Os minoritários poderosos roubam, mas os povos pagam

- Sobre a Crise Financeira Internacional de setembro de 2008 -

Escrito por Waldemar Rossi em 089/10/2008

Fonte: Correio da Cidadania

A imprensa vem nos contemplando com notícias, artigos e entrevistas sobre a crise financeira que abala o mundo capitalista (por acaso tem outro mundo?). Entre tais comentários, duas idéias básicas se opõem: a) trata-se dos estertores do modelo, o capitalismo estaria chegando ao seu fim histórico; b) são crises habituais do sistema, portanto, trata-se de mais uma fase passageira e o capital se recompõe. Claro que existem posições que contemplam parte de cada uma dessas duas visões, relativizando-as. Essas, porém, têm sido bem mais escassas.

 

Entretanto, o que deveria merecer maiores comentários dos analistas, pelo ponto de vista do interesse popular, são as saídas que os governantes tentam encontrar para as mega-empresas envolvidas em grandes e espetaculares jogadas financeiras, conscientemente sob riscos enormes. Os grandes enfoques têm sido sobre os mega-empréstimos (ou doações?) que os respectivos Erários Públicos vêm lhes fazendo a fim de evitar suas falências, sem mostrar quem, de fato, estará pagando a conta da bancarrota financeira. Bancarrota que envolve empreiteiras no ramo da construção civil e os grandes bancos que sustentam seus grandes empreendimentos. Este comentário, sobre quem paga a crise, não está aparecendo na mídia, pois não interessa ao capital e nem aos governos a ele vendidos.

 

O governo alemão, por exemplo, agiu rapidamente para evitar que a Hypo Real State (empresa que faz empréstimos para construtoras erguerem escritórios e hotéis de luxo) entrasse em falência. Concedeu-lhe dois mega-empréstimos: 35 bilhões de euros de início, seguidos de outros 15 bilhões, e que não resolveram a parada. Segundo o Ministro das Finanças alemãs, o empréstimo visa evitar que "o setor bancário entre em colapso". A Espanha está disponibilizando mais de 20 bilhões de euros; Irlanda, Portugal, Suécia, Islândia e Dinamarca seguem o mesmo caminho. O conjunto dos países da CEE (Comunidade Econômica Européia) já garante cerca de 1,6 trilhão de euros (cerca de 4,8 trilhões de reais). Mas esses administradores do capital não estão anunciando que todo esse dinheiro sai da arrecadação tributária, portanto, dinheiro que sai compulsoriamente do bolso dos seus contribuintes.

 

E no Brasil, o que vem acontecendo? Como de praxe, o governo negando que haverá socorro aos bancos. Mas também como de praxe, vai tomando medidas para que o dinheiro do orçamento nacional esteja à disposição de empresas que tiverem dificuldades financeiras: menos de uma semana depois de o governo negar a existência de um pacote para minimizar os efeitos da crise bancária internacional no Brasil, o presidente Lula deu ontem carta branca para o Banco Central implementar uma série de medidas para socorrer bancos e empresas com problemas.

 

Além de fazer leilões de linhas de financiamento em dólar para suprir exportadores, o BC poderá "comprar" carteiras de crédito dos bancos e conceder empréstimos em moeda estrangeira para instituições que precisarem. (caderno dinheiro, Folha S.Paulo, B1– 07/10/08).

 

É a chamada farra financeira com dinheiro do povo. Durante todos esses anos, o governo brasileiro fez grandes concessões às empresas exportadoras para que seus lucros aumentassem extraordinariamente, assim como remeteu mais de 800 bilhões de reais para os bancos. Enquanto dizia para o povão que era necessário reduzir os gastos do governo para garantir equilíbrio orçamentário, cujos cortes sempre foram efetuados sobre a área do orçamento destinada aos setores sociais e ao desenvolvimento interno – aquele desenvolvimento econômico que se faz sobre os potenciais nacionais e que não fica dependente do humor do capital externo. E o povo vinha pagando caro para que tal política vingasse. A reforma tributária, por exemplo, facilitou a vida das empresas diminuindo seus tributos e jogando o ônus para o povo consumidor, mantendo assim a elevação da arrecadação. Tais empresas acumularam lucros incríveis, enquanto o padrão de vida do povo vem caindo progressivamente.

 

Agora que aflora mais uma crise do próprio sistema – que muitos analistas dizem ser passageira – nossos governantes tiram mais dinheiro pertencente ao povo para doá-lo aos que se dizem "atingidos pela crise". Assim, as áreas que dizem respeito à qualidade de vida da população passarão por novos cortes. Não tinha dinheiro para fazer a constitucional reforma agrária, não tinha dinheiro para investir nos carentes setores da saúde e da educação públicas, assim como não tinha para a preservação do meio-ambiente, para o saneamento básico, para a construção das ferrovias nacionais... Mas tem dinheiro DO POVO para entregar de mão beijada aos exploradores do povo.

 

E o povo desinformado, ou mal informado pela nefasta mídia, vai dando cacife para nossos governantes. São crimes que clamam por justiça!

 

Waldemar Rossi é metalúrgico aposentado e coordenador da Pastoral Operária da Arquidiocese de São Paulo.

 

Fim de uma era?

Virgílio Arraes, 08/10/2008

Fonte: Correio da Cidadania

É fato que o neoliberalismo não chegou ao seu final com o profundo choque no setor imobiliário – Fannie Mae e Freddie Mac - e no bancário – Lehman Brothers e Wachovia - nos Estados Unidos, porém a crendice em sua eficiência duradoura, sim. É possível, no entanto, que muitos zelotes desta profissão de fé continuem ainda a sua pregação, mas sem a reverberação do passado.

 

O mercado desprendido não conseguiu, portanto, manter-se estável por muito tempo – nem sequer se aproximou da maioridade completa. Destarte, a regulamentação é inevitável em virtude da distribuição deplorável dos prejuízos para toda a sociedade. Observe-se que o período de auge do neoliberalismo brilhou menos do que o da social-democracia.

 

Nem o mais panglossiano dos neoliberais – mesmo na América Latina - cometeu a parvoíce de opor-se abertamente à imediata intervenção do Estado, já empregada pela Casa Branca com o fito de tentar minimizar a severidade dos danos. A presença estatal justifica-se em decorrência da necessidade premente de ressuscitar o setor hipotecário e, por conseguinte, impedir o colapso da economia.

 

Reconheça-se que a desregulamentação desenfreada na economia trouxe, ao longo de aproximadamente duas décadas, prosperidade, porém apenas para poucos no planeta. A partir da década de 80, a divisa neoconservadora foi menos impostos e menor presença do Estado, o que significou, no cotidiano, cortes orçamentários nas rubricas sociais.

 

Em tese, os neoliberais crêem que, havendo abertura, haverá abundância material. A objeção de que a desregulamentação não conduziria, por exemplo, ao desaparecimento de pequenas empresas e, por conseguinte, à formação de monopólios não é por eles aceita. Todas as tentativas de regulamentação seriam resquícios do Antigo Regime, do período do florescimento e afirmação das corporações, sérios entraves ao crescimento.

 

No momento, para a grande maioria da população, notadamente nos estratos sociais menos opulentos, coube-lhe meramente a desilusão, após vislumbrarem de soslaio uma possível era de prosperidade. Basta assistir ao noticiário para observar estatísticas de milhões de norte-americanos desalojados de suas residências em vista dos efeitos do desemprego – muitos vivendo em carros.

 

Além do mais, o quadro atual desfaz a possibilidade de um retorno célere a taxas maciças de crescimento. Contudo, é temerário afirmar que a economia norte-americana adentre em um processo recessivo similar ao de muitos anos no Japão na década de 90.

 

A eliminação, mesmo parcial, do controle no funcionamento dos mercados deveria, na opinião dos partidários da desregulamentação, viabilizar principalmente companhias detentoras de bons projetos, mas sem capital suficiente para levá-los a cabo. Esta situação levaria, então, a partilhá-los por intermédio do estabelecimento de composições, ou seja, com sócios.

 

Estes, ao comprarem ações disponíveis, passariam a ter como contrapartida uma parte da companhia e uma expectativa de auferir bons rendimentos. Os parceiros do empreendimento poderiam ter um perfil variado, indo de pequenos poupadores da classe média a grandes investidores – em muitos casos, especuladores.

 

Na prática, são os últimos que têm determinado o incessante ritmo da compra e da venda de ações, tendo por interesse não a inovação ou mesmo a associação, mas meramente o lucro no curto prazo. Os defensores do neoliberalismo argumentam que a ação destes induz o pleno desenvolvimento da economia; por seu turno, os céticos afirmam que há somente o ganho de poucos. Desligados cada vez mais do mundo produtivo, os especuladores conseguiram sem as antigas amarras legais assemelhar o seu comportamento ao de jogadores de cassino.

 

Para o grosso da sociedade, principalmente na classe média do eixo atlântico - desprovida dos mecanismos de proteção deestinados aos investidores ou aos especuladores de porte -, a materialização do desapontamento será em pouco tempo a titularidade de uma dívida de difícil quitação no curto prazo, em face das características dos contratos de hipoteca.

 

Mesmo diante do desmoronamento norte-americano, a continuidade de um período de fartura é credulamente observada como viável em muitos países da periferia, como no Brasil, por exemplo. Boa parte das elites latino-americanas acredita piamente na contenção eficiente dos efeitos deletérios advindos dos mercados do norte.

 

Em termos de comparação histórica, diferentemente da crise desencadeada em outubro de 1929, quando do segundo semestre da administração do presidente Herbert Hoover, republicano, desta feita, o contratempo econômico chegou ao final do duplo quatriênio de George Bush, do mesmo partido, em pleno período eleitoral, o que limita a possibilidade de reação. Ademais, o atual titular ainda se depara com outro problema de monta: o militar, ao conduzir duas guerras de longa duração.

 

Quanto aos republicanos liderados por Hoover, os democratas sob Franklin Roosevelt terminaram por superá-los de maneira acachapante na disputa presidencial de 1932, ao conquistarem quase 500 votos no colégio eleitoral e a maioria nas duas casas. Concernente a Bush, a probabilidade de que o seu partido perca em novembro é substancial, ainda que não de modo esmagador, em decorrência da incerteza do tamanho da presente atribulação.

 

Resta observar, caso os democratas vençam, se eles terão o mesmo tirocínio para aplicar uma política anticíclica como a efetivada pelo seu partido nos anos 30. Naquela época, o objetivo havia sido duplo: a redução do desemprego – durante muito tempo, acima da casa dos 20% - e a supervisão das flutuações econômicas. No longo prazo, uma das conseqüências deste posicionamento político foi um desenvolvimento econômico maior, com menor desigualdade social.

 

Virgílio Arraes é doutor em História das Relações Internacionais pela Universidade de Brasília e professor colaborador do Instituto de Relações Internacionais da mesma instituição.

13/10/2008

Artigo: Bancos, a crise e a greve dos bancários

 
César Costa de Araújo

Ganância: é isto que os bancos internacionais e os bancos brasileiros têm em comum. Os primeiros, sobretudo os bancos americanos, construíram sua lucratividade com crédito farto sem lastro e com poucas garantias, envolvendo-se num emaranhado de operações financeiras de alto risco, cuja quebra está na origem da crise dos mercados financeiros em todo o mundo. Já os bancos brasileiros, que nunca foram muito afeitos a riscos, construíram sua lucratividade sobre dois pilares: operações com títulos públicos, com retorno garantido devido aos juros elevados; e a exploração da sociedade e dos bancários com altas taxas de juros das operações de crédito, tarifas abusivas, péssimas condições de trabalho e salários absurdamente desproporcionais aos lucros bilionários do setor.

Os bancos no mundo todo estão em crise. Os de lá estão mergulhada numa série crise financeira e de liquidez. Os daqui sofrem de uma irreconhecível crise moral e ética. Imorais são as taxas de juros cobradas da sociedade e as aviltantes tarifas cobradas pelos serviços bancários. Imoral é a expulsão de pequenos correntistas e da população mais pobre para serem atendidos somente por correspondentes bancários. A crise ética é caracterizada pela exploração dos bancários, pelo desrespeito à jornada de trabalho da categoria e pela conseqüente violação da integridade física e mental desse segmento de trabalhadores, que segundo pesquisas oficiais estão entre os que mais sofrem com doenças ocupacionais e toda sorte de pressão e assédio moral. Sem falar na terceirização sem limite, verdadeira fraude contra os trabalhadores. Antiético também é desrespeitar a lei de greve através de interditos proibitórios que tentam coibir o legítimo direito dos trabalhadores; prática, aliás, já condenada pelo Supremo Tribunal Federal.

É neste contexto que se insere a greve dos bancários, que acontece há vários dias em todo o Brasil e há quase três semanas em Brasília e em alguns estados da federação. Se colocadas diante dos lucros exorbitantes dos bancos, as reivindicações da categoria mais parecem migalhas capazes, no máximo, de reproduzir "marolas" nas contas dos banqueiros. Para se ter uma idéia, a folha de pagamento dos maiores bancos é paga com sobras apenas pelas receitas de tarifas cobradas. A truculência dos bancos (que durante este período mais parecem "bandos") se caracteriza por ameaças, assédio e todo tipo de constrangimento para impedir a adesão de bancários à greve ou para tentar fazer os grevistas voltarem ao trabalho. Enquanto isso, seus gestores ou "capatazes" lutam a todo custo para atender os grandes clientes e desprezam a "chibatadas" os clientes menores e a população que precisa de atendimento.

Nos Estados Unidos, há muito tempo, os banqueiros já foram apelidados de "bankgsters", uma referência à expressão "gângsters", para denominar a forma como se organizam e atuam na sociedade de forma a engolir a concorrência e a influenciar os poderes públicos na defesa de seus interesses, para não dizer da truculência que usam para enfrentar quem se opõem a suas políticas. Nos dias de greve, fazem de tudo para obrigar os bancários a trabalhar. Além de ligar no celular e na residência dos trabalhadores, os obrigam a chegar mais cedo ou até que durmam no trabalho. Direcionam os trabalhadores para as unidades que não estão em greve e até alugam salas para serviços de contingenciamento. No limite, usam helicópteros para transportar executivos e outros bancários.

Nestes tempos de crise financeira, os bancos centrais correm para salvar os bancos com o dinheiro público. A pretexto de evitar uma quebradeira em cadeia, destinam bilhões para socorrer as instituições ameaçadas. Da mesma forma que os BCs intervêm quando os bancos estão perdendo muito, talvez devessem intervir quando os bancos ganham demais, até para cobrar um retorno em forma de investimentos e crédito mais barato, já que sua principal função na economia é, ou deveria ser, de intermediação dos recursos da sociedade.

Nas bolsas de valores os operadores compram e vendem papéis e suas metas são determinadas pelas oportunidades e pela dinâmica do mercado. Já nos bancos, os bancários são obrigados a vender "produtos" com metas estabelecidas da cabeça de gestores de plantão, que na maioria das vezes desconhecem a realidade de cada ponto de atendimento.

No Brasil, os bancários de bancos privados não sobrevivem, em média, a mais de cinco anos no emprego, e já são substituídos por trabalhadores com salários menores e desempenhando a mesma função. Se já não bastassem as indecentes condições de trabalho, esta rotatividade é ainda mais perversa. Dos poucos que fazem carreira nestas instituições privadas, boa parte é demitida em fim de carreira, pouco antes da aposentadoria. Trata-se de uma monstruosidade sem tamanho. É difícil imaginar que são pessoas que estão por trás dessas organizações. Pisar em que for necessário para garantir os maiores lucros, descartar pessoas quando não mais se precisa delas.

Algo precisa mudar em como as instituições financeiras operam e tratam a pessoas, sejam elas parte de seu corpo funcional, clientes ou cidadãos usuários ou que dependem dos bancos. A nacionalização de bancos agora empreendida, quem diria, nos Estados Unidos e em outros países europeus, pode até não ser a saída, mas no mínimo é o reconhecimento de que estas instituições não podem e não devem atuar sem a intervenção do Estado em benefício do interesse público.

No que tange aos trabalhadores, é preciso ouvir o clamor da greve. Melhores salários, além de mais justos, fortalecem o mercado interno e ajudam a fortalecer a economia em tempos de crise. O governo também pode contribuir para isso cobrando que os bancos cumpram suas obrigações perante a sociedade e orientando os bancos públicos a avançarem nas negociações específicas. A luta continua!

César Costa de Araújo
Assessor do Sindicato dos Bancários de Brasília