A contra-mão da história: tarifa da energia elétrica penaliza o transporte público

por Jurandir Fernandes

Secretário de Estado dos Transportes Metropolitanos - SP

 

 

“Custo Brasil”: muita gente fala, poucos entendem. E, no governo federal, quem sabe não mexe uma palha para corrigir erros que emperram o nosso desenvolvimento e o bem-estar da população. Nos transportes coletivos de alta capacidade, como metrôs e trens urbanos, que são movidos por energia elétrica, o custo da energia penaliza bastante as empresas públicas. Com isso, castiga o povo de maneira impiedosa, por desestimular a implantação de novas linhas ou absorver recursos destinados à melhoria dos sistemas metro-ferroviários.

 

Nos países desenvolvidos, o incentivo ao uso dos metrôs e dos trens no transporte público é constante. Isso acontece porque, em relação aos outros meios, como automóvel, ônibus e caminhões, o transporte sobre trilhos tem maior eficiência energética, menor impacto ambiental e, principalmente, um custo muito menor por pessoa transportada.

 

Essas vantagens foram responsáveis pelo aumento da participação do transporte de carga sobre trilhos em países como os Estados Unidos e Canadá, que hoje é de 40%. Em países europeus, o destaque fica por conta do incremento do transporte de passageiros nos sistemas metro-ferroviários.

 

No Brasil, caminhamos na contra-mão da história. Promovemos o uso do caminhão e do automóvel, em detrimento do transporte sobre trilhos. Incentivamos o consumo do álcool e do gás combustível, mas penalizamos o uso da energia elétrica, combustível não poluente usado nos metrôs e trens.

 

Na cidade de São Paulo, que é a terceira maior do planeta, com uma população atrás apenas de Tóquio e da Cidade do México, as administrações municipais, nos últimos 20 anos, também investiram de forma equivocada. Nesse período a prefeitura construiu 12 quilômetros de túneis para automóveis que, em média, transportam 1,2 passageiro por veículo, e não ajudou o Estado em nenhum centímetro de túneis para o metrô, que leva 2.000 pessoas por composição, a cada intervalo de 100 segundos. O que temos hoje na cidade são túneis abarrotados de automóveis parados – e até alguns com risco de serem afogados.

 

Nos últimos 18 anos, regredimos em matéria de políticas públicas das matrizes energéticas para o transporte. Em 1987, a energia elétrica destinada ao transporte público contava com um desconto de tarifa de até 75%. Hoje, além da tarifa da energia elétrica para o transporte público não contar com nenhum desconto, os metrôs e trens são penalizados pelo maior consumo na hora do “rush”, elevando o custo de operação e desviando recursos que deveriam ser canalizados para a manutenção de trens, estações e até para obras de acessibilidade, destinadas aos portadores de necessidades especiais.

 

Não podemos esquecer que nos últimos dois anos o IPC-Fipe, que rege a maioria dos reajustes dos contratos de prestação de serviços, subiu 15,19%. No mesmo período, a energia elétrica já sofreu um reajuste de 46,48%.

 

Essa política perversa já decretou o fim dos ônibus elétricos, uma das soluções não poluentes para as grandes cidades. O Metrô de São Paulo, que é o quinto mais carregado do mundo (passageiros/quilômetro de linha), é outro bom exemplo. A empresa, em 2004, pagou R$ 85 milhões pelo consumo de energia elétrica. Desse montante, R$ 22 milhões foram pagos devido à horosazonalidade, um “palavrão” que significa maior consumo de energia na hora do “pico”. Como se fosse possível retirar os trens de circulação justamente no momento de retorno dos trabalhadores a seus lares.

 

Em 2005, mesmo com a compra de energia mais barata, adquirida por meio de leilão, no mercado livre, a previsão do Metrô de São Paulo é gastar R$ 89 milhões, porque continua imposta a condição do critério da horosazonalidade, que é incluída no pagamento das tarifas do uso do sistema de distribuição. Ou seja, continuamos a ser penalizados pela oferta maior de trens à população na hora do “rush”.

 

Ora, se a regulamentação do setor elétrico distingue o fornecimento para serviços públicos essenciais - água, esgoto e saneamento - como um incentivo a novos investimentos, por que a energia para tração, que inclui metrôs e trens, não conta com esse benefício? Será que o metrô de São Paulo, que transporta diariamente mais de 2,5 milhões de pessoas, o que significa toda a população de Paris, não é um serviço essencial? Vale destacar aqui a eficiência do nosso metrô, já que o de Paris possui 211 quilômetros de extensão e 297 estações enquanto o metrô de São Paulo tem apenas 57 quilômetros e 52 estações.

 

Estudos da Associação Nacional de Transportes Públicos – ANTP, entregues ao Ministério das Cidades e encaminhados ao Ministério de Minas e Energia, desde agosto de 2003, reivindicam a volta do desconto na tarifa da energia elétrica para o transporte sobre trilhos. Igualmente, estudo da Fundação Getúlio Vargas comprova o impacto nulo no índice inflacionário, quando se considera o desconto de 60% na energia de tração, semelhante ao de 20 anos atrás.

 

Se o governo federal tem um compromisso claro com o crescimento sustentado da economia, com resultados que alcancem as camadas mais pobres da população, a redução no custo da energia para o transporte público significa uma medida altamente positiva. Desde que não onere mais a população com novos valores para a energia doméstica, taxas ou impostos para repor desconto pleiteado para os transportes públicos.

 

Estou convicto de que a redução do custo da energia elétrica trará novos investimentos para o setor, com a geração de mais postos de trabalho e melhoria expressiva da qualidade do transporte sobre trilhos, que é um dos meios mais eficiente de transporte público.

 

 

 

Extraído do site da Secretaria dos Transporte Metropolitanos em 18 de janeiro de 2005

 

 

 

 

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