Dia Internacional da Fotografia:
160 anos de muita história e reflexao
por Etel Reis
Hoje, 19 de agosto, é o Dia Internacional da Fotografia, e neste ano de 1999, a fotografia está completando o seu 160º aniversário. Uma vida cheia de histórias e reflexoes. Atualmente a fotografia é considerada uma matéria interdisciplinar, pois várias disciplinas fazem com a fotografia uma simbiose perfeita e integrada. A antropologia, a sociologia, a história, a filosofia, a arte, a estética sao algumas dessas disciplinas. Na realidade, existem mais de 30 ramos técnicos aparentados com a fotografia. Desde a fotografia astronômica até a microscópica, seu emprego é vastíssimo, e aplica-se a uma lista enorme de atividades. A partir da fotografia surgiram os meios de comunicaçao mais importantes da nossa era: o cinema, a televisao, o vídeo, e outros. Graças à fotografia se conseguiu avançar no diagnóstico de muitas doenças: as radiografias, as tomografias e as ultassonografias sao bons exemplos disso. Hoje, através da fotografia conhecemos outros planetas. Descobrimos as mais perfeitas falsificaçoes de obras de arte. Fotocopiamos tudo que queremos numa máquina da Xerox. Monumentos e templos sao reconstituídos. Tudo isso, graças ao desenvolvimento tecnológico da fotografia. A sua história
é um documento representativo de uma época tecnológica em que a fotografia é parte integrante, e ao mesmo tempo, é testemunha, registrando todos os fatos como documento.
A descoberta
O dia 19 de agosto de 1839 foi a data oficial da invençao da fotografia - patenteada pelo francês Louis Jacques Mandé Daguerre - na cidade de Paris. Naquela época, ela se chamava daguerreótipo, em homenagem ao seu inventor. A imagem era formada sobre uma placa de cobre, revestida por uma camada de prata bem polida e sensibilizada por vapor de iodo. Após a exposiçao, a placa era revelada em vapor de mercúrio e fixada em soluçao de tiossulfato de sódio. A delicada imagem formada na superfície de prata polida era protegida por um vidro e, geralmente, colocada num estojo decorado. Devido à sua superfície polida, a imagem era vista como positiva quando refletia um fundo escuro ou negativo quando refletia um fundo claro.
Embora Daguerre tenha ficado com todas as glórias, o primeiro a registrar e fixar uma imagem através de uma câmara escura foi o francês Joseph Nicéphore Niepce, em 1826, mas este veio a falecer no ano de 1833.
A divulgaçao do novo invento gerou controvérsias e reinvindicaçoes. Vários cientistas tinham invençoes paralelas, que se assemelhavam ao invento divulgado. Dentre eles um francês radicado no Brasil, Antoine Hercule Florence. Segundo o professor Boris Kossoy - que em 1976 investigou e comprovou as invençoes sobre Hercules Florence - ele foi o percursor da invençao da fotografia no mundo todo, pois suas pesquisas datam do ano de 1833, seis anos antes de Daguerre e dos outros que reinvindicaram a sua invençao.
Hoje na Enciclopédia e Dicionário Internacional, o verbete Florence, Hercule, está assim registrado:
"... Deve-se-lhe a descoberta da polygraphia e da photographia (1832), porque os trabalhos de Niepce, Daguerre, Fox Talbot, Poitevin sao de 1833, 1834 e 1850". (Enciclopédia e Dicionário Internacional. Rio e N. York, Jackson Inc., 20 vols., s. d., vol. VIII, p. 4722).
No entanto, o desconhecimento ou reconhecimento deste fato é geral, tanto em âmbito internacional como nacional.
A pré-história
A fotografia tem uma pré-história que remonta ao século XVIII, com a fantasmagoria, a lanterna mágica, o diorama, a câmara escura, a câmara lúcida - todos procedimentos utilizados para contemplar imagens e copiar a natureza de um modo fidedigno. Podemos dizer que estes sao alguns dos antecessores da fotografia.
Antes disso o famoso Aristóteles (384-322 aC) e o próprio Leonardo da Vinci (1452-1519) já falavam da possibilidade de conservar a configuraçao do Sol e da Lua, observados através de um buraco sem forma determinada. As anotaçoes de Da Vinci eram mais precisas, mas nao foram divulgadas até o final do século XVIII.
A evoluçao histórica
Ao analisar a evoluçao que a fotografia percorreu, desde a sua pré-história até hoje, podemos observar que possuir e dominar uma imagem sempre esteve vinculado à intervençao ativa dos acontecimentos sociais. Desde a primeira imagem encontrada nas cavernas até o advento da fotografia o marco definitivo no desenvolvimento da imagem - e depois de um modo mais acelerado até a imagem digital , tudo foi uma sucessao de importantes fatores sociais, econômicos e políticos.
A fotografia nasceu moderna por suas próprias características, nunca deixando de evoluir técnica e esteticamente falando. Ela fez com que as artes plásticas daquela época se remodelassem, se reprogramassem, principalmente a pintura, buscando novos caminhos que levaram ao impressionismo, ao cubismo, enfim à arte abstrata. As polêmicas entre fotógrafos eram interessantes porque se adiantavam a muitas soluçoes dos pintores de vanguarda, e também porque de suas discussoes nasceram os códigos cinematográficos e fotonovelísticos, que constituem a base dos modos de relaçao na sociedade contemporânea.
A fotografia no Brasil
A história da fotografia no Brasil é bastante peculiar em alguns aspectos. Além de ter um descobridor isolado da fotografia, outro aspecto curioso foi ter como primeiro fotógrafo, oficialmente conhecido, um monarca: Dom Pedro II. Segundo o autor Pedro Vasquez, ele foi o primeiro fotógrafo monarca conhecido no mundo.
As primeiras demonstraçoes foram realizadas no Rio de Janeiro, pelo abade francês Louis Compte, no dia 17 de janeiro de 1840. Em menos de nove minutos foram registrados o Paço da Cidade, a Praça do Peixe e o Monastério de Sao Bento, com tanta precisao, que pareciam feitos pela própria natureza.
Em março deste mesmo ano, o imperador D. Pedro II adquiriu seu equipamento de daguerreótipo - diretamente de Paris por 250 mil réis motivado pelas demonstraçoes do abade francês. Durante toda a sua vida, ele manteve uma estreita relaçao com a fotografia, como praticante, colecionador e mecenas. No Arquivo Nacional da Biblioteca Nacional, no Rio de Janeiro, estao relacionadas todas as suas contribuiçoes à cultura, com especial dedicaçao à fotografia até 1889, o último ano do seu governo.
Naquela época, muitos fotógrafos estrangeiros visitavam o Brasil e moravam aqui por alguns meses, fazendo incursoes pelo interior do país, em busca de imagens exóticas, geralmente, paisagens e personagens típicos, como os escravos e os índios.
Apesar de no começo a aceitaçao da fotografia ter sido praticamente imediata ao seu descobrimento, passada a primeria fase do descobrimento, o entusiasmo e as iniciativas de alguns pioneiros, nao houve uma estrutura suficiente que possibilitasse o contínuo avanço da fotografia no Brasil. Isso ocorreu devido a vários fatores, dentre eles a vasta extençao do país, seu atraso cultural e distância dos grandes centros europeus, a presença de uma populaçao escrava e as constantes crises econômicas que já vivia o país.
No entanto, a qualidade técnica e artística de alguns fotógrafos pioneiros no Brasil é notória. No Rio de Janeiro destacamos os fotógrafos Marc Ferrez, Joaquim Insley Pacheco, George Leuzinger, Juan Gutierrez, Augusto Malta, e em Sao Paulo, Vincenzo Pastore, Guilherme Gaensly, Militao Augusto de Azevedo, e outros.
A fotografia em Goiás
Segundo o autor Elder Camargo de Passos, na cidade de Goyaz, antiga Capital do Estado, o trabalho de levantamento sobre a história da fotografia se desenvolveu através de pesquisas em albúns de famílias e nos jornais existentes no final do século XIX e início do XX.
Vários fotógrafos do Rio de Janeiro, de Sao Paulo e até estrangeiros foram os pioneiros da fotografia na cidade de Goiás. O primeiro fotógrafo que aparece atuando é J.S. Soares (José Severino Soares), pelo grande número de fotografias carimbadas com o seu nome no ano de 1877.
Logo a partir do ano 1883 aparecem outros nomes como Joao Crisostomo Moreira (Photographia Goyana); Alexandre Filemon Bernard (Photographo); J. Filemon (Photographia Central - Goyaz-Brasil); Philemon & Dores (Photographos e Dentistas - Goyaz); e já no começo do século XX, aparece o nome de José Alencastro Veiga (Photographo Goyaz Conserva-se os clychés para reproduçao).
O jornal A Imprensa, nº 139 de 19/01/1907, estampa o seguinte anúncio:
"Atelier Photográphico Se executa qualquer trabalho em todos os systemas. Aproveitem. Retratos em tamanho natural a 50$000 perfeitamente executados na "The American Color Reproducion" dos Estados Unidos. Rua do Comércio 7 Goyaz".
O jornal O Lidador, na data de 19/12/1908, anuncia a publicaçao do Album "Lembranças de Goyaz", do fotógrafo José Alencastro Veiga, contendo lindas vistas em phototypia, da Capital e seus arredores, custando cada exemplar 3$000, pelo Correio 3$500. Este com certeza foi o primeiro album de fotografias publicado no Estado de Goiás.
Na década de 30, com a construçao da nova capital Goiânia, novos pioneiros chegaram, com a esperança de progresso e uma fonte de trabalho na nova cidade que se erguia. No entanto, aqui encontraram muitas dificuldades no começo, inclusive pela escassez de pessoas interessadas em fotografia. Três desses pioneiros foram os mais persistentes, resisitindo às dificuldades e instalando-se definitivamente em Goiânia: Eduardo Bilemjian (de origem armênia), Alois Feitchtenberger (de origem austríaca) e Silvio Berto (de origem italiana).
O fotógrafo Hélio de Oliveira é considerado o primeiro repórter fotográfico de Goiás, começando sua carreira profissional trabalhando no jornal O Popular, em 1951.
Na década de 70, vários talentos novos surgiram e começaram a encarar a fotografia nao só como um meio de registro e comunicaçao, mas também como um forte meio de expressao artística. Décio Marmo de Assis, Cílio Soares, Thomas Hoag, Rosary Esteves, Milton Cury e Luiz Mauro de Vasconcelos sao alguns desses talentos goianos.
A fotografia contemporânea no Brasil e em Goiás
Como muito bem escreveu o professor Boris Kossoy, "é imprescindível, o estudo do fenômeno fotográfico no contexto da história da cultura de cada povo, de cada sociedade em particular, descobrindo novos enfoques metodológicos".
Para falar sobre a fotografia contemporânea no Brasil é preciso, primeiramente, buscar o conhecimento da fotografia moderna. No livro "A Fotografia Moderna no Brasil", seus autores falam da permanência da estética moderna na produçao fotográfica brasileira dos anos oitenta. A fotografia brasileira das últimas duas décadas tem uma grande variedade de temas e conceitos, gerando uma produçao complexa.
Convém ressaltar que, enquanto nao foram feitas as primeiras investigaçoes sobre a fotografia moderna brasileira nesta mesma década de noventa, o desconhecimento sobre esta fase da história da fotografia no Brasil alcançava nao só os fotógrafos, mas inclusive os próprios críticos e historiadores da fotografia do país.
Em 1985, o resultado de um concurso que agilizou uma centena de fotógrafos contemporâneos brasileiros, realizado pelo Infoto (Instituto Nacional de Fotografía) da Funarte, foi, entre outras coisas, a exposiçao "Fotografismo", que demonstrou na produçao fotográfica nacional um enfoque tipicamente modernista: desconstruçoes, texturas e composiçoes de natureza formal.
Na produçao independente contemporânea, ou seja aquela que entende a fotografia como expressao artística, diversos ramos de investigaçao estao sendo desenvolvidos. No entanto, a expressao moderna tem estado sistematicamente presente. Sao estudos de ordem formal, abstraçoes de base geométrica e a materializaçao de objetos insólitos.
O mercado da fotografia de arte no Brasil é difícil, dificultando a formaçao de um circuito paralelo independente. Entretanto, ultimamente a maior parte dos fotógrafos brasileiros contemporâneos estao arriscando-se por estas vias. Podemos citar como exemplo os fotógrafos: Eduardo Castanho, Miguel Chikaoka, Luiz Braga, Orlando Manescky, Zeca Araújo, Ricardo Azoury, Bernardo Magalhaes, e muitos outros.
No fotojornalismo - uma espécie de guia da fotografia brasileira - estas características modernas também estao presentes. Muitas vezes, o repórter fotográfico recorre ao vocabulário moderno, pensando que está inovando a linguagem fotográfica. No entanto, isto ocorre pelo desconhecimento da estética moderna e de outras fases históricas da fotografia brasileira. De un modo geral, tudo isto fortalece a idéia de que tanto a produçao bandeirante dos anos 40, e até a produçao moderna tenham um forte caráter de contemporaniedade.
O Brasil é um país muito extenso e isso dificulta uma integraçao. Nas nossas pesquisas feitas recentemente, encontramos fortes grupos de fotógrafos contemporâneos trabalhando no Pará, no Amazonas, no Ceará, na Bahia, em Minas Gerais e no Rio Grande do Sul. Sao Paulo e Rio de Janeiro sao referências poderosas desde sempre. Entao a nossa pregunta foi: E a fotografia em Goiás, como está?
Em Goiás, como podemos constatar, o problema nao é uma questao de qualidade, nem de seriedade, porque aqui existem excelentes valores e talentos, se comparamos com outros fotógrafos de outros estados. Entao, onde estará a questao?
No meu parecer, é simplesmente uma falta de interesse ou até mesmo uma inconsciência por parte dos fotógrafos goianos de nao lutarem pelo bom nome e espaço da fotografia goiana a nível nacional, e também a grande falta de interesse dos próprios órgaos destinados à cultura, em promover mais eventos relacionados com a fotografia no Estado.
Para quem nao sabe, existe uma trintena de excelentes fotógrafos contemporâneos em Goiás, mas que estao mal divulgados. Rosary Esteves, Rosa Berardo, Marisa Di Sousa, José Henrique da Costa, Joao Caetano, Regina Caldas, Terezinha Waqued, e outros.
Em Goiás, falta unidade, e nao qualidade ou seriedade. Falta uniao entre os fotógrafos e as entidades culturais, com um propósito de lutar pelo mesmo objetivo: divulgar a fotografia goiana para todo o país, até mesmo para os próprios goianos.
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Etelvina Borges Reis é arquiteta, fotógrafa, mestre em História, Arte, Arquitetura e Cidade, pela Escuela Técnica Superior de Arquitectura de Barcelona, Espanha, e doutoranda em fotografia na Facultad de Bellas Artes da Universidad de Barcelona, com uma bolsa da CAPES.