Vida e Obra de Bernardo Guimarães
  poeta e romancista brasileiro [1825-1884 - biografia]

 
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Capítulo 26 do livro inédito
"Bernardo Guimarães, o romancista da Abolição"

Últimas produções
Armelim Guimarães

Bernardo Guimarães aproximavam-se do ômega de suas existência. Observou Almeida Nogueira, nas suas “Tradições e Reminiscências” (2º volume, páginas 168 e 169), que “a expressão fisionômica, que, na quadra acadêmica, era viva e prazenteira, revestiu-se, com o perpassar do tempo, de vaga melancolia, que se foi transformando em sombria tristeza”.

Ainda quando estava no Rio de Janeiro, em 1864, já ele se apavorava com as cãs que já se iam manifestando.

O poema é longo, com 31 estrofes. Tem por título A meus primeiros cabelos brancos, e foi incluído no volume das “Evocações”.

O amadurecimento da vida, contudo, não lhe roubou o plectro. “A idade, os desgostos, as desilusões não conseguiram, como a tantos, esclerosar-lhe o talento”, notou Escragnolle Dória. (“Dr. Bernardo Guimarães, em Minas Gerais em 1925”, de Victor Silveira, página 410).

Na verdade, em 1882 ainda teve ânimo para reunir vários poemas publicados esparsamente, e algumas poesias inéditas, e enviou-as a Garnier, com o título “Folhas do Outono”, que bem convinha à idade e aos desenganos. Este livro foi editado em 1883. Contém as seguintes composições:

Ode, oferecida ao amigo Dr. Francisco de Paula Pereira Lagoa (Ouro Preto, dezembro de 1867);

Estrofes, oferecidas ao Dr. F.L. Bittencourt Sampaio (novembro de 1875);

Poesias, dedicada a Luísa Augusta Amaral da Veiga, por ocasião de seu 14º aniversário (Ouro Preto, novembro 1870);

Hino do 3º Batalhão de Voluntários, dedicado aos soldados que, sob o comando do Brigadeiro Amorim Rangel, partiram de Ouro Preto para a Guerra do Paraguai (Ouro Preto, 18670;

Flor sem nome (sem data);

O vôo angélico, poema dedicado à jovem Seinel, trapezista do Circo Eqüestre de Luís Casali (Ouro Preto, janeiro de 1881);

Poesia, oferecida ao amigo Pedro de Moura Estevão, em memória de uma irmã desse amigo (Ouro Preto, 4 de junho de 1881);

Dois anjos, ao amigo Francisco Lana, por ocasião do falecimento de suas duas filhas gêmeas (março de 1878);

Não queiras morrer, oferecida ao amigo desembargador José Antônio Alves de Brito, à memória de sua filha Zulmira, falecida na idade de 20 anos” (sem data);

A Camões (sem data);

Camões, “poesia recitada no Teatro de Ouro Preto por ocasião de celebrar-se o terceiro centenário do grande épico português” (1880);

Estrofes, “dedicadas ao Sr. José Tinoco, espirituoso e ilustrado cronista do “Jornal do Comércio”, quando passou pelo Ouro Preto acompanhando SS.MM.II em sua visita a esta Província” (Ouro Preto, julho de 1881);

Uma lágrima, à memória do Dr. Francisco Carlos de Magalhães, poesia escrita no álbum de D. Ambrosina Augusta de Magalhães (Ouro Preto, julho de 1881);

Epitalâmio (sem data);

Décimas, ao aniversário de Maria Canuta, “habilíssima pianista e cantora”, sobrinha do poeta, filha de seu irmão desembargador Joaquim Caetano da Silva Guimarães (10 de maio de 1882);

À morte da inocente Maria, filha do amigo Pedro Queiroga (junho de 1880);

A sereia e o pescador (sem data);

No álbum de B. Horta, composição dedicada aos seus “jovens amigos” Bernardo Horta de Araújo e Pedro de Moura Estêvão (Ouro Preto, 20 de agosto de 1881);

Hino à Lei de 28 de setembro de 1871 (Ouro Preto, 28 de setembro de 1882);

Hino a Tiradentes, em comemoração dos 90 anos da execução “do infeliz mártir da liberdade”, posto em música “pelo hábil e inspirado maestro” Emílio Soares de Gouveia Horta (Ouro Preto, abril de 1882);

Saudades do sertão do oeste de Minas, “fantasia”  dedicada ao “particular amigo” Dr. Francisco de Lemos, “engenheiro provincial daquela zona” (Ouro Preto, maio de 1882);

Saudação a Dom Pedro II, quando S.M. visitava Ouro Preto (1881);

Hino a D. Pedro II, cantado pelas alunas da Escola Normal ao Imperador, por ocasião de sua visita à capital da Província (Ouro Preto, abril de 1881);

À moda (Ouro Preto, agosto de 1877);

Hino à preguiça (sem data);

O Ipiranga e o 7 de setembro, poema dedicado a José Bonifácio (Ouro Preto, setembro 1882).

Nesta última coletânea, inseriu ainda Bernardo Guimarães algumas poesias de sue pai, João Joaquim da Silva Guimarães, e de seu já então falecido irmão padre Manuel Joaquim da Silva Guimarães.

E como as auras outonais trazem sempre a pungente saudade, Bernardo retoma a pena de prosador e faz um romance de reminiscências, a Rosaura, a Enjeitada. Os estudantes que aqui revivo são os colegas saudosíssimos da Paulicéia, e ele próprio, mal disfarçado em Belmiro. Depois, a história se transforma no romance de Adelaide, filha do Major Damásio. Nas páginas desta obra, deixa ele aquarelado o São Paulo daqueles meados de século, que tão bem conheceu nos seus dias de acadêmico.

Na “Folha de S.Paulo” de 6 de janeiro de 1983, o historiador e sociólogo Ernani Silva Bruno, sob o título “Há um século, um romance pioneiro sobre São Paulo”, lembra a importância que “Rosaura, a Enjeitada” representa como documentação histórica da Paulicéia de mais de um século atrás.

Prossegue Ernani Bruno: “Essa circunstância – comenta Silva Bruno – não pode deixar de merecer destaque porque, ao contrário do Rio de Janeiro, que teve no século passado seus bairros, logradouros, casas e costumes registrados na ficção de Manuel Antônio de Almeida, Macedo, Alencar, Machado, Aluísio Azevedo, o burgo paulistano não encontrou, nos domínios da ficção de boa categoria, quem lhe fixasse os traços característicos”. “Mas Bernardo Guimarães, no romance que agora completa 100 anos, tentou a proeza. Embora nem de longe se preocupasse com uma descrição literária abrangente do burgo paulistano, inseriu pela primeira vez, em nossa literatura de ficção, bairros, recantos, edificações e costumes que compunham a fisionomia da cidadezinha provinciana de meados do século passado.”

A “Rosaura” foi lançada, realmente, em 1883, pelo famoso editor B.L. Garnier, estabelecido na rua do Ouvidor, no Rio, esse bom e honrado livreiro que morreria dez anos depois, após ter dado imensa contribuição à cultura brasileira com a sua grande editora.     

Por essa época, Francisco de Paula Ferreira Resende (“Minhas Recordações”, páginas 306 e 307) encontrou-se com o escritor em Ouro Preto, e lamenta que ela ainda se entregasse ao prazer da bebida, como nos distantes dias da Faculdade.

A verdade é que Bernardo continuava a produzir poemas admiráveis e romances que não denunciam a moafa crônica que lhe querem atribuir com iníqua insistência. Veja-se, por exemplo, com que graça, um ano antes de sua morte, em 1883, ele, com um poema humorístico, estampado no “Colombo” da Campanha (edição de 30 de setembro de 1883), criticava o Parecer da Comissão de Estatística da freguesia  de Madre-de-deus-do-angu, e o acalorado debate da Assembléia Provincial de Minas a propósito da mudança da denominação do referido povoado.

Esses versos foram transcritos Basílio Magalhães no “Bernardo Guimarães”, páginas 126 e 128, e incluídos por Alphonsus de Guimaraens Filho nas “Poesias Completas de Bernardo Guimarães”.

Bernardo, em 1882, conforme ele próprio informa numa carta do Dr. Fernando Saldanha Moreira, imaginou reunir em volume seus versos cômicos que mais lhe agradavam, “Eu pretendo – dizia ele – fazer publicação de poesias bestialógicas, não obscenas, e entre essas uma das mais patuscas e estudantásticas  que eu tenho é uma paródia a Castro Alves, que começa assim:

Era hora das epopéias,
Das epopéias gigantes;
Na fronte dos estudantes
Pululam gentis idéias.

“Quase que posso jurar que o José Luís a tem no seu canhenho” (de Dilermano Cruz).

“Foi pena – acrescenta Basílio de Magalhães – deixasse ele irrealizado esse projeto, porque assim se perderam, seguramente, muitas das suas mais características produções.”

Inúmeras composições de Bernardo Guimarães estão lamentavelmente perdidas. O poeta, dispersivo e sem reconhecer o próprio mérito, não cuidava de guardar  o que escrevia, salvando-se poucos de seus versos. Veja-se o que, a propósito, ele próprio fala no prólogo da edição de 1865 do volume de “Poesias”:

“Vou pois explicar a razão por que não tenho amontoado volumes sobre volumes, posto que tenha rabiscado muito papel.

Em primeiro lugar entendo que nem tudo quanto se escreve merece as honras de ser editado em livro.

Em segundo lugar o pouco que tenho escrito existe disperso e solto, como as escrituras da sibila, ao capricho dos ventos revoando.

Ora é o esboço de um drama, que lá fica nas gavetas sem chave do estudante de S. Paulo.Ora são folhas soltas de um ensaio de romance, que o vento, entrando pelas janelas abertas, entorna pelo pátio, e as faz rebolcar-se na lama.

Ora é uma ode esquecida entre as páginas de um livro.

Ora um madrigal, que foi para a fonte ensaboar-se com a roupa.

Ora são artigos de periódicos, literários, que se imprimem depois de muitas fadigas e despesas, e depois se distribuem alguns raros exemplares, indo o resto para as tavernas servir de embrulho.

Ora são folhetins neste ou naquele gênero; e todos sabem que o folhetim é por sua natureza efêmero.

Ora é um folheto, que se imprime com muita dificuldade, e do qual se tiram apenas algumas centenas de exemplares, e se esvaecem como um vapor por esse espaço imenso.

Ora é uma composição ligeira, que se confia a um amigo, e que este, tão descuidoso como o autor, vai passando de mão em mão, até que se lhe perde o rasto.

Ora é um drama, que se confia a um teatro com toda a fé e esperança, e que fica enterrado na poeira dos arquivos, sem que se lhe tenha lido uma só palavra, - fóssil que algum dia talvez os geólogos desenterrarão.

E por estes e vários outros modos o autor tem perdido não pequena porção de seus manuscritos.

Já se vê que se não salvei a nado as minhas poesias, não sou menos herói do que Camões, fazendo-as escapar de todos esses naufrágios e perdições de toda sorte. Se o público e mesmo a posteridade me não ler, não será portanto por minha culpa.”

Segundo quer Pires de Almeida, Bernardo Guimarães teria continuado no lar, mesmo na velhice, as escolásticas vividas na Chácara dos Ingleses, e as sessões fantásticas da Sociedade Epicuéria.

Antônio de Alcântara Machado (“O Fabuloso Bernardo Guimarães”, em “O Jornal” de 15 de maio de 1929, Rio), assim comenta:

“E Pires de Almeida conta algumas de suas façanhas que (diz ele) se deparam em Ouro Preto. Bernardo morava no segundo andar de um prédio cujos fundos davam para a serra. Em baixo residia um sargento de milícias. Cada vez mais fechado  e sorumbático, vivia assombrando a rua. Sempre firme no éter, se estendia numa  velha espreguiçadeira de palhinha, coberta de pedaços de chita de todas as cores, e mandava o moleque semear tempestade.

“O negrinho, então, apanhando uma colcha escarlate, fartos lenços de Alcobaça e duas ou três toalhas de rosto, corria pela sala, abalroando na mesa, na estante, nos livros. Era a tormenta.

“Cessados os relâmpagos, Bernardo punha no canapé um pano vermelho, deitava-se, abria a “Divina Comédia” no primeiro canto, edição ilustrada, e, enquanto no centro da mesa flamejava o ponche de conhaque, manda o moleque acender pedacinhos de papel que soltava no ar a modo de linguão de fogo. Era o inferno. Depois guarnecia o canapé com apanhados de lençóis que lhe produziam o efeito de alvas espumas, armava sobre ele a rede, deitava-se nela e mandava o moleque sacudir com toda a força. Era o navio da procela.

“Mas me digam se pode haver coisa mais estupenda”.

Se não há equívoco com algum possível homônimo, esse publicista, irresponsável palhaço, que tanto tentou conspurcar o comportamento de Bernardo Guimarães, falsificando com fantasias ferinas e burlescas o perfil do escritor mineiro, atribuindo-lhe exageradas libações e procedimentos ridículos e vexatórios, trata-se do médico carioca José Ricardo Pires de Almeida (1843-1913), arquivista e bibliotecário da Câmara Municipal do Rio de Janeiro. Foi Inspetor Geral de Higiene. Durante mais de trinta anos colaborou no “Jornal do Comércio” do Rio.

A exemplo de Pires, algumas pessoas procuravam erigir uma figura caricata de Bernardo Guimarães, descrevendo-o como um beberrão inveterado e um insano paspalhão a cometer sandices. D. Teresa Guimarães, mulher do ouro-pretano, sempre muito lúcida, aos 84 anos em 1934, bem como seus filhos – destacadamente os mais velhos, Horácio, Afonso e Bernardo Guimarães Filho – sempre desmentiram todas essas idiotices.

Antônio Constantino, no artigo “O Incrível Bernardo Guimarães” (“Gazeta Magazine” de 23 de março de 1941), reproduz mais longamente as truanescas e mentirosas palhaçadas concebidas por Pires de Almeida, contra as quais há o testemunho de D. Theresa.

“A figura de Bernardo Guimarães – informou ela, em entrevista, a um jornalista – tem servido de cabide a muita anedota. Mesmo aqui em Minas, onde todos o admiram, correm as histórias mais disparatadas a propósito do grande boêmio. Aí está justamente o engano. Bernardo, uma vez casado e com a  responsabilidade de cargos públicos, foi sempre um grande trabalhador. Interrompido no trabalho muitas vezes ao dia, para atender a pessoas que vinham de toda parte para conhece-lo, disse Bernardo certa ocasião:

-- Homem, vou instituir uma taxa para esses visitantes. Quem quiser ver o leão tem de pagar.

“Ceava com rapazes, aceitava convites para jantar, e, nessas ocasiões, apreciava um copo de bom vinho. Mas os anedotistas, não para desprestigiar o Bernardo, mas para prestigiar as anedotas, ia atribuindo a ele alguns episódios absolutamente incompatíveis com um homem de espírito e finamente educado. Dos seus amigos, vivem ainda, entre outros, o Comendador Antônio Gomes Monteiro e o Coronel José Bernardes de Paula Aroeira.

“Mas Bernardo deixou umas obras literária vultosa; viveu com poucos recursos e não deixou uma só dívida. Aí está: sua enorme boêmia é apenas uma lenda!” (Do Suplementonº 197 do “Minas Gerais”, 1925, Belo Horizonte).

Às testemunhas citadas por D. Teresa Guimarães, posso acrescentar o saudoso médico D. Antônio Maximiano Xavier Lisboa, culto e venerando campanhese, falecido em 1957, aos 97 anos de idade em Itajubá, e o Coronel José Pereira de Seixas, deputado à Assembléia Mineira nos primeiros anos do século 20, morto em Baependi em 1934, provectos varões que bem conheceram o vate nas tertúlias familiares em Ouro Preto, no tempo em que ambos, então muito jovens, eram ali preparatorianos. Ainda tive a ventura de ouvir de ambos informações que confirmam inteiramente as asserções da viúva do escritor.

Mas o anedotário correu solto. Veja-se a nota que saiu no dia 1 de novembro de 1953 na publicação “Alterosa”, de Belo Horizonte, com o título “Uma anedota do velho Bernardo Guimarães”.

“Bernardo Guimarães, o romancista de “A Escrava Isaura”, era, como se sabe, amigo de vinho e não fazia segredo disso. Em Ouro Preto, mandou um moleque ao negociante em que tinha caderno, com um bilhete, no qual pedia alguns quilos de feijão, sabão, etc. E deu ao portador também uma garrafa. Voltando o emprego com as compras, trouxe também a garra cheia de vinho. E um bilhete do comerciante, no qual se lia:

Dr. Bernardo. Embora o senhor não se referisse à garrafa, mandei o vinho.

Bernardo respondeu-lhe:

Meu caro amigo. Você não mostrou com isso especial atilamento, porque, em todas as partes do mundo, a garrafa vazia sempre foi para encher-se. Era, pois, desnecessária a recomendação”.

A propósito da “taxa” para visitantes, vale lembrar um fato contado por Sousa Ataíde:

“Descia o poeta, certa vez, a rua de sua casa, em companhia de dois amigos, quanto, passando por eles três ou quatro pessoas que caminhavam em sentido contrário, uma delas perguntou-lhe:

- Saberá o cavalheiro informar-me onde mora o escritor Bernardo Guimarães?

“Eram pessoas que desejavam visitá-lo, e que ainda não conheciam. Bernardo, tranqüilamente, apontou a sua residência, e deu prontamente a informação pedida:

-- É ali, naquele sobrado, ao alto.

“E continuou a descer  imperturbavelmente a ladeira. O Bretas espantou-se:

-- Que é isso, homem! Eles querem te conhecer!

-- Perguntaram-me onde eu moro. Dei, acaso, informação errada?, respondeu o poeta.”

Muitos outros episódios engraçados se incluem no anedotário biográfico de Bernardo Guimarães. Em 1925, nas suas “Memórias de João Barriga”, José Avelino registrava este caso, de quando era o poeta professor no liceu de Ouro Preto:

“Examinador, a todos aprovava. Conta-se que, numa feita, um bicho [estudante calouro] estava tão cru em noções de Cosmografia que a reprovação seria inevitável no exame oral. Dois examinadores deram logo nota má, e Bernardo deu ótima. Perguntou-lhe um colega:

- Por que deu ótima, doutor, a um examinando que não soube o ponto?

-- Porque eu também não sei.”


Esclarecendo que besta era como então denominava certa medida de plantas forrageiras, Carlos José dos Santos nos conta mais o seguinte caso, para acentuar a índole do brincalhão de Ouro Preto:

"Era um acérrimo inimigo de honrarias. Em nossa longa convivência de tantos anos, nunca o ouvi falar em política; e era, entretanto, uma patriota e devoto. Durante a Guerra do Paraguai, o seu estro sempre vibrou de patriotismo sincero e a sua lira inspirada afinou acordes vibrantes dos mais entusiásticos hinos patrióticos.

"O nosso poeta achava-se bem entre as crianças e evitava os moços recentemente formados em São Paulo, principalmente quando queriam exibir-se perante ele.  

Mas nem sempre ele escapava. Um desses moços, Jerônimo Penido, perguntou-lhe:

-- Sei que vai publicar novas poesias; que título vai dar-lhes?

E o poeta respondeu:

-- Direitos, novos e velhos

"Essas respostas prontas e engraçadas eram freqüentes. Na reorganização do Liceu Mineiro, depois de lido o discurso de que fora encarregado, como professor de Retórica, o Dr. Saldanha Marinho, Presidente da Província, perguntou-lhe:

-- Bernardo, qual o autor que você adota na aula?

-- Simão de Nantua, respondeu logo.

"Discutindo, uma vez, o Dr. Lagoa, professor de Filosofia, com o Dr. Carneiro, José Rodrigues Duarte, Joaquim Cipriano e outros, sobre a existência da alma, como operam as impressões que vão ao cérebro, as suas faculdades, etc. logo após sua retirada do corpo, como ela se propunha a subir à mansão eterna, estava Bernardo Guimarães calado, acendendo um cigarro. De repente pulo no meio deles, e disse:

-- Escutem, já sei!

Todos se calaram. O Dr. Lagoa tinha uma conversação tão grave que até incomodava. Disse o Lagoa:

-- Vamos ouvir a opinião do Bernardo.

 E disse ele  

 -- Já sei! Descobri o verdadeiro caminho para o céu. Por onde é? É ali, por São José do Chopotó!"

("Bernardo Guimarães na Intimidade", páginas 4 e 5)

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