A nova era do rádio (Revista Veja, edição 1894, 2 de março de 2005)
Campeão de audiência entre os jovens, o veículo retoma o prestígio de outros tempos
Cinqüenta anos depois do fim de
sua era de ouro, o rádio parece estar reencontrando o seu vigor.
Ele está presente na casa de nove em cada dez brasileiros, é
influente na cultura e na política, tem enorme apelo sobre os
jovens e ultimamente renovou sua capacidade de revelar estrelas
para o showbiz. De acordo com o Ibope, mais pessoas sintonizam o
rádio do que assistem a televisão diariamente na Grande São
Paulo um quadro que se repete na maior parte das
metrópoles brasileiras. O número de emissoras não pára de
crescer no país: são mais de 6.000, soma inferior apenas à dos
Estados Unidos. Numa pesquisa recente com jovens de todo o
Brasil, 89% apontaram o meio como sua segunda fonte de
entretenimento, logo atrás da TV e à frente dos encontros com
os amigos. Isso de segunda a sexta. Nos fins de semana, a
situação se inverte: os jovens preferem ouvir rádio a ver
televisão. A popularidade com a garotada explica, em boa medida,
por que o rádio recupera o seu prestígio e volta a fazer
estrelas. O radialista Milton Neves, por exemplo, é hoje um dos
nomes fortes da Rede Record, enquanto os humoristas do Pânico,
revelados pela Jovem Pan, animam os domingos da RedeTV!. E há
inclusive quem busque o caminho inverso. O apresentador da Rede
Globo Luciano Huck considera o rádio um veículo
"charmoso". É dono de duas emissoras no Rio de Janeiro
e comanda um programa dedicado à música lounge. "Estamos
falando de um veículo com 83 anos de idade no país, mas um
corpinho de 18", diz Antonio Rosa Neto, do Grupo dos
Profissionais do Rádio, instituição que presta assessoria às
emissoras.
A influência do rádio se estende por várias áreas. É estratégico para a indústria fonográfica incluir seus artistas na programação das emissoras, nem que seja pagando uma comissão o velho jabá aos programadores. O rádio também demonstra força política. Nos grandes centros ou no interior do país, as concessões são disputadas com voracidade pelos políticos. Estima-se que 45% das emissoras do país pertençam a essa classe. "O rádio cria um vínculo entre comunicador e ouvinte que faz dele um instrumento precioso para fins políticos", diz o sociólogo Fernando Lattman-Weltman. Das câmaras municipais aos gabinetes do Executivo, não faltam exemplos de carreiras fomentadas no rádio, como a do ex-governador fluminense Anthony Garotinho ou a do senador gaúcho Sérgio Zambiasi, que ganharam fama à frente de programas assistencialistas. O rádio é, ainda, uma ferramenta dos grupos religiosos, que detêm cerca de 35% das emissoras do país. Nessa área, destaca-se o padre Marcelo Rossi, o maior fenômeno da história recente do rádio. Seu programa na Globo AM chega a receber 3.500 telefonemas por dia e é ouvido por 2 milhões de pessoas em São Paulo, Rio e Belo Horizonte.
Comercialmente, as rádios
enfrentam o seu quinhão de problemas. Há anos seu faturamento
estagnou-se na casa dos 4% do bolo de recursos de publicidade. Em
desvantagem na disputa por verbas com a televisão e outros
meios, as emissoras vêm buscando uma nova estratégia, que é a
formação de grandes redes. As maiores delas são a Gaúcha Sat
e a Jovem Pan, que controlam mais de 100 rádios cada uma. Há
duas semanas, a Bandeirantes também atingiu essa marca. A
empresa, que já detinha mais de noventa emissoras, acaba de incorporar mais seis, dentre as quais
algumas das mais ouvidas em São Paulo, como a Nativa e a 89 FM.
As redes são vistas com reserva por alguns especialistas, que
acreditam que elas podem pasteurizar a programação musical das
FMs. Esses temores, no entanto, têm sido desmentidos pela
realidade. "As redes perceberam que têm de dar espaço para
os noticiários e os locutores de cada região para não sofrer
reflexos negativos na audiência", diz o publicitário Paulo
Gregoraci, do Grupo de Mídia São Paulo. De fato, o rádio tira
boa parte de sua força da relação de proximidade com os
ouvintes de uma localidade ou região. É isso o que explica o
sucesso de um programa como Dona da Noite, que vai ao ar
pela rádio Itatiaia, de Belo Horizonte, e por outras 37
afiliadas da rede. Especialista em aconselhamento amoroso, o
locutor Hamilton de Castro acalenta os insones mineiros há 29
anos. "Minha voz faz companhia aos ouvintes", diz ele,
que já foi padrinho de mais de 800 casais que se conheceram no
programa ou durante os bailes e excursões que organiza.
Uma tendência no rádio é a
segmentação. Emissoras popularescas que martelam axé, pagode e
programas policiais sensacionalistas nos ouvintes têm como
contrapeso aquelas que se voltam exclusivamente para a música
clássica, o jazz ou o rock. Nos últimos quinze anos, surgiu
ainda o filão do jornalismo em tempo integral. A pioneira foi a
paulista CBN. "Nosso aliado é o congestionamento. O
executivo fica preso no trânsito e liga para ouvir notícias e
saber quais as vias em melhores condições naquele
momento", diz o apresentador Heródoto Barbeiro. Mas a mais
surpreendente contribuição das rádios talvez seja a formação
de uma nova geração de humoristas. Dos integrantes do Pânico
à trupe do Na Geral, programa transmitido pela rádio
Bandeirantes e possível atração futura da TV da mesma empresa,
muitos têm conquistado espaço inclusive na televisão.
No ar há dez anos pela Jovem Pan, o besteirol do Pânico é o campeão de audiência na capital paulista do meio-dia às 2 da tarde, o "horário nobre" do rádio. Transmitido por outras 42 emissoras, ele também lidera no ibope em cidades como o Rio de Janeiro. Em sua versão na TV, o programa alcança a média de 6 pontos, um belo desempenho para a RedeTV!. Ainda na linha do escracho, também fazem sucesso os comediantes Paulo Bonfá, Marco Bianchi e Felipe Xavier. Em meados dos anos 90, eles ficaram famosos na 89 FM, de São Paulo, com as piadas dos Sobrinhos do Ataíde. Em 2003 o trio se separou. Os dois primeiros continuam na 89, além de comandar o programa Rockgol na MTV. Xavier criou os personagens Incrível Rosca e Doutor Pimpolho, que são um hit na Mix. O primeiro é um machão sarado que esconde um segredo no armário. Pimpolho é um chefe autoritário, desbocado e mesquinho. Seria inspirado num conhecido empresário de rádio, mas Xavier desconversa quando se toca nesse assunto. "Ele é o chefe de todo mundo", diz. No Nordeste, o maior fenômeno humorístico é de longe o radialista potiguar conhecido pelo codinome "Mução". O locutor cujo nome verdadeiro é Rodrigo Vieira ganhou fama com um programa em que passa trotes telefônicos que sempre descambam para a baixaria. Os "mandantes" são os próprios parentes e amigos da vítima, que fornecem a Mução informações para brincadeiras enlouquecedoras. Transmitido por 110 emissoras, o programa é abjeto, mas conquistou até gente famosa. "O presidente Lula tem o CD com meus melhores trotes", afirma Mução. É o rádio no poder.
Transcrito da Revista Veja de 2 de março de 2005, edição 1894