João César das Neves e Fátima



por

Alfredo Carlos Barroco Esperança



Senhor Director,

Acabo de ler o artigo de Opinião do vosso colaborador habitual João César das Neves (JCN) de 12 de Fevereiro e fico perplexo.

Quem, como eu, lê diariamente o D.N., nele se revê, e continua a considerá-lo o melhor diário de língua portuguesa, tem dificuldade em digerir um texto que parece escrito para uma homilia onde um histérico pastor pretende assustar as almas com a visão apocalíptica das tragédias que estão reservada aos incréus.

Confesso que não sou especialista em aparições da Virgem nem muito dado a leituras, quiçá edificantes, da Irmã Maria Lúcia de Jesus e do Coração Imaculado. Conheço-lhe, no entanto, o estilo e o apelo que fez ao Prof. Marcelo Caetano em carta de 24 de Fevereiro de 1971, para que a lei do divórcio fosse abolida do Código Civil; a devoção com que, na mesma carta, lhe pediu para que a Constituição Portuguesa fosse “elaborada sob a invocação do Santo Nome de Deus e sob a protecção de Nossa Senhora Padroeira da Nação”; e o entusiasmo com que igualmente implorou “modéstia no trajar, sobretudo da mulher” e a respectiva punição para “vestidos transparentes, ... curtos acima do joelho, ou decotes a baixo mais de três centímetros da clavícula”.

Não esperava, 30 anos depois, pela pena de JCN apanhar com “67 aparições e estudadas detalhadamente 36 delas” e, ainda por cima, “todas as aparições tiveram aprovação eclesiástica após demorado exame”. Claro que não me deixo impressionar pelo “relato sereno da impressionante sequência das aparições recentes” que JCN considera notável, nem pelo facto de “quase metade das aparições (32) foram nos últimos dois séculos”. Isso só significa uma maior disponibilidade da Senhora para aparecer!

Não me preocupam as suas afirmações mas a convicção com que as faz. O grito que atribui à Cova da Iria “Não ofendam mais Nosso Senhor, que já está muito ofendido” ou a afirmação de que “se nos convertermos, o horror que a humanidade está a criar será evitado” e as ameaças de previsões terríveis que deixa, no caso de nos não convertermos, são de estarrecer. E a responsabilidade que deixa a um agnóstico como eu, pouco propenso à conversão e com tantas religiões à escolha?

Então se eu me não converter à sua religião – o que é provável – e se recusar o caminho que o articulista indica para sair do pecado, isto é, “Rezar o terço todos os dias”, fico responsável pelas malfeitorias divinas?

Penso que um leitor assíduo e honesto do D.N. não merece que o seu jornal de sempre ponha nos seus ombros tamanha responsabilidade!


Alfredo Carlos Barroco Esperança

Coimbra, 12 de Fevereiro de 2001


Nota: esta carta de leitor foi publicada no «Diario de Notícias».



República e Laicidade!