CRENÇAS
E CONCEITOS SOBRE DOENÇA E DOENTE MENTAL EMITIDOS PELOS PRÓPRIOS DOENTES:
CONTRIBUIÇÃO À PERCEPAÇÀO DE SUA “ AUTO-ESTIMA”.
Edna
Paciência Vietta*
Renata
Rossi Tavares**
Sebastiana
Diniz***
O presente estudo é parte de um projeto mais amplo desenvolvido por
pesquisadores do NÚCLEO NUPÉTICA -
ENSAME (Núcleo de Pesquisa em Ética e Saúde Mental) sobre as crenças e
conceitos de doença e doente mental. Trata-se especificamente da representação
que o próprio doente faz destes
conceitos e sua conseqüente influencia na sua auto-estima. A concepção que o
doente faz dos conceitos mencionados é importante para se compreender a
concepção que faz da sua própria doença, interferindo também na sua aderência a
tratamento e cuidados. Estas concepções
nada mais são que a representação do ideário coletivo conformado ao longo da
evolução histórica da psiquiatria. Tais concepções estiveram também sempre
atreladas do contexto sócio-político-econômico e cultural de cada época e
determina na atualidade a representação do conceito do doente e da doença
mental.
INTRODUÇÃO
Na antigüidade, quando as causas das
doenças não eram claras, atribuíam-nas às influências malignas, não fazendo-se
a distinção entre doença física e mental. Os doentes que apresentavam algum
problema mental eram considerados possuídos por demônios e espíritos malignos e
a doença causada por seres sobrenaturais (1,2).
Na Era Clássica, o doente mental
começa ser visto de forma mais humanitária. Hipócrates foi o primeiro médico a
explicar, coerentemente, as doenças com base em causas naturais. A causa da
doença mental, também já tem explicações naturais e não mágicas. Pitágoras, por
exemplo, havia dito que o “cérebro é o verdadeiro órgão do intelecto do homem e
sede da enfermidade mental”. Os médicos hipocráticos descreviam pela primeira
vez delírios orgânicos, sintomas de
depressão (melancolia), insanidade puerperal (psicose pós-parto), fobias, etc, (1,2,3).
Durante a Era Clássica, a
assistência ao doente mental evoluiu muito e declinou em seguida, atingindo um
retrocesso geral na magia, misticismo e demonologia. A assistência psiquiátrica
deteriorou-se a ponto de tornar-se indistinguível do exorcismo. Este período se iniciou com a queda do Império
Romano e início da Idade Média e perdurou por dez séculos (1,2,3).
Entre os séculos XIV e XV os doentes mentais eram considerados como
feiticeiros e tornaram-se vítimas de perseguição, sendo condenados à fogueira
pela Inquisição (2).
Nesta época, a atitude para com o
doente mental era o desprezo, medo, agressão, rejeição, tortura e perseguição
até a condenação à morte.
Na Renascença, o homem começa a
questionar os valores e tradições, inclusive da própria Igreja que, até então,
dominava tudo com sua ênfase no mundo sobrenatural.
Os médicos do século XVI começavam a
olhar para seus pacientes de perto e a registrar o que viam. Neste período, o
mundo sobrenatural ainda existia na mente do homem, apesar de perder sua
vitalidade. Apesar disto o conceito sobre doença mental começa a se modificar e
à perseguição aos doentes diminuem devido a atuação de dois médicos: Paracelso
que acreditava que toda doença mental e física poderia ser tratada com
medicações adequadas, e Weyer que tentava provar que as feiticeiras eram
doentes mentais, e portanto deviam ser tratadas por médicos (1,3,9).
Esta etapa da evolução psiquiátrica
finaliza-se com a preocupação crescente em proteger o doente mental
independentemente da causa da doença.
Esta proteção porém, se apresenta de forma ambivalente com a construção de
asilos afastados das cidades, com o intuito de isolar o doente do convívio
social, ou seja, proteger a sociedade.
Na época do Iluminismo, apesar de
ter sido uma época de grandes avanços científicos, a situação dos doentes
mentais mantinha-se angustiante. Quando não eram hospitalizados, vagavam pelos campos e ruas, onde eram
maltratados e ridicularizados (1,2,10).
Os médicos da metade do século XIX,
influenciados pelo positivismo, criaram uma teoria psiquiátrica baseada no
conceito naturalista de “processo mórbido”.
A influência do positivismo da
época, produzindo o conhecimento mecanicista e atomizado, sobre o mundo natural
e social, determinaram a nascente ciência psiquiátrica a busca e a elaboração
das entidades nosográficas e das classificações.
Assim, em meados do século XIX, a
causalidade da loucura é situada nos planos dos saberes biológicos e
psicológicos, transformando-se, definitivamente, em doença mental.
A loucura tornou-se demência
precoce, paralisia cerebral, monomania, reduzindo o homem a um conjunto de
sensações e de movimentos automáticos que encontram nas localizações cerebrais
sua base organicista.
Em 1973 surge Pinel, médico francês,
que implementou diversas transformações em dois hospitais psiquiátricos que se
encontravam em situação deplorável: o Bicetré e o Salpetrière, em Paris (1,2,3,10).
Pinel acreditava que a doença mental
era uma moléstia progressiva que podia ser curada. Que o indivíduo perdia a
razão temporariamente, e que deveria haver um meio de restaurá-la.
Acreditava-se que os loucos precisavam de compreensão, simpatia e conselho, ao
invés de surras, humilhações e fome (6).
Antes de Pinel o doente mental era
visto como incurável, incapaz, perigoso causando medo a sociedade. Depois de
Pinel, o paciente passou a ser olhado com mais humanidade, a doença passou a
ser vista como fenômeno natural, e já se pensava na possibilidade de recuperar
o doente mental.
Esta época tem sido considerada a
segunda etapa da evolução psiquiátrica. Desde então a psiquiatria começou a
tomar novos rumos, e o cuidado prestado aos pacientes foi melhorando e se
intensificou durante a Era Moderna.
Nessa época houve um movimento
crescente dirigido para o atendimento de algumas necessidades psicológicas do
doente mental, com atividades ocupacionais e recreacionais.
Surge Sigmund Freud, com importantes
descobertas sobre a mente humana, possibilitando a compreensão do indivíduo
sadio e doente. Esta nova concepção vê o homem como uma unidade, focalizando
aspectos físicos, sociais e psíquicos.
Por volta de 1950 foram introduzidos no mercado os primeiros psicotrópicos,
que passaram a ser utilizados em larga escala. Isso de certa forma contribui
para o progresso da terapia individual e grupal, favorecendo posteriormente a
introdução de novas técnicas como ludoterapia, terapia ocupacional e
psicodrama, e facilitando formas de tratamento como Hospital - Dia e Hospital
-Noite, e implantação de unidades psiquiátricas em hospitais gerais
possibilitando, mais tarde o desenvolvimento de trabalhos de extensão
comunitária. Esta pode ser considerada a terceira etapa da evolução
psiquiátrica (2,8,9) .
Com o aumento do conhecimento sobre
as doenças mentais e suas relações com os fatores sociais, surge a Psiquiatria
Social cuidando da influência dos fatores sociais como, caráter nacional,
critérios demográficos e preconceitos, todos responsáveis pela saúde e doença.
A partir daí , compreende-se o paciente não apenas com base em sua dinâmica
intra-psíquica, mas como um membro ativo de uma comunidade, influenciando-a e
sendo influenciado por ela (11).
Deste modo, o conceito de comunidade
terapêutica emerge reconhecendo a
importância do meio ambiente no tratamento do doente mental, procurando
trabalhar o mais próximo possível deste ambiente.
Um aspecto predominante neste
momento, é de que a pessoa que está doente não perdeu completamente as suas
capacidades de julgar, perceber, pensar e sentir.
No contexto desta evolução surge
a Psiquiatria Preventiva, com seus
enfoques na prevenção primária (reduzir a freqüência dos transtornos mentais),
secundária (reduzir a duração desses transtornos) e terciária (reduzir a
deterioração que pode resultar dos transtornos) (5).
A aplicação prática destes níveis de
prevenção marca o surgimento do campo da Psiquiatria Comunitária, que é “uma
etapa evolutiva da psiquiatria na qual a promoção, detecção precoce e
tratamento e reabilitação do transtorno mental se aplicam a toda uma
população”.
Ao adentrarmos no século XX,
perguntava-se o que é a doença mental e com esta questão surge o movimento da
antipsiquiatria tendo como representante máximo SZAZS que sustentava não ser
possível afirmar, em termos de anatomia e fisiologia, de que modo funciona a
mente quando é “normal”, nem tão pouco, demonstrar o que há de errado nos casos
de aparente disfunção. É possível, somente verificar o modo como uma pessoa se
comporta ou age, parecendo normal a si mesma ou a seus semelhantes, e esta
declaração envolve juízo de valor social e ético. O termo antipsiquiatria foi cunhado por COOPER e LAING que ousaram
discordar dos métodos tradicionais de estudo e de ações da psiquiatria e
psicologia propondo novos rumos (12).
A antipisiquiatria tem como tema central radical e severa a uma
determinada forma de fazer Ciência e a de transformar a loucura (uma maneira
existencial de ser) em uma doença.
No final da década de 60 tem início
um movimento de reforma psiquiátrica na Itália - a psiquiatria democrática,
procedendo-se de forma gradativa o esvaziamento dos hospícios reforçando a
psiquiatria feita no território, através de
ambulatórios visitas
domiciliares, grupos de debates, etc. Inicia-se uma luta para conseguir
devolver ao louco “sua cidadania”.
A proposta de reformulação de
assistência psiquiátrica manicomial do século XX tem, portanto como marco de
referência a lei 180 e a reforma psiquiátrica Italiana a partir da experiência
realizada em Gorizia e Trieste pelo movimento da Psiquiatria Democrática,
instituída a partir de 1973, por FRANCO
BASAGLIA.
Este movimento teve repercussão no
Brasil na segunda metade da década de 70 iniciando uma reflexão e conseqüente consciência da questão
psiquiátrica como parte da questão nacional. É elaborado projeto de lei 3.657/89
de autoria do deputado Federal Paulo Delgado tendo em seu bojo as temáticas da
cidadania dos doentes mentais, os limites da reforma legal, e os novos modelos
alternativos de assistência do doente mental. O doente mental passa a ser um
cidadão que perdeu temporariamente algumas de suas faculdades mentais mas não
perdeu sua dignidade e cidadania podendo retornar ao convívio familiar e social
e reassumir seu lugar na sociedade (4) .
Desse modo podemos perceber o quanto
é importante o conceito que a sociedade tem do doente mental uma vez que este
influencia de forma efetiva o tratamento oferecido. Importante também é saber o
conceito que os próprios trabalhadores da Saúde Mental tem deste doente e como
este pode determinar o cuidado dispensado do doente mental.
A partir da reflexão sobre a
evolução histórica da doença mental nos
propomos como objetivo: captar na
atualidade as crenças e conceitos que os próprios doentes mentais têm do doente e da doença mental e influencias
na sua auto - estima.
METODOLOGIA
LOCAL:
Os depoimentos foram tomados dos
pacientes psiquiátricos atendidos no NAPS 1 (Núcleo de Atenção Psicossocial)
de Ribeirão Preto. Trata-se do primeiro equipamento público municipal de Saúde
Mental, ligado à secretaria Municipal de Saúde de Ribeirão Preto, que oferece
cuidados intermediários entre o regime ambulatorial e a internação hospitalar,
em um ou dois turnos de quatro horas, por equipe multiprofissionais e tem por
objetivo oferecer tratamento às pessoas da comunidade com sofrimento psíquico.
O serviço oferece cuidados
cotidianos aos usuários com transtornos mentais, durante cinco dias por semana (de segunda-feira a sexta-feira das
7:00 às 17:00 horas). O atendimento é desenvolvido através de duas modalidades:
a semi - internação e o regime ambulatorial.
POPULAÇÃO
: Foram entrevistados 20 (vinte) pacientes atendidos na modalidade
ambulatorial. Os pacientes foram contatados a partir de uma conversa informal
na sala de espera, após consentimento da instituição para a realização da
pesquisa.
Foram entrevistados aqueles
pacientes que após serem informados sobre a importância e objetivos do presente estudo, bem como a
confidencialidade dos depoimentos, consentiram livre e espontaneamente
participarem do mesmo.
A entrevista constou de uma questão
norteadora : “O que é ser doente mental?”. A partir desta questão deu-se aos
sujeitos a oportunidade de se expressarem livremente de modo a se obter o
depoimento dos mesmos sobre a temática proposta.
O material obtido foi categorizado
segundo o Modelo de Categorização de GIORGI 1985 (7) adaptado por VIETTA 1995 (14) , seguindo os seguintes
passos:
1-Leitura cuidadosa do conteúdo total expresso
pelos sujeitos em seus depoimentos de forma a apreender o seu significado
dentro da estrutura global.
2- Releitura
do texto com vistas à identificação de unidades de significados (aspectos
significativos de suas percepções, para compreensão e análise de suas
vivências).
3- Identificação
e agrupamento temático dos aspectos que apresentam convergências de conteúdo,
procurando aquilo que se mostra constante nas falas de cada um.
4- Análise
temática.
A seguir procedeu-se a Análise Temática na Modalidade da análise de enunciação.
Trata-se de uma modalidade de análise de conteúdo que considera o teor temático
como as formas discursivas utilizadas pelos sujeitos (13) .
A análise temática consiste na
descoberta dos “núcleos de sentido” de que se constitui uma comunicação e cuja
presença ou freqüência representa um significado para o objetivo analítico
pretendido, ou seja tradicionalmente a análise temática se encaminha para a
contagem de freqüência das unidades de significação como definitórias do
caráter do discurso, ou, ao contrário, qualitativamente (como é o caso do
presente trabalho).
A presença de determinados temas
denota os valores de referências e os modelos de comportamentos presentes no
discurso.
O tema enquanto unidade de registro,
corresponde a um recorte geralmente utilizado para estudar motivações de
opiniões, de atitudes, de valores, de crenças e de tendências.
A análise qualitativa do discurso do
doente mental propicia a consideração das experiências vividas pelos sujeitos
dentro do seus contextos e significados, estes podem estar inconsciente e
oculto. Porém, estão presentes no imaginário social e pessoal dos sujeitos.
ANÁLISE E COMENTÁRIOS DOS DEPOIMENTOS
O questionamento do “que é ser um
doente mental” suscita de inúmeras
conotações diferentes, mas relacionadas entre si. O doente mental é visto por
esta população como um ser diferente. O termo diferentes toma conotações de
estranhos, de poderosos, de impotentes, de transformação, de ilusório, de não
ser normal, de ter problemas emocionais, de ser extraordinário, conforme
mostram os depoimentos a seguir.
“A pessoa se sente mal, porque não é a mesma pessoa que
era antes..”
“Não é ser mais normal”.
”É ser meio mágico, meio especial, ser diferente, sentir
que as vezes se pode tudo e outras não se pode nada, mas é ser especial”.
“É ser uma pessoa diferente, que tem problemas
emocionais”.
Outra conotação atribuída pelo
próprio doente mental é a discriminação. É ser discriminado, o não ser aceito,
ou ser rejeitado, solitário (só), estigmatizado.
“Eles querem me discriminar”.
“Tem gente que discrimina os outros, mas tem outras que
gostam da gente”.
“As pessoas reagem diferente, porque elas (o doente) não
tem muita noção”.
“ Eu gosto deles (doentes mentais), eu agrado eles (os
doentes mentais), trato tudo igual”.
“ É ter muito solidão”.
“Fica muito solitária”.
“É ser uma pessoa discriminada, as pessoas tratam
diferente”.
“É muito triste, porque as pessoas tem medo da gente,
tratam mal”.
As conotações de pessoa doente que
precisa de tratamento também é freqüentemente mencionada na opinião dos doentes
mentais, geralmente esta impressão é justificada pelo aparecimento de sintomas
físicos, reações e comportamentos como delírios, alucinações e também de
cansaço, esgotamento e com o uso de medicamentos, e tratamentos. Ë um doente
incurável.
“A pessoa fica cansada, esgotada. Toma remédio, precisa
da Medicina e de Deus. Ela sempre vai precisar do tratamento”.
“É uma pessoa cansada, esgotada sem forças para reagir”.
“É uma pessoa que tem sentimentos retraídos, e isso
influi no cérebro e a pessoa vive só o cotidiano”.
“É não ser mais normal, tem que tomar remédio, fazer
tratamento senão piora”.
“É a pessoa que vê o que não existe, sente o que não
quer, e ouve vozes”.
A presença de sintomas emocionais relacionados ao orgânico também é
apresentado como algo que define o ser doente mental e é um aspecto comum na
descrição dos sujeitos estudados.
“É por medo, é dos nervos, insegurança, ciúmes e fúria
que ela fica assim”.
“É uma queda emocional, porque o cérebro da gente tem uma
parte que comanda o nosso corpo total”.
“É um ser doente da cabeça, não pensa direito, faz as
coisas sem pensar, ser agressivo”.
O ser doente mental está relacionado também com o fato de perda de
capacidade com necessidade de se isolar, restringir, é ficar alheio, é também
um ser carente e solitário.
“Eu fico em casa, não ligo para nada, chego e fico em
casa... de casa eu venho para cá, depois eu fico na loja..., depois já subo
para casa outra vez”.
“É ter muita solidão, por isso que eu quero encontrar
meus filhos, abraçar meus filhos para dividir esta solidão que eu tenho”.
“A pessoa se sente mal ... não trabalha, é desanimada”.
“É um ser triste, meio esquecido dos outros”.
“A pessoa fica meio insegura, porque acha que não tem
mais capacidade para nada, fica muito solitária”.
“É uma pessoa limitada em suas atividades, alheia aos
acontecimentos”.
A agressividade e a agitação como
“aspectos característicos do comportamento do ser doente mental” aparece
de duas formas; como algo impositivo e conseqüente do fato de se sentir
melhor que outros ou como algo da natureza, dependendo do momento e da
situação.
“Ele acha que é doente e que ele tem que bater nas
pessoas, ele acha que é melhor que as
pessoas, é isso que acontece”.
“...é por medo, insegurança, ciúmes e fúria que ele fica
assim”.
“É ser doente da cabeça, não pensar direito, fazer as
coisas sem pensar, ser agressivo”.
“É estar num momento em harmonia e no outro triste. É
como o mar que uma hora está calmo e outra agitado”.
É a
pessoa que apesar de não apresentar nenhuma lesão no cérebro”, a doença
interfere de modo a impedir que ele tenha uma vida normal.
Pelos depoimentos obtidos existem
vários tipos de doente. Cada um age e se comporta de uma maneira ou de várias,
porém estes comportamentos é que lhes dão uma conotação de ser estranho e
diferente as demais pessoas.
“Tem um comportamento estranho, anormal”.
“Se comporta um pouco diferente das outras pessoas”.
“Se comporta muito diferente”.
“Tem um comportamento diferente dos outros, são loucos”.
“É diferente o comportamento, age de maneira estranha
conforme o momento”.
“Não é igual, é diferente”.
Há sujeitos que insistem em
representar a doença como algo do cérebro, orgânico, mas como algo que não se
pode ser ocultado ou disfarçado, algo que se revela por si só.
“Você olha no olho e já conhece que tem problema na
cabeça, no cérebro”.
“Se comporta com alterações no cérebro, é fácil de ser
identificado”.
“Se afetar o subconsciente ele terá desritmia cerebral”.
“Tem problema na cabeça mas a gente sabe que é louco”.
Outros falam sobre a doença
associando-a presença de sintomas,
reações e comportamentos. O doente é visto como pessoa sentida, isolada,
magoada, triste ou com humor alterado, inapetente, para o qual a vida não faz sentido,
desesperançado e emotivo.
“Se comporta sentida, sentida consigo mesma, e distante
da amizades”.
“Isolamento das pessoas”.
“Magoados”.
“Com humor instável”.
“Tem humor e a tristeza bem instável. Tem época que está
sorrindo outras que está chorando pelos cantos”.
“Quase não se alimentam, não dão valor a vida”.
“Não vê nada de importante pela frente”.
“Choram muito”.
Também foram bastantes citados
comportamentos relacionados à hostilidade, agressividade e descontrole.
“Vai bater nas pessoas”.
“Tem uns que tem comportamento agressivo...”.
“A maioria se comporta de maneira, às vezes agressivas...
outros gritam, não sabem o que estão fazendo”.
“Depende, alguns são agressivos...”.
“As vezes ficam bravos”.
A doença foi mais de uma vez
confundida com a deficiência mental.
“Ele fica bobinho, não tem
coordenação motora nas mãos”.
A doença mental torna o doente
incapaz, alheio do mundo, não entendendo as coisas como conseqüência da doença
mental, alguns são agitados demais, outros retardados demais.
Outra vezes é visto como quem quer
mudar o mundo. Tornar as coisas diferentes como que, consertar o que está
errado.
“Tem vontade de mudar o mundo”.
“Tem vontade de mudar o comportamento do mundo, as coisas
que estão erradas”.
“Vê que o mundo está errado e quer mudar as pessoas”.
O doente é representado também como um ser magoado, incompreendido, isolado, estigmatizado por ele próprio e
pelos outros.
“Se comporta sentida, sentida consigo mesma e distante
das amizades, porque as pessoas acham que quem tem problemas são as piores
criaturas, então chegam ao ponto de viver magoados, não ter amizade com as
pessoas”.
“Tem aquele lance de isolamento social, não gosta de
ficar no meio das pessoas”.
“Se comporta quietinho, mudado, acha que é diferente
dos outros”.
Alguns depoimentos ressaltam a forma
extremada com que alguns doentes mentais se comportam, alguns são calados
demais, outros falam demais, alguns são agressivos demais, outros pacatos,
retardados demais. As vezes tristes demais outros alegres demais. As vezes
choram sem parar
“Há aqueles que falam demais, até irritam a gente. Tem
aqueles que brigam e matam. Uns riem sem parar outros choram e outros ficam
tristes demais”.
Para os sujeitos entrevistados
existem graus de doença. Uns são mais doentes que outros. Depende do grau a
pessoa pode parecer normal.
“Tem grau de doente mental, tem uns que são maiores e
outros menores: há pessoa que tem um grau pequeno de doença mental, ela
aparenta uma pessoa normal e não é ”.
Fica evidente na maioria das falas
que os sujeitos acham que o doente mental é um doente muito estigmatizado, que
existe muito preconceito em relação a doença e ao doente.
“Tem um certo preconceito”.
“É muito discriminado; as pessoas discriminam muito,
muito discriminado”.
“Tem muito preconceito e discriminação contra o doente
mental, as pessoas procuram evitar, se esquivam, se afastam, parece que tem uma
doença grave”.
O preconceito é percebido como algo
que isola o doente, que o marginalizam, sentindo-se com isso muito desprezados.
“Muito preconceito, até os parentes evitam”.
“A sociedade fica meio retraída, eles pensam que a gente
vai agredir, usar de violência, eles tem cisma”.
“Eu noto pelos nos meus colegas, vizinhos, eles ficam
todos assim, não tem amizade, tem medo de que eu possa me tornar violento,
essas coisas”.
“Muito preconceito as pessoas costumam se afastar, até
mesmo os parentes”.
“As pessoas desprezam, é unilateral, o doente mental é
unilateral”.
Os sujeitos afirmam que ser um
doente mental traz muitas conseqüências para o relacionamento, um deles é a
falta de respeito e o outro é o fato de virar bode espiatório. Vêem a doença
como algo criado pela própria sociedade.
“Sentem preconceito, chamam de louco, maluco, mexem com o
doente mental. Tudo o que acontece na casa é
culpa dele, tudo o que acontece na rua é culpa dele”.
“As pessoas tendem a criar a loucura dentro do ser
humano, eles acuam essas pessoas, por isso elas agem desse modo”.
“É uma doença muito visada. Só de falar que faz
tratamento com psiquiatra já é considerada um a pessoa louca, mas se for com o
psicólogo é chique”.
Os sujeitos sentem que existem
pessoas que aceitam o doente mental e até os apoiam, porém, existe ainda muito
preconceito.
Os sujeitos acreditam que as vezes
as pessoas sentem tristeza e angustia frente ao doente mental e por isto não se
sentem bem. Por outro lado acreditam, também, que as vezes o comportamento do
próprio doente não ajuda. Entendem que o doente as vezes causa insegurança e
medo nas pessoas.
“Eu acho que as pessoas entendem, agora falta também por
parte da pessoa que sofre, saber se controlar e se conformar com o problema que
tem, para que não chegue ao ponto de desesperar, e fazer bobagem na vida , e
fumar cigarro e beber bebida, viva com segurança no lar e viver desorientado
com a família e com os amigos”.
“As pessoas sentem tristeza e angústia de ver o doente
mental, as pessoas não se sentem bem perto deles”.
“Algumas pessoas não gostam dos doentes mentais, tem
medo, evitam”.
Alguns sujeitos falam da rejeição de forma mais acentuada dando a elas
uma conotação de revolta. Sentem-se traídos, menos prezados, incompreendidos e
rejeitados.
“Os doentes mentais são rotulados, as pessoas agem de uma
forma na frente e outra atrás.
“A gente é muito discriminado pela sociedade”.
“As pessoas não sentem dó do doente mental não, porque
eles não tem doença física, só psicológica”.
“As pessoas não gostam muito deles, porque eles são
diferentes, as pessoas tem medo”.
“As pessoas não gostam do doente mental, tem medo deles,
evitam”.
De modo geral, as resposta à questão
sobre o que é o doente mental, incluem os aspectos de ordem orgânica,
psicológica e social. Alguns sujeitos responderam o que é um doente mental
outros o que é a doença mental. Em termos orgânico temos que o doença mental
afeta estruturas do cérebro como por exemplo válvulas. A doença aparece, ainda,
como causada pelo desenvolvimento de toxinas
no sangue, por alguma deficiência (que a pessoa esta apresentando no
momento) ou debilitação física, mental e social.
“Pessoa com problemas de cabeça”.
“A doença mental afeta uma válvula do cérebro”.
“A doença mental é causada por uma toxina no sangue”.
A doença e o doente mental também
foram relacionados por sintomas mentais como: depressão, delírios,
esquecimentos, descontrole ou desequilíbrio.
“Pessoa que tem problema de memória”.
“É uma pessoa que tem alguma depressão
“ É uma pessoa que perdeu o raciocínio”.
“É uma pessoa que ouvi vozes”.
“É uma pessoa ansiosa”.
“pessoa que não
consegue mais coordenar a vida no dia a dia”.
“Que não tem condições de fazer mais nada”.
“Que está louca, doida”.
Os sujeitos representam ainda a
doença como uma incapacidade em vários sentidos por exemplo: em termos de
realização, segurança, responsabilidade.
“É a pessoa que perdeu a noção “.
“É a pessoa que não tem noção da vida”.
“Pessoa que não tem capacidade de se cuidar sozinho”.
“Pessoa que fica dependente”.
“Pessoa que não consegue levar a vida como antes”.
“Pessoa que deixou de ser normal”.
“Pessoa que está presa ao passado, onde a vida era mais
fácil”.
A doença e o doente são vistos
também com uma conotação pejorativa e discriminatória.
“É uma pessoa que possui uma energia oposta e que gera
sentimentos negativos”.
“É uma pessoa bastante discriminada”.
“É uma pessoa que a sociedade acha diferente”.
“Uma pessoa diferente das outras”.
“Uma pessoa que não se pode confiar mais nela”.
Constatou-se, também, uma certa
tendência dos sujeitos a expressarem sentimentos em relação à necessidade do
doente mental, por exemplo:
“É uma pessoa que necessita receber apoio”.
“O doente mental é uma pessoa que necessita de
assistência”.
“É uma pessoa que tem que receber cuidados especiais”.
“Que tem que tomar remédio certinho para melhorar”.
“O doente mental tem que fazer tratamento senão não
melhora”.
No decorrer dos depoimentos,
percebe-se que os sujeitos as vezes falam do outro , não de si, da doença do
outro não da sua, das condições dos doentes mentais, não da sua própria
condição, porém revelando como na realidade se sente um doente mental.
“O doente é uma pessoa diferente das outras, não é igual
a nós.
“É uma pessoa que não consegue levar a vida normal como
nós”.
O doente mental assim como a doença,
foi também associado ao deficiente mental.
“Pessoa diferente”.
“Pessoa que não aprende, não aprende a ler, não sabe
escrever, não desenvolve a memória”.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os sujeitos entrevistados
expressaram em seus depoimentos os seguintes conceitos:
- o doente mental se sente um ser diferente ou transformado. Não é mais
o que já foi. É um ser meio mágico, meio especial, as vezes “poderoso” (as
vezes pode tudo), às vezes impotente (não pode nada);
- é um ser com problemas e sintomas:
emocionais, físico, psicológico e sociais; ouve vozes, vê o que não existe,
fica cansado, esgotado, tem sentimentos retraídos, vive só o cotidiano,
acredita que tudo isto influi no seu cérebro. Tem medo, sofre dos nervos, tem
insegurança, ciúmes. É um doente da cabeça, não pensa direito, não tem forças
para reagir, sente solidão, rejeição e estigma. É um ser triste, meio esquecido
pelos outros. Quanto ao comportamento: faz coisas sem pensar, é agressivo, se
isola. Não trabalha, é desanimado, fica alheio aos acontecimentos e limitado em
suas atividades, não tem uma vida normal - se comporta diferente dos outros;
- age de maneira estranha. Se
comporta sentido, magoado consigo e com os outros. Sempre com humor instável.
Quase não se alimenta. Não dá valor a vida. Não vê sentido na vida. Chora
muito, bate nas pessoas, as vezes grita e fica bravo. Não gosta de ficar no
meio das pessoas. É um ser que tem vontade de mudar o mundo, mudar o
comportamento das pessoas, mudar o que está errado;
- a doença mental é definida como
sendo gradual. Tem grau de doente mental. Há pessoas que têm um grau pequeno de
doença mental, aparentando uma pessoa normal;
- o doente mental fala do seu
sofrimento em relação ao preconceito e o estigma da doença, como sendo um ser
muito discriminado que as pessoas evitam, se esquivam, se afastam, é como se
tivesse uma doença grave;
- o doente mental é um ser
estigmatizado pelos próprios parentes e pela sociedade. Os outros pensam que
vão ser agredidos pelo louco, que o louco vai usar da violência, as pessoas têm
cisma do louco;
- o doente é visto também como bode
expiatório e diz em seus depoimentos que os colegas e vizinhos tem medo que ele
possa tornar-se violentos, por isso se afastam, desprezam-nos,
estigmatizam-nos. Sente-se as vezes desafiado, xingado e maltratado na rua.
Tudo o que acontece é culpa dele.
Concluem que a loucura é uma doença muito visada e
que os sujeitos não fazem uma imagem positiva da doença e do doente mental. A
única conotação “positiva” é a de
“reformador” ou seja da necessidade de mudar o que considera errado no mundo.
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31-43, janeiro 1995