Lendas

As causas das secas do Ceará
Há muito tempo, os cearenses resolveram que iriam expulsar Bom Jesus, não se sabe qual o motivo. Depois de muita conversa, foi decidido que ele seria mandado embora por mar. Para isso, construíram uma jangada, e nela colocaram o santo com tudo que achavam necessário para a longa viagem. Então, a jangada foi para o mar. Porém, o santo sentiu sede, e os cearenses esqueceram de levar para a jangada as garrafas de água fresca.
Por causa desse infeliz esquecimento, o santo passou uma terrível sede. A tal ponto que, apesar de sua infinita bondade, chegou a dizer essas palavras amargas: - Ô, ingratos filhos do Ceará, chegará o dia em que também vocês não terão água para beber quando sentiram sede! E assim, até hoje, o Ceará passa por constantes e terríveis secas.

A lenda do açúcar e da cachaça
Jesus Cristo passava por uma estrada e, debaixo de sol forte, morria de fome e de sede. De repente, avistou um canavial. Então, sentou-se numa sombra entre as folhas, refrescou-se do calor, descansou, chupou uns gomos e matou a fome. Ao sair, abençoou as canas, prometendo que delas o homem havia de tirar um alimento bom e doce.
No outro dia, na mesma hora, o diabo saiu do fogo do inferno, com os chifres e o rabo queimados. Galopando pela estrada, foi dar no mesmo canavial. Mas, desta vez, as canas soltaram pelos e o caldo estava azedo, e queimou-lhe a garganta. O diabo, furioso, prometeu que da cana o homem tiraria uma bebida tão ardente como as caldeiras do inferno. É por isso que da cana se tira o açúcar, bênção de Nosso Senhor, e a cachaça, maldição do diabo.

A moça lua
Naquele tempo não existiam estrelas ou lua. E a noite era tão escura que todos se encolhiam dentro de casa com medo dela. Na tribo, só uma índia não tinha medo. Ela era uma índia clara e muito bonita, mas era diferente das outras. E por ser diferente, nenhum índio queria namorar com ela, e as índias não conversavam com ela. Sentindo-se só, começou a andar pelas noites. Todos ficavam surpresos com aquilo, e quando ela voltava, dizia a todos que não havia perigo. Mas havia outra índia, feia e escura, que ficou com inveja da índia clara. E por isso, tentou sair uma noite também. Mas não conseguiu enxergar na escuridão e tropeçou nas pedras, cortou os pés nos gravetos e se assustou com os morcegos. Cheia de raiva, foi conversar com a cascavel.
- Cascavel, quero que morda o calcanharr da índia branca para que ela fique escura, feia e velha, e que ninguém mais goste dela. Na mesma hora, a cascavel se pôs a esperar a índia clara. Quando ela passou, deu o bote. Mas a índia tinha os pés calçados com duas conchas e os dentes da cobra se quebraram.
A cobra começou a amaldiçoá-la e a índia perguntou porque ia fazer aquilo com ela. A cascavel respondeu: - Porque a índia escura mandou. Ela não gosta de você e quer que você fique escura, feia e velha. A índia branca ficou muito triste com tudo aquilo. Não poderia viver com pessoas que não gostassem dela. E não agüentava mais ser diferente dos outros índios, tão branca e sem medo do escuro.
Então, fez uma linda escada de cipós e pediu para que sua amiga coruja a amarrasse no céu. Subiu tanto, que ao chegar ao céu estava exausta. Então dormiu numa nuvem e se transformou num belíssimo astro redondo e iluminado. Era a lua. A índia escura olhou para ela e ficou cega. Foi se esconder com a cascavel em um buraco. E os índios adoraram a lua, que iluminava suas noites, e sonharam em construir outra escada para poder ir ao céu encontrar a bela índia.

A rede de dormir
Há muito tempo atrás, os homens dormiam no chão em cima de folhas ou de paus. Mas o índio Tamaquaré não queria dormir no chão com medo de que os animais o machucassem. Então, teve uma grande idéia e foi pedir ajuda para seu amigo tucano. Os dois amarraram cipó, fazendo um lindo trançado, e construindo assim uma rede. O pajé Tamaquaré pôde então dormir pendurado, protegido dos animais. E ele pediu para o tucano não contar aquele segredo para ninguém:
- Esse segredo é meu! Eu tive a idéia ee não quero que os outros índios saibam e fiquem falando que eu tenho medo dos bichos! Mas o tucano, que naquele tempo tinha o bico curto e podia falar, acabou contando o segredo para todos os índios da tribo. O pajé, zangado com a traição, puxou o bico do tucano. Este ficou muito comprido, e o tucano não conseguiu mais falar.

O bode preto
No sertão existe um inseto que habita o subsolo, e fura o terreno para abrigar-se. A terra extraída do lugar em que escava, lembra a forma do fundo de uma garrafa. Diz o caipira ser a pegada do duende. O povo acredita que entes andam nas sextas-feiras santas em encruzilhadas onde os caminhos se bifurcam, à meia-noite, com o gênio do mal, metamorfoseando-se em um grande Bode Preto, conquistando a felicidade em troca da alma e selando com algumas gotas de sangue contratos macabros minutados pelo próprio demônio.

Para isso, porém, é preciso que o aspirante à felicidade seja dotado de grande fortaleza d'alma para que o Sujo não lhe pregue alguma peça, como sucedeu a um que combinara firmar contrato com o Espírito das Trevas e lhe entregava a alma com a condição deste de fazê-lo invencível no jogo do facão.

Combinaram que o Diabo o ensinaria e o familiarizaria com todos os truques do jogo. O aspirante, por maior que fosse o aperto, não poderia chamar pelo nome de santo algum.

Em meio da lição, porém, tal foi a conjuntura, ameaçado pelos coriscos do Diabo, que olvidando a combinação, a um bote que lhe deu o macabro professor, num salto à retaguarda, irrefletidamente, exclamou:
-São Bento!!!
-Serás molambento, urrou o Diabo, soverrtendo-se pelo chão a dentro.
Desde então o triste viveu andrajoso: não havia roupa que o agüentasse, por mais forte e bem tecido que fosse o pano e, apoupado, viria a arrastar seus molambos com a alma entregue ao Diabo, sem a compensação que ambicionava.

Samambaia - açú
Planta que nasce nas florestas virgens, cuja fruta amadurece e cai nas sextas-feiras santas, à meia-noite.

Quem dela se apossar obterá riquezas; porém, é preciso ser dotado de muita bravura, pois ela pertence ao Diabo, que, nesse dia, aguarda o seu amadurecimento para levá-lo consigo.

Quem ambicionar que cave o solo, em torno da árvore, desenhando o signo-de-são-salomão de sete cruzes e se coloque dentro do desenho, para se livrar das garras do tinhoso, que se enfurece por não colher a fruta talismã.

Corpo seco
Homem que passou pela vida semeando malefícios e que sevidiou a própria mãe. Ao morrer, nem Deus nem o Diabo o quiseram,e a própria terra o repeliu enojada de sua carne,e um dia, mirrado, defecado, com a pele engelhada sobre os ossos, da tumba se levantou em obediência ao seu fado, vagando e assombrando os viventes na calada da noite.

Conta-se no sertão que pobre mulher, certa vez, amadora dos bons guisados de urupês (orelha de pau), vagava pela mata para colher os apetecidos quando deparou com um pau-piúca caído, onde abrolhavam os saborosos parasitas. Colhia-as quando, no desvendar a parte extrema do madeiro, se tomou de pavor e muito susto ante dois olhos escarninhos que a fitavam, e disparou a correr desorientada sob o riso cachinado do Corpo Seco a chancear da peça que pregou.

Outras Lendas

Alamoa
É o vulto branco de mulher linda, nua, loura, que aparece a dançar na praia, iluminada pelos relâmpagos de tempestade próxima. Reside em um dos picos da ilha, para onde leva os homens que se apaixonam por ela. Aí transforma-se em caveira. Na ilha de Fernando de Noronha.

Anhangá
Veado com olhos de fogo, que além de enganar os caçadores, desviando o tiro de suas armas rumo às pessoas queridas, traz febre e loucura em que o vê; visagem ou fantasma de tatu, pirarucu, tartaruga, boi, cachorro e mesmo gente. Mito geral no Brasil.

Barba Ruiva
Homem encantado. Tem cabelos e barbas avermelhados, ruivos. Costuma aquecer-se ao sol, deitado na areia da lagoa. Quando sai da água, apresenta barba, unhas e peito cobertos de lodo e lama. Gosta de pegar mulheres para abraçar e beijar. Não faz mal a ninguém. Vive na lagoa de Paranaguá, no Piauí.

Bicho-Homem
Grande, atlético, feroz, com um olho só e apenas um pé, que forma no chão uma pegada redonda. Tem dedos monstruosos e aguçadas unhas. É capaz de derrubar a murros uma montanha, beber rios e transportar florestas. Vive escondido nas serranias. É devorador de homens. Corrente, em variantes, no Brasil inteiro. Habita as serras e penhascos do Ceará.

Boitatá
Serpente de fogo, que reside na água. Cobra grande que mata os animais, comendo-lhe os olhos; por isso fica cheia de luz de todos esses olhos. Touro ou boi que solta fogo pela boca. Espírito de gente ruim, que vaga pela terra, tocando fogo nos campos ou saindo que nem um rojão ou tocha de fogo, em variantes diversas. Mito geral no Brasil.

Boto
Peixe do Rio Amazonas, transmudado em homem, e tido por incorrigível conquistador de mulheres. Torna-se caboclo alegre, forte e grande amigo de danças. Sempre, porém, de chapéu na cabeça, para que não vejam o orifício por onde respira. Na qualidade de boto, assalta as canoas que têm mulheres grávidas. É considerado o pai de muitas crianças que nascem por aquelas regiões amazônicas.

Bruxas
Além dessas alusões, tomam vulto, na imaginação do caipira, crenças na existência de bruxas, velhas e fanáticas harpias, estriges famélicas, que se ajudam de bom vinho e sugam, à noite, o sangue das crianças não batizadas. Esconjuram-nas as mães. Para afugentá-las, trazem uma vela benta acesa durante a noite toda, sob o leito do filho, e uma tesoura aberta em forma de cruz.

Cabeça de Cuia
É um homem alto, magro, com grande cabeleira sobre a cabeça em forma de cuia. Devora de sete em sete anos uma mulher chamada Maria e também meninos que nadam no rio. Torna-se terrível nas noites de sextas-feiras. No rio Parnaíba, Piauí.

Capelobo
No Maranhão, parece uma anta. Tem pelos longos e negros e patas redondas. A cabeça termina por um focinho como o do porco ou cachorro. Pode ter um só pé, na forma de fundo de garrafa. Alimenta-se de cães e gatos recém-nascidos. Indígenas velhos transformam-se em Capelobo. Conhecido também na região do Araguaia

Curupira
Este mito que protege nossa fauna e nossa flora, que desorienta o caçador predador, que parte o machado de quem abater árvores sem necessidade. Ele que permite através da preservação da natureza, que se preserve assim também pelo maior tempo possível a espécie humana. Entidade mítica de idealização folclórica de procedência tupi-guarani (de "curu"- corruptela de curumim + "pira" = corpo, corpo de menino), com ligações originárias ao homem primitivo e de atributos heróicos na proteção da fauna e da flora. Tem como principal signo a direção contrária dos pés em relação ao próprio corpo, o que constitui um artifício natural para despistar os caçadores, colocando-os numa perseguição a falsos rastros. Possui extraordinários poderes e é implacável com os caçadores que matam pelo puro prazer de fazê-lo

Famaleal
Diabinho minúsculo, que se guarda dentro de uma garrafa. Quem possui o Famaleal enriquece milagrosamente, mas tem que pagar com sangue todas as sextas-feiras, os juros da preciosa relíquia. É preto e tem pés de pato. Nasce do ovo de franga preta, chocado embaixo dos braços. Conhecido em Minas Gerais.

Fogo-Fátuo
A mulher que avilta o leito conjugal, transformando-o em latíbulo, no qual recebe o padrinho do seu filho, não só ela, também o amante se transformam em fachos de fogo. Correm por cima da casa em que moraram, quando vivos, caminham um para o outro e, no encontro chocam-se e chispas, fagulhas rútilas aparecem perseguindo os noctívagos transeuntes para lhes roubar a vida. Chamam-na os caipiras Botatá - Bitatá ou mais apropriadamente Boitatá.

Lobisomem
Caboclo opilado, extremamente descorado, ressequido e de sombrio aspecto, produto do sétimo parto, às sextas-feiras, à meia-noite, procura os galinheiros, onde se esponja nas fezes e se alimenta das mesmas, metamorfoseando-se em um grande cão de enormes orelhas pendentes, que estralam no calor da carreira na qual sai o desgraçado para percorrer sete bairros antes do nascer do sol, em cumprimento ao seu triste fadário.

Mula-sem-Cabeça
Mula mesmo, sem cabeça, negra, com uma cruz de cabelos brancos. Tem um facho luminoso na ponta da cauda. Mata quem encontra a coices. Desencantada, é uma linda mulher nua, que tem amores criminosos. Mito geral no Brasil. Concubinas de clérigos transformam-se em Mula-sem-Cabeça. Quem tiver a desdita de encontrá-lo, ouvindo-lhes o silvo tétrico e estridente, deve ocultar as unhas que para elas têm extraordinário brilho e as atraem.

Papa-figo
Negro velho, sujo, vestindo farrapos, com um saco. Pode ser pálido, esquálido, com barba sempre por fazer.Atrai crianças, para comer-lhes o fígado, com momices ou mostrando-lhes brinquedos. Costuma ficar à saída das escolas, jardins e parques. Conhecido em todo o Brasil.

Porca-dos-sete-leitões
Na versão paulista, é uma porca que vive com seus sete leitõezinhos, andando pra lá e pra cá. Era uma rainha que possuía sete filhos e que foram com ela transformados no que são agora, por vingança de um feiticeiro. Transformada em porca, muito alva, solta fogo pelos olhos, nariz e boca. Vive perto dos cruzeiros de estrada.

Saci-Pererê
Pretinho arteiro, de olhos carburantes e barrete de rubra cor à cabeça, traquinando e assobiando pelas estradas em horas-mortas, a pelear, maldosamente, com suas travessuras, os animais e a trançar-lhes as crinas. Com efeito, o viajante que, no sertão, ao cair da tarde, cochilando o seu cansaço, as pernas lassas, caídas sobre as espendas da sela, busca o pouso para descansar os membros doridos da jornada, ao encilhar a montaria, na manhã seguinte, para seguir viagem, encontrará muitas vezes, a crina do animal emaranhadamente trançada