Nilton José, o Leão que inaugurou a CBN

Olá, caros amigos blogueiros e internautas em geral. Eis que hoje rescolvi dar um passeio e resolvi ver um anúncio de emprego. Ao chegar no endereço, percebi que eu e mais 80 coleguinhas (jornalistas) tiveram a mesma idéia. Entre eles, meu amigo, vizinho (ele mora na Vila Guarani) e, principalmente, grande professor, escritor, dramaturgo, compositor e corintiano Cid Barboza (codinome José Júnior, mas isso é outra história). Conversa vai, conversa vem, pergunta de fulano, de cicrano, de beltrano e lá vem a chamada turma da madrugada da CBN. É claro que não dava para deixar de mencionar o locutor Nilton José, o Leão de Santa Cecília. Cid me diz que ele morrera uns dois anos atrás, vítima do seu coração de leão. Devia ter pouco mais de 50 anos.

Sem nenhuma má intenção, começamos a rir ali mesmo das atrapalhadas que ele fazia nas madrugadas.Difinitivamente, era uma figura sui generis. Newton também foi um dos "pioneiros" da CBN e entrou lá uma semana antes da rede ser criada. O nosso Leão ficou muito tempo no estúpido ostracismo que o meio às vezes impõe aos grandes profissionais. Foi contratado para apresentar os jornais da noite ao lado de Honorê Rodrigues (Seu Nonô) e Cleide Fozer (hoje na rádio USP) e o Seu Redator Chefe - tradicional radiojornal da Globo que entrava no ar exatamente à 0h (isso vale outra história de rádio). Com a saída do grande José Dalóia, que comandava as madrugadas da Excelsior, Nilton assumiu o lugar de Wilson França que substituiu Dalóia, todos de madrugada.

Assim, Leão chegava antes da meia-noite e apresentava o Seu Redator-Chefe com Seu Nonô e os "Globo no AR" (escrito pelo próprio Cid Barboza), de hora em hora na Globo, e o "Repórter CBN" também de hora em hora. Ele ainda gravava as chamadas de "O Globo" que por fax, da redação do Rio. Só que essas chamadas tinham um problema: a turma do Rio mandava 6 manchetes de 10 segundos cada. E nossa trilha para o comercial tinha só 12 segundos. Ficava meio difícil fazer o spot. O nosso amigo pegava e reduzia as manchetes para 10 segundos. Quando não era ele, era eu. Fizemos isso por mais de um ano. A gente vivia reclamando para o CBN Rio que eles faziam errado, mas só que o pessoal nem aí pra gente.

Até que um dia a gente ligou de madrugada lá no Rio e descobriu quem escrevia as benditas manchetes. Aí o simpático cidadão disse: "Pô, mermão, vocêis tão fazendo tudo errado! É assim, ó: cada manchete é um spot diferente, entendeu? Vocês tem de gravar 6 spots, não um. Eu pensei que vocês soubessem". Agora, a gente sabe.

"Quero falar com Dona Ema"

Profissional de grande voz e grande coração, e às vezes, um tanto distraído, Nilton era a vítima predileta das brincadeiras da redação. Como aquela em que lhe deram um falso recado de que uma tal Ema ligara para a redação procurando pelo Nilton, vulgo Leão, enquanto ele estava no estúdio. E ele ligou às 3 da manhã.

-Olha ela deve estar dormindo", disse um rapaz no outro lado da linha.

-A que horas ela aparece por aí?", perguntou nosso herói.

-Ah, ela não sai daqui não. Muito raramente. Mas quem está falando?" perguntou o rapaz.

-Aqui é o Nilton, elas me conhece por Leão, sou locutor da Rádio Globo. E aí?"

-Oi, seu Nilton, tudo bem? Aqui é Severino, sou o porteiro do Zoológico", respondeu o interlocutor.

-Me desculpe, não queria acordá-lo a essa hora. É que me disseram que era urgente!!

-Não tem problema, não. Acho que o senhor não entendeu. O senhor ligou para a portaria do Zoológico, só tem eu aqui.

Antes que ele pudesse expressar sua indignação, estavam todos rindo da brincadeira. Que gente maldosa....

De outra feita, Haissen Abaki, então nosso repórter de plantão na madrugada, foi cobrir o caso de um leão que escapou da jaula de um circo, atacou um espectador e teve de ser morto pelos bombeiros, lá em Barueri. Não deu outra: o Cid chamou nosso locutor no canto e disse:

- O negócio é o seguinte, você vai ter ir até Barueri porque parece que tiveram de matar um parente seu, disse o cinicamente sério Cid.

- Ah, já sei, foi aquele leão do circo, né? - disse nosso amigo, tentando neutralizar a gozação - Coitado era um bom rapaz- lamentou em tom de brincadeira. Tá certo que não cortava aquela cabeleira, era meio agressivo, mas era um bom leão.

Meia hora depois, Haissen o chama pelo comunicador do carro da rádio. Disse que Coelho (nome trocado a pedido de ninguém), motorista da tevê Globo queria falar com ele.

- Oi, Nilton, aqui é o Coelho, da TV Globo, tudo bom?

- Tudo, como vai?

- Tudo bem. Olha você pode ficar sossegado que o leão que morreu não era seu parente.

- Como assim?

- É que ele, segundo o pessoal falou, nasceu quando eles estavam excursinonado em Minas e os pais deles são da Costa do Marfim, um lugar desses na África.

- Ué me chamaram só pra dizer isso?

- É que a turma ficou preocupada aqui quando disseram que você passou até mal com a história, né? Só queremos te tranquilizar, viu? Disse o motorista gozador.

Nilton saiu da técnica, doido da vida, para variar. E desabafou.

- Até os colegas da "prima rica" (apelido da TV Globo lá na rádio) querem tirar o sarro da nossa cara. Nessa rádio não se tem mais respeito.

- Ô, Nilton, assim não vale pô. Tá certo que é tudo da Hanna Barbera e tal, mas roubar o bordão do Tutubarão já é sacanagem, meu!!! - disse um redator engraçadinho.

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Mas Nilton tinha um coração grande. Entre uma entrada e outra no estúdio, ele ajudou um taxista que estava na porta da rádio com um menino perdido que encontrara no centro da cidade: ligou para a Febem e conseguiu que encaminhassem o garoto para casa.

Certa manhã, fomos eu e ele a pé da rádio, em Santa Cecília, até a Rua 7 de abril, onde ficava o escritório do nosso convênio médico. No caminho, ele foi me contando sobre sua carreira no Paraná, depois na Rádio Record, na antiga Excelsior, "A Máquina do Som" (ele era locutor na parte da tarde) na Rádio América, como repórter das feiras (eu era garoto, ouvia o cara e nem sabia), a volta para a Globo, onde apresentava o policialesco "Patrulha da Cidade" e por aí foi. Deu até umas boas sugestões de como poderíamos melhorar o desempenho da rádio. Uma verdadeira dissertação sobre rádio ao ar livre.

Anos mais tarde, mudou-se para a Rádio Capital, junto com um monte de gente da Globo que acompanhou Eli Correia e ficou por lá até ir alegrar as emissoras do firmamento, dexiando muitas saudades em seus fiéis colegas de trabalho.

Alguns maldosos costumavam dizer que o dublador que fazia a voz do desenho Leão da Montanha teria se inspirado em seu jeito peculiar de fazer locução. Outros até dizem que ele era o próprio leão. Nilton sempre negou estas versões. Mas lenda é lenda e ponto final.

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