Nelci Tinem & Lúcia Borges - "Brasília e Seus Mitos" - Política & Trabalho 14 - set/1998 - PPGS-UFPb

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Política e Trabalho 14 - Setembro / 1998 - pp. 155-169


BRASÍLIA E SEUS MITOS (1)

Nelci Tinem (2)
Lúcia Borges (3)



Figura 1 - Relatório do Plano Piloto de Brasília:
croquis iniciais de Lúcio Costa

BRASÍLIA, DISTRITO FEDERAL

Brasília, Distrito Federal, está situada na região Centro-Oeste do Brasil, com uma área de 5.850 Km2 e cerca de 1.800.000 habitantes. Conformam o Distrito Federal, o Plano Piloto e oito cidades satélites: Núcleo Bandeirante, Taguatinga, Gama, Sobradinho, Guará, Ceilândia, Planaltina e Brazlândia.

O Plano Piloto é o centro privilegiado do Distrito Federal, onde estão localizados os grandes equipamentos urbanos e serviços especializados, e se comunica com todas as cidades satélites por um sistema de rodovias.

[fim da página 155]


Figura 2 - Mapa do Distrito Federal

O Plano Piloto se estrutura a partir do cruzamento de dois eixos, o monumental (E/W) e o residencial (N/S) (4).

"Nasceu de um gesto primário de quem assinala um lugar ou dele toma posse: dois eixos que se cruzam em ângulo reto, ou seja, o próprio sinal da cruz."

Esse cruzamento ocorre no espaço da Rodoviária, o coração do Plano Piloto, de onde partem os ônibus com destino às cidades satélites e aos diferentes lugares do mesmo Plano. O eixo monumental -assim chamado por conter os edifícios símbolos da cidade, ou do país- se mantém no nível do terreno, enquanto que o residencial -conhecido como o eixo da morte- o cruza, na porção central, por via subterrânea, e nas laterais, por vias elevadas que ladeiam a Rodoviária e que dão acesso às super quadras.


Figura 3 - Plano Piloto de Brasília e entorno

[fim da página 156]

Da plataforma superior da Rodoviária pode-se ter uma visão perfeita da Esplanada dos Ministérios - o chamado vale da corrupção - que se estende pelo eixo monumental, em direção leste, até a Praça dos Três Poderes, perspectiva que tem como arremate o edifício principal do Congresso Nacional, o mais conhecido cartão postal da cidade.

Junto a Rodoviária estão os setores cultural - com o Teatro Nacional- bancário e autarquias, e a Catedral.

Em direção oeste, o lado mais extenso do mesmo eixo, estão a Torre de TV, o espaço cultural, os setores comercial, de diversões, hoteleiro, gráfico, esportivo e militar, o governo do DF, e a Estação Rodo-Ferroviária, de onde saem os trens e ônibus para outras cidades.

Ao longo do eixo residencial se localizam as habitações coletivas, distribuídas em super quadras - 16 ao norte e 16 ao sul- com aproximadamente onze blocos residenciais cada uma. As habitações individuais estão junto à Avenida W3, além do comércio, cinemas, escolas públicas e privadas, templos, etc.

Completam o sistema viário principal da cidade duas vias paralelas ao eixo residencial: avenidas W3, essencialmente comercial, e L2, onde se concentram os grandes equipamentos urbanos (5).


Figura 4 - Plano Piloto de Brasília:
eixo monumental

BRASÍLIA E OS MITOS

Brasília foi projetada como uma cidade para 500 mil habitantes onde, como em qualquer outra cidade, deveriam conviver as diferentes classes sociais.

[fim da página 157]

O projeto e a construção da cidade capital do país, haviam sido pensados como símbolos de um possível e esperado desenvolvimento, no marco do sistema capitalista.

A transferência da capital e a fundação de uma nova cidade no vazio do Planalto Central brasileiro tiveram como principais determinantes, a expansão do capital e a integração ao mercado do centro e norte do país, apesar das lendas criadas em torno desse tema (6).

É, portanto, um equívoco criticar Brasília por conter todos aqueles antagonismos sociais, econômicos e culturais das metrópoles espontâneas, que deviam ser superados (7). Tais antagonismos são característicos de um modo de produção e não são, obviamente, superáveis através do desenho urbano. Por quê e como poderia Brasília superar sua condição de cidade brasileira?

As distintas opiniões, positivas ou negativas, sobre Brasília, sobre seu êxito ou fracasso dependem sempre da utopia ou do modelo de referência de quem as emitem.

Seria interessante que nos perguntássemos: Quais são os mitos sobre Brasília e qual é a realidade? Por quê os trabalhadores são afastados do Plano Piloto, que deveria representar o conjunto da cidade, mas que logo se torna um centro urbano em relação às cidades satélites?

O misticismo, tão arraigado no povo brasileiro deveria estar ausente em uma cidade de traçado racional? O desenho urbano deveria superar também uma característica de seus habitantes?

Constituem as intervenções desses habitantes no urbano e no arquitetônico a bastardização de uma obra incontestável? Significam o fracasso da proposta?

É sabido que em qualquer cidade brasileira o trabalhador da construção civil não ganha o suficiente para usufruir do que constrói e é marginalizado em relação ao espaço; porém, só no caso de Brasília se pergunta onde estão os trabalhadores que a construíram.

[fim da página 158]


Figura 5 - Brasília: construção do
Parlamento e trabalhador

A fase anterior à inauguração da cidade -1956 a 1960- foi marcada por un enorme esforço de trabalho. O propósito de construir a capital em menos de quatro anos exigiu a utilização extensiva de uma grande massa de trabalhadores, criando um fluxo migratório sem precedentes na história do país -a taxa media de crescimento anual no período foi de 103,88% (8):

"O povo emigrava devido à intensa propaganda existente na época, que estimulava os brasileiros para vir construir a nova capital. Os candangos vinham ao Planalto Central não só para construir uma cidade, mas para construir a capital da esperança, pois tinham a esperança de melhores dias e de uma vida mais digna para suas famílias, sonho alimentado pelos políticos da época, incluindo o próprio presidente Juscelino Kubitschek, dando a ilusão de que as coisas iriam realmente mudar com a construção de Brasília."

Criou-se, assim, uma expectativa muito grande e irreal em relação a Brasília - o mito da transformação das condições de vida - que não podia ser concretizada na prática.

[fim da página 159]

Nas palavras do próprio Niemeyer (9):

"(...) nos sentíamos incômodos ao verificar que para os trabalhadores seria impraticável manter as condições de vida que o Plano Piloto havia fixado, localizando-os, como seria justo, dentro das áreas de habitação coletiva(...)."

O sonho de ter o ministro e o motorista morando no mesmo edifício, no qual se mesclaram e confundiram ideais, intenções e fantasias sobre possibilidades de transformação efetiva, não foi nunca realizado (10):

"O símbolo do urbanismo moderno se configurou como um modelo quase perfeito de segregação e controle espacial e social."

Brasília poderia ser considerada uma cidade praticamente sem contradições se observássemos só o Plano Piloto, se ignorássemos as cidades satélites (11):

"É hoje justamente a cidade ideal para uma grande parcela da classe média, os altos e médios servidores públicos e burocratas, que usufruem do esquema de vida propiciado pela constituição do espaço urbano. Aqui não se vê a falta de verde, não existe a poluição ambiental, não há problemas de tráfego em geral, grande parte das atividades (como comércio e bancos) está facilitada pela setorização do uso do espaço (o que faz diminuir o tempo de locomoção); enfim, são alguns dos aspectos tão reclamados nas grandes cidades que, no caso do Plano Piloto, existem e estão organizados. Porém, a segregação ocorre na exata medida em que se pode preservar este aspecto límpido do plano original devido a formação e expansão das cidades satélites."

[fim da página 160]


Figura 6 - Inauguração de Brasília:
Parlamento ao fundo

Esta colocação pode nos servir para introduzir outro mito que acompanha as polêmicas sobre Brasília -a de cidade símbolo do urbanismo moderno, cuja forma é responsável pela estratificação social e espacial de seus habitantes.

Machado, em artigo sobre a imagem urbana de Brasília, observa que as análises do modo de vida nesta cidade não se desvinculan de seu desenho, de sua proposta espacial (12).

"Enquanto nas análises de outros meios urbanos o debate se desprende do espaço para avaliar o modo de vida, no caso de Brasília não há esse desprendimento."

Em qualquer outra cidade é possível perceber a segregação por estratos sociais no espaço, mas só em Brasília a nova organização espacial tem a culpa.

Desse modo, às expectativas criadas pela propaganda do nacional-desenvolvimentismo somam-se as expectativas geradas pelo fato de tratar-se de uma proposta que iria finalmente concretizar os postulados do urbanismo moderno. Passa a ser exigido de Brasília o que não se exige de nenhuma outra cidade brasileira.

Não se trata de defender a cidade, mas de tentar colocar a crítica em seu devido lugar. Como bem diz Santos (13):

"Brasília só poderia ser o que é: ponto para onde convergiam as esperanças de toda uma Nação, mas lugar de concretização de desigualdades que não cessam de aumentar."

[fim da página 161]

O próprio Lúcio Costa (14), há duas décadas de distância do projeto da cidade, declarava:

"Brasília é um exemplo de como não projetar uma cidade no Brasil (...) Assim como a morte de Le Corbusier foi um alívio para todo o mundo, o fato de que Brasília fosse construída foi um alívio para todos os arquitetos que finalmente se libertaram daquele pesadelo, daquela arquitetura moderna que vinha desde 1936 até Brasília."

Quê quer dizer? Que o modelo não funcionou?

Insistimos que Brasília foi um gerador de ilusões sobre transformações que não ocorreram. Mas, se por um lado é impossível realizar a aspiração de uma sociedade mais justa através do desenho, por outro a cidade cumpre alguns objetivos políticos e econômicos concretos (15):

"Brasília marca um momento importante da história do território como tentativa bem sucedida de unir pontos distantes, possibilitando contactos mais rápidos e mais numerosos. Assim, as mensagens e ordens emanadas do Estado se tornam mais eficazes."

Não podemos esquecer que outro dos propósitos da transferência da capital para o interior do país era retirar o centro de decisões políticas de uma região convulsionada pelos movimentos populares reivindicativos.

Ao decidir-se pela construção da nova capital, o governo central a definia como uma cidade fechada, com uma quantidade máxima de habitantes, mas a maneira como se atraiu a mão de obra para sua construção a transformou em uma antítese das propostas originais de se criar uma capital isolada das massas urbanas. Decidiu-se então retirar essas massas dos limites do Plano Piloto, afastando-as do centro urbano.

[fim da página 162]


Figura 7 - "O faraó de Brasília"

À crítica que habitualmente se faz ao autoritarismo da proposta e ao desenho da cidade é imprescindível acrescentar, portanto, a crítica da gestão autoritária.

Para compreender esse processo temos que considerar fundamentalmente três dados:

1º) as migrações em massa, devido à propaganda sobre o significado da cidade e os chamamentos para sua construção, segundo os dados do IBGE, fez crescer a população de Brasília de 12.700 em 1957, para 64.300 em 1959 e 127.000 em 1960.

2º) a inexistência de uma rede urbana próxima, capaz de dar suporte à construção da cidade e absorver os emigrantes, se constituiu em um problema gerador de muitos outros

3º) a opção pela preservação do Plano Piloto, excluiu os candangos, expulsando-os de seus limites e criando uma espécie de cordão sanitário ao seu redor.

A solução encontrada para responder a essas três questões foi o planejamento e construção das cidades satélites ainda antes de ser inaugurado o Plano Piloto, antes que ele estivesse pronto e completamente ocupado. conforme constava na proposta inicial. A capital da esperança, muito cedo começa a transformar-se na ilha da fantasia em meio ao mar de pó e miséria das cidades satélites, que exibem, assim, o propósito de isolamento da sede do poder político (16).

[fim da página 163]

Quanto ao Plano Piloto especificamente, o desenho urbano, bem como a arquitetura, em nossa maneira de ver, apresentam pelo menos dois grandes êxitos em relação a seus objetivos.


Figura 8 - Plano Piloto de Brasília:
sátira de Paulo Caruso

O primeiro é a Esplanada dos Ministérios. A amplitude do espaço, a terraplanagem, os edifícios públicos, a monumentalidade conferida ao conjunto pelo urbanista e pelo arquiteto, fazem da Esplanada dos Ministérios o lugar por excelência de localização do poder central.

Porém, a monumentalidade não intimida à população nos momentos em que esta decide manifestar-se. Ao contrário, a Esplanada pode chegar a funcionar como uma enorme passarela. Não por casualidade, segundo tradição recente, as manifestações populares em Brasília partem da Rodoviária em direção à Praça dos Três Poderes.


Figura 9 - Manifestação em favor
de eleições diretas para presidente

[fim da página 164]

Brasília se desenvolveu como cidade sob a ditadura militar, mas não devemos esquecer que sua consolidação como capital só vai ocorrer a partir das grandes manifestações políticas na fase terminal dessa mesma ditadura.

Schmidt (17), cientista político, opina que Brasília já superou sua condição de escritório do governo federal e assumiu seu papel de capital política do Brasil.

"Foi o movimento pela abertura e a pressão por eleições diretas que consolidaram Brasília como centro político do país."

O segundo êxito é a super quadra. Em Brasília aplicou-se com sucesso o princípio da eliminação da rua corredor; daí o comentário que Brasília não tem esquinas.


Figura 10 - Plano Piloto de Brasília:
super quadra

A hierarquia do tráfego de veículos no Plano Piloto reduziu a circulação interna das super quadras, proporcionando maior segurança a seus moradores. A reunião dos edifícios residenciais em pequenos grupos resultou na formação de pequenas comunidades dentro da cidade, a uma escala que permite seu completo domínio desde pouca idade. O uso dos pilotis nos edifícios e o espaço livre para os jogos e o esporte, possibilitam a continuidade visual e a unidade do conjunto habitação/lazer em que se alcançou uma qualidade de vida acima da media do país.

Esse êxito parece não se repetir, a primeira vista, quando se trata da habitação individual, seus moradores modificaram a uniformidade visual do projeto original, introduzindo uma série de transformações, que vão desde as esquadrias à volumetria, passando pela apropriação privada do espaço público.

[fim da página 165]

Algumas dessas intervenções refletem o desejo dos proprietários de personalizar sua habitação, extraindo-a da uniformidade do conjunto. Outras têm origem no problema da segurança frente à pobreza que circunda o Plano Piloto e que resultou em um número crescente de assaltos e outros tipos de violência em todos os setores de habitação individual. Este problema gerou, inclusive, um movimento da população das habitações individuais para as coletivas, as super quadras (18).

Portanto, mais uma vez, é preciso ter cuidado e observar o que está relacionado com o desenho urbano ou a arquitetura e o que é conseqüência da injusta situação econômica e social do país.

Consideramos que essas intervenções, em lugar de uma confrontação entre uma Brasília restritiva, projetada por arquitetos e urbanistas e outra paralela ou marginal, explicitam a dinamicidade do processo de ocupação do espaço projetado por pessoas concretas. A necessidade de intervir, fazendo-se presente, identificando-se progressivamente com o espaço ocupado, transformando-o com sua criatividade, sua inventividade, é inerente ao homem. Não existem duas Brasílias que se contrapõem. Existe uma cidade de 38 anos de idade que se transforma ao ritmo das relações que nela ocorrem desde que saiu da mesa de desenho de seus primeiros autores.

Durante certo tempo, no período de sua implantação e ainda em seguida à sua inauguração, muitos acreditavam que Brasília seria uma tentativa frustrada, que não chegaria a firmar-se como capital do país. O governo militar, já instaurado, chegou a duvidar da oportunidade de mais investimentos para seguir com sua construção e os funcionários públicos transferidos desde o Rio de Janeiro odiavam a cidade. Nessa época se criou a expressão uma Brasília - para referir-se a tudo o que não poderia funcionar, tudo o que parecia destinado ao fracasso.

Teperman (19), na revista AU, faz uma brincadeira com a cidade:

"Me pareceu justo o prêmio de um concurso (não de arquitetura) que dava ao primeiro colocado uma semana em Brasília, ao segundo, duas semanas, ao terceiro, três semanas(...)."

Caetano Veloso, em uma canção que fala de sua migração da Bahia para São Paulo e o duro que foi a chegada, diz:

[fim da página 166]

"Narciso acha feio o que não é espelho."

Brasília provocou angústia, desgosto e repulsa a muitos dos que ali chegaram vindos do Rio e de outros lugares, os olhos e a mente acostumados a outra paisagem, outra realidade urbana. Hoje, o que podemos observar é que as gerações criadas ou já nascidas na cidade desenvolveram outra concepção de espaço urbano, diferente da de seus pais.

O mesmo Teperman (20) opina:

"As crianças de Brasília vivem definitivamente em um mundo diferente, de alguma forma privilegiado (...) Para elas, o modelo de cidade é Brasília, quer dizer, quando viajam para outras cidades normais, as consideram estranhas, os edifícios pegados uns aos outros, semáforos, ruas não perpendiculares e sem super quadras (...)."

Para os que vivem em um quase parque, com liberdade para descer sozinhos e buscar seus companheiros de jogo, é estranho perceber que as praças públicas nas cidades chamadas normais estão rodeadas de ruas e tráfego.

Uma última questão que gostaríamos de abordar é a de uma suposta contradição entre o traçado racional de Brasília e o misticismo da cidade.

Lúcio Costa (21) finaliza o Relatório do Plano Piloto, que acompanhou o projeto em 1957, da seguinte maneira:

"Brasília, capital aérea e terrestre; cidade parque. Sonho arquisecular do Patriarca."

Dom Bosco, o santo que sonhou com as coordenadas em que se inscreve o Distrito Federal, previu que ali se desenvolveria uma nova civilização...

A esta profecia se somou a carga simbólica atribuída à cidade, ou antes à empresa que significava sua construção (22).

"Creio que não se fez nada no país até hoje que seja comparável à febre, à fúria, ao entusiasmo, à loucura dos homens que construíram a cidade, independentemente de sua condição social ou de seus interesses."

[fim da página 167]

Brasília está situada no triângulo que marca o centro geográfico do Brasil, junto aos mananciais que alimentam as três grandes bacias hidrográficas do país: Amazonas, Prata e São Francisco.

Se a tudo isso somamos ainda a própria configuração do Planalto Central, a solidão do cerrado goiano, a planura do terreno, a imensidão do céu, o horizonte a perder de vista, a pequenez do homem nessa paisagem, e o misticismo que faz parte do caráter do brasileiro, mescla de tantas culturas, teremos completo o quadro que propicia a instalação de tantas seitas esotéricas na cidade.

Mas acreditamos que o caso de Brasília é mais mítico que místico.


Figura 11 - Esquadrilha da Fumaça
na inauguração de Brasília

[fim da página 168]

RESUMO

BRASÍLIA E SEUS MITOS

O projeto proposto para a nova capital -Brasília- no final dos anos 50, provocou uma série de críticas, ao tempo que gerou expectativas em relação a uma forma distinta de convivência entre diferentes classes sociais.

A cidade construída como símbolo do ingresso do país no mundo moderno, sob a égide da expansão do capital, incluía também a perspectiva de uma sociedade mais justa e igualitária -seja por sua filiação lecorbusierana, seja pela propaganda política que a definia como 'a capital da esperança'.

Não bastassem essas ilusões plantadas no seio da sociedade brasileira, essa empresa significava também a concretização da primeira cidade projetada inteiramente segundo os princípios urbanos modernos.

Muitas das críticas a Brasília foram feitas a partir da mitificação do poder do desenho urbano. Como se fosse possível acreditar na sua imunidade absoluta frente à contaminação do processo social. Este artigo busca entender a origem deste equivoco -criticar Brasília por conter os antagonismos sociais, econômicos e culturais, próprios das metrópoles espontâneas, que deviam ser superados- e analisar Brasília como mais uma cidade brasileira.

ABSTRACT

BRASILIA AND ITS MYTHS

The plan proposed at the ends of the 1950s for the new capital, Brasilia, provoked a succession of criticisms while at the same time generating expectations of a different mode of social interaction.

The city was built as a symbol of the insertion of the nation into the modern world, facilitated by the expansion of capitalism. It also carried with it the perspective of a more impartial and equal society due to its Lecorbusieran roots and the political propaganda that described it as "the capital of hope"

If these illusions seeded in the heart of the Brazilian society weren't sufficient, this project also signified the construction of the first city built entirely according to modern urban principles.

Most of the criticisms of Brasilia were the due to mythologization of the power of urban planning -- as if urban planning was immune from social contamination. This article tries to understand the origin of this mistaken critique of Brasilia. Rather than focus on the social, economical and cultural tensions (characteristic of any great spontaneous metropolis) and how to overcome them, this article endeavours to analyse Brasilia as merely another Brazilian city.

NOTAS

1) Este artigo surgiu como contestação das idéias do arquiteto Roberto Segre sobre Brasília, condensadas no capítulo Brasília, la transformación del mito urbano de seu livro América Latina, fin de milenio: raíces y perspectivas de su arquitectura. La Habana: Editorial Arte y Arquitectura, 1990.

2) Professora do Departamento de Arquitetura da Universidade Federal da Paraíba.

3) Arquiteta do Escritório Técnico do Senado Federal.

4) COSTA, Lúcio. (1970). Relatório do Plano Piloto de Brasília. Cadernos de Arquitetura (3).

5) Sobre as imagens da cidade, ver HUMBERTO, Luis. (1980). Brasília, Sonho do Império, Capital da República. Brasília: Edição do Autor.

6) Sobre a implantação de Brasília ver PINHEIRO, Israel. (1986). A história de Brasília. Módulo (89/90).

7) Esta é a crítica que faz Segre sobre Brasília. Ver SEGRE, Roberto. (1990). Brasília, la transformación del mito urbano. América Latina, fin de milenio: raíces y perspectivas de su arquitectura. La Habana: Editorial Arte y Arquitectura.

8) GOUVEIA, L. A. (1991). A Capital do Controle e da Segregação Social». In PAVIANI, Aldo (org.). A Conquista da Cidade: Movimentos Populares em Brasília. Brasília: Editora da UnB, p. 81.

9) NIEMEYER, Oscar. (1947). O que falta à nossa Arquitetura. L'Architecture d'Aujourd'hui (12).

10) Luiz Alberto Gouveia (1991: 80).

11) PINEDO, Luis e NAKAMI, Luiza Naomi. (1991). O Canteiro de Obras da cidade Planejada e o Fator de Aglomeração. In: PAVIANI, Aldo (org.). A Conquista da Cidade: Movimentos Populares em Brasília. Brasília: Editora da UnB, p. 56-57.

12)MACHADO, L. Z. e MAGALHÄES, T. Q. (1985). Imagens do espaço, imagens da vida. In: PAVIANI, Aldo (org.). Brasília, Ideologia e Realidade: espaço urbano em questão. São Paulo: Projeto.

13) SANTOS, Milton. (1985). A ideologia da ocupação. AU (2).

14)MORAIS, Frederico. (1982). Lúcio Costa, 80 anos. O Globo.

15) SANTOS, Milton; op. cit.

16) Sobre o tema ver RIBEIRO, Gustavo Lins. (1982). Arqueologia de uma Cidade: Brasília e suas Cidades Satélites. Espaço e Debates (6).

17) SCHMIDT, Benício. (1985). Um sociólogo vê Brasília. AU (2).

18) Sobre este tema ver MORENO, Júlio. (1980). Um apelo: deixem Brasília falar. Projeto (20).

19) TEPERMAN, Sérgio. (1985). Bodas de p..ta. AU (2).

20) TEPERMAN, Sérgio; op. cit.

21) COSTA, Lúcio. (1979). Lúcio Costa. Pampulha (1).

22) TEPERMAN, Sérgio; op. cit.


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Este site foi modificado pela última vez em 18 de Outubro de 1999, por Carla Mary S. Oliveira.


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