GRANDES MESTRES DA POESIA

 

CRUZ E SOUSA

A Secreta Malícia


No poeta de inspiração espiritualista que foi Cruz e Sousa, chama a atenção o número de alusões ao Diabo. É um Diabo vário. Ora é o poderoso senhor ";capro e revel, com os fabulosos cornos" , do poema "Satã", de Broquéis. Ora é o "cornóide deus funambulesco", um "momo picaresco" que chora a mocidade perdida, como em "Majestade Caída", no mesmo livro. Em "Spleen de deuses", de Faróis, o "Capricórnio Satã" volta a desafiar o Criador. Mas não o faz com a rebeldia dos primeiros tempos, nem é fulminado como então. Ambos estão face a face; o último implora pelo "fascinante Inferno"; o primeiro, pelo "tédio senil do céu fechado". Já no poema "Deus do mal", publicado em Últimos sonetos, o poeta assume uma posição ortodoxa, deplorando o "Espírito do Mal", o "deus perverso", por este não ter acesso à "graça divina e consolante", sendo um "réprobo estranho ao Perdão externo". Mas no poema "Único remédio", coligido no mesmo livro, o poeta declara uma certa nostalgia do Mal, pois as vidas que sobem "a espiral do Inferno", as "almas que têm sede de falerno" encontram, ao invés do vinho antigo inebriante, "apenas o licor moderno / do tédio pessimista que as esmaga".
Entre os muitos cursos de sua prosa poética, a certa altura lá se vai o poeta, como Dante, ao Inferno. Quem aí o espera não é o virtuoso Virgílio, mas o "profundo e lívido" Baudelaire. De "cabeça triunfante, majestosa", o poeta de As flores do mal lembra uma efígie de Satã, em que se chocam o "vôo para as incoercíveis regiões do Desconhecido" e as "supremas tristezas decadentes dos opulentos e contemplativos ocasos". Carregando nas imagens e sonoridades, o poeta vê nesta cabeça "a candidez elísea de um Santo" junto com a "extravagante, absurda e inquisidora intuição de um Demônio". A pena imposta a esta complexa figura do gênio poético é a de ter a alma nômade contida em um corpo prisioneiro de si mesmo. Esta condenação é análoga à de Satã no poema de Dante, prisioneiro de um movimento sem possibilidade de deslocamento, ou seja, no plano alegórico, de transcendência. No Inferno dantesco o Rei do Mal está preso em gelo e rochas, e apenas sua boca e suas asas se movem, produzindo estas o vento frio que, por sua vez, produz o gelo.
No Inferno de Cruz e Sousa a imobilidade solene de Baudelaire contrasta com a agitação, ao redor, dos demônios menores que riem e fazem cabriolas, como se estivessem numa farsa de Gil Vicente, embora entre tóraces contorcidos e cabelos revoltos. Entretanto, essa imobilidade é sinal de um grande passo, aquele que leva os poetas aos "excelsos caminhos dos inauditos desígnios".
Como Dante em sua viagem, o poeta, em seu sonho, interroga a sombra. Mas esta não lhe responde: ao contrário, é o interrogador que desata a fala. Cobre a sombra de imagens que hoje podem nos parecer tomadas de exagero: "nevoento aquário de spleen", "muçulmano do Tédio", dizendo perceber as "fascinadoras ondas febris e ambrosíacas da tua insana volúpia" . Baudelaire responde sempre com o silêncio. Mas a seu lado algo flui: um óleo fumegante de uma árvore estranha. Neste óleo banham-se as almas meditativas dos sonhadores, "tantalizadas pelo Tédio".
Essa "evocação" de Cruz e Sousa lembra que os tempos da Grande Rebelião já passaram. O próprio Inferno evocado tem a contextura diáfana do sonho, e não passa de um "parque": o "parque das Sombras". Apesar de suas contorções e desalinhos, é um inferno domado que se nos apresenta, não um sonho grandioso ou um pesadelo perverso. Mas cabe ressaltar que o que apontei antes como "exagero" não é falta de técnica; pelo contrário, é técnica motivada e assumida. O caudal de imagens e de sonoridades instrui a percepção do tédio, e este mesmo tem algo de artificioso em sua construção. O texto e seu correr transbordante parecem estar no lugar de alguma coisa. Esse algo indefinível já passou, ou melhor, seu sentido se perdeu. A linguagem faz-se opacidade, e é dos poderes da linguagem que o poeta está falando, onde tudo, afirmação e negação, Deus e Satã, nostalgia da rebelião e melancolia do tédio, se entrelaça, compondo uma infindável frase de possibilidades infinitas a emanar de um caos do espírito, semelhante àquele "primitivo Caos, donde lenta e gradativamente se geraram as cores e as formas".
Esta é uma paixão plenamente verbal, e só verbal, pelo satanismo. As linhas gerais que a compõem, e que procurei caracterizar até aqui pelas variações com que Satã se apresenta (condenação ortodoxa, visão do tédio, nostalgia da rebelião, melancolia teatral) convergem e se entrelaçam no poema "A flor do Diabo", de Faróis. O título lembra As flores do mal, de Baudelaire, cuja presença é franca nos poemas de Cruz e Sousa.
Escrito em quartetos e decassílabos, em que proliferam aliterações sonoras e a repetição de palavras-chave, o poema se desdobra e ritmo tardo. Apresenta e reapresenta a criação, pelo senhor do mal, de uma flor associada à figura feminina. Esta flor é um "jasmim-do-Cabo". A expressão designa a gardênia e outra flor, também chamada de bela-emília. A primeira é conhecida por seus poderes aromáticos; a segunda e originária da África.
Para fazer a flor, o Diabo, velho "sábio dentre os sábios" tomou da " poeira quente das areias / das praias infinitas do Desejo". Ressoa nestas poucas linhas o mito clássico do nascimento de Vênus ou Afrodite, nascida da espuma do mar. Mas ao invés de ecoar aí a pujança do ato criador, o que se configura no poema é uma espécie de desencanto. Parece mais uma criação desiludida praticada por alguém que sente, na criatura, esvair-se seu próprio poder de criação. Dar-lhe, no poema, essências raras, "oscilantes infinitos" e "vaidades e graças femininas" é apenas um modo de intensificar a "melancolia das distâncias". Sofisticando esse sentimento, dá-lhe ainda o Diabo "uns toques ligeiros de ave esquiva / e uma auréola secreta de malícia".
Terminada a criação, o Diabo senil entrega-se ao pranto, congelado em "fundo de vitrais", em "frescos / de góticas capelas isoladas". Seus poderes parecem ter migrado para a criatura, deixando o velho Diabo mais despido do que o rei da anedota, condenado a ser uma metáfora da autocompaixão perdido em meio a obras de arte de um passado glorioso - uma ruína. Discernir a ironia da situação é essencial para compreender o significado.
A partir do gesto o criador o poema evoca o esplendor da criatura sem descrevê-la fisicamente, apenas evocando essa transmigração de poderes que se opera. Diante do seu criador esta expõe a radicalidade da sua independência, envolta em volúpia e vaidade. Criada, a criatura torna-se livre do criador e a ele volta apenas a sua opacidade. Segue seu destino, opondo-lhe aquilo mesmo que ele lhe deu: equivocidade e malícia. Há um verso no poema de sentido ambíguo que diz: "perdida a antiga ingenuidade dócil". No contexto, parece ser o criador que a perde, mas pode também ser a criatura, visto ser ela feminina e tal ingenuidade tradicionalmente atribuída ao gênero. Na verdade, ambos a perderam, e o poema, diante desse movimento que para um é mesmo perda e para a outra é ganho, afasta sua ironia de qualquer sarcasmo. Antes, move-se para uma com paixão piedosa, por ver o criador humilhado pelo abandono a que sua criação o condena.
A volubilidade do caráter concedido ao demônio no contexto destes poemas espelha a variação de ânimo da persona do próprio poeta quanto à sua criação. Ambos, personagem e poeta, ilustram a definição que o crítico italiano Mário Praz dá em relação a um dos perfis centrais da arre do fim do século passado, em seu livro O pacto com a serpente:
"Ao melancólico da cena romântica sucede (…) um personagem moralmente incerto, não de todo mau nem de todo bom; é um estranho à sociedade em que vive, e não tem energia para uma rebelião aberta. Ou nem mesmo esta sombra de personalidade é o que sucede àquele melancólico; pode ser um indivíduo do tipo receptivo, que tem a oferecer apenas uma sucessão de estados d'alma, freqüentemente desconexos (…)" .
Mais adiante Praz caracteriza esse personagem como um neurótico. Definições psicológicas à parte, ele certamente caracteriza uma das preferências da nova sensibilidade estética então em implantação no Brasil, depois de firmada na França: a do Movimento ou Escola Simbolista.
Esta nova sensibilidade, numa paisagem em rápida transformação pela Segunda Revolução Industrial, diante de cidades que se modernizam eliminando os traços do passado, exige as paisagens do sonho, um culto à cisma, aos aspectos noturnos da alma humana, desaguando freqüentemente no tédio como resposta ao mundo que se recobre de uma materialidade avassaladora. O velho Diabo do poema parece menos um contestador evocando mais o poder perdido de um deus deposto ou envelhecido, como Cronos ou Saturno. Nem mesmo o poder sobre o sexo feminino o socorre mais, lembrando essa imagem a de um momento em que se afirma uma nova independência da mulher, ainda que no Brasil isso se desse de modo timorato, nos marcos de uma sociedade fortemente patriarcal e de herança escravocrata muito próxima.
O Romantismo idealizara a imagem do poeta como um vate percursor situado entre a coletividade e o progresso da História; o Parnasianismo subseqüente buscara a devoção da arte pela arte como resposta a um mundo de crescente utilitarismo. Esta última escola trocara a sensibilidade melodiosa do verso romântico - de salão ou de oratória pública - pela percepção crescente da plasticidade das imagens, coisa adequada a um cenário urbano do fim do século em que Se multiplicavam os artefatos visuais e os poderes da imprensa, ampliados pelas possibilidades das ilustrações em escala industrial. Firmava-se a fotografia e descobria-se o cinema; Rodin, na escultura, cobria suas formas com a dinâmica das almas. Crescia a idéia, acompanhada de admiração ou temor, de que a obra de arte ia se tornando um mero objeto entre os demais, também passível de multiplicação por técnicas de reprodução antes não sonhadas. Nesta atmosfera de mudança buscavam os simbolistas reafirmar a supremacia do espiritual sobre o material, do imagético sobre o plástico, do simbólico sobre o concreto, e do onírico sobre a objetividade, tudo isso num esforço de repensar a especificidade do objeto artístico e o papel próprio do artista.
Antes de ser propriamente uma escola literária, embora tivesse características de escola, o Simbolismo foi um movimento intelectual e artístico do final do século passado e começo deste, de grande amplitude e que atingiu várias artes: além da literatura, o teatro, a pintura, a música, entre outros. Seus adeptos, na busca de reafirmar o reino da subjetividade, teorizaram largamente sobre a arte. Claudel, Mallarmé, Verlaine, Rimbaud tiveram relação com o simbolismo ou foram seus mentores. Firmado na França, o movimento percorreu a Europa e a América. Despertou logo uma gama variada de entusiasmos na América Hispânica, onde, com seus colegas de espírito parnasiano, os simbolistas dividiram o nome de "modernistas". Participou o simbolismo de um movimento muito amplo de atualização da inteligência e da sensibilidade, e na América Latina, inclusive no Brasil, confundiu-se com os movimentos de modernização dos espíritos que buscavam inspiração na Europa, sobretudo na Paris, capital do século XIX, segundo a expressão de Walter Benjamin.
No Brasil a busca de uma modernização da sociedade também se fazia sentir. A partir do final da década de 60 avolumam-se os movimentos abolicionista e republicano. Os anos 80 vêem o triunfo do Naturalismo na ficção, do Parnasianismo em poesia. No teatro estão em declínio os dramas, melodramas e dramalhões românticos. Após a fértil mas breve aventura realista, afirma-se o mundo feérico dos espetáculos musicados, do cancan, do café-concerto, daquilo que na época chegou a se chamar a farsa aparatosa.
Abolida a escravidão em 1888 e proclamada a República em 1889, seguem-se decepções mais ou menos acentuadas e progressivas com as contradições do novo regime, envolto desde logo em denúncias de corrupção, em aventuras militaristas, como a do governo de Floriano Peixoto, em revoltas e repressões sangrentas, como a dos Federalistas no Rio Grande do Sul, da Armada no Rio de Janeiro, e a de Canudos no sertão da Bahia (mais tarde a do Contestado, em Santa Catarina). Forjava-se um novo pacto de elites, que levou à formação da República dos Coronéis, ou República Velha, que terá vigência até a revolta liderada por Vargas, em 1930.
Os processos almejados de modernização - e entre ele o das letras também - vão de encontro a uma sociedade fortemente conservadora, de mentalidade ainda herdeira do escravismo, cujas elites concordavam em perder o controle das próprias mãos para qualquer aventureiro político, da caserna ou não, a fim de não comprometerem os anéis de seus privilégios.
É neste quadro de agitação, crise de valores e conservantismo triunfante, que cresce o poeta Cruz e Sousa. Negro, filho de gente que fora escrava, criado pelos ex-donos de índole generosa, e paternal, plasma-se nele uma sensibilidade exacerbada, que encontra nos ditames da nova escola uma expressão adequada. Cruz e Sousa põe a nova escola em diálogo com a tradição brasileira. Guarda um resíduo romântico; desenvolve um preciosismo de linguagem e um rigor de forma que lembra os parnasianos, num ecletismo muito característico de nossas letras. Aí aparece seu satanismo, que por vezes parece um pouco de salão, cuja criação mais complexa me parece aquele velho Diabo deposto de sua grandeza passada, expressão das dúvidas, perplexidades e desilusões de um criador diante dos caminhos e sobretudo do mundo de suas criações.
Cruz e Sousa pôs-se desde logo à frente do novo movimento, que encontrou repercussão em todo o Brasil, e muito intenso no Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, onde propiciava uma exuberância verbal distante do tom tropical generalizado. No grupo simbolista, em que se destacam, entre outros, Alphonsus de Guimaraens, Emiliano Perneta, Virgílio Várzea, Nestor Vítor, Francisca Júlia, Pedro Kilkerry, e a cujo clima não foi estranho Augusto dos Anjos, a poesia de Cruz e Sousa ocupou lugar bastante original. Cultivou o soneto e o rigor formal. Entregou-se à plasticidade das imagens, mas fazendo ressoar em seus versos uma melodiosidade por vezes até em excesso. Mas a plasticidade é onírica, de visões etéreas. A melodia se concentra nas aliterações, na repetição encantatória de palavras, como se o poema fosse um rito de magia cujo sentido se perdeu num mundo dessacralizado. Há um forte erotismo de contemplação em seus poemas, mas que, ao contrário dos de muitos parnasianos, não é estático nem de estatuária. A melodia dos versos dinamiza o mundo dos desejos, e o olhar quase acaricia o corpo feminino com as palavras que o descrevem. Há muita paixão pelo doentio, pelos aspectos torturantes de um desejo sempre insatisfeito, lembrado, muitas vezes, com a afetação de quem a encena vivamente, não de quem a vive intensamente. Há nestes poemas um pouco daquela mesma malícia que o Diabo teria posto em sua criatura: são estratégias de abordagem para seduzir e encantar o leitor através do estranho, do tortuoso, da riqueza da expressão, como a fazer vibrar os poderes da linguagem liberados pelo sonho e pelo descompromisso com o mundo da crua realidade objetiva. Vez por outra Cruz e Sousa revela-se um paisagista admirável, sobretudo de cenas marítimas e de encostas suaves que lembram, aqui e ali, sua "Desterro', natal, ou o "Rio de adoção". Fosse pintor, teríamos um impressionista com toques suaves de academicismo.
Neste mundo alveolar que criou para seu universo poético, Cruz e Sousa enveredou também pelos caminhos da espiritualidade, às vezes de um misticismo exaltado, de adoração pelo mistério religioso. Mas não é de uma fé afirmativa; seus poemas fogem quase sempre do assertivo e do categórico, preferindo a exaltação do visual e do sonoro. Quase sempre terminam como se tivessem reticências, deixando as últimas palavras a ressoar, como chave de ouro auditiva. Cobrem-se de crepúsculos, luares, reflexos. A presença obsessiva do branco em seus poemas fez muito crítico apontar-lhe uma fuga da condição de negro e até um absenteísmo em relação à sorte dos escravos e seus descendentes. É verdade que a presença do branco é uma obsessão. Mas é um branco onírico, álgido, de alvor noturno. A noite é a presença maior nesta poesia, toda ela voltada para as horas mortas de meditação e cisma. Mas seria também um erro ver nessa noite qualquer metáfora de sua pele. Ela é metáfora da condição humana universal, do homem buscando um novo sentido para a existência em meio ao brilho triunfante, mas ilusório, da materialidade que o cerca. Como no final de "Monja negra", de Faróis:
"Hóstia negra e feral da comunhão dos mortos,
noite criadora, mãe dos gnomos, dos vampiros,
passageira senil dos encantados portos,
ó cego sem bordão das torres dos suspiros…
"Abençoa meu ser, unge-o dos óleos castos,
enche-o de turbilhões, de sonâmbulas aves,
para eu me difundir nos teus Sacrários vastos,
para me consolar com teus Silêncios graves".

Homero lírico de um tempo sem grandeza, o poeta fecha os olhos para as aparências e abre-os para o sonho. Mas tudo ainda é sonho, aparência, reflexo especular de algo que ali está mas cujo sentido se ocultou. Ao poeta resta acompanhar o desdobramento insólito deste algo, como se fora um misterioso fio de Ariadne do estado poético.
Sem dúvida, a espiritualidade de Cruz e Sousa possui uma dimensão cristã convencional. Mas ele convive dialeticamente com uma espécie de luxúria catedralesca da palavra, em que se misturam o lúbrico, o voluptuoso, de um erotismo erradio e meio sôfrego, algo de ébrio. Como no caso do satanismo, esta é uma ebriedade mitigada, pois parece freqüentemente estar mais ébria de si do que do objeto erótico, vezo próprio do tempo.
Estamos longe dos áureos tempos do romantismo e de seus frenesis pelo Mal. Satã, o Mal, o erotismo mais retórico e pictórico do que desenfreado, compõem uma visão mais irônica do que outra coisa, sobre o presente, evocando poderes poéticos em risco de se perderem, e que apenas a malícia do poeta ao identificar-se com a liberdade da sua criatura, o poema, deixando arrastar-se por ela até os extremos da expressão, pode trazer à vida. Neste sentido, é claro, este poeta e este poema evocam aquele algo de satânico que existe em toda a arte, que, no fundo, pretende refazer a Criação, no todo ou em parte.
Em Cruz e Sousa há esta paixão pela perene recriação, coisa que faz de seus Satãs Sísifos do verbo, lutando contra a redução dos poderes criativos da linguagem à mera produção e reprodução de coisas entre outras coisas, numa vitrine sem fim de inutilidades. Seus poemas são ao mesmo tempo esconjuro e prece, exaltação e litania, alusão e súplica. Só que os deuses com que a poesia até então dialogava, mesmo como metáforas dos poderes da palavra, estavam cada vez mais distantes.
Décadas depois, o Modernismo brasileiro buscaria novos deuses com quem dialogar. Mas as lições do Simbolismo continuariam a ressoar na poesia brasileira, como nos poemas de Manuel Bandeira, Cecília Meireles e Mário Quintana.
Flávio Aguiar


 

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