Presença de Yukito



 

Por Astasia

Epílogo
 
 
 
Demoramos a chegar em casa, não me lembro das ruas pelas quais passamos. Mas as ruas agora, apesar das altas horas finalmente parecem habitadas, como há dias não percebo. Tudo é calmo e fio, como em qualquer outra noite de outono. O único lugar realmente vazio como sempre é a portaria de onde moro. Ninguém para me dizer um fingido boa-noite, ou me dar algum recado. Estou como se morto para o mundo esta noite e isso me dá prazer e leveza. A única pessoa que me conhece é o adolescente que anda ao meu lado, quase um menino. Ele me leva pela mão, ansioso e travesso. Ele está a salvo, mesmo que seja a pior coisa deste mundo, Frost está a salvo. Mas eu não. Nunca vou estar a salvo desse menino.

Os três andares entre a portaria e meu apartamento nunca foram tão pequenos. E agora, o que faremos? Penso cuidadosamente nas palavras que disse a Cerberus, era como se não fossem minhas. Espero ter feito o melhor a ele, a nós. Para qualquer coisa, agora é tarde demais.

Frost continua sério, apesar de continuar com seus modos de sempre, não falou nada sobre o que aconteceu, sobre a decisão que tive de tomar, e eu continuo vendo que permanecerá em segredo o motivo de Cerberus tê-lo perseguido. Isso igualmente não consegue perturbar a paz que me tomou, essa paz tira os meus pés do chão. O olhar de Frost também, como sempre, como agora, com a sua mão fria e menor sobre a minha, na chave que viro na fechadura da porta. Ele fica postado à minha frente, me encarando com um ar curioso, o rosto erguido, iluminado pelas lâmpadas azuladas do corredor. Solta suas costas contra a porta e puxa as beiradas do meu casaco, querendo que eu preste-lhe atenção.

"To-ya. Quantos anos você tem?"

"Trinta." – O número me parece absurdamente grande e apavorante, como se os dez anos que eu vivi longe do Japão fossem um longo e vago sonho. – "Quero dizer, trinta e um. Desde a hora em que o conheci."

"Era seu aniversário?" – Ele pergunta com uma curiosidade aguçada e infantil, a despeito de seus olhos azuis e inumanos.

"E você foi o meu presente."

Frost não se deixa afetar por saber minha idade ou não o demonstra. Puxa o tecido com mais força, e seu rosto mostra aquela irresistível e natural, acidental sensualidade que apenas ele consegue ter. É uma coisa tão evidente que meu coração se aperta. Se eu o tocar, se eu consumar o que em um dia inteiro lutei bravamente para impedir, eu vou estar acabando como que há de mais belo nele, mais ingênuo, mas ele não deixará de ser belo por isso, e sua inocência... Essa sensualidade, estes lábios esperando pelos meus, o beijo que me roubou esta tarde, seus sussurros de prazer, nada disso o destruiu. Ele não deixará de ser o Frost que amo, mas ele pode passar a me odiar. Isso me apavora terrivelmente.

"Não, Frost." – Olho para ele, em suas roupas de menino, sua pouca idade e muita beleza. – "Não hoje, e nem em breve. É muito cedo para nós."

"Você me esperou tanto..."

"Não..."

"Eu me guardei para você." – Essas palavras...

Eu poderia possuí-lo aqui mesmo, para escandalizar os vizinhos, quando ele diz isso, seus lábios soltando-se num beicinho sentido e contrariado. Oh, o que eu fiz? Se ele chorar agora nunca me perdoarei... Não, eu tento dizer-lhe que eu vou machucá-lo, vou estar magoando-o, que talvez esteja errado... E ele diz que não me entende.

"Eu prometo que serei seu esta noite, To-ya." – Ele diz então. Essas palavras, esse deja vu, nada disso me é de todo desconhecido...

Mordo o lábio e sorrio para ele, que olha surpreso para isso.

"Eu me guardei para você." – Ele diz.

Continuo sorrindo, desarmado, vendo que ele sabe muito bem o que quer, conhece seus próprios desejos e os meus melhor do que eu mesmo. Sabendo que me venceu... Seu cheiro de jasmim é muito suave, e muito marcante ainda assim, e sinto-o de perto quando digo em seu ouvido, tão somente movendo os lábios sem som do que dizendo alguma coisa:

"Então... você vai cumprir a sua promessa. E eu vou cumprir a minha."

Me afasto e abro a porta, e Frost recua um passo para dentro do escuro apartamento. Acendo as luzes e vejo que ele cora violentamente quando nos encontramos sozinhos, e devolve meu sorriso de uma forma tremendamente tímida e embaraçada. Seus olhos estão brilhando. Não vou joga-lo neste chão e ceder a qualquer tipo de desejo animalesco. Será como ele quiser, ao tempo dele. Há exatos treze anos atrás eu senti esta mesma ânsia, não com euforia, mas com alegria, com amor e nada mais.

Suas mãos tocam o próprio rosto, e Frost respira subitamente muito fundo, e seu sorriso some por um momento.

"Você me espera?"

"Prometo que sim."

Assim ele corre para o quarto e fecha a porta com um estrondo que quase derruba o prédio. E eu vou atrás, mas cumpro o que disse. Encosto minha cabeça na madeira, e sorrindo como nunca mais achei que pudesse sorrir, eu beijo a porta.
 
 
 
 
 
 

Há treze anos atrás – escuto o ruído da água caindo no chuveiro, alguma coisa, talvez o instinto ou sua vontade de que esta noite seja especial, diz a Frost o que fazer. –, não, mais tempo... Antes disso. Yukito e eu descobrimos que nos amávamos, ou melhor, eu o amava, ele, a casca, e a alma que o compunha, Yue. Eu os amei e em meu coração eles sempre foram um e indivisível. Ele nunca havia partilhado seus segredos comigo, mas eu conhecia cada um deles. Quando eu olhava para seu rosto sorridente e melancólico, eu via muitas vezes o rosto de Yue, frio e solitário, e por ambos eu me apaixonei. Nunca disse que o amava, mas agi como tal, o beijei como tal, e quando eu achei que ele ia me empurrar, quando eu invadi sua casa, quase derrubando a porta naquela madrugada de sábado à noite quando me parecia intolerável estar sem ele, para minha surpresa, suas mãos se fecharam em minhas roupas e ele retribuiu cada gesto meu.

Eu era um garoto e ele era um demônio. Eu quis toca-lo e ele permitiu, era como se duas vozes sussurrassem para mim que me amavam, mas a voz que eu escutava, eu sabia que era a do verdadeiro Yukito, Yue. Eu o amei cada dia desde que o vi, e a cada dia mais depois que soube que ele me retribuía este amor. E Sakura, ela de alguma forma também via Yue quando olhava para Yukito, e o amava, ora como seu amigo, ora como irmã e outras... Que sina a nossa. Um mesmo caminho traçado, mas com rumos diferentes.

Eu era capaz de qualquer coisa por ele, seja lá afinal qual a maneira correta de chamar o Juiz de Clow, e eu fui capaz de abrir mão da parte mais importante da minha alma quando ele precisou de mim. Eu lhe entreguei o dom de ver além deste mundo, sabendo embora negasse para mim mesmo que era a prova de amor que restava para que ele soubesse que eu jamais o abandonaria. Quando eu lhe entreguei isso, ele jurou entregar-se a mim. Estávamos unidos dali até o fim. Irremediavelmente. Eu me lembro claramente que suas mãos eram urgentes quando ele me abraçou, e seu beijo foi o mais profundo de todos, o mais sincero, uma entrega total e livre. Apaixonada.

Eu o fiz para salva-lo, para não perde-lo, mas eu faria de qualquer forma, por que também era a minha forma de dizer que o amava, e precisava dele, e teria feito mesmo se ele não me pedisse. Eu fiz por que ninguém o amava mais do que eu, nem mesmo Clow, ou qualquer uma de suas encarnações. E ele sabia disso e não duvidava.

Ele jurou entregar-se a mim e prometeu que seria quando estivesse certo disso. Então... Exatos treze anos atrás, ele correu até minha casa, no meio de uma chuva, chamando meu nome entre os trovões que cortavam a tarde e quando eu o recebi, ele recusou meu beijo e disse apenas que seria naquela noite, e tornou a fugir de mim, e desapareceu na chuva, tão precipitado quanto veio, sem os óculos, seus cabelos sobre o rosto perfeito, seu sorriso radiante...

Naquela mesma noite, eu fui até sua casa, sem dizer nada a ninguém, controlando minha vontade de sorrir, de rir, de gritar de alegria por que ele me amava tanto quanto eu o amava e a consumação desse amor viria em breve... Eu fiquei à porta da sua casa, escutando seus passos pela casa, descalços. Vi pela fresta entre a porta e o chão, que ele apagava as luzes, a casa toda logo tornou-se escura, e escutei, de sua janela, encima, no sótão onde era seu quarto, ele dizer meu nome, do modo que ele apenas sabia dize-lo. Ele disse com uma voz inumana, que ressoava dentro de mim. Naquele quarto estavam as últimas luzes acesas da casa. Eu entrei e fui direto para lá, as escadas rangendo de vez em quando, eu sentindo toda sua excitação, medo, desejo e vontade.

Mas de repente tudo parou, e quando eu senti que havia algo de errado, e corri para lá, a porta do quarto já estava aberta, e Yukito, deitado, largado, pálido e imóvel sobre o futon branco, o pescoço lanhado de arranhões, e, imperceptivelmente quebrado. Seu kimono estava impecável, branco como o futon, branco como seu rosto, em contraste com seus lábios, vivos, que não haviam perdido a cor ainda, paralisados no meio do meu nome.
 
 
 
 
 
 

O chuveiro é desligado, passos, ruído de gavetas. O que Frost está fazendo? Não sei, ele me surpreende a cada instante. A porta continua fechada. Estou ficando preocupado, só espero que ele não destrua o quarto. Como um cigarro seria bem vindo agora... Mas acho que não é muito recomendável fumar perto de crianças. Que ridículo... Vou fazer coisa bem pior e não estou me sentindo tão culpado por isso. Em verdade, a idéia me excita mais do que nunca. Frost tem treze anos. Apenas. Serei seu primeiro. Talvez o último. Ele acaba de derrubar alguma coisa que faz um baque no chão. Está andando... Eu continuo aqui, ao pé da porta, escutando cada coisa. Há um longo silêncio, inevitável que eu não pense em coisas ruins, e escuto ele resmungar um palavrão, e isso me faz ver o tamanho de minha insegurança. Estou inventando fantasmas que não existem, não mais. Frost não é Yukito. Eu não sou o mesmo Toya de antes.

Ele está me chamando. O que está acontecendo? Parece triste, sua voz este tremendo.

Entro no quarto, e sob a luz do abajur, somente, tenho uma das visões mais lindas de toda minha vida: este anjo de gelo encontrou um kimono, que nunca cheguei a usar, nas gavetas do armário, vestiu-se nele, e fica-lhe simplesmente enorme... Frost está sentado no meio do quarto, com um ar perdido e desesperado, perdido no meio de um excesso de tecidos que certamente o assusta, e diz, quase às lágrimas, quando me vê:

"To-ya... eu não sei..." – Respira fundo, segurando o choro, seria trágico se não fosse tão lindo vê-lo assim, no meio de um absurdo de sedas azuis estampadas e brancas, lisas. – "... eu não sei fazer o nó...!"

Faço-o se levantar. Bem poderia não ter vestido nada, me agradaria da mesma forma. Sento na beirada da cama e ele em pé na minha frente, fica olhando com curiosidade e alívio, que eu não me zanguei, e que o nó não era tão complicado de se fazer... Termino de enrolar a faixa em torno de seu corpo fino e tenso. Fico com as mãos em torno dele, medindo, percebendo como seu corpo é vivo e flexível. Abraço-o. Não consigo ter agora o ardor de antes, quero amá-lo, não apenas possuí-lo. Suas mãos envolvem minha cabeça e ele mexe no meu cabelo por um longo tempo, acho que deve estranhar em como é tão escuro. Como ele consegue ter um perfume tão delicioso de flor? Impressão minha ou sua pele é que exala este perfume? Por que ele vestiu justamente isso? Talvez ele nunca tenha visto um kimono em toda sua vida... Minha mão desliga o abajur quase sem que eu perceba isso. Seguro-o com força e o deito na cama, e ele se deixa entregar assim. Desfaço o nó que eu mesmo fiz, enquanto beijo a boca que eu fui o primeiro a provar. Ele pela primeira vez abre os lábios quando me recebe. Eu criei um monstro.

Sua faixa escorrega para o chão, e o kimono se abre e mostra o que me espera: seu corpo é longo, pálido, como nunca havia visto tão completamente, e estremece quando o toco, as mãos de Frost vêm desabotoar minhas roupas, desajeitadas, trêmulas, frias. Ele arqueja longamente, disponho um olhar longo e demorado por todo seu corpo deitado ao meu lado. No escuro, sua palidez parece acentuada num branco de porcelana impressionante, e seus cabelos me parecem estranhamente mais claros. Beijo seu rosto, finjo que vou morder seu queixo. Ele ainda está lutando com meus botões, e quando eu chego em seu pescoço, ele vence, permito que me veja, ou me perceba na escuridão do quarto. Corro minhas mãos por todo seu corpo de adolescente com um amor quase sagrado, e sinto que seu coração está acelerado, parece que vão explodir, seus mamilos pequenos como botões se esfregam eretos e atrevidos em minhas palmas quando ele se arqueia contra mim, sempre em silêncio, sempre perdido em profundos suspiros. Não há mais uma sombra sequer daquele desejo voraz, em mim resiste somente o seu toque, e sua presença...

Suas pernas estão nuas, seu corpo todo está exposto, e Frost cora violentamente quando o toco, quando beijo todo seu corpo, e eu o beijo inteiro, sinto-me faminto dele e inseguro por talvez não saber lhe dar prazer, beijo seus mistérios, deixo um rastro de saliva sob o lugar onde meus lábios tocam, naquele lugar mais secreto de seu corpo, e ele se abre para mim e chama meu nome com sua voz de adolescente, mas rouca e baixa. E eu vou até ele. Meu lugar parece sempre ter sido entre suas coxas compridas e roliças, arrepiadas de prazer quando sua intimidade esbarra a minha. Nossas mãos se procuram e se encontram. Eu tomo suas mãos, nas minhas, apertadas, suadas e nuas como estamos nós dois, e nossos dedos se enlaçam sobre lençóis desfeitos e agora mornos de paixão, acima de sua cabeça, e ele se deixa vencer, se deixa beijar, estremecendo e corando de surpresa, certamente provando de todas estas sensações pela primeira vez em sua vida, assim como eu, que sinto que é a primeira vez que estou fazendo-lhe amor, e não apenas sexo. Não há sexo aqui, somente este ato repleto de encanto.

Ele ondula seu corpo todo de encontro ao meu, sua pele não mais fria como antes, e sim delicadamente morna, como é a sensação de estar quase dentro dele. É como estar dentro dele. Quando me coloco para penetra-lo, eu solto meu peso sobre ele, e aperta suas pernas em torno de mim, e se permite ao meu desejo, num engasgado e breve grito, um longo gemido, entre o beijo que nos prende um ao outro, e ele se agita, ofegante, quando começo a entrar em seu corpo virgem e estreito, no entanto úmido daquele beijo proibido. Ele deitado nesta cama é como um grande e deliciosamente perfumado jasmim, e ele desabrocha como eu tenho imaginado todas estas longas horas desde quando o beijei pela primeira vez. Faz-se silêncio, ele não solta ruído algum enquanto estou dentro dele, esperando que sua dor não se prolongue, esperando algum sinal para parar ou continuar. Meu prazer está em lhe dar prazer, e é tremendo, estar nele, amando-o, é superior ao resto, nada mais existe.

Frost descerra seus olhos. Estão claríssimos, azuis e profundos, entre seu rosto agitado e transtornado, seus cílios estão úmidos de lágrimas de dor, e eu descubro que também são lágrimas de prazer quando ele se retorce, mostrando claramente que também me deseja.

Quando me movo dentro dele, Frost solta um gemido, mordendo os lábios, e sua boca se abre num grito mudo, mas seu corpo fala por ele. Frost acompanha meu movimento, devagar e timidamente, com seus quadris estreitos, seu corpo tenso. Sua beleza é extrema, neste instante, seu rosto é repleto de emoções novas para ele, que o assaltam e deslumbram, assustam. Seu interior é estreito, quente, me acolhe com desejo, com o palpitar tenso que se repete em todo seu corpo.

Ele se guardou para mim, e eu sinto que sempre esperei por ele. Espero então por ele, sempre, sem me apressar, sem conseguir ter um único pensamento egoísta enquanto sinto que seu prazer depende do meu, e acompanha-o, numa intensidade que cresce a cada investida lenta, a cada beijo molhado de saliva, a cada gota de suor que corre em nossa pele e se acaba no colchão, na cama que range vez por outra. Quero dizer que o amo, mas tudo o que posso lhe dar agora é isto, meu silêncio até neste momento de extremos prazer e alegria. Mas ele não me retribui desta mesma maneira, não tem vergonha nenhuma de seu prazer, e geme alto, quando o prazer se aproxima, grita quando o seu prazer o invade, e o meu invade seu corpo, num espasmo longo e dolorido, delicioso, ele estremece, grita alto meu nome, e suas mãos presas nas minhas se apertam violentamente, e afinal, se soltam, trêmulas, frouxas, suadas...

Nem por um único instante pude deixar de olhar para ele, acompanhar cada expressão sua, e nem quando minha vista fica turva consigo deixar de encara-lo. Demoramos um tempo imenso deste jeito, com preguiça de me separar dele, vendo como ele respirava descompassado, irregular, seus olhos rasos, e então, seu rubor pelo rosto, pescoço, por seu peito... Eu escuto minha própria respiração se acalmando depois de um longo tempo. Ele se aninha em mim, escondendo o rosto na curva de meu pescoço e ficamos abraçados, no escuro, no silêncio, nossas pele coladas por um fino suor que some no ar, e o dele deixa um rastro leve daquele perfume que me enlouquece. Seu sêmem escasso e cristalino está espalhado em minha barriga, me tranqüilizo em notar, quase me orgulho.

Por que eu me fiz uma pessoa tão dura e fria? Não consigo dizer-lhe nada agora. Nada de valor, mas será que ele me entenderia? Ele entende o que se passou entre nós? Seu coração sobrenatural, inumano, sabe o que é amor? Se Frost me amasse... Se pelo menos eu soubesse que mereço o amor dele. Suas pernas estreitamente enlaçadas às minhas, são sinal de que ele me ama ou apenas queria entregar-se, da mesma forma que a qualquer outro? Não quero acreditar nisso.

Ele está chorando.

"O que há?"

"Me solta." – Ele resmunga, me empurrando, se encolhendo entre os lençóis. Há raiva no seu olhar, e tristeza.

"Está ferido? Eu fiz alguma coisa?..." – Um desespero cresce em mim, tento traze-lo para perto, mas ele diz, somente, escapando da minha mão:

"Não me toque." – Ele esfrega os olhos, se afastando, soluçando e seu corpinho sacudindo no meio do kimono desbandado que se mistura conosco na cama.

"Por que?"

"Me solta!" – Ele diz mais alto, quando tento segura-lo.

"Eu o machuquei? Eu fiz alguma coisa que não queria?" – Não sei se minhas palavras são duras, mas seu soluço pára no mesmo instante. Ele olha para mim por cima do ombro, triste como nunca o vi antes. Como posso saber lidar com alguém que não é a não pode ser como eu?

"Eu tenho medo..."

"Do escuro?"

"De você. Você morreria por mim, mas você não me ama."

O que ele diz é um golpe profundo dentro do meu peito. É como se a espada se quebrasse mais uma vez, mas desta, se encravasse em meu coração.

"E você? Você me ama?"

Ele se volta para mim e fica me olhando bem de perto, com olhos muito abertos e irritados do choro.

"... Eu não quero destruí-lo, To-ya..." – Diz, somente, desolado. – "... mas não me mande embora..."

"A sua tristeza me destrói. Você colocou a sua vida nas minhas mãos e eu fiz o que prometi, dou a minha pela sua. Você se entregou a mim, e eu tornei a cumprir essa promessa."

Ele volta a se afastar e não me encara mais. Abraço-o, envolvendo seus ombros e o faço deitar-se, e logo em seguida, tomado daquele perturbador silêncio de tristeza, Frost beija meu rosto e fecha os olhos. Em breve ele adormece ao meu lado, pesadamente, como uma criança exausta.

Eu deveria ter feito desse momento um momento bom para Frost, mas vejo e acredito que estraguei tudo, e cometi um erro sem tamanho. Ele duvida de que eu goste dele, e deve achar que eu não mereço seu amor, que apenas desejei seu corpo. Ele estará certo? Sinto-me terrivelmente culpado por meu silêncio. Meus olhos ardem, mas não por sono ou cansaço. Estou extremamente irritado comigo mesmo, repleto de coisas que deveria lhe dizer, perguntar, mas nem ao seu lado me permito ficar. Eu não mereço seu amor, e nem merecia poder lhe fazer amor. Levanto e ele não se move. Pego minhas roupas pelo chão e enquanto me visto evito olhar para esse menino que parece um anjo adormecido na minha cama.

Espero que ele me perdoe pelo mal que lhe fiz.
 
 
 
 
 
 

Não tenho um único cigarro em casa, estou um ano mais velho, meu amante tem idade quase para ser meu filho... Estou amando-o como achei que nunca voltaria a amar alguém. Mas não sei lhe dizer isso. Quero chorar por que o amo demais. Não sei se ele me ama, mas isso não me impede de acredita-lo. Não vou chorar. Nunca chorei por nada, nem por mim, nem pelos que amei.

Olho com indecisão por quase meia hora, fixamente, para a caixa do violino que sempre esteve sobre a minha cabeceira. Eu não devo tocar isso desde quando Yukito pediu para escutar. Estou há dez anos tentando tomar coragem de afinar as cordas, tocar qualquer coisa. Sinto-me capaz de tocar qualquer coisa, agora. Mas posso acorda-lo, ou quem sabe Frost está me enganando e fingindo que dormiu. Abro a caixa e assopro a poeira que está sobre ele, mesmo tanto tempo trancado. Não encontro um lenço para fazer de apoio para o ombro, e não tento achar nada para isso, tenho certeza de que tenho coragem para toca-lo, mas sei que esqueci todas as notas e claves.

Deixo o abajur aceso para que Frost não se assuste se vier a acordar.

Subo, descalço, a camisa solta e todo amarrotado, sem casaco e sem esperanças para o terraço. Um lance de escadas e a noite surge, grande, estrelada, enluarada acima de tudo.

Desafino muitas vezes antes de me decidir o que vou tocar. Sempre sentia vontade de chorar quando tocava violino, mas o piano sempre foi o pior, porque aprendi com minha mãe. Também não chorei por ela.

Aqui, ninguém me escutará, somente os pombos escondidos entre os blocos de concreto que formam algo que serve de bancos, e o cimento frio que é o chão. Falta muito para amanhecer, e não há nuvem alguma, talvez eu tenha me enganado, não haverá neve antecipada. O frio não me incomoda, afino as cordas e começo uma música que não sei o nome, porém, me faz pensar em Yukito, ele gostava muito desta. Yuki... Os pombos se agitam, mas não olho para trás. Abaixo de mim há a rua, becos, telhados de casas tão velhas que esqueceram a própria idade. Minha mão não se esqueceu dos acordes, de como é maravilhoso o deslizar sobre as cordas. A música parece tão alta, quero que os vizinhos se danem, nenhum deles sabe como eu consigo me sentir tão feliz e tão desesperado ao mesmo tempo. Os pombos passam por mim numa revoada estranha para a hora, e nenhum deles chega a esbarrar em mim. A música me preenche como se fosse um copo de licor. Aquece-me no frio do outono. Eu sinto nela a presença de Yukito. Eu sinto em mim a presença dele, aqui perto de mim, aqui, logo detrás de mim, mas não me deixo desafinar. Ele sabe que eu o amo, seja lá como se chame, seja lá que tipo de coisa ele seja.

"Yuki..." – Eu me volto como se tivesse certeza de encontra-lo, e quem me espreita de maneira indecifrável é Frost, parado no meio do terraço, vestindo aquele mesmo kimono.

Ele sorri para mim, e quando faz isso, a mesma verdade inquietante que percebi quando o levei ao hotel esta tarde ressurge com a mesma violência em minha cabeça. Não consigo sorrir-lhe. Eu o chamei de Yuki mesmo percebendo que aquela presença idêntica a de Yukito não poderia ser a dele.

"Estou aqui, To-ya." – Seu sorriso some devagar, o vento assovia nos topos agudos de algumas casas ao longe. Ele olha para o violino. Ele não fala com a voz que lhe pertence, como se as palavras não fossem suas. Será este o verdadeiro Frost que eu venho tentado em vão conhecer? – "Você não esqueceu como se toca... Você tocou a nossa música."

"Por que... Por que você diz estas coisas?"

"Você não acredita em mim. Você está duvidando sempre de tudo, até de mim."

"Você diz coisas que não deveria saber, Frost."

"Não me chame de gelo. Para você eu sempre fui neve."

Eu estava cego em não querer ver. Gostaria de continuar, gostaria de ser cego realmente para não ser tão irresistível de vê-lo abrir o kimono, se mostrando inteiro sob este luar. É o que ele faz, e quando me aproximo dele, ele se coloca nas pontas dos pés e se pendura em meu pescoço. Deita-se no chão frio como se não se importasse com isso, a seda azul se espalha debaixo dele, e me leva para junto de si.

"Eu venci a morte para estar aqui com você." – Ele estremece com o arrepio de frio que corre em seu corpo. A voz que fala por ele agora, é a voz da lua acima de nós. – "Não me negue o seu amor, não me abandone..."

Minhas roupas me abandonam tão rápido que nem vejo onde elas vão parar. Ele me beija de uma maneira faminta e cheia de doçura, sensual. Aquela expressão estranha volta a seu rosto de menino, ele é instinto e desejo, afasta seus joelhos para mim e silenciosamente pede que eu o possua mais uma vez.

"Mostre que merece o meu amor, Toya... Faça como quando juramos que nunca íamos nos separar... Entregue-se a mim... Totalmente." – Essa voz... Seus olhos.

Eu me sinto novamente dentro de um longo pesadelo, em que são os olhos de Yue que brilham para mim, e não os de Frost. Ou o mais estranho, é a certeza que tenho que os olhos azuis e felinos de Frost são justamente os olhos de Yue. Ele suspira pesadamente, fechando os olhos com força quando o penetro, e faz-se erguer do chão, montado em mim, sobre minhas pernas, sacudindo o corpo no que me parece um orgasmo iminente. Ele está úmido de mim ainda e tão excitado que não me deixa ser gentil, simplesmente quer que sacie o seu desejo. Eu obedeço como se sua vontade fosse maior que a minha e é: faço-lhe amor como se seu corpo pudesse desfazer-se a qualquer instante. Frost se oferece todo, apertando minha cintura em suas pernas, suspirando alto em cada investida, atirando a cabeça para trás a cada vez que deixo um beijo em seu pescoço branco, agora repleto de marcas avermelhadas, que se multiplicam a cada instante, a cada dentada leve que finjo deixar em sua pele.

É tão bom quanto o foi pela primeira vez, talvez melhor, porque agora não há mais um único traço de timidez em nós, somente confiança e entrega. Sim, me entrego totalmente, suas mãos se enlaçam em meu cabelo, me arranham os ombros. Mesmo estando tão frio, ele está úmido de suor, e seus gemidos se tornam baixos e profundos. Eu temia estar esquecendo de seu prazer, mas seu sexo rígido esfregando-se em minha barriga mostra que Frost desabrochou totalmente para o prazer. Seu prazer. Meu prazer. Ele se contorce, atira seu corpo sobre o chão, ainda preso a mim, as mãos repuxando o tecido espalhado, e estremece a cada vez que me meto em seu corpo com mais força e ardor. Algo me diz que ele quer isso, que eu não pense que o estarei machucando.

Seus olhos se abrem, e me encaram de uma forma que me dará arrepios quando eu a recordar. Ele se arqueia naquele espasmo súbito, me fazendo ir fundo em seu interior, enlouquecer, me erguer sobre os joelhos e investir intensamente, tanto que a fragilidade de Frost parece imensa, quando ele se arqueia mais, a boca aberta, aquele fio de saliva descendo pelo lado de seu rosto rosado e de expressão tão sensual e cheia de prazer para um menino de sua idade. Ele treme, me faz quase deixar escapar um gemido de prazer quando se contorce com tanta força que não resisto mais e nem penso mais em seu prazer. Deixo-me escorrer, segurando firme seus quadris enquanto seu corpo está arqueado e tenso como uma corda de violino prestes à arrebentar, e seus olhos abertos e muito azuis nada mais vêem, mais claros do que nunca os vi, e os cabelos... os cabelos de Frost parecem tremendamente mais longos do que o são, muito mais claros do que já o são, eles são da cor do luar quando ele fica paralisado num grito mudo, incapaz de respirar, assim como eu, quando o orgasmo nos atinge.

Somente o céu está por testemunha deste ato.

Ele geme meu nome urgentemente, quando a última investida faz com que eu o largue no chão debaixo de mim, e suas pálpebras tornadas ligeiramente lilases de tanto prazer, se abrem para mim, e ele, esse ser que agora tomou o lugar do anjo de gelo, ou se revelou nele, toca meu rosto quente e surpreso, maravilhado com tanta beleza, com tanto amor que vejo e sinto.

O tempo todo, eu estivera ao lado de Yue, e nesta noite ele cumpriu a promessa que me fez tantos anos atrás, quando minha alma se tornou parte da sua.

Não, eu não vou chorar, embora a vontade seja insuportável. Ainda é um anjo de gelo, suas asas estão abertas sob ele, plumas brancas e quase invisíveis soltam-se pelo chão. Por isso os pombos se agitaram quando ele se aproximou daqui. Por isso eu o reconhecia naqueles gestos, nas palavras que ele não deveria dizer, coisas que não deveria saber. Eu o via, mas não queria reconhece-lo. Não, eu não quero chorar. Nos separamos e continuamos nos encarando.

Yue tem amor em seus olhos azuis e mornos, mas uma tristeza imensa também, que faz com que seu rosto seja um bloco de gelo frio como sempre o vi, antes de saber que ele me amava. Seus cabelos incrivelmente longos se espalham sobre seus ombros quando ele se ergue, se veste apenas na parte de dentro, branca, do kimono e se levanta e vai andando, indiferentemente aos pombos que se afetam com sua presença, e voam ao seu redor. Seu peito ainda é agitado do prazer que partilhamos, mas ele parece não querer estar perto de mim. Está silencioso como se não houvesse acontecido nada, como se eu não estivesse aqui.

"Eu estou aqui para julga-lo."

Ele diz, sua voz glacial ainda oscilante, mas seu tom não parece em nada com a voz que encheu este terraço de sons de prazer.

"Mostre-me que você me merece." – Ele diz, subindo num daqueles blocos de pedra e me encarando entre as mechas agitadas e cor de gelo de seus cabelos longos e muito lisos. – "Se não mostrar que merece meu amor, eu o matarei." – Seu tom é mais de aviso do que de ameaça. Ele está destinado a julgar, realmente, ainda que ele não goste de fazer isso.

Ele me matará e eu me entregarei a morte com prazer, se ela vier de suas mãos longas e macias. O Yue que se apresenta aqui, na minha frente, que olha com indiferença para mim enquanto me visto na outra parte do kimono que ficou no chão, é exatamente o mesmo que pensei ter morrido junto com o corpo de Yukito. Mas nem mesmo o Yukito que achei que havia me abandonado, assassinado por Cerberus está morto de fato. Ele é uma parte de Yue que ele nem sempre deixa transparecer, por ser antiga, por ser sua dádiva aos que ele gosta. Ele vive em Frost. E todos eles são Yue. Como a lua que se divide em fases.

"Mate-me então. Se for pela sua mão, eu morrerei por você. Para você."

"Eu sei que você morrerá por mim." – Seu olhar é direto e suas palavras também. Ele nunca trai nenhuma emoção quando está sendo o Juiz. Suas pupilas estão finíssimas, são riscos no meio do azul frio de seus olhos.

"E eu esperei também." – Respondo, me aproximando dele, que é um anjo, um verdadeiro anjo criado das mãos daquele feiticeiro, suas asas abertas criam uma sombra densa sobre mim, ela é turva e acolhedora. Ele sabe que eu me entrego. Ele não ergue poder algum para me matar. Somente sua voz para perguntar:

"E você me ama, Toya?" – Quem está fazendo esta pergunta? Frost? Yukito? Yue? Que importa seu nome? Eu o amo, sim, não duvidei disso por um único instante sequer...

"Sim, eu amo." – Minha voz sai baixa, mas eu me sinto cheio de coragem para fazer qualquer coisa para não perde-lo novamente.

"O quanto você me ama?"

Como medir o que sinto por ele? Yue ilumina a minha noite, ele todo fosforesce em tons de porcelana branca, a seda tão branca quanto ele inteiro, é sob a sombra de suas asas que eu quero viver e morrer, meu anjo de gelo.

"Quanto a minha vida." – Meus olhos ardem tanto, a sua beleza é fria e ofusca todo o resto das estrelas.

Ele continua imóvel, os lábios somente uma linha sem cor, um contorno.

"E o que você me daria para merecer meu amor?"

Fico estático, mal respirando. O que eu poderia lhe dar? Já lhe dei tudo. Yue, o que mais você quer? Minha mente grita, sem poder lhe dizer isso, sem poder exigir que ele deixe seu pedestal de Juiz e se permita simplesmente amar-se por mim.

Não há mais o que fazer. Suas mãos unidas na frente do corpo são frias como a noite, que me parece opressiva, eterna e horrível então, que sei que nada tenho mais para ele. Minha vida, meu amor... um dia lhe dei uma parte de minha alma, mas agora... Ele me devolveu isso. Eu o perderei, ele não me amará. Ele não me ama. Talvez nunca tenha amado, esperando por este julgamento, ansiosamente mais do que eu.

Não consigo me mover, dizer nada e tampouco trair em meus gestos e em meu rosto o que se passa comigo... Como eu pude achar que... Como eu cheguei a imaginar?... O amor que lhe tenho, que lhe faço, meu beijo... Não valem nada para ele neste momento... Ah, eu fui estúpido, idiota. Meus olhos ardem da luz, da dor, de todas elas. Um dia eu vi Sakura respondendo a este Juiz, para tentar ser digna de tê-lo como seu servo, mas eu não o quero assim, embora devesse, embora fosse o correto. Eu não quero um servo. Eu quero alguém que me ame.

Meus olhos doem, aquele gosto amargo e salgado ao mesmo tempo, todavia não enche minha boca, como um beijo carregado de desgosto. Esse pranto que sempre derramei dentro de mim mesmo desce por meu rosto, numa torrente constante e incontrolável, que não consigo deter, que não quero deter. Nunca chorei por ninguém, mas eu choro por Yue, porque sei que o perdi. Porque eu o amei mais que tudo, e isso não quis dizer nada. Minha frieza não me deixa soltar nem um soluço, nem um lamento, somente meu silêncio e um vazio profundo que tomam conta de mim.

Não consigo ter mágoa por ele. Yue é um Juiz, a ele não cabe ter emoção alguma ao fazer isso. Ele fez sua parte. Ele cumpriu suas promessas, e eu, as minhas...

Não consigo mais ver seu rosto, as lágrimas são tantas, tão antigas, tão cheias do meu medo de perdê-lo, afinal realizado, que prefiro que seja assim. Fecho meus olhos para ele e espero sua sentença, que sei perfeitamente qual será. Eu morrerei sem ter seu amor.

Sinto o vento de suas asas tocar meu rosto, queria poder toca-las mais uma vez, queria poder beija-lo, aquecer sua frieza como sei que somente eu sou capaz. Este é o preço por amá-lo.

Ele desce dali, não preciso olhar para imaginar que cena linda é ele batendo suas asas, planando até parar na minha frente.

Sua presença de Juiz é tão fria quanto um sopro de inverno. Ele está à exatamente um passo de mim, e emana um frio tão intenso que dá arrepios. Mas não abro meus olhos, não quero ver o tamanho de sua frieza, de sua decepção, ao ver que não mereço seu amor, mesmo depois de tudo.

Sinto então, não sem surpresa, sem a perplexidade que me acompanha em tudo o que diz relação a ele, sua mão sedosa e fria em meu rosto. Não censuro sua curiosidade. Ver o que ele vê agora é um privilégio de poucos...

Yue está tocando minhas lágrimas, eu sofro com isso, com ele tão perto de mim, mas não demonstro, somente deixo as lágrimas continuarem a descer. Tenho vontade de gritar com ele, mandar acabar logo com essa idiotice. Já deve ter visto outros humanos chorarem, por que este espanto quase infantil, essa mão que arrepia por onde passa em meu rosto? Não escondo meu desagrado de ele estar fazendo isso. Volte para seu pedestal, Juiz...

Ele pára de me tocar, sem que eu nada faça para que Yue se afaste de mim. Sei que vai ser agora... Ele matou sua curiosidade. Talvez nada vivo tenha me visto chorar algum dia. Agora Yue vai me m...

Beijar.

Yue me beija delicadamente sobre os lábios, da mesma forma, com a mesma suavidade que Frost o fazia.

"Eu não queria tanto..."

Ele se encosta todo em mim, seu peito agitado contra o meu, está aliviado ou decepcionado, eu não sei. Não sei o que ele quer dizer, suas palavras demoram a vir. Ele pede numa voz baixa e trêmula que eu o abrace. Como negar? Nunca lhe neguei nada. Não sei o que ele quer. Minhas mãos circundam seu corpo todo, e chegam em suas asas, toco aquelas plumas que sobem por elas, e eu preciso abrir os olhos e piscar várias vezes, para acreditar que estas lágrimas de dor e desespero me fizeram merecer o amor de Yue. Ele nos meus braços é o Yue que menos ainda conheceram. Talvez apenas Clow.

Ele se encolhe em mim, esfregando seu rosto quase oval em meu peito, do mesmo modo que Frost e Yukito o faziam. Como eu posso duvidar dele agora? Seu olhar é um longo e azul pedido de desculpas, sua frieza desaparece em grande parte, aperto os olhos e torno a olhar para ele, e já parece-me ser Frost. Não. Não é. Também não é Yukito. É a lua quem me sorri.

Tudo o que há neste terraço é um luar imenso e azul como seus olhos, e os primeiros pedaços de gelo que caem do céu, como Frost caiu para mim. Como este anjo entre meus braços caiu.

"Yuki..."

Continuamos abraçados, ele estremece ainda, quando o chamo desse jeito. Eu chamava assim para Yukito pensando nele, olhando para ele. Para o rosto de quem eu estou olhando, que tenho vontade de retribuir e retribuo seu sorriso, repleto de alegria, mais que nunca, e nunca depois disso, eu acho, de saber que eu o mereço, mereço estar com ele? Mereço seu amor.

Os mortos que sempre ouvi incessantemente me cercarem se calam. Não há mais nada, somente sua presença, seu corpo dentro da seda branca, sua alegria em me receber, em me amar.

É um sorriso que sempre me alegrava apenas em ver, mas exatamente neste instante, não há mais ninguém, há o sorriso que um dia foi de Yukito, a doçura que conheço em Frost, e a presença... De Yue, junto a mim, sob a neve caindo lentamente, e nosso beijo, para selar uma união destinada a ser eterna, além da vida e da morte, da magia e da matéria.

E tudo isto foi cuidadosamente tramado por alguém mais poderoso que qualquer mago...

Sim, ele mesmo: este tal Destino.
 
 






OWARI