Eu sou aquele que você olha e não vê. Mas eu vejo você. Sinto
na pele a amargura de levantar e não ter. Sinto a amargura de não ser. Ser? Ser o quê?
Ser gente, como você. Respiro mas não vivo. Olho e vejo. Fico no limar entre viver ou
não. Será que estou vivo?
Meu filho olha para mim. Minha esposa olha para mim. Até o
cachorro olha para mim. Mas por que você não me vê?
Tenho fome. Tenho sede. Preciso ir de encontro a minha dignidade
perdida.
Será que você, só você não me vê? Eu preciso de você como
que um cego precisa de seu cão-guia para não se perder. A diferença é que já me
perdi. Já não vivo mais aqui. Pelo menos, não me sinto mais aqui. Não com vida. Vida,
implica em dignidade. Já não a tenho mais. Olho em baixo da cama, olho dentro do
armário, olho em cima do guarda-roupa...Não acho...Creio que a perdi para sempre. Quem
sabe tenha ficado lá, no meu último emprego. Acho que ficou. Preciso buscar. Ajude-me,
preciso de você. Só você pode me trazer de volta à vida. Quero ser o Fênix que vem
para iluminar uma nação! Bonito? Talvez. Poético? Nem um pouco. A vida não me permite
mais ser poético...
Por favor, jogue-me esta corda que está aí, ao seu lado, bem
pertinho de você. Tire-me dessa situação de penúria em que me encontro. Minha mulher
tem fome, meu filho tem fome. Eu já não a tenho mais. Acho que as lágrimas encheram
minha barriga, e fez-se um bolo na garganta. É o nó da vergonha.
Você pode me ajudar, preciso de sua ajuda, você prometeu... Não
me falhe agora.
A cada novo nascer do sol, busco com os raios que insistem em
entrar pelas frestas do meu barraco, uma nova energia, uma nova vida para renascer a cada
dia.
Por que renascer? Por que a cada dia eu morro um pouco. Morro
quando ando e você insiste em não me ver. Morro quando consigo me fazer notar e você me
mata, como uma barata asquerosa. Acho que até as baratas asquerosas tem mais dignidade
que eu...
Você, deve estar achando que tenho uma baixa auto-estima, não
é? Baixa auto-estima eu tinha, quando ainda era pequeno e acreditava naquele homem de
terno e gravata que aparecia na TV, e dizia que o país iria melhorar. Ali eu tinha
auto-estima. Agora já não a tenho, nem baixa nem alta. Desconheço o que seja gostar de
mim. Hoje, me pergunto, porque aquele homem de terno e gravata mentiu para mim? Ele
parecia tão sincero. Será que todos os homens, como você, de terno e gravata, costumam
mentir, parecendo que estão dizendo a verdade?
Eu acreditei em você, e você me virou as costas. Por que? Por
que? Por que?
Você pode me ajudar. Por que não o faz? Tem o poder nas mãos, e
não o faz.
Será que o desalmado, dessa história sou eu? Começo a acreditar
que não. Eu ajudo quem me procura. Reparto com o vizinho, desgraçado tal qual a mim, os
seis grãos de feijão que tenho na panela. Para que mais do que um? Somente um grão de
vida me satisfaz. Não sou egoísta. Quero a vida e a vida me nega em presentear-me com
seu júbilo de amor. Sou forte, mas não sou imortal. Preciso de você e você me nega.
Tal qual Pedro a Jesus. E ele somente o fez trê vezes...Você me nega a cada dia.
Será que morri, e é por isso que você não me vê?! Ai meu,
Deus! Não posso abandonar minha mulher. O que vai ser de meu filho? Se não consigo dar
de comer, pelo menos a proteção de pai, ainda consigo dar. Não. Não. Não. Não vou
abandoná-los. Não posso, e não vou morrer. Vou sim é lutar, pois afinal, mais um dia
renasce, mais uma esperança de vida, mais uma dia. Espero que não seja mais um dia de
fome, desgraça,, miséria. Não vai ser. Vou lutar, sempre. Assim Deus me fez, assim
retribuo. Com luta, e suor.
Mesmo que você não me veja, eu vejo você. E estou em seu
encalço. Um dia, esse jogo muda, e você vai precisar de mim. E eu vou ver você, eu vou
ajudar você. Faço questão, pois não sou como você. Eu sou humano, portando somos
diferentes.