LITERATURA por Luiz Horácio |
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MAESTRO MAURO E A ARTE DA TRAIÇÃO | |
"Música não é política, mas
traz em si a idéia de liberdade." "Traduttore, traditore" diz o trocadilho italiano. O protagonista de CONCERTO PARA CORDA E PESCOÇO- Mauro Pinheiro-Ed Rocco-Rio 2000 é um tradutor que não tem seu nome mencionado ao longo das corretas 125 paginas do romance. O tradutor de Mauro não nega o trocadilho visto que trairá mais de uma vez. A traição é fruto de um sentimento mais forte, às vezes está em jogo a sobrevivência, onde o traidor receberá o rótulo de infiel. Moralismos à parte, saber trair é uma arte cujo resultado geralmente significa prazer. E Mauro também é infiel. Trai o espírito on the road que guiava os excelentes " Cemitério de Navios" de 1993 e o livro de contos "Aquidauana e outras histórias sem rumo" de 1997. Em CONCERTO...a ação fica restrita ao bairro de Laranjeiras no Rio de Janeiro.No último conto de Aquidauana um exemplo de traição e vingança: dois personagens se revoltam com o escritor e o matam. Na fuga acontece a vingança do escritor que empurra o carro contra uma carreta . Se o prazer não recompensou Mauro com toda certeza gratificou o leitor, por enquanto, fiel. O tradutor de CONCERTO é também um escritor inédito, alcoólatra,- se os escritores não cansam de criar escritores alcoólatras tenho certeza que os leitores cansam de encontrar o mesmo personagem em livros diversos- abandonado pela mulher, sobrevive com dificuldades e divide com um gato, que não é seu, o apartamento emprestado de um casal de amigos. O protagonista de CONCERTO é um emaranhado de clichês tão grande que o torna vazio. É um personagem comum a tantas outras histórias, o injustiçado, aquele para quem o mundo se apresenta sempre do avesso, a mulher foi viver na França e levou o único filho, seus amigos são um português, Hermínio, dono do bar onde bebe e aumenta sua dívida e Antunes, um velho desempregado e bêbado que logo será internado num asilo. Paquera Soraia, vizinha de prédio, que aparecerá morto e ele será um dos suspeitos, a mulher do amigo que emprestara o apartamento retorna, eles passam vários dias fazendo sexo e...bebendo, o gato some. Mas isso não é tudo.Ramadã Scharbeek é o título do seu primeiro e único romance, de cuja qualidade ele mesmo desconfia, ainda sem editora. Entra em cena Judith , agente literária que decidiu ajudá-lo na carreira de escritor e aqui a história toma outra rota. Judith consegue a publicação do seu livro.Não da maneira esperada mas salvadora antes as circunstâncias. Ele havia enviado a única cópia que imprimira a uma pequena editora no sul do país que até então não dera reposta. Em CONCERTO PARA CORDA E PESCOÇO tudo pode ser subvertido, para não dizer traído, tudo pode ser arranjado de acordo com as conveniências. Se a profissão do escritor não está sujeita às regras, ninguém o obriga a escrever, a bater cartão ponto, o escritor/tradutor parece esperar, ou merecer, o mesmo para a sua vida. O acumulo de frustrações gera desesperança e conduzido por Judith ele tem que escolher entre o caos que o sufoca e o vazio, resultado da opção oferecida. Podemos notar o sarcasmo do autor ante as dificuldades obrigatórias que todo candidato a escritor enfrentará. A tarefa quase impossível de convencer uma editora a apostar num estreante, sendo brasileiro é claro. Mas quem manda alimentar tamanha veleidade:ser escritor. Quase inadmissível num país onde não se permite ao povo ler. Mauro escreve de forma simples , é crítico, sarcástico, por vezes repetitivo porém sem molestar o leitor. Vale lembrar porém, que a repetição é um dos grandes combustíveis da traição. Espero que Mauro esqueça as repetições, o exagero dos estereótipos e tempere um pouco mais de indignação e crítica social com uma pitada do lirismo ausente neste CONCERTO. Sebastião Newton Paes, um escritor em crise criativa, está disposto a comprar os originais de Ramadã Scharbeek e publicá-lo como se o livro fosse de sua autoria. Sebastião compra o Ramadã e logo após sua edição, muito doente, suicida-se. O tradutor/escritor salda sua dívida no bar e viaja para a França onde pode ver o filho, trabalha como entregador de prospectos e começa a escrever um novo livro. É necessário se deformar para não sufocar. Na verdade Mauro não traiu totalmente o espírito on the road de seus livros anteriores. CONCERTO não deixa de ser uma viagem interrompida na fronteira que separa a fantasia da realidade, o muro largo que isola o sonho impossível dos seres comuns do sonho possível dos obstinados: a liberdade.CONCERTO PARA CORDA E PESCOÇO não veio para aplaudir a trágica realidade e sim para vaiá-la e transformá-la. TRECHO "Sebastião me pede para o acompanhar pelo seu apartamento espaçoso e austero até um gabinete onde fica seu escritório. Sentamos e ele me oferece uma dose de Ballantine's. A garrafa de uísque está quase no final. O líquido flamejante espalha um pouco de calor no meu corpo ao descer pela garganta. Ele vira seu copo e o enche novamente. Depois, começa a falar olhando para o teto. A literatura segue por tortuosos caminhos no nosso país. Não há leitores. Não há a vontade de se criar um público. O livro é contraproducente num mercado voltado exclusivamente para o lucro imediato. No futuro , não haverá escritores, somente roteiristas. A palavra será relegada a função de rascunho, de mero esboço de uma obra, que será audiovisual ou não será nada." |
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CONCERTO PARA CORDA E PESCOÇO
Autor : Mauro Pinheiro |
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Luiz Horácio escreve ... e lê, lê, lê... |