Meu bom Sensei,
Meu bom Aprendiz

por Rinko Himura



 
 

Alguma coisa estava faltando para Soujiro. E ele mesmo não sabia explicar exatamente o que era.Sentia em seu interior um certo vazio, um espaço vago, em branco, que não havia sido preenchido por nada. Todos os dias, passeava solitário pelas ruas do Japão do século XIX, o cenário de Rurouni Kenshin, preferindo aqueles ares aos dos estúdios OBA (Os Bastidores dos Animes). Não queria o movimento alucinado dos estúdios, não queria encontrar nenhum estranho, nem nenhum conhecido. Não queria ouvir barulho de telefone, de personagens escandalosos, de ventiladores e ar condicionado. Queria a tranqüilidade, a paz que sua mente estava pedindo polidamente para ter.

Andava com a cabeça baixa, pensativo, com as mãos levemente soltas e com o caminhar sem destino certo. Pensava sobre muitas coisas de seu passado, presente e futuro, mas principalmente sobre seu presente. E todos os seus pensamentos eram voltados ora a Shishiu, ora a Kenshin. Era conveniente que pensasse em Shishiu Makoto, seu mentor, seu salvador, o homem que lhe poupou a vida e lhe ensinou tudo que sabia. Mas por que pensava em Kenshin? Lutara com ele uma única vez, se bem que aquele pequeno atrito que resultou somente na quebra de ambas as espadas não poderia ser chamado de luta. Ele era seu inimigo, o grande arqui-rival de seu senhor, o opositor dos ideais magnânimos de Shishiu, o retalhador, o Hitokiri Battousai, por que seus pensamentos estariam perdidos no rosto sereno de Kenshin Himura?

Para Soujiro, aquela situação era bastante estranha. Não admitia, de forma alguma, que poderia ter um pingo de atração pelo seu inimigo. Talvez fosse somente simpatia. Ainda assim, ambas as hipóteses eram irrelevantes. Kenshin era seu oponente, não o seu amigo, parceiro, companheiro, por quem poderia ter algum tipo admiração. Seu objetivo era acabar com o battousai, não perder tempo pensando nele.

O samurai dobrou a próxima esquina á direita, e caminhou pela ponte espessa que atravessa um riacho brando. Então, parou em seu meio. Moveu seu olhar para o horizonte. O sol desaparecia lentamente entre as montanhas, dando o lugar a bela noite de lua cheia e estrelas brilhantes. Soujiro sentou-se á beira da ponte. Apoiou suas mãos no chão e deixou seu tronco relaxado, levando sua cabeça para trás. Fechou os olhos e escutou atentamente as águas do riacho correrem o seu rumo, sem retirar qualquer pensamento sobre Shishiu e Kenshin. Era interessante notar o grande antagonismo entre os dois. Shishiu era onipotente, nascera para ser líder do país, um bravo guerreiro sem piedade. Já Kenshin era um andarilho de excepcional poder, de olhar repleto de bondade e piedade. E era justamente isso que Soujiro tanto estranhava. Não havia lógica para seu mentor e seu inimigo reinarem em sua mente.

Nem perceber, havia anoitecido. No horizonte, ainda vestígios coloridos do dia que havia morrido. Um segurança do OBA parou perto do samurai, avisando-o que os estúdios estavam para fechar. Soujiro sorriu e agradeceu. Em seguida, observou o funcionário do OBA desaparecendo na escuridão. Levantou-se e caminhou a procura da saída do cenário de seu anime, sempre com a mesma tranqüilidade. Ainda dava para sentir o vazio dentro de si. Alguma coisa lhe faltava.
 
 

***
 
 

No dia seguinte, a rotina de Soujiro fora a mesma. Ficou vagando pelas ruas de Kyoto, com os mesmo pensamentos perdidos nas mesmas duas pessoas, pela mesma razão incógnita. O samurai não conseguia organizar suas próprias perguntas, e muito menos suas respostas, que muitas vezes não existiam.

Dobrou a mesma esquina e deparou-se com a mesma ponte. Sentou-se á sua beira e deixou seus olhos se perderem pelo horizonte, agora, repleto de nuvens. Coincidência ou não, posicionou-se do mesmo modo que anteriormente. O vento balançava suavemente seus cabelos escuros em direção ao oeste. De repente, sentiu uma presença atrás dele e, por impulso, desembainhou sua espada e rapidamente a levou contra o pescoço daquele indivíduo. Esse repeliu o ataque com os dedos. Soujiro encarou o homem e reparou que, apesar de ele estar com a vestimenta típica da época, ele possuía chifres e orelhas estranhas.

-Você é muito rápido, rapazinho. –Disse o homem, que sorriu.

Soujiro simpatizou com aqueles olhos sempre fechados e respondeu o sorriso com outro. Embainhou sua espada. –Sinto muito pela minha reação, senhor.

-Imagine! –Exclamou o homem estranho. –Fiquei muito impressionado com sua habilidade com a espada! Você é muito talentoso! Um verdadeiro samurai! Como é seu nome?

-Soujiro Seta, senhor.

O homem gostava do sorriso do samurai. Era uma expressão bonita, mas não podia dizer se era sincera.

-Se me permite perguntar, senhor, mas como se chama?

-Pode me chamar de Yomi, pequeno Soujiro.

-Um nome interessante, senhor Yomi! Bastante exótico!

Yomi riu. Sentou-se ao lado do jovem. –Por que anda tão pensativo, Soujiro?

O samurai não respondeu, nem o olhou. Não sabia se poderia confiar no demônio. E mesmo se pudesse, não sabia se queria. Lentamente, virou-se para Yomi, que o olhava pacientemente e com o mesmo sorriso, e se perguntou se haveria outra oportunidade de se abrir como a que estava tento naquele momento. Não tinha muitos amigos para compartilhar as dúvidas de seu coração.

-Eu entendo. –Disse Yomi. –Por que falaria de coisas tão pessoais com uma pessoa que acabou de conhecer?

O demônio ergueu-se. Antes de der o primeiro passo para se retirar, Soujiro disse. –Eu estou confuso, senhor.

Yomi voltou-se ao jovem guerreiro e sentou-se novamente, esperando uma continuação.

-Tenho andado pensando em coisas completamente opostas.

-Não seria pessoas completamente opostas?

Soujiro o olhou e sorriu pelo canto da boca. –Talvez.

-O que elas te fizeram?

-A princípio, nada. É bem significativo perceber a incompatibilidade dessas duas pessoas.

-Diferentes?

-Não diria somente isso, senhor! Eles são inimigos.

Yomi riu novamente, interessado no caso. –Não me diga!

-Sim, senhor, eu digo.

-Mas o que eles têm que ocupam tanto espaço em sua mente?

-Não sei, isso é o que me intriga. O Senhor Shishiu é meu mentor, salvou minha vida quando eu era criança e me ensinou toda essa habilidade que o senhor testemunhou e contemplou. E Kenshin...

Yomi sentiu um calafrio descendo-lhe a espinha quando ouviu o nome do Battousai. Havia tido uma calorosa experiência com ele. Mas ainda assim continuou a ouvir as explicações do samurai.

-Kenshin é meu inimigo, inimigo do senhor Shishiu, opositor dos planos perfeitos do senhor Shishiu! O que eu deveria pensar sobre ele, além de uma maneira eficaz de derrotá-lo?Isso não faz o menor sentido!

-Devo concordar com você, jovem Soujiro. Já duelou com Kenshin?

-Sim senhor. Embora não fosse certo chamarmos nosso confronto de algo expressivo.

-Por quê?

-Porque em nosso primeiro atrito, nossas katanas se quebraram. Não havia como continuar com a luta. Foi tudo muito rápido e sem a menor diversão.

-Tem razão.

Um breve silêncio. O vento voltou a soprar cuidadosamente os cabelos do samurai, que se virou novamente para o horizonte. Yomi passou a decorar seus traços delicados, desde o pescoço até o último fio de cabelo. Era um tipo que muito lhe atraia. Todas as células de seu corpo o desejavam desesperadamente.

-Sabe o que eu acho? –Disse o demônio. Soujiro o olhou. Ele prosseguiu. –Que você precisa se afastar dessas pessoas.

-O quê? Mas eu não posso deixar o senhor Shishiu agora! Estamos prestes a realizar todos os sonhos do senhor Shishiu!

-Não digo permanentemente, digo temporariamente. É preciso deixar de compartilhar um pouco do mesmo ar que eles respiram, para conseguir colocar as idéias no lugar.

-E para onde sugere que eu vá?

-Venha comigo. Pode vir comigo.

Soujiro sorriu. Yomi estava certo que ele seguiria o seu conselho, ainda mais quando viu o sorriso do jovem samurai. Soujiro levantou-se. Curvou-se mansamente perante o demônio e deu-lhe as costas. –Fico grato pelo oferecimento, senhor Yomi, e por ter escutado minha agonia, mas eu não preciso mudar de ares. Só preciso organizar minhas idéias. Até mais...

Yomi engoliu seu choque e seguiu Soujiro com os olhos. Desanimado e um tanto aborrecido com seu fracasso, levantou-se e saiu do cenário do Rurouni Kenshin. No corredor circular e vazio do primeiro andar dos estúdios OBA, ele ouviu uma risada maliciosa. Logo, apareceu outra, com uma expressão mais masculina.

-Então nosso grande Sensei Yomi levou um fora do garotinho?

O demônio voltou-se e viu Shun de Andrômeda e Kamui, do X.

-E eu pensei que você fosse o Todo-Poderoso do OBA...

-Calem-se! O moleque ainda vai cair na minha lábia!

Shun e Kamui caíram na risada.

-Admita, Yomi! Você levou um pé na bunda! –Disse Kamui.

-Dobre essa língua, Kamui!

-Ó, pobrezinho! Yomi, não fica bravo! Sempre há uma primeira vez para tudo! Inclusive, para um fora!

Novamente, os corredores do OBA foram ecoados as risadas sarcásticas de Kamui e Shun. Yomi estava começando a se irritar. Encarou-os ferozmente. –Soujiro será meu, vocês vão ver!

-Acho que ele deixou muito claro que não quer nada, Sensei!

-Vai forçar a barra com ele?

-É claro que não! Ele vai ser meu por livre e espontânea vontade! Vocês vão ver! Eu vou fazer vocês dois engolirem essas risadas! O Grande Sensei Yomi jamais é dispensado! Eu vou fazer esse garoto me desejar ou eu não me chamo YOMI!

Dito isso, Yomi andou apressado para fora dos estúdios. Kamui e Shun o observaram de longe.

-Você bota uma fé nessa promessa, Kamui?

-Claro que não. Vamos fazer uma lista de sugestões de nomes para ele desde agora!

-Sempre achei Yomi um nomezinho muito fora de moda!

O cavaleiro de Andrômeda e Kamui recomeçaram com as risadas. E a noite já havia caído lá fora.
 
 

***
 
 

Yomi entrou no cenário do Rurouni Kenshin no mesmo horário que havia achado Soujiro no dia anterior. Como esperava, encontrou o jovem sentado no mesmo lugar da ponte, na mesma posição, com a mesma expressão. O que mudava era a chuva fina que resolveu cair naquele fim de tarde. O demônio se aproximou. Resolveu permanecer em pé. Sabia que o samurai já havia notado a sua presença.

-Já sei. Quer que eu reconsidere o seu pedido, não é senhor Yomi?

-Não. Na verdade, vim ouvir o resto de sua agonia. Creio que ela ainda exista dentro se você.

Soujiro o olhou e sorriu. –Muito astuto. Mas eu não sei mais o que dizer, não consigo formular uma frase sequer. É impossível explicar o que se passa em meu coração.

-Não é impossível. É somente difícil.

-Talvez. Mas é muito complicado. Eu não consigo colocá-lo em um plano compreensível.

-E sabe por quê você não consegue?

O jovem ficou interessado na questão. Aguardou o demônio dar sua resposta.

-Porque você não conhece o seu coração direito.

-O que sugere desta vez? Que eu procure um psiquiatra?

-Não é necessário, pequeno Soujiro. Eu posso te ajudar. Venha comigo, passe uns dias comigo e eu te ensinarei a se conhecer.

-É mesmo?

-Sim. Eu acho que todas as pessoas deveriam poder ter o total conhecimento de si!

-Concordo. E acho que não é necessário eu ir até sua casa, ou templo. Sugiro que façamos esse treinamento em minha residência.

Yomi ficou pasmo com a atitude do samurai, obviamente supondo que ele estava demonstrando atração. Admirou-se e sorriu. O demônio fez um pouco de charme e acabou aceitando. Soujiro levantou-se e pediu que ele o seguisse. Atravessaram a ponte para o lado oposto ao que sempre partem, e rumaram para o sul, numa rua larga e limpa. Dobraram uma esquina para a esquerda e continuaram em frente. Yomi começou a ficar um tanto confuso. Esperava que Soujiro lhe levasse para o seu chalé, do lado de fora do OBA.

-Para onde estamos indo, Soujiro? A porta do OBA fica para lá.

-Eu bem sei disso, senhor Yomi. Resolvi passar um tempo em um dojo aqui em Kyoto mesmo. Gosto muito de meu dojo lá fora, mas aqui é tudo mais tranqüilo, ainda mais quando não há ninguém nos estúdios. Tudo fica em paz...

Cada vez mais, Yomi estava convicto que Soujiro estava ardendo de desejos por ele. De certa forma, isso o excitava. Mas não podia demonstrar nada muito afetivo ainda, queria deixar Soujiro conduzir a relação. Assim, calaria a boca de Kamui e Shun de um modo mais humilhante, afirmando sua onipotência.

Seguiram aquela alameda o final, quando ela se transformava em escadas. Desceram-nas e viraram a direita, percorrendo uma rua pequena, dobrando a próxima direita novamente. Subiram poucos degraus e chegaram no humilde dojo do jovem samurai.

-Chegamos! –Exclamou alegremente o dono da casa, abrindo a casa. Yomi observava tudo com encantamento. Ficara ainda mais excitado com o cenário que possuiria o jovem samurai.

O demônio passou pelo corredor externo, que levava a sala principal, e aos três quartos. Na outra casa, um pouco afastada, somente uma porta. Imaginou que ali seria o salão de treinamento. Do outro lado do dojo, um pequeno lago de pedras polidas e carpas. Em volta da residência, árvores, que deixavam o lugar ainda mais bonito.

Yomi achou Soujiro preparando o banho.

-Muito bonito esse dojo, Soujiro.

-Sim, eu também achei. É um verdadeiro templo de paz. Eu preparei seu banho. Vá se banhar, enquanto preparo algo para comermos.

Yomi observou Soujiro caminhando para a cozinha. Mordeu os lábios. Mal conseguia conter sua vontade de agarrá-lo. "Tudo tem seu tempo", pensou ele, entrando no banheiro.
 
 

***
 
 

Soujiro e Yomi comeram em silêncio, sempre sorrindo um para o outro. A noite era calma lá fora, a chuva havia cessado, limpado o céu. Podia-se ver as estrelas e a lua nuas, perfeitas como deveriam ser. A cada gole no saquê, a cada mastigo, Yomi ia perdendo a razão e a polidez, deixando seu desejo falar mais alto e controlá-lo.

-Acabei! –Exclamou o samurai, alegremente. –Se me der licença, senhor Yomi, eu estou muito cansado, preciso descansar. Amanhã bem cedo nós começamos nosso treinamento. –Ele se levantou e caminhou para a porta. –Boa noite, senhor Yomi.

Mal deu tempo para Yomi retrucar a decisão de seu mais novo aprendiz, pois este fechara a porta quando saíra. Novamente, a sensação de fracasso tomou-lhe conta. O demônio suspirou profundamente e dirigiu-se molemente até seu quarto. Abriu a porta, acendeu o lampião e jogou-se na cama. Bufou. Não entendia como alguém poderia ser tão imune ao seu encanto. Ninguém nunca havia resistido! Começou a considerar na hipótese de Soujiro ter tomado muito saquê, ou simplesmente na idéia de estar muito velho.

-Mas o quê que eu estou pensando?! –Disse Yomi, pulando da cama. –Eu não sou velho! Sou maravilhoso! Sou poderoso! Ninguém pôde comigo, como um moleque pode?

Yomi dirigiu-se para a porta. –Vou acabar com essa história hoje! E AGORA!

O demônio percorreu o corredor e abriu a porta do quarto de Soujiro. Avistou-o sob um sono profundo e delicioso, com algumas partes do corpo descobertas pelo lençol. Uma das mãos estava sobre sua barriga e a outra perto da cabeça, que estava caída de lado. As pernas estavam largadas no colchão, relaxadas como deveriam.

Yomi se aproximou lentamente. Novamente, seu desejo voltou a controlá-lo. Debruçou sobre o jovem e o observou com mais atenção. Ficou observando mais e mais, e de uma forma inexplicável, não tivera mais vontade, ou coragem, de fazer algum mal para seu novo aprendiz. Ergueu-se novamente. Olhou-o com doçura. Colocou a mão sobre o rosto e retirou-se do quarto, rumando para o seu.

"O que há comigo?", pensou. Abriu a porta de seu aposento e jogou-se novamente sobre a cama. Aquele episódio fora inédito, em toda a sua vida jamais havia simplesmente perdido a vontade de ter prazer.

Yomi observou a lua. Logo adormeceu.
 
 

***
 
 

Assim que despertou, Yomi teve a conjetura de que talvez Kamui tivesse usado um truque barato com as suas penas para fazê-lo um fracassado. E aquilo foi o que manteve como teoria. Para ele, não havia outra dialética que rebatesse a tal fato. Então, levantou-se, lavou-se e desjejuou sem a companhia de Soujiro. O sol mal havia nascido no horizonte, certamente o jovem samurai estava dormindo.

Até o sol nascer completamente, Yomi ficou no salão de treinamento, sozinho, esperando seu aprendiz despertar. Mas, para sua surpresa, Soujiro entra no dojo, animado como sempre e saiu procurando seu Sensei pela casa. Obviamente, encontrou no salão.

-Olá senhor Yomi.

-Olá Soujiro. Já acordou?

-Faz muito tempo, senhor. Eu acordei antes do nascer do sol e fui caminhar pelo bairro. Adoro caminhar. Mas agora estou pronto para nosso treinamento. Podemos começar.

Yomi passou o dia ensinando Soujiro a se conhecer melhor, através de exercícios de meditação, auto-estima, e físicos. Assim que anoitecer, o demônio iria colocar sua verdadeira missão em ação.

Porém, novamente seus esforços foram e vão. Yomi deixou Soujiro adormecer e caminhou até seu quarto, entretanto mais uma vez seu desejo simplesmente o deixou. Sua convicção era mais forte quanto ao Kamui. "Só pode ser ele", pensou.
 
 

***
 
 

Kamui abriu os olhos involuntariamente e deparou-se com Yomi encarando-o aparentemente furioso. O jovem caiu da cama. Olhou ao redor; ainda estava em sua kitnette fora dos estúdios OBA. Olhou para a janela, que estava aberta. E ainda era noite.

-Sensei Yomi?!

-Foi você, não foi?

-O que você está fazendo aqui, Yomi?

-Seguramente, não é para te observar dormindo!

-Eu ainda não estou entendo o motivo da visita no meio da noite! Espero que você tenha ciência que ainda é noite!

-Foi Você, não foi, Kamui?

-Fui eu o quê?

-Não se faça se desentendido!

-Mas eu não entendo mesmo!

-Que truque barato você usou para me fazer "brochar" com Soujiro?

-Você brochou?

-Eu sabia que você ficaria feliz por isso! Já assumiu sua culpa!

-Não é nada disso, Sensei Yomi! Eu nem estava sabendo que você "falhou" com o garoto!

-Eu não disse que falhei! Eu nem toquei nele! E não o fiz até agora porque você usou algum truquezinho tringuilingui para eu fracassar!

-Que paranóia, Sensei! Eu não jogo sujo contra meus próprios amigos, somente com minhas vítimas! Além do mais, eu nem sei onde você está enfiado com esse guri! Vocês simplesmente sumiram do mapa!

Yomi estava alterado, mas começou a raciocinar. Sentia que Kamui estava sendo sincero, de alguma forma muito estranha.

-Você está falando sério, Kamui?

-Sim, eu juro! Ô Yomi, eu não sou tão baixo, pô!

Yomi virou-se para a janela. –Volte a dormir, Kamui...

Como em mágica, o demônio desapareceu, assim que pulou dali. Kamui sentou-se na cama e ficou pensativo, com as mãos alisando os cabelos brilhantes. Não gostava de admitir, mas estava preocupado com seu mentor.
 
 

***
 
 

-Senhor Yomi?

Yomi acordou com a doce voz de Soujiro lhe chamando. O sol já havia nascido há muito tempo. Deveria quase meio-dia. O demônio sorriu e levantou-se.

-Como o senhor dormiu! Deveria estar muito cansado!

Yomi se lavou e chamou seu aprendiz para começar o treinamento de autoconhecimento. Entraram no salão, e passaram o dia fazendo todos os exercícios.

E fora assim durante muitos dias. E todos em eles Yomi tentou saciar sua vontade, porém algo misterioso sempre o impedia. Aos poucos isso fora enlouquecendo o demônio, e estranhamente mudando o modo que via o samurai. Não o desejava mais somente para satisfazer seu simples capricho, desejava como nunca desejou alguém na vida. Soujiro não era somente atraente, com aquele sorriso que o enlouquecia, mas também pela sabedoria que não encontrou em ninguém mais. Havia algo em seu modo de se expressar, na sede que tinha de aprender, que lhe comovia e, portanto, lhe seduzia. Yomi estava tento um relacionamento diferente que sempre tivera. E por mais incrível que pudesse parecer, aquilo lhe agradava.

E então, em uma amanhã fresca de sábado, Soujiro se viu preparado para responder as perguntas que seu próprio coração fazia. Yomi estava ansioso para ver se seu aprendiz realmente estava pronto para atingir tal grau.

Sentaram-se perto do pequeno lago, ambos de quimonos frescos, um do lado do outro. O sol batia ali com ternura. Uma brisa morna refrescava o ambiente.

-E então, Soujiro.

-Acho que estou pronto.

-Prossiga.

-o senhor Shishiu é meu mentor, meu salvador. Tenho uma profunda e infinda admiração por ele. Ele tem uma capacidade de convencer as pessoas que me encanta. Além do excelente guerreiro que ele é. E esse sentimento é muito forte, muito forte mesmo, mas nada muito íntimo. É uma sensação mais paternal, ou pelo menos de irmandade. Não há mais nada confuso em minha cabeça em relação ao senhor Shishiu.

-E Kenshin...

Soujiro respirou fundo.

-Kenshin é meu inimigo, o grande rival do senhor Shishiu. Meu principal oponente, eu tenho a obrigação de tirá-lo do caminho do senhor Shishiu. E embora ele seja meu adversário, tenho uma certa admiração por ele. Talvez pelos seus idéias, ou seus sentimentos altamente reveladores. Ou somente pelos seus olhos. Os olhos dele mostram sua alma purificada. E eu achei isso extremamente fascinante. Talvez até atraente. Mas nada mais do que isso. Minha vontade de lutar com ele é ainda mais forte que essa admiração. Ele é Battousai, o retalhador. Lutar com ele é meu melhor entretenimento.

-É só isso?

Soujiro o olhou, sorridente. –Sim, Sensei.

Yomi sorriu. Adorava observar aquele sorriso de única expressão. –Acho que minha missão se encerra aqui. Agora tem completo conhecimento de seu coração, de seus sentimentos que tanto lhe confundiam. Estou feliz por você, Soujiro.

O demônio se levantou. O samurai não disse nada, somente o viu partir.

***
 
 

Yomi saiu do cenário do Rurouni Kenshin, ainda com o quimono que Soujiro lhe havia dado no corpo. No segundo corredor encontrou Kamui e Shun. Entraram, silenciosos, na primeira sala vazia que avistaram. Fecharam a porta, acenderam a luz. Shun e Kamui esperavam alguma notícia por parte de seu mestre. O demônio andava de um lado para o outro pela sala, com as mãos juntas nas costas.

-Eu não me entendo mais... –Murmurou ele.

-Não se compreende? –Retrucou Shun.

-Eu não consegui nada com Soujiro...

-Como não?

-Não foi falta de oportunidade, e sim falta de vontade. Por isso eu não me entendo. Não quero fazer isso com Soujiro.

Kamui levantou uma sobrancelha. –Por acaso você se apaixonou por ele, Sensei?

Yomi o encarou. –É claro que não! Que absurdo! Eu somente não estou mais afim dele!

O demônio se irritou novamente e correu para fora da sala. Shun e Kamui se olharam.

-O que está havendo com nosso Sensei? –Perguntaram-se, mutuamente.

Aquilo era um grande mistério, até mesmo pelo próprio Yomi.
 
 

***
 
 

Pela noite, quando os estúdios OBA estavam fechando, Yomi andava pelos corredores, em busca da saída. Mesmo se quisesse voltar a sua antiga rotina, não conseguia esquecer do que havia passado com Soujiro. Nunca ninguém havia lhe agradado a tal ponto de ganhar seu respeito, de ser capaz de impedir um ato de prazer.

Dobrou a esquina e parou. Sua respiração era rápida, suas mãos fechadas em punho. Voltou-se e correu pela escuridão dos corredores até a sala do Rurouni Kenshin. Tinha certeza que seu aprendiz ainda estava naquele mesmo Dojo. Tinha a esperança que sim.

Entrou no cenário e enquanto corria para a residência do jovem samurai, Yomi tentava formular alguma desculpa concreta para dar. Infelizmente, nenhum pretexto sensato lhe vinha a mente naquele momento. Tudo que conseguia pensar era no gosto do beijo de Soujiro e no desejo louco de fazer amor com ele. Não era somente sexo. Pela primeira vez, queria fazer algo com sentimento.

Assim que entrou no Dojo, percebeu na hora que estava vazio. Mesmo assim, procurou pelo samurai. Nada. Ele não estava mais ali. Provavelmente ele já havia voltado para seu chalé nos arredores do OBA. Yomi sentiu uma dor no coração, que jamais tinha sentido. Sentou-se na varanda e olhou para o céu estrelado. Desejava-o. Desejava-o demais para ser verdade.

Yomi suspirou fundo e quando estava preste a cair em um sono profundo, alguém lhe tocou a mão. Rapidamente, o demônio se voltou. Era ele; aquele por quem pensou nas últimas 24 horas. Era ele, seu aprendiz.

-Soujiro...

Soujiro sorriu e alisou o rosto do mestre carinhosamente, para cima e para baixo, usando o peito das mãos. Yomi acariciou os braços do samurai com a mesma doçura.

-O que faz aqui, Soujiro?

-O mesmo que você, meu bom Sensei...

O jovem caiu sobre os braços fortes de Yomi e ficou naquela posição por alguns minutos. O demônio não se importou, muito pelo contrário: Abraçou-o fortemente contra seu peito e acariciou seus cabelos escuros.

Soujiro olhou para seu Sensei e sorriu. Ergueu-se e voltou a alisar o seu rosto. Então, lentamente, aproximou seus lábios dos dele e beijou-os como se fossem feitos da mais pura seda. Yomi sentiu um calafrio gostoso pelo corpo. Enquanto se beijavam, acariciavam puramente, os braços, a pele quase nua, os cabelos, os rostos. Não havia malícia, havia sentimento em cada toque, de ambas as partes.

Obviamente, os beijos começaram a ser cada vez mais calorosos. Yomi deitou Soujiro no chão e sem parar de beijá-lo, passou a despi-lo. Procurou acarinha-lo beijando seu pescoço e seu peito, tudo com respeito e cuidado. Ali, o demônio de Makai estava pronto para entregar-se ao ato de amor. E sem a menor dúvida, Soujiro também estava.

Então fora a vez de Yomi se despir, porém Soujiro o parou. Pôs-se de joelhos, como seu Sensei estava, e ele mesmo começou a fazê-lo. Beijava a barriga do demônio até tirar a calça e acariciar o sexo de seu parceiro com suavidade. Era um movimento gostoso, repleto de sentimentos, e que estava agora misturado com o prazer. Yomi sentia a língua de Soujiro em seu órgão e só de pensar que era seu pequeno aprendiz que lhe oferecia tal sensação, era melhor que qualquer outro orgasmo que havia alcançado.

Soujiro deitou-se novamente no chão. Yomi Beijou seu corpo inteiro até chegar nos lábios do samurai. O gosto deles era o melhor que já havia testado. Yomi deixou os lábios de Soujiro para brincar em seu pescoço, provocando as primeiras risadinhas de prazer. Desceu para o peito, acariciou com as mãos e a boca.

Logo, Yomi se posicionou entre as penas nuas do samurai. Curvou-se para beija-lo e nisso penetrou seu sexo no parceiro do modo mais suave e delicado que poderia. E a penetração fora branda, sem violência e agressividade, e sim entre beijos e carícias amorosas entre duas pessoas que se desejavam por motivos maiores que o sexo, dito e feito.

Yomi o penetrava com carinho, sem intenção de machucá-lo, sempre alisando as coxas do parceiro com a ponta dos dedos. Soujiro alisava o peito do demônio e muitas vezes puxava-o para junto, a fim de arrancar-lhe um beijo.

Fora assim por um bom tempo, entre carícias e longos beijos, gemidos de prazer e risadas de satisfação, até o então orgasmo. Yomi não fora rude e agressivo como sempre fora com todos; desta vez fora afetuoso, mesmo que aumentou a velocidade da penetração, ficou atento para levar Soujiro ao mais perfeito gozo que já tivera, como ele estava buscando para si próprio. Primeiramente fora o jovem samurai, que soltou um gemido suave. Segundos depois, Yomi alcançara seu paraíso.

Yomi se deitou ao lado de Soujiro. Colocou seu braço ao redor do pequeno guerreiro e puxou-o para perto. O samurai deitou sobre o peito do demônio e suspirou. Yomi sorriu. Para ele, era um momento mágico, que achava que não existia. Seu coração estava em plena harmonia com sua mente. Era a primeira vez.

-O que veio fazer aqui, senhor Yomi? –Perguntou Soujiro, sem olhá-lo, mas pelo tom de sua voz podia-se perceber que estava contente. Yomi não deixou o sorriso morrer.

-O mesmo que você, meu bom aprendiz...
 
 

Fim

Obs: dedico essa Fics a Sandy-sama! EEEE, finalmente saiu essa Fics, hein? Mas promessa é promessa! ^__^



Por Rinko Himura rebi_zinha@yahoo.com.br
Fevereiro de 2002