Folha de São Paulo
São Paulo, domingo, 25 de setembro de 2005

TENDÊNCIAS/DEBATES

Uma visão sistêmica da educação

FERNANDO HADDAD

Nas últimas décadas, desenvolveu-se visão fragmentada da educação como se níveis, etapas e modalidades da educação não fossem momentos de um processo, cada qual com objetivo particular, mas dentro de uma unidade geral.
Criaram-se falsas oposições. A mais indesejável foi a oposição entre educação básica e superior. Diante da falta de recursos, caberia ao gestor público optar pela primeira. Sem que a União aumentasse o investimento na educação básica, o argumento serviu de pretexto para asfixiar o sistema federal de educação superior, cujo custeio foi reduzido em 50% em dez anos, e inviabilizar a expansão da rede. O resultado para a educação básica: falta de professores com licenciatura para exercer o magistério e alunos do ensino médio desmotivados pela insuficiência de oferta de ensino gratuito nas universidades públicas.

Criaram-se falsas oposições na educação. A mais indesejável foi a oposição entre educação básica e superior


A segunda oposição não foi menos danosa e se estabeleceu no nível da educação básica, formada pela educação infantil, ensino fundamental e médio. A atenção exclusiva ao ensino fundamental resultou em certo descaso com as outras duas etapas e prejudicou o que se pretendia proteger. Sem que se tenha ampliado a já alta taxa de atendimento do ensino fundamental (93% em 1994), verificou-se uma queda no desempenho médio dos alunos dessa etapa. Sendo a educação infantil e o ensino médio, respectivamente, o esteio e o horizonte do ensino fundamental, sem eles este não avança.
Esse aspecto remete à terceira oposição, agora entre ensino médio e educação profissional. Foi vedada por decreto a oferta de ensino médio articulado à educação profissional e proibida por lei a expansão do sistema federal de educação profissional. A educação profissional integrada ao ensino médio é a que apresenta melhores resultados pedagógicos ao promover o reforço mútuo dos conteúdos curriculares. Aquelas medidas desarticularam importantes experiências de integração. Num país em que apenas 35% dos jovens entre 15 e 17 anos se encontram matriculados no ensino médio, foi um erro desprezar o apelo da educação profissional para mantê-los na escola.
Por fim, uma quarta oposição. As ações de alfabetização da União nunca estiveram sob a alçada do MEC e jamais foram articuladas com a Educação de Jovens e Adultos (EJA). Atacava-se o analfabetismo, não o analfabetismo funcional. Promoviam-se campanhas com ONGs, e não programas estruturados de educação continuada em parceria com os sistemas municipais e estaduais. Além disso, perdia-se de vista a elevada dívida educacional com grupos sociais historicamente fragilizados.
Nos últimos 20 meses, todo esforço empreendido pelo MEC, em parceria com Andifes, Consed, Undime, UNE, Ubes, movimentos sociais etc. foi no sentido de superar essas oposições, guiado agora por uma visão sistêmica. E suas ações foram reorientadas em torno de quatro reformas: educação superior, básica, profissional e continuada.
A reforma da educação superior recuperou 80% das verbas de custeio das federais e restabeleceu sua capacidade de investimento (com a criação ou futura consolidação de 36 pólos universitários públicos). Com atraso de 16 anos, foram reguladas as isenções fiscais constitucionais concedidas às instituições privadas, permitindo a concessão de 112 mil bolsas de estudos no âmbito do Prouni e a ampliação do Fies. Pretende-se ainda garantir a autonomia das federais, num sistema dinâmico que premia o mérito institucional, e regular o setor privado que, sem marco legal estável, viveu expansão caótica.
A reforma da educação básica passa pela aprovação do Fundeb, pela adoção do ensino fundamental de nove anos, pela formação inicial e continuada de professores, pela Escola de Gestores, pelo apoio aos conselhos e dirigentes municipais de educação e pela conexão entre o censo por aluno aliado à avaliação universal de desempenho (Projeto Presença).
A reforma da educação profissional é mais que uma contra-reforma. Não bastaria apenas reverter as medidas tomadas. Era preciso dar conseqüência ao disposto na LDB. Levou-se educação profissional ao ambiente de trabalho (558 escolas de fábrica) e se ampliou o acesso de jovens e adultos à educação profissional. O Proeja orienta o sistema federal a oferecer educação profissional integrada ao ensino médio na modalidade EJA, e o Projovem orienta os sistemas municipais nessa mesma direção quanto às séries finais do ensino fundamental.
A reforma da educação continuada completa a visão sistêmica. Com a criação da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade, foi possível articular a integração do programa de alfabetização com a EJA das séries iniciais do ensino fundamental, permitindo ao alfabetizando alcançar o mínimo de quatro anos de escolaridade.

Fernando Haddad , 42, advogado, professor licenciado de ciência política da USP e autor de vários livros, entre eles "Trabalho e Linguagem" (azougue, 2004), é ministro da Educação.