GRANDES MESTRES DA POESIA
CRUZ E SOUSA
Inéditos são preciosas fontes para pesquisador
A nota editorial à Obra completa de Cruz e Sousa, comemorativa do centenário de seu nascimento, nos explica que se trata de uma edição exaustiva que fugiu ao critério geral adotado pela editora. Apesar de ela nos informar que não poderia perder o esforço do seu organizador, Andrade Muricy, e por esta razão incluiu tudo, o certo, porém, é que há material importante para o estudo da trajetória poética e da biografia do poeta que ai não se encontra. Só ternos acesso a esses documentos quando mergulhamos nos manuscritos, na correspondência e noutros papéis. Tendo consciência disto, Andrade Muricy, em 1978, legou ao Arquivo-Museu de Literatura Brasileira da Fundação Casa de Rui Barbosa, então dirigido por Plínio Doyle, seu arquivo e biblioteca. E é justamente neste arquivo que vamos encontrar o material do "Poeta Negro".
CARTAS
Do ponto de vista arquivístico, esse material não forma precisamente
um arquivo, mas para facilitar a classificação dividimo-lo em
séries.
Correspondência: abrange a correspondência pessoal de Cruz e Souza
além de familiar e a de terceiros.
A correspondência passivà é formada por cartas de 34 signatários,
alguns deles ligados à vida literária. Destacamos nesta série
a vasta correspondência de Virgílio Várzea (18 cartas),
de Oscar Rosas (14), de Araújo Figueredo (20), além da de Gama
Rosa e Nestor Vitor.
Outro simbolista presente é Gonzaga Duque. Há apenas uma longa
carta onde é apresentado o projeto da "Revista dos Novos" e
do grupo que deveria constituí-la. Temos ainda a ressaltar uma carta
da Livraria Americana, na qual o poeta é informado de que a editora não
poderá publicar seus versos. Nesta série temos também a
correspondência de Alfredo Piragibe, Antenor Soares, Antônio Austregésilo,
Artur de Miranda, Ataliba de Lara, Carlos Dias Fernandes, Carlos Jansen Junior,
Delfino Maria do Nascimento, Francisco Moreira de Vasconcellos, Gustavo de Lacerda,
Horácio de Carvalho, João Francisco Gromwell, João Justino
de Proença, João Lopes, João Praxedes Marques Aleixo, Lima
Campos, Luís de Araújo, Luís José da Silva, Martins
Júnior, Panfilo de Santa Cruz, Pedro Rodolfo de Lima Paiva e Santos Lostada.
A correspondência ativa é reduzida. Limita-se a uma carta de Cruz
e Sonsa a Alberto Costa e nove a Nestor Vitor. Na carta de 27 de dezembro de
1897, Cruz e Sonsa fala de seu estado de saúde: 'NÃo sei se estará
chegando realmente o meu fim; mas hoje pela manhã tive uma síncope
tão longa que supus ser a morte." Temos aí, certamente, o
último escrito do poeta. E uma carta de 17 de março de 1898. Este
documento está redigido por outra pessoa, mas assinado por Cruz e Sousa.
Na correspondência familiar destacamos quatro cartas do poeta a Gavita,
no período de noivado. Em carta de 14 de dezembro de 1892 lê-se:
"A hora em que te escrevo tenho diante de mim o teu retrato, que trago
sempre comigo, que é o meu melhor companheiro e amigo.
Adorada do meu coração, não calculas a saudade que sinto
de ti, como eu desejava agora estar ao pé de ti, na alegria e. na felicidade
da tua presença querida, flor da minha vida, consolo do meu coração."
Outra carta relacionada diretamente ao casamento de Cruz e Sousa
é do Dr. Monteiro de Azevedo, pai de Criação de Gavita.
Nela se comenta a loucura de Gavita, a qual Cruz e Sousa já havia se
referido a Nestor Vítor, em carta de 18 de março de 1896. Nesta
série encontramos ainda cinco cartas da mãe do poeta, Carolina
Maria de Sousa, e 18 de seu pai, Guilherme de Sousa.
A correspondência de terceiros é essencialmente composta de cartas
a Gavita.
PROSA E VERSO
Produção Intelectual: abrange trabalhos produzidos por Cruz e
Sousa e foi organizada em duas séries - poesia e prosa. A série
poesia é composta de 36 poemas. Destacamos "Arte", "Brancas
aspirações, visões renanas", "A fonte de águas
cristalinas corre", "Harpas eternas", "Marche aux flambeaux",
"Mendigos , "No Egito", "Velho vento", "Verônica",
"Violinos', "Vozinha".
Temos ainda acesso aos originais de "Ultimos sonetos", autografo a
tinta preta, encadernado, com 95 folhas, organizado por Nestor Vítor.
Todos os poemas, com exceção de "Domus áurea",,
trazem a assinatura do autor. Esses originais serviram de base para a publicação
de 1905 e para a edição crítica estabelecida por Adriano
da Gama Kury, em 1988.
A série prosa compreende 18 textos. Entre eles temos: "A Virgílio
Várzea", "Decaído", "Doença psíquica',
"Écloga", "Hora Certa", "Velho". Além
dos originais de Evocações, datado de 1897. Autógrafo a
tinta preta e azul, dois volumes encadernados, tiras coladas, composto de 589
páginas não numeradas. Cinco destas tiras são recortes
de jornais com emendas manuscritas. Este texto serviu de base à edição
póstuma.
Apesar da nota editorial de Afrânio Coutinho nas Obras completas dizer
que: "O texto desta edição foi cuidadosamente transcrito,
colacionado com o das primeiras edições feitas sob as vistas do
autor e com os seus próprios manuscritos em grande número de casos",
podemos ver que não é o que ocorre. Um breve cotejo com os originais
nos levou às seguintes conclusões:
- há omissões de palavras que quebram a métrica do poema;
- há versos de um poema que estão metidos em outros;
- a técnica editorial de começar todas as palavras do primeiro
verso em caixa alta deturpa a significação do poema;
- não se respeitou a técnica original do poeta que opta pela maiúscula,
no início do verso;
- a paginação está errada, além da omissão
de pontuação, de palavra, de inversão de termos, do emprego
indevido de letras maiúsculas e gralhas tipográficas.
Documentos pessoais: esta série reflete de maneira bastante fragmentária
a vida do poeta. Ressaltamos apenas a segunda via de sua certidão de
batismo, datada de 4 de agosto de 1958. A série Diversos complementa
algumas informações. Damos destaque ao apontamento biográfico
autógrafo de Cruz e Sousa, onde se lê:
Joao da Cruz e 5 ousa, filho legítimo de Carolina de
Sousa e Guilherme de Sousa, naturais do Estado de Santa Catarina e já
falecidos. O declarante nasceu a 24 de novembro de 1862. É
casado com Gavita da Cruz e Sousa, tendo desse consórcio 3 filhos: o
primeiro de nome Raul, nascido a 22 de Fevereiro de 1894; o segundo de nome
Guilherm, nascido a 7 de outubro de
1895 e o terceiro de nome Rinaldo, nascido a 24 de julho de 18.97.
Este documento nos parece ser importante, apesar de o número
2, na data de 1862, escrito por Cruz e Sousa aparecer rasurado, e deixar duvida
se se trata deste algarismo ou de um 3, podemos verificar que realmente temos
o numero 2. E um questionário elaborado por Nestor Vitor e respondido
por Tibúrcio de Freitas confirma essa data. Este documento revela, sem
duvida, a data do nascimento do poeta. Andrade Muricy diz que foi em 1861, certamente
bastado na certidão de batismo, que se encontra no seu arquivo e foi
reproduzida no livro Panorama do movimento simbolista brasileiro. Alguns dicionários
e histórias da literatura repetem esta data; outros corno Autores e livros,
o dicionário de Raimundo de Meneses, a introdução às
Obras completas de Cruz e Sousa, escrita por Tasso da Silveira trazem a data
de 24 de novembro de 1862. No entanto, Manuel Bandeira, na Apresentação
da poesia brasileira, dá como sendo 1863: certamente ele teve acesso
ao documento, mas não se deteve para melhor examinar a data. Fica a questão:
qual será realmente o ano de nascimento do poeta catarinense? 1861 ou
1862? A vista deste documento, 1862, afirmamos.
Há ainda a coleção de Recortes de Jornais coligidos por
Andrade Muricy. Entre eles 24 são artigos publicados em vida do autor.
Destacamos críticas a Missal e Broquéis.
Este relato é apenas urna amostragem do que o pesquisador poderá
encontrar na coleção Cruz e Sousa. Apesar da documentação
ser pequena, temos a certeza de que aquele que se propuser estudá-la
encontrará material não só para o estabelecimento de texto,
corno também para desenvolver trabalhos na área da crítica
genética, assim como dados novos que venham a elucidar o pensamento crítico
do poeta catarinense.