A balada dos desesperados

 

 

— Quem bate à porta a tais horas?
— Abre, sou eu. Quem tu és?
Não se entra na minha casa
tão tarde assim, bem o vês.

— Abre. — Teu nome? — Geada,
Abre. Teu nome? — És tardio!
Qual é teu nome? — Ai, na cova
um morto não tem mais frio.

Eu caminhei todo o dia
do sul ao setentrião,
ao pé da tua lareira
quero sentar-me — Inda não!

Diz teu nome... — Eu sou a glória
e aspiro à posteridade...
— Passa fantasma irrisório...
— Ó dá-me hospitalidade!

Eu sou o amor e a esperança,
as duas porções de Deus...
— Segue a estrada... O meu amado
há muito me disse adeus!

— Eu sou a arte e a poesia,
proscreveram-me... Abre! — Não!
Já não canto meu amado.
Nem sei que nome lhe dão!...

— Abre, que eu sou a riqueza,
e trago do ouro o fulgor,
— Posso dar-te teu amado...
— Podes dar-me o seu amor?

— Sou o poder, tenho a púrpura.
Abre a porta! — Anelo vão!
Podes trazer-me a existência
daqueles que já não são?!

— Se tu não abres teus lares
senão a quem diz seu nome.
Sou a morte! Trago alívio
pra cada dor que consome!

Podes ver, trago na cinta
ruidosas chaves fatais...
Abrigarei teu sepulcro
do insulto dos animais.

— Entra, estrangeira funérea...
Perdoa à mendicidade,
porque é no lar da miséria
que tens hospitalidade.

Entra; cansei-me da vida
que nada tem que me dar...
Há muito eu tinha desejos,
(não força) de me matar!

Entra no lar, bebe e come,
dorme, e quando despertares,
para pagar tua conta
hás de levar-me aos teus lares.

Eu te esperava, eu te sigo...
Vamos... arrasta-me... assim...
Mas deixa minha mãe na terra
pra eu ter quem chore por mim!

(Adaptação: Fernanda Kato)