GRANDES MESTRES DA POESIA

 

CRUZ E SOUSA

CRUZ E SOUSA JORNALISTA

Cruz e Sousa ensaia seus primeiros passos na impresna não somente publicando poemas longos ou triolês satíricos, mas a própria prosa poética ou crítica, se constrói no dia-a-dia do jornal. Foi jornalista e, como tal, profundamente engajado na luta pelas idéias humanistas de liberdade, de fraternidade.
Na cidade de Desterro, a nossa hoje Florianópolis, fundou em 1881 (com 20 anos) o jornalzinho "Colombo", periódico crítico literário, impresso (e não manuscrito, como já se disse), onde publicou poemas e até um folhetim de nome "Margarida", que parece ser o único publicado por Cruz e Sousa. Trata-se de texto romântico bem na linha do folhetim que se publicava na época e que atraía o público.
Antes que fosse, nos últimos anos, denominada imprensa alternativa, já os rapazes daqui, como outros pelo Brasil afora, lutavam com as armas da palavra, pelos seus ideais. Nos anos da ditadura militar, a imprensa alternativa desenvolveu-se muito aqui no Brasil e era a que denunciava, sistematicamente, as violações dos direitos humanos. Nos anos 80, do século XIX, Cruz e Sousa e seu grupo discutiam as questões candentes do século e lutavam dessa mesma maneira: fundando jornais, folhas, semanários alternativos.
A abolição era o grande tema e nele engaja-se, desde cedo, o jovem Cruz e Sousa que sentia na pele o quanto "era triste ser negro" (nas palavras de Lima Barreto). Em carta a Virgílio Várzea, de 1889, Cruz e Sousa desabafa sobre isso (que desenvolveria, mais tarde, no belíssimo texto "Emparedado"): "Quem me mandou vir cá abaixo à terra arrastar a calceta da vida! Para quê? Um triste negro, odiado pelas castas cultas, batido das sociedades..."
Mas, apesar desse tema maior, Cruz e Sousa preocupou-se com um jornalismo cultural que fosse também crítico. Desse modo, depois de "Colombo", publica regularmente no jornal de José Lopes Júnior, "Tribuna Popular". Como esse jornal desapareceu da Biblioteca Pública, pode-se estudar ainda Cruz e Sousa como jornalista na coleção do semanário "O Moleque", que ele dirigiu por seis meses.
"O Moleque", jornalzinho crítico e satírico, traz muitos textos do poeta que, durante todo o tempo em que o dirigiu, praticamente o redigia sozinho. Editoriais críticos sobre a questão da escravidão, severos em relação às mazelas do poder publico, poemas de teor crítico em relação à escravidão versus Igreja Católica, triolés críticos e satíricos, enfim, a nota dominante do estilo do jovem poeta era de força e revolta. Não tinha medo das palavras e usava-as com vigor contra as injustiças sociais. (ZM)

 


A PROSA DE CRUZ E SOUSA


Encontramos o texto abaixo, escrito por Cruz e Sousa, mas sem o título que lhe atribuímos, por ser atual ainda hoje, apesar de ter sido escrito há mais de cem anos:

COISAS HOMOGÊNEAS: POLÍTICA E POESIA

"Há duas coisas no Brasil que são como homogêneas: a política e a poesia, por não serem tomadas convenientemente a sério, por serem entregues a muitos espíritos pueris, duma penetração frívola e vulgar.
Falar em poesia é, neste país, para a compreensão fácil e leviana de indivíduos inconscientes da verdade filosófica das grandes coisas tangíveis, uma imbecilidade, um entretenimento inútil, uma aspiração vazia de senso e de critério.
Mas não se pense assim, não.
... A Poesia é uma arte poderosa e positivamente séria; tais sejam a força intuitiva dos poetas e a sua unção religiosamente estética e afetiva.
... Se em todos os países civilizados a poesia segue na vanguarda de todas as altas criações do espírito humano, por que não há de ser assim no Brasil?
... Para mim, coisa alguma deve estacionar; fazer poesia relativamente às necessidades congênitas da nossa natureza letárgica e mole, parece-me mau gosto e não condigno das proporções, que à luz dos conhecimentos do século, tem tomado a inteligência humana.
Essas vantagens de transformação universal nas artes, nas ciências, nas letras e que a crítica sensata estuda e compara com a máxima argúcia, são o triunfo verdadeiro dos direitos de vida que o homem deve ter sobre a terra."

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A prosa poética de João da Cruz e Sousa possui, além de rara beleza, um rico arsenal de idéias e pontos de vista sobre vida e arte.
Compilamos alguns desses textos assinados pelo ex-jornalista de "O Moleque", incluindo "Dispersos", publicados pela primeira vez em 1944 em "Poesias Completas", e pensamentos de "Missal" (1893) e "Evocações" (1898).

ARTISTA

O artista é um predestinado"
Quanto a mim, ele é como uma ave estranha que já nascesse com as suas asas poderosas e gigantescas, ainda retraídas embora por algum tempo, mas que depois as fosse abrindo aos poucos, abrindo, abrindo, até que se distendessem de todo pelos espaços afora, projetando então a sua grande e consoladora sombra de Amor sobre o velho mundo fatigado.

UMA PÁGINA

Se alguma nova ventura conheço é a ventura intensa de sentir um temperamento, tão raro me é dado sentir essa ventura. Se alguma cousa me torna justo é a chama fecundadora, o eflúvio fascinador e penetrante que se exala de um verso admirável, de uma página de evocações, legítima e sugestiva.

PALAVRA

Para mim, as palavras, como têm colorido e som, têm, do mesmo modo, sabor.
O cinzelador mental, que lavora períodos, faceta, diamantiza a frase; a mão orgulhosa e polida que, na escrita, burila astros, fidalgo entendimento de artista, deve ter um fino deleite, um sabor educado, quando na riqueza da concepção e da forma, a palavra brota, floresce da origem mais virginal e resplande, canta, sonoriza em cristais a prosa.

AS IDÉIAS EM ARTE

Afinal, em tese, todas as idéias em arte poderiam ser antipáticas, sem preconcebimentos a agradar, o que não queria dizer que fossem más.
No entanto, para que a arte se revelasse própria, era essencial que o temperamento se desprendesse de tudo, abrisse vôos, não ficasse nem continuativo em restrito, dentro de vários moldes consagrados que tomavam já a significação representativa de clichês oficiais e antiquados.

POESIA E ROMANCE

A poesia, como o romance, é fora de dúvida que tem a seguir o mesmo caminho, colocar-se na mesma esfera, isto é, dizer alguma coisa de novo sem incompatibilizar-se com o sentimento expansivo da inspiração e da verdade.

O ESTILO

O estilo é o sol da escrita. Dá-lhe eterna palpitação, eterna vida. Cada palavra é como que um tecido do organismo do período. No estilo há todas as gradações da luz, toda a escala dos sons.
O escritor é psicólogo, é miniaturista, é pintor - gradua a luz, tonaliza, esbate e esfuminha os longes da paisagem.
... Toda a força e toda a profundidade do estilo está em saber apertar a frase no pulso, domá-la, não a deixar disparar pelos meandros da escrita.

GUILHERME (o pai)

O que importa a Vida e o que importa a Morte, obscuro velhinho que te foste, operário humilde da terra, que levantaste as torres das igrejas e os tetos das casas, que fundaste os alicerces delas sobre pedra e areia como os teus únicos Sonhos.

MAR

... A emoção que experimento ao vê-lo, verde, amplo, espelhado, dá-me uma saúde virgem, uma força virgem.
Sinto o gozo repousante de sondá-lo, de descer à imensa e profunda necrópole gelada, onde uma florescência de algas vegeta; e, ao mesmo tempo, diante do Mar, sinto o peito alanceado da incomparável saudade de países vistos através do caleidoscópio da imaginação, dos sonhos fantasiosos - países lindos e felizes, floridos trechos de terra, ilhas tranqüilas, províncias loiras, simples, de caça e pesca, onde a sombra amorosa da paz benfazeja fosse como uma sombra doce, protetora de árvore velha, e onde, enfim, a Lua tudo imaculasse numa frescura salutar de pão alvo...

O QUE ASPIRO

O que eu quero, o que eu aspiro, tudo por quanto anseio, obedecendo ao sistema arterial das minhas intuições, é a amplidão livre e luminosa, todo o infinito, para cantar o meu sonho, para sonhar, para sentir, para sofrer, para vagar, para dormir, para morrer, agitando ao alto a cabeça anatematizada, como Otelo nos delírios sangrentos do ciúme...


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