D.
Mariquinha foi ao "Encontro"
MARY SCHULTZE
D. Mariquinha, uma senhora aposentada de 60 anos, com ótimo
embasamento intelectual e teológico, alistou-se entre as ovelhas
que seguiam para o "encontro" (uma espécie de
matadouro psicológico), achando que iam em busca de um ilimitado
"poder espiritual".
Em sua igreja houve um tremendo "lobby" em favor
desse "encontro". O pastor queria encher a igreja, de
qualquer maneira, e os promotores haviam lhe prometido que se ele
se tornasse um "semeador de sonhos" sua Igreja passaria
de 200 para 2.000 membros, em poucos meses. Afinal de contas,
dizia o promotor do tal encontro, seu carro tem 10 anos de uso e
o irmão, com a igreja lotada, poderá "ceifar" um
"Mercedes Benz 300" rapidamente, porque Jesus "veio
para dar vida em abundância, através da fé que transforma os
sonhos em realidade" e nesse "encontro" recebe-se
o passaporte para a dimensão espiritual do "Rhema"
onde todo sonho logo se materializa.
D. Mariquinha foi e as coisas aconteceram mais ou menos assim:
- Viagem de ônibus lotado, com todos os participantes em
clima de euforia, quase idêntica àquela dos torcedores
do Flamengo, em dia de "Fla-Flu".
- Palestra ministrada por um preletor já "condicionado"
em "encontros" anteriores e habilitado para
agir "com mais poder do que o próprio Cristo",
ensinando como todos os que ali se encontram poderão
receber também esse poder "he-man-ista".
Exatamente como Jacó recebeu na ida e na volta de Harã,
lutando com o Anjo de Deus e vencendo, porque uma perna
coxa era o mínimo, comparado à "fartura espiritual"
recebida no vau do Jaboque.
- D. Mariquinha recebeu a promessa de que ao participar do
"encontro" estava se capacitando a ser "um
guia de multidões". Todos os que ali estavam iriam
ficar libertos da cegueira espiritual, distanciando-se
das coisas terrenas e voando para o alto.
- Lá pela quinta palestra do "encontro", D.
Mariquinha foi induzida a fazer "regressão
espiritual" e, em seguida, "visualização",
o que ela fez de mentirinha, para não chamar a atenção
dos "espias do encontro", que ali se postavam,
a fim de observar se havia algum mágico rebelde (tipo
Janes e Jambres) no meio dos participantes.
- D. Mariquinha teve de confessar todos os pecados a um
hippie, ali presente. Só que ela contou umas faltinhas
bobas, porque seus pecados ela confessava mesmo era a
Deus, diariamente, antes de se deitar, e depois de ler a
sua amada Bíblia "Fiel" ao "Textus
Receptus", uma tradução da King James, que é a
melhor de todas. Quando o preletor veio ungi-la com
"óleo santo", ela sentiu um tremendo cheiro de
azeite de oliva e, como é perita em cosmetologia, pensou:
"se pelo menos eles tivessem usado uma boa fragrância
de rosa oriental combinada com lavanda suíça, que
juntas dão um cheiro de manga rosa brasileira, seria bem
melhor do que esse ranço de salada... Mas isso custa
caro!"
- Agora era a vez de "visualizar" a vida de Jesus.
D. Mariquinha, que fora católica por mais de 40 anos,
viu logo que aquilo era uma cópia exata das "vias
sacras", que era obrigada a fazer, antigamente,
sendo que na semana santa tinha de fazer todo dia, a fim
de receber indulgências e se livrar das penas do purgatório.
Ela pensou: "Enquanto o Pe. Marcelo copia os evangélicos
neo-pentecostais no rebolado, os neo-pentecostais copiam
o catolicismo nas doutrinas mitológicas e no ocultismo
de Loyola".
- Quando chegou a hora de queimar, na imaginária fogueira,
todos os símbolos de Nova Era, ela pensou: "ora
bolas, isso aqui é um legítimo encontro novaerense. Então,
como eles podem mandar queimar os seus próprios símbolos?...
Isso é casa dividida!"
- Na hora de receber o "batismo no Espírito Santo",
D. Mariquinha, sabendo que já o recebera ao aceitar
Cristo como Salvador e Senhor de sua vida, não conseguiu
falar em línguas estranhas, mesmo porque não lhe
interessava virar poliglota depois de velha! Quando o
preletor deu-lhe um suave empurrão na testa, nossa
velhinha rebelde caiu "de mentirinha", de
costas, e ficou atenta, esperando o "filme"
acontecer.
- Mais tarde, quando ia andando pelo jardim do casarão
usado para o "encontro", ela viu um garoto com
olhos esgazeados, gesticulando, gritando, se torcendo e
repetindo o tempo inteiro: "o encontro é tremendo!
Eu quero é Deus!". Esse garoto fora sem dúvida
condicionado pelos preletores, através de tantos chavões
repetidos paulatinamente, de tantos "efeitos
especiais" de luzes, cânticos e trechos bíblicos
fora do contexto, usados para indução dos participantes.
Ela pensou: "Meu Deus, isso é apostasia berrante!"
- Agora chegara a hora do culto final, na igreja ali perto.
Todos cantavam, batiam palmas, dançavam, gesticulavam,
se "desvairavam" em nome de Jesus, exatamente
como foliões em desfiles de carnaval. As duas frases
mais enfatizadas nesse encontro foram: "obedecer
cegamente" (aos guias) e "não falar sobre as
suas particularidades com estranhos", mesmo porque
se as "novidades" forem divulgadas os
organizadores/semeadores de sonhos não poderão encher
suas igrejas e, consequentemente, os seus bolsos.
- Saindo dali, quase todos se transformarão em "harekrishnas"
evangélicos, sentindo-se na obrigação de promover o
"encontro".
- Quem lê, estuda e pesquisa a Palavra de Deus não cai em
armadilhas desse tipo. Esse movimento, conforme citação
de um líder evangélico psicanalista, muito conceituado,
é uma espécie de ressurreição da "Igreja do Povo",
de Jim Jones. E todos devem se lembrar, ainda, do que
aconteceu com as centenas de robôs espirituais desse
falso profeta, na famigerada tragédia da Guiana. Ah!
logo depois, D. Mariquinha foi excluída de sua igreja
por não ter apreciado o "encontro"...
O pior é que, só de escrever sobre esse "encontro",
que tanto enfatiza o número 12, eu já estou ficando "duziomaníaca"!
Mary Schultze é pesquisadora de religiões.