Os médicos geralmente definem o aborto como o parto ou perda
do produto da concepção, antes da 20ª semana de gestação, mas as definições podem variar. Para essa
discussão, a 20ª semana de gestação que corresponde a um peso fetal de aproximadamente
500g, será usada como limite para o aborto. O parto entre a
20ª e 38ª semanas é considerado como nascimento prematuro.
Aproximadamente 20 a 30% das
mulheres sangram ou têm cólicas em algum período durante as primeiras 20
semanas de gestação; 10 a 15% de fato abortam espontaneamente. Uma vez que em
60% dos abortos espontâneos, ou o feto está ausente, ou grosseiramente
malformado, e em 25 a 60% podem ser encontradas anormalidades cromossômicas
incompatíveis com a vida, o aborto espontâneo pode ser uma rejeição natural de
uma feto mal desenvolvido. Aproximadamente 85% dos abortos espontâneos ocorrem
no 1º trimestre e tendem a ser relacionados a causas fetais; os fatores
maternos freqüentemente causam aborto durante o 2º trimestre. Os fatores
maternos que têm sido sugeridos como causa de abortos espontâneos incluem:
cérvix incompetente, amputada, ou lacerada; anomalias congênitas ou adquiridas
da cavidade uterina; hipotireoidismo, diabetes melito, nefrite crônica;
infecção aguda; uso de cocaína, especialmente “crack”; ou grave choque
emocional. Muitas viroses, mais notavelmente citomegalovírus, herpesvírus; e o
vírus da rubéola, têm sido implicadas como fatores causais. A importância do
mioma uterino, da retroversão uterina, e da diminuição da função do corpo lúteo
parece ter sido superestimada. Uma relação com trauma físico não foi
substanciada.
Um aborto pode ser chamado de
precoce (antes da 12ª semana de gestação) ou tardio (entre a 12ª e a 20ª
semanas). Essa distinção é feita porque são encontradas muitas dificuldades no
tratamento do aborto tardio. Após a 12ª semana de gestação, a cavidade do útero
está obliterada e há maior possibilidade da instrumentação levar a uma
perfuração. Também a placenta definitiva iniciou sua formação com um suprimento
sangüíneo maior e mais organizado, de tal forma que é mais provável que ocorra
uma hemorragia. Os ossos fetais também começam a se formar, e os ossos longos
dos membros podem perfurar o útero durante a evacuação. Devido ao tamanho do
feto após a 12ª semana de gestação, também é difícil dilatar a cérvix o
suficiente para que ele passe.
O aborto espontâneo pode ser classificado como ameaça, inevitável,
completo, ou incompleto. A ameaça de aborto é definida como qualquer hemorragia
ou cólica uterina que ocorre nas primeiras 20 semanas de gestação. O aborto
inevitável é uma dor intolerável e uma hemorragia que ameaça o bem-estar
materno. Se parte do produto da concepção é eliminado, ou se as membranas estão
rotas, o aborto é incompleto. Se todo o produto da concepção for eliminado, o
útero contraído ao seu tamanho normal e a cérvix estiver fechada, o aborto é
completo.
Se a
paciente teve 3 ou mais abortos espontâneos consecutivos, é dito que ela
apresenta aborto habitual e é necessária uma extensa investigação diagnóstica.
Estudos cromossômicos e genéticos devem ser realizados. Entre endocrinopatias e
doenças metabólicas que devem ser excluídas estão hipo e hipertireoidismo,
diabetes melito, e doença renal crônica. Causas imunológicas como o
anticoagulante lupo devem ser investigadas. Defeitos na função do corpo lúteo
também devem ser suspeitados. Anormalidades anatômicas do útero (p. ex.,
pólipos, miomas, defeitos congênitos) devem ser avaliadas através de
histerografia, curetagem ou histeroscopia. O tratamento específico, como a
unificação de um útero duplo, excisão de um septo, ou miomectomia, pode ser
necessário. O aborto retido ocorre quando há morte fetal, mas o feto permanece
retido no útero por 4 semanas ou mais. Após 6 semanas dentro do útero,
pode desenvolver-se a
síndrome do óbito fetal, com coagulação intravascular disseminada e
hipofibrinogenemia progressiva e uma possível hemorragia maciça quando o parto finalmente ocorre. A
síndrome do óbito fetal geralmente ocorre somente nas perdas do 2º trimestre ou
mais tarde. O aborto retido deve ser suspeitado quando não ocorre crescimento
uterino, quando os batimentos cardíacos fetais não são ouvidos na época
apropriada com a ultra-sonografia Doppler, ou quando os batimentos cardíacos
fetais estavam presentes previa-mente e agora não o estão mais. Um teste sérico
ou urinário para a subunidade b-HCG, torna-se negativo antes do esperado. O
ultra-som falhará ao mostrar atividade cardíaca. O diagnóstico pode ser
confirmado pelo ultra-som, e o trata-mento iniciado mais precocemente.
O aborto séptico
desenvolve-se quando o conteúdo uterino torna-se infectado antes, durante, ou
após um aborto. A paciente apresenta doença aguda, com sintomas de sinais de
infecção e em ameaça de aborto ou aborto incompleto – calafrios, temperatura
elevada, septicemia, e peritonite. Leucocitose (leucometria entre 16.000 e
22.000) está presente. A paciente em estado crítico pode evidenciar choque
bacteriano (choque séptico ou por endotoxinas) com colapso vasomotor,
hipotermia, hipotensão, oligúria, ou anúria, e angústia respiratória. Os
microrganismos causais incluem: Escherichia coli, Enterobacter
aerogenes, Proteus vulgaris, estreptococos hemolíticos, estafilococos, e alguns microrganismos
anaeróbios, como Clos-tridium perfringens. Se a septicemia se
desenvolver com esse último, pode ocorrer anúria, anemia, icterícia, e
trombocitopenia com equimose. Nos EUA, previamente à legalização do aborto, os abortos
sépticos eram freqüentemente associados a abortos induzidos por pessoas não
treinadas usando técnicas não estéreis, comumente chamados de abortos
criminosos. A incidência de aborto séptico nos EUA tem caído dramaticamente.