AS NOSSAS ÚLTIMAS IMAGENS
   

AS NOSSAS ÚLTIMAS IMAGENS (PILOTO)

Fabiano Viana Oliveira

O vôo por sobre Athenas. A escuridão eterna manchada pelas luzes sobre as esculturas. A venenosa brisa do mar lança a poeira nos feixes dos holofotes. São o que ainda ilumina as cidades deste planeta ... As gigantescas esculturas demonstram o sinal do mórbido orgulho grego diante da escuridão quando ela ainda estava por vir. "Construir!" - Eles diziam. Alcançar o ponto final da luz ... "Ela nunca vai sumir!" Mas ela se foi há muito tempo. Poucos dos que estão vivos hoje são velhos o suficiente para lembrar como era um dia, a cor do céu, o brilho do sol; o suor dos escultores a mais de 600 metros de altura, finalizando o topo das esculturas. Tecnologia da época. Daqui de cima, nessa eterna escuridão, cair não parece mais nada; não se pode ver o fim; nem mesmo se a queda seguir do holofote. As poucas luzes de fogueiras na cidade não alcançam os olhos daqueles que sobrevoam Athenas. Daqui de cima só se vê o negro e só se ouve a brisa do mar fétido se chocar com o frio gélido da noite eterna, a triste lembrança de quem nunca viu o sol. E a única coisa que se sente além da total alienação que se faz para esquecer a tristeza, a escuridão e o frio, é a chuva que toca com ardor as duas únicas partes descobertas de qualquer habitante desse lugar: as mãos e o rosto ... O rosto mal importa num lugar onde não se pode enxergar a vida em sua frente. Mas para o homem que termina sua obra, a última de Athenas, a única dele; é terrível; é o último artista, o mais velho habitante de Athenas; aquele que vira as três últimas esculturas serem erguidas, naquele tempo: em quatro anos, cada uma com 600 metros de altura. Nessa época ele começara a dele. Mil metros, disse ele ... A maior. A melhor demonstração da arte grega; voltar ao passado: colosso e farois: uma nova era clássica ... Mas a escuridão veio e ele a viu chegar. O frio intenso se apoderou do mundo e ele o sentiu. Toda podridão possível surgira no mundo. A tecnologia sumira completamente. Mas a cada ano ele continuara. A cada metro construído. A cada assistente que o abandonara. A cada grau de temperatura que baixava. A cada índice de luminosidade querecuava ... Aqui no alto ele permanecia. As mãos cada vez mais cruas; o trabalho cada vez mais primitivo: "Se for preciso, até formão e martelo eu usarei!" - Ele dizia. E é o que faz hoje. Agora. Domos Athos está a 983 metros de altura. Tem 37 anos de idade e 26 anos sem pisar no chão. Sobrevoa Athenas com seus olhos. É uma lenda. Mal é lembrado. Ele e sua escultura. "Mil" metros dentro da escuridão.

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Domos para as batidas. Qualquer minuto que ele para o trabalho e permite seu sangue diminuir a velocidade nas veias de suas mãos tão maculadas de calos e cicatrizes, é a oportunidade que o vento gelado e venenoso encontra para dolorir cada um daqueles poros. Ele coloca as ferramentas no cinto e estende as mãos a uma altura que a pequena luz do seu capacete consiga iluminar. Estão do mesmo jeito. Mal consegue esticar os dedos. As unhas completamente exauridas pelo trabalho manual; cada detalhe que foi, e a ser posto; uma mera fresta, que há doze anos seria facilmente esculpida por um computador e um laser, agora precisa ser feita com mãos; elas mesmas... domos desliga a luz do capacete. A bateria tem de ser recarregada por fricção: mais tarde... se vira para "ver"ao redor. Só há a escuridão. Os feixes de luz dos holofotes se movendo lentamente entre o topo de uma escultura e outra é o único sinal de que ainda há vida lá embaixo... Vida!? Domos aspira o ar gelado. Suas narinas doem com o mal cheiro vindo do mar e o frio que o rodeia... Olha novamente para baixo. Sua imaginação desenha o topo de sua escultura sobre a sólida escuridão. Tem essa figura na cabeça há 30 anos. Esta perto e por isso esta com mais medo do que nunca... Sua visão atravessa a escuridão e sua memória começa a lembrar (mais imaginar) como é a vida ;á embaixo: adolescentes e crianças em sua maioria. Esquálidos pela doença, mas fortes pela obstinação e pela falta de senso. Ruas escuras, permanentemente úmidas. O cheiro de putrefação penetrando em cada corpo cada vez mais acostumado àquela vida. Domos imagina como, provavelmente, não conseguia sobreviver lá embaixo. Mas lá embaixo não existe... Estando quase um quilômetro longe do solo... Demoraria quase dois minutos para chegar no chão se fosse pelo cainho mais rápido: caindo. E talvez o chão nem mais exista. Poucos vêm aqui em cima. Por dentro da escultura: o elevador não funciona há anos e somente o elevador manual é utilizado para trazer-lhe suprimentos: de três em três meses. Mas ele é só um. Só se preocupa com o seu trabalho. Se não houvesse o instinto de parar, até lhe passaria comer... Mas ele sempre volta... Na verdade... Domos te me o fim do seu trabalho... Não sabe qual seria sua existência sem o mesmo; talvez deixasse de existir... Ergue o rosto. Começa instintivamente a flexionar os dedos para eles não congelarem... Aí vem ela! - Ele vê... Seus olhos agora estão fixos no "horizonte". Os holofotes começam a apagar. Vindo do que fora o mar Egéu; a semanal tempestade luminosa. Ela corta todo continente Euro-Asuático; permanente; regular; radioativa. Domos a conhece melhor que ninguém. Foi o primeiro grego imune, hoje é o único afetado por sua tenebrosa beleza. Não é um fenômeno natural, mas ganhou tal status pela falta de outros que consigam incitar tanto os olhos de homens famintos por beleza, num mundo onde mal se enxerga o próprio corpo. E mais que qualquer povo... o povo de Athenas é o que mais ama essa sucessão de explosões luminosos no céu, pois é a única oportunidade que tem de visualizar, em toda sua grandeza, aquelas peças que um dia deslumbraram o mundo: as grandes esculturas. Ninguém se lembra do número exato e nunca há luz por tempo suficiente para se contar, mas elas são belíssimas. Estranhas, indefinidas, gigantescas... E ninguém as ama mais que Domos; por isso está aqui no alto, esculpido. E por isso está parado nesse momento, sentido as dores de um mundo quase morto, sem entrar para a modesta proteção dentro de sua obra... Só para vê-las novamente sob aquela luz fugaz e próxima. Sua visão é privilegiada. Vai poder sentir as explosões; ver o topo das esculturas; cada pedaço do que o inspirou a vida inteira. Há tempos não é mais a lembrança do dia expondo os colossos para o céu que o resigna... É a escuridão, o frio, aquela dor que o desafiou a desistir e não conseguiu. Será a obra do fim do que um dia foram athenas e o mundo. A transformação, a degradação, o enegrecimento e o medo... Ps "relâmpagos" já estão quase sobre Athemas. Domos já enxerga a silhueta das grandiosas esculturas. Começa a sentir a emoção que ainda persista em seu coração. Normalmente, suas mãos são seu coração. São elas que sentem cada rachadura. Cada dobra do cabo do formão e do martelo. Cada gota da chuva cauterizante. Cada segundo de sua criação. Mas cada relâmpago que acende aqueles gigantes ao seu redor, inclusive o dele, faz com que todo seu corpo sinta o momento... São lindas! Vagamente se vê o começo delas no chão; vagamente o chão é visto... Não é relevante... Mas os topos são vistos com tal clarividência... Domos está acima delas. mais de 300 metros acima e a lembrança do desenho que um dia deveriam ter formado volta a sua cabeça, mas é tão ou mais indefinido quanto cada própria escultura. Ele não lembra. E se Domos não lembra, muito menos os outros irão. São mais jovens. Cada vez mais duros, embrutecidos... Talvez nem sejam mais seres humanos... Mutantes talvez! - Pensa Domos. Mas ainda são humanos. Isso ele sabe, pois ainda lhe enviam suprimentos e provavelmente não resta mais ninguém que o conhecera... Mas a missão ainda provém. Enquanto a escultura estiver crescendo eles saberão que Domos está aqui e por isso sempre mandam mais suprimentos... Mil metros! Eles também querem ver, mesmo sem poder... Somente como agora... A tempestade já passa por toda Athenas. Uma lágrima quente marca a pele gelada de Domos: cada semana pode ser a última; dele, de Athenas, ou do mundo; e por isso ele chora. Mas o temor permanece; a dúvida... Ele olha para cima. Aproveita os últimos reflexos da tempestade para imaginar o resto de sua escultura: 17 metros. o fim. Cada dia mais resignado, eficiente, o anteposto da fadiga em seu corpo... E depois?... Os holofotes são reacendidos... O frio e a chuva são relembrados na pele... A escuridão retoma a vida.

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Domos toma seu caminho de volta para o abrigo. Está a três metros dele agora. A cada dez um novo é construído. É o seu local de pouco descanso. Não sente vontade de se afastar do trabalho. É a única coisa que o afasta das tristes reflexões que sempre lhe vêm... O caminho é um pouco árduo; com a tecnologia, bastava se usar o flutuador; mas nada disso mais existe, é agora uma semi-escalada, com o vento insistindo com força sobre seu corpo enfraquecido. Mas Domos conhece bem o caminho, mesmo mal enxergando as frestas por onde tem de andar. De costas para a escuridão da cidade, ele sente a chuva ardente queimar suas mãos descobertas; se preocupa; ainda são seu maior instrumento de trabalho. Relembra com pesar a origem de tudo e a situação presente... Nos seus vinte anos. A sua escultura estava em plena evolução; estava famoso, o apoio ia muito além de suprimentos vez por outra. A luz brilhava em seus olhos, como em tudo mais na Terra. Foi no meio de um verão. O vento que vinha do Egéu se tornou forte e carregado, cada vez mais. A maré e a corrente se tornaram adversas e turbulentas; como uma revolta. As pessoas começaram a ceder às doenças, às dificuldades respiratórias, à falta de soluções. Então, como numa maldição bíblica, a escuridão começou a tomar a Terra. A luz do sol e das estrelas começou a sumir por detrás das nuvens, cada dia mais grossas. O frio começava a aumentar. O calor do sol não conseguia mais se irradiar para o solo. As pessoas em todo planeta começaram a questionar porque, mas a resposta tinha sido deixada para trás; somente a opulência e o desperdício da vida que era vivida estavam contidos naquelas mentes, em todas as mentes. Domos construia sua obra cada dia com menos luz; também não sabia (nem sabe) a resposta; sua escultura era o que importava... E a escuridão foi tomando posse do mundo, até o momento agora, quando Domos só tem a fraca lâmpada de seu capacete para iluminar seu trabalho; pedaço por pedaço... Como antes; no entusiasmo da luz; não havia sentido, mas Domos quer ainda descobrir... Dentro da escuridão. Ele termina seu caminho. Há mais a ser percorrido para dentro de um desconhecido instigante: que outra vongança a Terra ainda pode prover... Terminar sua obra, parece ser sua última, talvez única arrogância; mas crescer sempre foi o intento de todo ser humano... Então como a pergunta ainda consegue persistir em sua cabeça: "E depois?... Como antes não há resposta, só o mencionar... Seu corpo quer descansar. A última imagem de sua obra está lá; no pensamento. O que lhe falta de contemplação na vida: aquela escultura. Sempre. Só.

Os suprimentos estão no fim. Descer o elevador.

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Entremente

Começo a me recordar de todo começo. Costumamos perguntas quais as origens de tal entorpecimento que conteve nossa total insanidade diante desse distante presente. Uma bastarda e física represnetação do enegrecimento e poluição de nossa alma, de nossa existência. Foi a ignorância, tenho certeza. A arrogância em primeira instância; nunca realmente aprendemos a que devíamos ter dado razão e/ou importância. Agora, nada mais parece importar... Simplesmente esquecemos para que servia o esforço, somente continuamos; eu continuo... passo a passo, dia escuro a dia escuro, desolado, frio, como nós costumávamos ser com todos em volta e com o planeta que nos acolha. Fomos ingratos!... Ele agora, com todas as consciências maguadas do mundo o qual esmagamos com a mesma arrogância, nos assola na carne e na alma; vinga-se; redime-se do fato de nos ter dado tanto poder... Talvez o que tenha nos faltado fosse a mesma consciência que hoje nos atinge; previamente; premente a nossa desgraça. Não sabíamos, mas com todo poder, toda arte e toda predileção, nós concebemos o nosso próprio futuro; como sempre havia sido designado, só que no momento é real, como a dor que queima nossos coreções: a culpa, o arrependimento, o ressentimento... Só nos restou a arte. Imaginar, concluir, criar; mesmo sem saber o porquê... Talvez nunca haja uma resposta. Nunca!

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O frio dos novos 25 meses e a panor6ancia dessa tão antiga cidade grega se transpõem mais ainda dentro da escuridão. Daqui doa alto, mais próximo do céu que do solo, o observador prega a conclusão de seu trabalho. A figura disforme toma a forma de nossa mórbida e singular imaginação. A volta em seu diâmetro, atingir todo seu perímetro; demonstra o reflexo do que se vive: incerteza, revolta não massificada e sem direção por tudo que se fez e o que hoje é. Domos representa as qualificações; as indagações; quanto mais perto, mais diluído em senso e vontade... Revessa batidas e escalpos na madeira, aço e concreto, criaturas sintéticas de todos os nossos últimos resquícios e tentativas: a natureza nunca se permitiu ser copiada com perfeição; só ela era perfeita; e quando se foram os recursos, só restou a vontade, e essa ainda era perfeita... Mesmo que se tenha somente os ossos dos mortos para se usar... (Ainda não é esse ponto!) Criar é eterno... Cada pedaço do que Domos construiu, pedaços de sua pele que na escultura se solidificaram, parte dela: sua vida (carne e alma) na escultura e ela dentro dele, de onde foi originada, do "nada", do corpo e do espírito, ambos abatidos pelo ambiente nesse histórico de dias escuros, frios, úmidos, sujos, tristes, vazios... Ela é uma volta pelos momentos da Terra, dos representativos momentos daquela cidade; Athenas; Domos crescera nela e a vira decrescer triste e escura... Todo planeta vira todo planeta... E ele vira tudo em volta, de cima, de longe, mas sentindo mais que todos e transportando tudo para suas mãos... Sua escultura: a obra vida.

Perto; muito perto. A escuridão refrata em luminosa cognição a mente de Domos. As voltas em torno de seu trabalho; ratificando cada detalhe na rocha que se cruza com o metal talhado e forma a figura daquele metro quadrado... Só uma consciência sabe o que está fazendo. Não pertence a nenhum sentido. Provavelmente, se a luz de seu capacete apagasse por completo, não haveria mudança em sua atitude de escalada; evoluiria para uma fase mais primitiva ainda, mas com certeza com o empenho triplicado... Mas tal incidente ainda não o atingiu. Manter a criação. Sua prole inanimada que permanecerá em seus mil metros de magnitude, mesmo depois dos fins; nenhum fim alcançara a obra... Será sempre a primeira e a última imagem... "Quem sabe um dia, sob uma nova luz de um futuro desconhecido, sua plenitude seja vista de um céu... (a cor?) e todos se lembrem: que mesmo no fim, nós nos importávamos com o que queríamos dizer!" - "Arte!" - "Devotados"... O seu rosto nas frestas. Uma parada de dúvida; hirto. Olha para cima... Pela primeira vez sente a visão ficar turva. Pareciam os relâmpagos chegando. Os olhos reclamam, as mãos formigam. "Minha obra..." - Domos sente o gosto do fim. A explosão luminosa rebate seus olhos iluminando o topo da escultura. "Meu Deus. está terminada!" Não sentira a tempestade chegar. (Perplexo) Outra vez a explosão sobre o topo: é exatamente o que havia imaginado; mais perfeito que em sua mente. "Mas como pode ser? Eu não me lembro!" Só restavam cinco ou seis metros: era o final monumental... Mas já está pronto! Domos sobrevoa os olhos novamente sobre Athenas; está tudo lá; a tempestade ilumina as outras esculturas. Ele as admira, mas se questiona como não notara a aproximação das luzes; é como um ritual.

Sua visão turva novamente. As gotas venenosas da chuva ardem em seus olhos; leva as mãos a eles, e nota: estão em carne viva. A dor queima forte... Nunca como antes. Tenta sentir as pontas dos dedos: elas parecem não mais existir. Um novo e profundo desespero o agarra para a escuridão. Sua mente não parece mais iluminada. A chuva parece aumentar de intensidade, o que faz aumentar também a dolorosa irritação nos olhos. Os relâmpagos estão praticamente sobre ele; maculando sua vista acostumada com a escuridão... Domos volta a olhar para o topo de sua escultura... Está lá; olhando para ele: a figura disforme que ele encarava, e com que por tanto tempo imaginou, estava com os indescritíveis olhos anti-humanos direcionados para si: o vigia. "Nossa consciência!" A culpa. Tudo que ele ainda preterdia criar estava naquele olhar. Era o que tinha imaginado; a vida inteira: "Quem olhar por nossas cabeças." - Domos exprime sua loucura com um grito apavorado... Seu último resquício de consciência lhe informa diligente: "Está terminado!" - E agoira ele sabe para que... A cabeça de Domos pende para trás. Seu corpo não tem mais sensibilidade. O olhar do "seu" vigia o quer jogar para baixo e seu íntimo quer ver a magnitude de sua escultura... Em último ato sua mão direita desata o cinto de segurança; seu corpo pendia para trás. A queda é lenta. O próprio vento o alivia e a luz da tempestade o vai agraciando com as imagens fase de sua obra. "É maravilhosa!" - Cada vez maior; cada lembrança; cada mensagem das transposições e transformações daqueles vinte e tantos anos: as lembranças de Athenas. O topo ficando longe. O sorriso final de quem parece ter dispensado as dúvidas: o vigia do mundo; um símbolo para o futuro, quando a luz voltar... 995 metros.


   
 

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