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O Tramway que ligou Santos e o Guarujá | ||||||
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A região de Santos possuiu, desde o início da era ferroviária no País, um dos mais diversificados sistemas de bitolas que se conhece no país e talvez no mundo. Poucas vezes teremos visto, concentradas em uma região geográfica relativamente pequena, tantos e tão diferentes tipos de sistemas, linhas ferroviárias e bitolas. Elas foram desde a poderosa bitola de 1,60 metros da São Paulo Railway, até as modestas "bitolinhas" de 0,60 metros das ferrovias bananeiras, Tramways, Funiculares e das linhas de serviços das inúmeras indústrias que haviam no local no passado, passando pelas linhas de bonde em Santos em sua bitola exclusiva em termos mundiais (1,14 metros) e as linhas da Sorocabana (1,0 Metros) assim como as linhas na Cia Docas de Santos nas bitolas de 0,60 e 0,80, 1,00 e 1,60 metros. Entre esses sistemas, destacamos aqui uma pequena ferrovia muito pitoresca na Região, que ficou conhecida como "Tramway do Guarujá", embora não tivesse características exatamente de um Tramway nem tenha sido adotado esse nome no seu material. Aliás, essa ferrovia era conhecida por diversos nomes, como Estrada de Ferro do Guarujá, Cia do Guarujá, Estrada de Ferro Itapema-Guarujá e outros. Aqui você poderá conhecer um pouco mais sobre essa curiosa linha de trem e a sua suma importância para a região por ela abrangida e, porque não dizer, para a cidade de Santos e mesmo o Estado de São Paulo, na medida em que hoje o Guarujá é centro de referência em termos de destino turístico internacional. O Guarujá fica na ilha de Santo amaro, "do outro lado" do cais de Santos e embora tenha sido doada já em 1534 à Pedro Lopes de Souza e seja detentora de praias belíssimas, durante séculos e séculos permaneceu como um local praticamente desabitado, devido às dificuldades de acesso, transporte e condições sanitárias do local, além do fato de ser uma ilha e não ter autonomia, pois pertencia ao município de Santos. As suas características de vegetação tropical e muitos mangues, charcos,alagadiços e pântanos em seu interior transformavam a ilha em um local insalubre e inóspito, principalmente nas áreas mais para o seu interior, dificultando a transposição dessa região até a área onde se localizam as belíssimas praias. Porém, um grupo de empresários, inclusive alguns ligados ao setor ferroviário acreditaram no potencial turístico do local e há cerca de 110 anos fundaram a Estância do Guarujá. Eram eles o Conselheiro Antonio Prado, que dirigiu durante 35 anos a Cia. Paulista de Estradas de Ferro e Elias Fausto Pacheco Jordão, empresário, engenheiro e político paulista de relevância, que teve até um município na região de Campinas batizado com seu nome (Elias Fausto). A idéia deles era formar um ambicioso empreendimento que, somando atrações e melhoramentos, transformasse a região da prais de Pitangueiras em pólo de atração de turistas, e com isso os terrenos pertencentes à Companhia fossem vendidos e os serviços por ela prestados fossem igualmente demandados Na verdade, essa idealização de "construção" de um novo Guarujá era baseada em modelos semelhantes desenvolvidos nos Estados Unidos, mais precisamente a ilha de Rhode Island. Elias Fausto, tendo formado-se em Cornell (1874), apresentou à Companhia Balneária da Ilha de Santo Amaro um ousado plano de urbanização a ser iniciado na região que hoje é o centro da cidade, que incluia, em seus tópicos, desde o estabelecimento de um Hotel de luxo, até Cassino, Igreja e várias outras atrações, incluindo até a construção de um embrião de cidade com cerca de 46 chalés para moradia, os quais foram encomendados nos Estados Unidos, sendo montáveis e construídos em Pinho da Geórgia. A dimensão do empreendimento fica mais clara quando se destaca que a "vila" construída pela companhia já possuía luz elétrica, água encanada e esgoto doméstico, facilidades que mesmo em grandes centros ainda eram novidade. Além disso, talvez por influência do Conselheiro Almeida Prado, a Companhia construiu uma pequena ferrovia ligando a "Vila" do Guarujá ao Distrito de Itapema, que se ligava ao centro de Santos via barcas. A Cia. Balneário tratou ainda de implementar melhorias nesse sistema de ligação, que incluíram a compra de 2 barcas modernas para o transporte de pessoal, a “Cidade de Santos” e “Cidade de São Paulo”. Dessa forma, partindo do Valongo, em Santos (ponto de chegada dos trens da SPR com os passageiros de São Paulo), os interessados faziam uma curta viagem nas amplas e modernas barcas até o terminal de chegada em Itapema e embarcavam confortavelmente em um trem que em menos de uma hora os deixava em frente ao Grande Hotel de la Plage, na Praia de Pitangueiras, cenário belíssimo na época e que ainda é encantador atualmente. Essa facilidade no transporte gerou um grande afluxo de turistas à recém fundada "Vila", o que iniciou um ciclo de desenvolvimento constante. Alías, diz-se que o Guarujá, considerado desde o início como uma "jóia" do litoral, "nasceu" com ares americanos, foi freqüentada pela alta sociedade paulista, inspirou artistas e arquitetos, até transformar-se num balneário excessivamente frequentado e pouco respeitado como jóia arquitetônica e memória histórica justamente devido ao grande sucesso que obteve, o que provocou uma invasão populacional, aumento da violência e queda da qualidade de vida e de serviços que deteriorou a imagem da cidade. Mas, retornando ao aspecto da ferrovia em si, ela foi inaugurada em 1892 como uma linha praticamente apenas para o transporte de passageiros, com tração à vapor e carros de passageiros abertos. Aos poucos ela foi crescendo, sendo construídos ramais objetivando explorar o serviço de cargas --um grande erro estratégico--. Em 1923/24 foi eletrificada e foram obtidos equipamentos modernos, como uma locomotiva elétrica MAN e 2 Bondes para passageiros, de nºs 3 e 9, além de carros de passageiros modernos, fechados e mais confortáveis, como se verá adiante com mais detalhes. No entanto, na década de 1910 a Cia. do Balneário foi vendida, sendo transformada em Companhia do Guarujá, que passou a operar os serviços. A Cia. do Guarujá era capitaneada pelo mega-empresário da época, Percival Farquhar, que detinha interesses no Brasil inteiro, desde portos e Cias. de Eletricidade e gás até ferrovias tão distintas como a Madeira-Mamoré e a Cias. Paulista e Sorocabana. Infelizmente, como todas as demais empresas comandadas por Percival Farquhar, sofreu enormemente quando da derrocada do império desse investidor, em meados da década de 1920. Ainda
assim, a ferrovia cresceu, assim como o movimento no Guarujá, embora
seja irônico que o "iniciador" de todo esse desenvolvimento,
o "Grand Hotel La Plage", com todo seu esplendor e beleza
tenha sido consumido pelo fogo em 1897, sendo substituído por uma
construção bem menos requintada, inclusive de gosto duvidoso. Porém,
à essa Altura o Guarujá já estava em uma trajetória de
desenvolvimento.
Ainda na
década de 1910, embora mantivesse os investimentos na ferrovia e no
sistema de transporte de passageiros, que incluíram inclusive a
aquisição de mais duas barcas para transporte de pessoas entre Santos
e Itapema (A Paicará e a Itapema, recebidas da Holanda em 1911), a
ferrovia começava a experimentar uma concorrência até então
inexistente, pois em 1918 foi inaugurada, justamente sobre o leito de um
antigo ramal seu abandonado (o ramal da costeira, com cerca de 3 km),
uma estrada de rodagem ligando o bairro de Santa Rosa (fronteiriço com
Santos, dividido apenas pelo canal) ao centro do guaruja. Com a
inauguração de um serviço de "Ferry Boat" entre Santos
(ponta da praia) e o outro lado, as pessoas começaram a chegar ao
Guarujá em seus próprios carros, inegavelmente algo muito mais
confortável e ágil que uma ferrovia à vapor e carros abertos. Para
contornar essa concorrência --felizmente os automóveis na época ainda
eram bens raros e exclusivos de uma elite--, a ferrovia anunciou em 1923
planos para a eletrificação da linha, o que deu um grande salto de
qualidade nos serviços, pois juntamente com a eletrificação,
inaugurada em 1925, vieram os novos equipamentos, constituídos de
locomotiva elétrica para tracionar modernos carros de passageiros
fechados e com assentos estofados, bem como 2 bonde (nºs 3 e 9) que
eram o que de mais moderno havia na Europa e deram uma importante
sobrevida à essa pequena ferrovia. No
entanto, ainda assim o Tramway apresenta déficit's constantes, seja
pelo prejuízo derivado da tentativa de explorar um serviço de cargas
que no entanto era apenas gerador de prejuízos constantes, seja
pelo constante aumento no afluxo de pessoas através de outros meios que
não a ferrovia. Quando
passou a receber auxílio do Governo Estadual para cobrir seus
prejuízos, o Tramway do Guarujá foi encampado, algum tempo depois, por
este, que colocou a ferrovia em estreita ligação com a Estrada de
Ferro Campos do Jordão, que na época também estava encampada (como
permanece até hoje) pelo governo. Por essa ocasião, foi formada uma
divisão denominada "Serviços Públicos do Guarujá", que
passou a ser responsável pela administração da ferrovia, sendo a
responsável pela compra de 2 novos bondes, os de nº 5 e 7 como parte
dos investimentos no Tramway. Ainda
como parte dos investimentos, em 1935 são feitas diversas reformas em
equipamentos, dentro das expectativas criadas com a elevação do
Guarujá à "Estância Balneária" em 1934. Entre esses
investimentos, ressalta-se a eliminação de alguns pequenos ramais
deficitários de carga e mesmo dentro da cidade, permanecendo apenas o
tronco principal. No
entanto, não obstante os investimentos e modernizações feitos também
em 1952, a partir do momento em que os Ônibus passaram a fazer a rota
da estrada de rodagem, já asfaltada, o pequeno Tramway estava
condenado, posto que essa concorrência era muito difícil de superar,
na medida em que os ônibus faziam em minutos o trajeto que o Tramway
fazia em horas e os horários eram muito mais flexíveis e constantes
que os do Tramway, reduzido então a apenas 3 bondes após acidente com
um deles em 1930, que o inutilizou. O
Tramway ainda sobreviveu alguns anos, mas a pressão das transportadoras
e a própria especulação imobiliária ao longo de sua linha --então
já repleta de bairros em franca expansão-- tornou-se cada vez mais
forte, até que, abalada pelos prejuízos e pela fuga de passageiros
--inclusive para o próprio Hotel-- o Tramway foi fechado em 13/07/1952,
sendo o seu material rodante que estivesse em bom estado de
conservação vendido para a Estrada de Ferro Campos do Jordão, onde
boa parte roda até hoje. Na imagem
acima, Postal da coleção de Marcello Tálamo da década de 60, já
vemos a Praia de Pitangueiras sem a presença do Tramway, destacando os
chalés construídos onde eram os antigos jardins da estação e,
apurando o olhar, percebemos, imediatamente à frente do chalé ao lado
do prédio, a ampla curva da rua que dá acesso à praia,
aproveitando-se do leito do TG. No
entanto, apesar
de relativamente curta, essa ferrovia foi de fundamental importância
para o desenvolvimento do Guarujá, pois sem ela não existiria --ou
demoraria muito mais a acontecer-- o tal "empreendimento" ambicioso, ou as praias poderiam ser
frequentadas facilmente pela elite paulista e turistas do exterior,
pois atravessar os 8 km de matas e mangues sem transporte adequado (não
haviam estradas, apenas trilhas) por charcos, lodaçais e mangues
existentes na época não era programa tentador para quase ninguém. Dessa forma, essa página visa resgatar um pouco do que foi a história dessa pequena e pitoresca ferrovia localizada em um dos locais mais belos de Santos, mas tão importante e significativa para a sua época. Venha passear nela conosco.Clique abaixo e conheça todas essas histórias em maiores detalhes. |
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