MODERATO



por Lucretia



5

Dois dias já haviam se passado, depois daquela terrível recaída de Alan. Ainda estava doente, tossia um pouco, mas não tinha mais aquela aparência mórbida, recuperava a cor aos poucos. Jack cuidara muito bem dele. Atento aos horários dos remédios, fazendo-lhe canjas de galinha, que não eram das melhores, mas...

Era sábado, e, pela primeira vez na vida, Alan vira Jack acordado tão cedo. Eram 7:30. Levantou-se, tentou se equilibrar, pois ainda estava fraco, o que lhe causava tonturas, mas logo foi repreendido por seu atencioso amigo, que estava a caminho do seu quarto, com algumas pílulas e um copo d’água nas mãos.

_ Onde o senhor pensa que vai? _ Jack, pousando as coisas que possuía em mãos numa escrivaninha, correu para segurar seu amigo, que estava preste a cair de tanta fraqueza e perguntou, num tom de voz de bronca.

_ precisamos ensaiar... Toff, toff... _ tossindo, Alan balbuciou, demonstrando sua preocupação com a falta de ensaios. Não conseguia ficar em pé, mas de maneira nenhuma deixaria de ser responsável com a banda, mesmo que sacrificasse sua saúde.

Jack segurou Alan em seus braços fortemente, antes que este desfalecesse no chão, devido a sua fraqueza. Alan olhou seu amigo nos olhos, sentiu que mergulharia naquela imensidão azul. Seus rostos estavam tão próximos, que podia sentir o doce hálito de Jack invadido suas narinas. Olhou-o como que encantado pela beleza do outro. Podiam se beijar naquele momento. E era tudo o que Alan desejava, mas não podia aceitar tal desejo, então, desfiou o olhar, balbuciando algumas palavras que falavam do ensaio, envolvidas por alguns tossidos.

_ Oh, Alan... _ Jack sorriu, balançando a cabeça e ajudando seu amigo a voltar para cama _ Não, Alan, você não vai a lugar nenhum. Vai ficar aqui na cama, tomar os seus remédios. Além do que, se você piorar, sua irmã vai me matar. Estamos entendidos?

_ Mas eu já não agüento mais ficar deitado _ Alan tentou retrucar as ordens de Jack, mas logo um novo surto de tosse abatia-lhe e as palavras ficaram presas em sua garganta.

_ Viu só ?... Tome seus remédios _ Jack estendia suas mãos para Alan, dando-lhe as pílulas e o copo d’água.

Sentou-se na cama, ao lado de seu amigo, observando-o, enquanto tentava engolir com certa dificuldade os remédios. Depois tomou o copo da mão de Alan e ajudou-o a se ajeitar na cama. Arrumou-lhe as cobertas e afagou ligeiramente os negros cabelos.

Quando Alan sentiu a longa mão de seu amigo toca-lhe os cabelos, olhou-o atentamente. Como Jack podia ser atencioso daquele jeito com ele? Será que sentis a mesma coisa? Alan não soube responder tais perguntas que surgiam em sua mente, mas ao ver seu amigo tão cuidadoso com ele, foi tomado por uma onda de paixão e, por um impulso, puxou Jack para si e arrebatou-lhe um beijo quente e úmido em seus lábios.

Jack, porem, não se moveu. estava surpreso com aquela reação. Recebeu aquele beijo sem protestar, mas , também, não correspondeu. Entrou num estado catatônico, sentia a boca de Alan tocar a sua, contudo não conseguis entregar-se. Seus olhos arregalados, o copo quase escorregando de sua mão... Parecia congelado.

Da mesma maneira que começara aquele beijo, Alan parara-o. Encarou Jack esperando por uma reação dele, e esperava o pior. Estava preparado para qualquer coisa, menos para o belo sorriso que surgira repentinamente em seus lábios. Os dois amigos entreolharam-se por alguns instantes. E sem que Alan esperasse, Jack finalmente devolveu-lhe o beijo.

Os dois amigos ficaram ali, um sobre o outro, beijando-se com ternura e desejo. Jack alisava os cabelos de seu amigo e Alan abraçava-o, puxando-o contra seu peito. Estavam completamente entregues aos beijos e caricias, quando a campainha do apartamento tocou. Eles pararam, trocaram olhares entre si, e finalmente Jack disse:

_ Vamos deixar tocar _ e voltou-se para beijá-lo outra vez. Mas Alan empurrou seu companheiro e virou o rosto com um sonoro "não".

_ Pode ser alguém importante. Talvez minha irmã.

_ Não é ela _ Jack retrucou, tentando beijar Alan mais uma vez, enquanto a campainha continuava a soar _ Eu dei-lhe a chave. Se fosse ela já teria visto nosso beijo.

_ Se você não for abrir aquela porta, eu vou _ e deu mais um empurrão, afastando seu amigo.

_ Jack! Alan! (Toc, toc, toc)

_ Tá bom! Tá bom! _ e ouvindo as vozes que vinham do outro lado da porta, reconhecendo-as, Jack largou Alan, muito à contragosto e dirigiu-se a porta.

Quando abriu a porta, entrara os donos das insistentes vozes. Eram dois integrantes da banda, Marcos, o baixista, e o outro um rapaz com cabelos caramelos e cacheados e olhos castanhos. Era John, o baterista. Estavam ali para visitarem o doente, como eles mesmos chamaram Alan.

_ Onde está o doente? _ Marcos perguntava, enquanto abraçava Jack, num cumprimento amigável.

_ Está aqui no quarto _ Jack respondeu, guiando os amigos ao quarto de Alan, sorrindo.

O quarto foi tomado pelas vozes dos dois rapazes, que cumprimentavam e brincavam com o amigo, deitado na cama, ainda um pouco doente. Marcos e John ficaram a manhã toda no quarto de Alan, conversando, brincando, rindo, falando da banda e das novas composições. Alan correspondia a animação dos amigos, tossia um pouco, mas nem chegava perto do rapaz de dois dias atrás. Jack olhava-o atencioso, calado e quieto, levemente feliz. Porem, sua quietude chamou a atenção dos amigos, que perguntavam jocosamente se ele trocara de corpo com Alan, pois não era seu jeito normal de se comportar.

_ Estou só um pouco casado. Afinal a três dias eu cuido dessa criatura, sem dormir direito _ Jack tentou se explicar para os outros, mas sabia que a resposta na era aquela. Sua quietude tinha haver com o beijo que Alan dera-lhe.

A conversa prolongou-se até a hora do almoço, quando Jack trouxe a canja para Alan. Marcos e John resolveram ir embora, iriam almoçar com as respectivas famílias. John, era casado e tinha uma linda filhinha de um ano, largava tudo para passar os fins de semana com sua esposa e filha.

_ Fiquem, por favor! Tem canja para todos _ Jack convidou os amigos, brincando do seu jeito habitual.

_ O que?! E comer da sua comida?! Nem morto! _ John retrucou numa brincadeira, provocando o riso generalizado de todos.

_ Ora, seu... _ e empurrando levemente John, guiou seus amigos até a saída.

Quando voltou para o quarto, Alan estava deitado de lado, contra a porta e a bandeja com o prato de sopa no chão, praticamente intocado. Jack olhou para o prato e para seu amigo. Balançou a cabeça negativamente, aproximou-se de Alan tocando-lhe o ombro. Este estremeceu, mas permaneceu sem se mexer.

_ Por que você não tomou a canja? _ Jack perguntou apanhando a bandeja do chão.

_ Estou farto de canja... Toff... _ a resposta de Alan veio envolta a pequenos surto de tosses.

_ Você quer piorar? por favor, toma a sopa. Está esfriando. Amanhã eu faço algo melhor.

Depois de muito insistir, Jack conseguiu fazer com que seu amigo tomasse a canja. Alan fez cara de poucos amigos, realmente estava enjoado daquilo tudo, e também estava rabugento por causa da doença, mas tomou tudo. Jack sentou-se na beira da cama esperando pacientemente que Alan terminasse para poder levar a bandeja embora. Mas quando tentou afaga-lhe os cabelos, o guitarrista simplesmente virou a cabeça, numa represaria contra aquele gesto.

Jack retirou a mão, sem protestar, porem ficou fitando Alan com um pouco de ressentimento. Não entedia como a poucas horas atras ele queria-o tanto e agora nem olhava-o. Ficou calado como nunca ficara em sua vida, com um nó na garganta. Quando Alan terminou seu almoço, ele simplesmente pegou a bandeja e retirou-se do quarto, deixando seu amigo só. Tratou do seu almoço e refugiou-se na sala o resto do dia inteiro, assistindo televisão.

E assim os dois passaram o sábado, Alan dormindo ou fingindo dormir e Jack vendo os insuportáveis programas de sábado à tarde, voltando ao quarto de seu amigo apenas para dá-lhe os medicamentos.
 

CONTINUA