LEMINSKI, O POETA DE CURITIBA


Paulo Leminski nasceu em Curitiba, em 24 de agosto de 1944, e foi batizado com o nome do pai, descendente de poloneses que se casou com Áurea P. Mendes, filha de militar. Brigou a vida inteira com o irmão mais novo, Pedro, que se enforcou em 17 de dezembro de 1986. A morte rondava a trajetória de Leminski, que perdeu também o primeiro filho, Miguel Ângelo, vencido pelo câncer em 1979, aos 9 anos de idade. Ele próprio esperava a morte desde que os médicos lhe preveniram, perto dos quarenta anos, que seu fígado e pulmão não resistiriam àquela vida regada à vodka, cigarro e outras drogas. " Maremotos em mares mortos. Pai morto. Mãe morta. Filho morto. Irmão morto. Como querer que minha vida não seja torta?", escreveu em 88, um ano antes de morrer.
No final dos anos 60, Leminski apaixonou-se por Alice Ruiz, também poeta. Nos 19 anos em que viveram juntos, além de Miguel Ângela, tiveram as filhas Áurea e Estrela. Foi Alice quem, dez anos depois da morte do companheiro, pensou em expor, em biografia, a alma torturada e brilhante do poeta a quem sempre amou. Para tanto, conversou com o amigo e escritor Toninho Vaz e, desse novo encontro, nasceu o livro "Paulo Leminski - O Bandido que Sabia Latim". O relato apaixonado não pretende dissertar sobre a qualidade da obra do poeta, mas traça de maneira dramática - e muitas vezes bem-humorada - o perfil do homem ímpar que dava aulas de judô e adorava citações em latim. "Suas biografias de Cruz e Sousa, Bashô, Jesus e Trotski davam a bandeira de sua ligação com os cavaleiros da paixão e da poesia", escreve Toninho Vaz na apresentação da obra.
O encontro de Leminski com a irmã de Eduardo Paredes ocorreu alguns anos após Alice Ruiz, vencida na batalha de Leminski contra o álcool e as drogas, sair de casa com as filhas. Durante a agonia do poeta e depois, na morte, cúmplices na dor, Alice e Berenice não se tornaram amigas, tampouco inimigas. Nomes em rima. E só.

 

Um pouco da sua poesia:

 

POETA ITINERANTE


Poeta itinerante e peregrino,
pelas ruas do mundo,
arrasto o meu destino
Mundo? Uma aldeia de nome tupi,
um monstro com nome de santo,
Curitiba, São Paulo,
com vocês me deito,
com algo me levanto.
Vocês aí parados
a mesma vida de sempre,
como vos invejo e vos desprezo,
voz de nós, voz dos meus avós,
prazos, prêmios, praças, preços,
chove sobre mim
a chuva que eu mereço.
Invoco forças poderosas.
Quando vou poder
transformar minhas ruínas em rosas ?


 

SUBIR ATÉ O AZUL


Subir até o azul,
descer até o inferno,
são coisas simples
que no fundo, eu quero

Ir, sem ir. Ficar,
passando. Passar assim,
como quem passa,
amando.

A viagem que não fiz
doi dentro de mim
assim como a raiz
de uma árvore sem fim.

 

 

JÁ ME MATEI...


já me matei faz muito tempo
me matei quando o tempo era escasso
e o que havia entre o tempo e o espaço
era o de sempre
nunca mesmo o sempre passo

morrer faz bem à vista e ao baço
melhora o ritmo do pulso
e clareia a alma

morrer de vez em quando
é a única coisa que me acalma

 


O Silêncio de Pascal

" O silêncio desses espaços
infinitos me apavora "
os pensamentos estraçalhados de
Pascal
são a crise de uma consciência
excepcional
no limiar de uma nova era
o místico Pascal
contempla o céu estrelado
numa vã espera de vozes
o céu calou-se
estamos sós no infinito
deus nos abandonou
" daquela estrela à outra
a noite se encarcera
em turbinosa vazia desmesura
daquela solidão de estrela
àquela solidão de estrela "
(leopardi via haroldo de campos)
nenhum ufo
no close contact of the third kind
a solidão " cósmica " de Pascal
é o pendant do vazio
de sua classe social
cuja hegemonia está para terminar
os germes da revolução francesa
que vai derrubar a nobreza
e colocar a burguesia no poder
já estão no ar
Pascal ouve nos céus
o tremendo silêncio
de uma classe que já disse
tudo que tinha a dizer
pela boca da história.


 

DANÇA DA CHUVA

senhorita chuva
me concede a honra
desta contradança
e vamos sair
por esses campos
ao som desta chuva
que cai sobre o teclado

 

parem
eu confesso
sou poeta

cada manhã que nasce
me nasce
uma rosa na face

parem
eu confesso
sou poeta

só meu amor é meu deus

eu sou o seu profeta

 

 

um dia
a gente ia ser homero
a obra nada menos que uma ilíada

depois
a barra pesando
dava pra ser aí um rimbaud
um ungaretti um fernando pessoa qualquer
um lórca um éluard um ginsberg

por fim
acabamos o pequeno poeta de província
que sempre fomos
por trás de tantas máscaras
que o tempo tratou como a flores

 

 


SEM BUDISMO


Poema que é bom
acaba zero a zero.
Acaba com.
Não como eu quero.
Começa sem.
Com, digamos, certo verso,
veneno de letra,
bolero, Ou menos.
Tira daqui, bota dali,
um lugar, não caminho.
Prossegue de si.
Seguro morreu de velho,
e sozinho.

 

 

O MÍNIMO DO MÁXIMO


Tempo lento,
espaço rápido,
quanto mais penso,
menos capto.
Se não pego isso
que me passa no íntimo,
importa muito?
Rapto o ritmo.
Espaçotempo ávido,
lento espaçodentro,
quando me aproximo,
simplesmente medesfaço,
apenas o mínimo
em matéria de máximo

 


DESENCONTRÁRIOS


Mandei a palavra rimar,
ela não me obedeceu.
Falou em mar, em céu, em rosa,
em grego, em silêncio, em prosa.
Parecia fora de si,
a sílaba silenciosa.

mandei a frase sonhar,
e ela se foi num labirinto.
Fazer poesia, eu sinto, apenas isso.
Dar ordens a um exército,
para conquistar um império extinto.

 

 


nunca sei ao certo
se sou um menino de dúvidas
ou um homem de fé

certezas o vento leva
só dúvidas ficam de pé

 

VOLTAR