belo Horizonte).
Às testemunhas citadas por D. Teresa Guimarães,
posso acrescentar o saudoso médico D. Antônio Maximiano Xavier Lisboa, culto e
venerando campanhese, falecido em 1957, aos 97 anos de idade em Itajubá, e o
Coronel José Pereira de Seixas, deputado à Assembléia Mineira nos primeiros
anos do século 20, morto em Baependi em 1934, provectos varões que bem
conheceram o vate nas tertúlias familiares em Ouro Preto, no tempo em que
ambos, então muito jovens, eram ali preparatorianos. Ainda tive a ventura de
ouvir de ambos informações que confirmam inteiramente as asserções da viúva
do escritor.
Mas o anedotário correu solto. Veja-se a nota que saiu no dia 1 de novembro de
1953 na publicação “Alterosa”, de Belo Horizonte, com o título “Uma
anedota do velho Bernardo Guimarães”.
“Bernardo Guimarães, o romancista de “A
Escrava Isaura”, era, como se sabe, amigo de vinho e não fazia segredo disso.
Em Ouro Preto, mandou um moleque ao negociante em que tinha caderno, com um
bilhete, no qual pedia alguns quilos de feijão, sabão, etc. E deu ao portador
também uma garrafa. Voltando o emprego com as compras, trouxe também a garra
cheia de vinho. E um bilhete do comerciante, no qual se lia:
Dr. Bernardo. Embora o senhor não se referisse
à garrafa, mandei o vinho.
Bernardo respondeu-lhe:
Meu caro amigo. Você não mostrou com isso
especial atilamento, porque, em todas as partes do mundo, a garrafa vazia sempre
foi para encher-se. Era, pois, desnecessária a recomendação”.
A propósito da “taxa” para visitantes, vale
lembrar um fato contado por Sousa Ataíde:
“Descia o poeta, certa vez, a rua de sua casa,
em companhia de dois amigos, quanto, passando por eles três ou quatro pessoas
que caminhavam em sentido contrário, uma delas perguntou-lhe:
- Saberá o cavalheiro informar-me onde mora o
escritor Bernardo Guimarães?
“Eram pessoas que desejavam visitá-lo, e que
ainda não conheciam. Bernardo, tranqüilamente, apontou a sua residência, e
deu prontamente a informação pedida:
-- É ali, naquele sobrado, ao alto.
“E continuou a descer
imperturbavelmente a ladeira. O Bretas espantou-se:
-- Que é isso, homem! Eles querem te conhecer!
-- Perguntaram-me onde eu moro. Dei, acaso,
informação errada?, respondeu o poeta.”
Muitos outros episódios engraçados se incluem
no anedotário biográfico de Bernardo Guimarães. Em 1925, nas suas “Memórias
de João Barriga”, José Avelino registrava este caso, de quando era o poeta
professor no liceu de Ouro Preto:
“Examinador, a todos aprovava. Conta-se que,
numa feita, um bicho [estudante calouro] estava tão cru em noções de
Cosmografia que a reprovação seria inevitável no exame oral. Dois
examinadores deram logo nota má, e Bernardo deu ótima. Perguntou-lhe um
colega:
- Por que deu ótima, doutor, a um examinando que
não soube o ponto?
--
Porque eu também não sei.”
Esclarecendo que besta era como então denominava
certa medida de plantas forrageiras, Carlos José dos Santos nos conta mais o
seguinte caso, para acentuar a índole do brincalhão de Ouro Preto:
"Era um acérrimo inimigo de
honrarias. Em nossa longa convivência de tantos anos, nunca o ouvi falar em
política; e era, entretanto, uma patriota e devoto. Durante a Guerra do
Paraguai, o seu estro sempre vibrou de patriotismo sincero e a sua lira
inspirada afinou acordes vibrantes dos mais entusiásticos hinos patrióticos.
"O nosso poeta achava-se bem
entre as crianças e evitava os moços recentemente formados em São Paulo,
principalmente quando queriam exibir-se perante ele.
Mas nem sempre ele escapava. Um
desses moços, Jerônimo Penido, perguntou-lhe:
-- Sei que vai publicar novas
poesias; que título vai dar-lhes?
E o poeta respondeu:
-- Direitos, novos e velhos
"Essas respostas prontas e
engraçadas eram freqüentes. Na reorganização do Liceu Mineiro, depois de
lido o discurso de que fora encarregado, como professor de Retórica, o Dr.
Saldanha Marinho, Presidente da Província, perguntou-lhe:
-- Bernardo, qual o autor que você
adota na aula?
-- Simão de Nantua, respondeu logo.
"Discutindo, uma vez, o Dr.
Lagoa, professor de Filosofia, com o Dr. Carneiro, José Rodrigues Duarte,
Joaquim Cipriano e outros, sobre a existência da alma, como operam as
impressões que vão ao cérebro, as suas faculdades, etc. logo após sua
retirada do corpo, como ela se propunha a subir à mansão eterna, estava
Bernardo Guimarães calado, acendendo um cigarro. De repente pulo no meio deles,
e disse:
-- Escutem, já sei!
Todos se calaram. O Dr. Lagoa tinha
uma conversação tão grave que até incomodava. Disse o Lagoa:
-- Vamos ouvir a opinião do
Bernardo.
E disse ele
-- Já sei! Descobri o
verdadeiro caminho para o céu. Por onde é? É ali, por São José do Chopotó!"
("Bernardo Guimarães na
Intimidade", páginas 4 e 5)
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