AMANHECER


Havia, no meu tempo,
muito vento, muita paz...
o Sol posto, beijando os vales,
rente ao horizonte oeste,
entardecendo vidas,
envelhecendo olhares,
e sempre  nesta tarde,
um sombreiro abrigava o pensamento,
e sobre folhas mortas
sentávamos e refletíamos
sobre o que ninguém refletia.
Jogávamos terra e alguns pássaros
se aventuravam a brincar conosco,
o dia, fugidio, chamava a luz da noite,
a claridade cega do luar,
e logo tornávamos aos braços paternos,
que ternos, acolhiam nossos prantos,
aliviavam nossas dores
dos momentos últimos imaginados
no dia que partia e findava, assim,
nossas canções e nossas dúvidas;
na mesa, alguns queijos,
o semblante firme e corajoso,
a segurança passada pelas mãos
de nossa mãe que enchia nossos pratos
e se alegrava de nossa fome,
alguns amigos sentavam-se conosco,
outros, secavam vasilhas da janela,
debruçados na varanda da cozinha,
reclinados no fogão de minha avó;
fartos, partíamos loucos de encontro
aos colchões e neles confessávamos
nossos pecados encobertos
pela luz negra de uma estrela
que na noite nos observava,
clamando ao Pai que nos ouvia
que um outro dia semelhante se achegasse;
os nossos sonhos eram leves, eram tolos,
sem enfeites, sem adornos,
sonhos que toda criança guarda no coração,
um desejo de voar, uma sede de saber,
nada mais nos alegrava,
nada mais nos preenchia...
E quando as primeiras restas solares
se arrastavam por debaixo da porta
de nosso quarto, o sorriso
então voltava instantâneo
à nossas faces e novas
aventuras procurávamos,
novos encontros nos esperavam,
o dia que clareava nossas idéias,
fazia de nossa casa, deste aconchego,
a sabedoria que nossa meninice despercebia;
e agora, um pouco velho, um pouco pardo,
amadurecido pelas pontas afiadas das espadas
que a vida projeta em nossos peitos,
percebo que tudo que procurava na infância
estava à poucos metros de meus passos,
há poucos centímetros de meus olhares,
no recostar fino da pele calejada
das mãos de nossos pais,
no modo indulto com que nossos
avós julgavam nossas ações,
na beleza escondida por detrás
de nossos risos, de nossas festas,
de tudo que o enfeite sabedor
ocultava na simplicidade que buscávamos;
a nossa paz estava no amor que recebíamos
sem que precisássemos lutar,
sem que precisássemos merecer,
apenas por existir, apenas por amanhecer.

 

Nanda e Mikaella

 

 

 

 

 

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