A ÚLTIMA CAMPEÃ DO SÉCULO

 

 

Graças à intervenção decisiva do presidente da Federação Francesa de Futebol, Fernand Sastre, em julho de 1983, a França candidatou-se efetivamente para sediar o Mundial de 90 ou o de 98 (caso a Itália postulasse o de 90). Iniciaram-se até os estudos para a construção de um grande estádio de futebol para 80.000 espectadores, em Saint-Dennis. Em janeiro de 1989, a França oficializa sua candidatura numa carta do presidente François Mitterand ao presidente da FIFA, João Havelange. Candidatam-se para sede a Inglaterra, o Brasil, o Chile, a Índia, Marrocos, Suíça, além da França, sendo pré-selecionados apenas esta última, Marrocos e Suíça, até que em julho de 1992 a França é oficialmente indicada. São escolhidas pelo comitê organizador francês, co-presidido por Sastre e pelo ex-craque Platini, as seguintes sub-sedes: Saint-Dennis, Paris, Lens, Lyon, Saint-Étienne, Nantes, Marseille, Montpellier, Toulouse e Bordeaux.

 

São sorteados oito grupos de quatro seleções, sendo que as duas primeiras de cada grupo classificam-se para a fase seguinte, as oitavas de final. Esta fase consta de oitos jogos, em que se enfrentarão as dezesseis classificadas da etapa anterior. Sobram oito seleções para as quartas de final, que jogarão entre si. Da última fase, as semifinais, em dois jogos, serão conhecidos os times que irão disputar a 3a colocação e os dois adversários da finalíssima.

 

A França nunca havia levantado um campeonato mundial, embora já houvesse brilhado anteriormente em alguns momentos, tendo apresentado boas seleções em épocas passadas. Assim, por exemplo, havia formado uma boa equipe em 1958, quando alcançou a terceira colocação na Copa da Suécia, com 4 vitórias e 2 derrotas. As estrelas do time eram Kopa, Piantoni e Fontaine, que foi o artilheiro da Copa com 13 gols. Mesmo derrotada nas semifinais pelo Brasil, por 5x2, a equipe francesa deixou excelente impressão por seu ataque arrasador, que marcou 23 vezes em apenas 6 partidas. Just Fontaine jogou, ao todo, 20 partidas pela seleção, com uma ótima marca de 27 gols.

 

A equipe francesa de 1982 a 1986 também conseguiu algumas conquistas: em 82, chegou em 4o lugar na Copa da Espanha, com 3 vitórias, 2 empates e 2 derrotas. Perdeu a decisão do 3o lugar para a Polônia, por 3x2. Seus expoentes eram Amoros, Trésor e Tiganá. Em 1984 conquistou a Copa Européia de Seleções, desfilando no time jogadores como Giresse, Tiganá e Rocheteau. Neste mesmo ano levantou a Taça Olímpica, nos Estados Unidos. Finalmente, em 1986 na Copa do México, chegou outra vez em 3o lugar, com 4 vitórias, 2 empates e 1 derrota, ganhando da Bélgica a 3a colocação, por 4x2, na prorrogação. Seus grandes jogadores foram Amoros, Tiganá e Papin. Entre 1986 e 1998 a França pouco fez em matéria de futebol e de conquistas internacionais.

 

A Copa de 1998 apresentou algumas surpresas, como a eliminação precoce da Espanha, da Bulgária (bem cotada de início) e da Bélgica, que não passaram da 1a fase. Nas oitavas, a Itália (com Maldini, Baggio e outros) é eliminada pela Noruega. Nas quartas de final, classificam-se os favoritos, entre eles o Brasil e a França (esta, pelo fato de jogar em casa). Nas semifinais, o Brasil vence a Holanda e a França derrota a Croácia, que fizera até aqui um belo papel no Mundial. Na disputa pelo 3o lugar, a Croácia confirma sua ótima campanha e supera nada menos que a Holanda dos irmãos De Boer, de Seedorf e de Bergkamp. Ficam, enfim, para a finalíssima a França e o Brasil.

 

A campanha brasileira nesta Copa começou no Grupo A, com uma magra vitória sobre a Escócia por 2x1, prosseguindo com um marcador mais folgado de 3x0 sobre o fraco time de Marrocos. Na última partida desta fase classificatória, perdemos surpreendentemente para a Noruega por 2x1, classificando-nos, assim mesmo, em 1o na chave. Nas oitavas de final, jogando melhor, goleamos por 4x1 o Chile. Nas quartas de final, ganhamos de 3x2 da Dinamarca, num jogo muito difícil e disputado. Chegados às semifinais, defrontamo-nos com a temida Holanda, resultando um empate de 1x1 no tempo normal. Nas penalidades, acabamos triunfando por 4x2, graças às grandes defesas de Taffarel, salvando as cores pátrias. Estávamos nas finais, contra a França, mesmo jogando sem grande brilho, com uma defesa às vezes claudicante e um Ronaldinho fora de sua melhor fase.

 

A campanha francesa, por outro lado, foi muito boa: classificou-se em 1o no grupo C, derrotando seus três adversários de chave, a África do Sul (3x0), a Arábia Saudita (4x0) e a Dinamarca (2x1). Em seguida, nas oitavas de final, venceu o Paraguai em um jogo muito difícil (1x0). Nas quartas de final, enfrentou seu adversário mais perigoso até então, a Itália. No tempo normal deu empate (0x0), sendo necessária uma disputa por pênaltis, onde alcançou uma vitória (4x3). Nas semifinais, pegou a Croácia, que vinha de uma boa campanha, e venceu por 2x1. A final foi contra o Brasil. Relembremos, em seguida, a história deste grande jogo.

  

A final entre  França e Brasil foi disputada no Stade de France, em Saint-Dennis. O dia: 12 de julho. Juiz, o marroquino Sais Belqola. Como sempre, os franceses iniciaram o jogo no ataque, exercendo forte pressão sobre a equipe brasileira, que, estranhamente jogava totalmente apática, com um meio-campo dominado pelos adversários. Aos 27 minutos, Zidane marca de cabeça o 1o gol francês, após uma cobrança de córner. Assim prosseguiu a partida, quando, já nos descontos, Zidane assinala o 2o gol também de cabeça, aproveitando uma falta cobrada por Petit. No 2o tempo, o Brasil acordou um pouco, tentando reverter o marcador desfavorável, mas perdeu boas chances de gol. A França jogava em contra-ataques. Com o passar do tempo, os franceses voltaram a atacar mais, até que, ao apagar das luzes, Petit assinala o 3o gol da França. A França sagrara-se campeã mundial de futebol.

 

Esta final foi marcada por um fato inusitado e ainda hoje controvertido: o que teria havido, afinal, com Ronaldinho? Na verdade, as cobranças em termos de desempenho pesaram muito sobre nosso craque, causando-lhe um processo de desgaste emocional e físico para o qual não estava preparado. No dia do jogo, depois do almoço, Ronaldinho sentiu-se mal, com tonturas e ânsias de vômito. Dizem até que chegou a ter convulsões. Levado a um hospital, forjou-se um laudo de um exame em seu tornozelo direito. Segundo seu companheiro Roberto Carlos, “Ronaldo é um garoto, sentiu o stress e passou mal. Cobraram muito do menino”. Sua entrada em campo foi autorizada pelos médicos brasileiros a apenas 45 minutos do início da partida, enquanto Edmundo se aquecia para jogar em seu lugar (“fiz aquecimento por duas horas porque me disseram que jogaria”). Sem dúvida, o mal estar de Ronaldinho influiu no estado de espírito de nossa seleção, que sempre contou com ele para definir as partidas, mesmo não vindo atuando como se poderia esperar de um fora-de-série. Segundo nosso técnico, a apatia da equipe deveu-se ao mal estar de nosso craque: “se tivesse acontecido dois dias antes, daria para o time se recuperar, mas no dia da final, aquilo deixou a todos com os nervos à flor da pele”. Terminado o jogo, Ronaldinho declarou enfaticamente: “perdi a Copa, mas ganhei a vida”, referindo-se à convulsão que tanto o havia impressionado.

 

Para Zagallo, a França foi superior ao Brasil: “a vitória da França ficou clara desde o início. Eles fizeram um 1o tempo magnífico. Eu torci para acabar o 1o tempo em 1x0, porque sentia que poderíamos sofrer o 2o gol a qualquer momento. No 2o tempo, a seleção brasileira cresceu de produção, mas faltou muita coisa para virar o placar. A taça ficou em boas mãos. Vamos tentar o penta-campeonato em outra época”. Já para o técnico francês Aimé Jacquet, “nosso título foi uma vitória de todo o futebol francês”. E mais: “foi preciso muita paciência e serenidade”. Segundo Jacquet, “o time teve um coração extraordinário e a generosidade dos jogadores permitiu superar os obstáculos”, referindo-se ao comportamento da equipe após a inesperada expulsão de Desailly, aos 23 minutos do 2o tempo.   

O Brasil jogou com Taffarel; Cafú, Júnior Baiano, Aldair e Roberto Carlos; César Sampaio (Edmundo), Dunga, Rivaldo e Leonardo (Denílson); Bebeto e Ronaldo. A França alinhou Fabien Barthez; Lilian Thuram, Franck Leboeuf, Marcel Desailly e Bixente Lizarazu; Christian Karembeu (Boghossian), Didier Deschamps e Emmanuel Petit; Zinedine Zidane, Stéphane Guivarc´h (Dugarry) e Youri Djorkaeff (Vieira). Os maiores jogadores franceses foram Zidane, Barthez, Desailly, Deschamps, Djorkaeff e Trézeguet.

  Zinedine Zidane, do Juventus de Turin, da Itália. Foi a maior revelação da Copa. Meio-campista e atacante, havia participado de 34 jogos pela seleção, com 9 gols assinalados. Jogou 5 partidas nesta Copa, marcando 2 gols.

Fabien Barthez, do AS Monaco, excelente goleiro (deixou passar apenas 2 gols em 7 jogos). Participara, até então, de 13 jogos pela seleção. Jogou em todas as partidas da Copa.

Marcel Desailly, do Milan AC, da Itália. Zagueiro, com 42 partidas pela seleção, até a Copa. Jogou todos os jogos deste Mundial.

Didier Deschamps, do Juventus Turin, da Itália. Grande meio-campista, com, até então, 70 partidas pela França. Participou de 6 jogos nesta Copa.

Youri Djorkaeff, da Inter de Milão. Atacante, com 38 jogos pela seleção, até a Copa. Jogou todas as partidas deste Mundial, assinalando 1 gol.

David Trézeguet, do AS Monaco. Atacante, com 5 participações pela seleção, até a Copa. Jogou 5 partidas no Mundial, marcando 1 gol.     

O técnico francês era Aimé Jacquet. Estava no posto desde dezembro de 1993 e sempre fôra muito criticado pelo público e pela imprensa. Às vésperas da estréia de sua equipe na Copa, ainda não tinha um time-base definido, o que fez aumentar ainda mais a apreensão da torcida de seu país quanto ao desempenho da seleção no Mundial. Jacquet assumiu a seleção logo após as eliminatórias para a Copa de 94, quando a França foi derrotada pela Bulgária, em Paris. Com Jacquet, logo em seguida os franceses conseguiram chegar às semifinais da Eurocopa. Antes de assumir como treinador da França, Jacquet havia dirigido o Lyon, o Bordeaux, o Montpellier e o Nancy.  Esquema tático da França
O ESQUEMA

O esquema básico de jogo da equipe era o 4-3-3, quando de posse da bola, e o 4-4-2, quando defendendo (ver ilustração). Seus três atacantes frequentemente recuavam até o meio-campo ou mesmo até a defesa, para fechar o time. Era muito comum que tal acontecesse, principalmente no 2o tempo, quando a equipe toda recuava em massa para a defesa. A França era uma equipe veloz, forte e com garra, muito bem preparada fisicamente e apresentando, como ponto forte, um sólido esquema defensivo. Pecava, porém, nas finalizações e sempre se ressentiu da falta de um “matador” no time. Faltava, por certo, um jogador que definisse as jogadas de ataque. Jacquet chegou a testar duas dezenas de atacantes para jogar na frente com Djorkaeff, até que se fixou em Trézeguet. Aliás, o ataque francês nesta Copa sempre desperdiçou muitos lances de gol, apesar da velocidade, empenho, garra e espírito de equipe com que jogava o time. A França havia apostado em craques como Zidane e Djorkaeff, bem como numa defesa muito segura, em que se sobressaiam Desailly e Deschamps, com Blanc comandando toda a retaguarda. Conseguiram os franceses vencer sua proverbial falta de “espírito de chegada”, apesar das boas gerações de craques que tiveram no passado. Desde o 3o lugar conquistado em 1986, a França se ausentou da relação de grandes equipes, pois nada de importante conseguiu em certames internacionais. O fato é que, logo antes da Copa, a equipe ainda não convencia. No Torneio da França, em 97, perdeu para a Inglaterra e empatou com o Brasil e a Itália. O técnico francês chegou a declarar: “vamos esquecer nosso passado de dissabores. Temos uma nova geração de craques. O Mundial será disputado diante de nossa torcida”. Para sua felicidade e de seus conterrâneos, deu certo. Sua equipe foi campeã invicta.

 

Assim sendo, quando muitos esperavam uma final entre o Brasil e a Alemanha, as duas seleções com melhor participação na história das Copas, deu-se a final inesperada entre nosso país e a França. Estivemos muito perto do penta-campeonato mundial, que, na opinião de Zagallo, deixamos escapar “por uma questão de destino”.

 

A França, com todos os méritos, logrou chegar a tempo de inscrever seu nome entre as grandes seleções do século XX. Já houvera apresentado boas equipes, além de grandes craques, como Fontaine, Platini, Tiganá, Giresse, Kopa e Papin, entre outros, mas estava nos devendo uma seleção competitiva. E conseguiu, mesmo que quase ao apagar das luzes.

POSIÇÕES FINAIS DA COPA DE 98 

A CAMPANHA DA FRANÇA

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André Luiz Medeiros é
arquiteto e pesquisador
do futebol.

 



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