Pequenas Preocupações


Por Umi no Kitsune


Capítulo Três

Camilo sentiu uma sacudida forte, fazendo-o acordar, mas ainda estava muito zonzo quando jogaram água fria em seu rosto, despertando-o por completo. Ele engasgou um pouco e tossiu antes de abrir os olhos totalmente e ver quem estava com ele.

Cinco homens, um senhor e um jovem bem vestidos e os outros, rapazes, com roupas simples de campo. Eles o olhavam com desprezo e ódio. O senhor de terno apontava uma arma na sua direção. Camilo percebeu que estava preso com algemas a uma mesa, esta pregada ao chão. Estavam em uma casa de madeira, provavelmente de uma fazenda, pois a sala onde se encontravam era enorme e ricamente decorada em estilo rústico.

"Muito bem, professorzinho... finalmente acordou.", o jovem de terno lhe falou sorrindo

"Quem são vocês?", Camilo perguntou calmo, não mostrando nervosismo na voz

"Ora... amigos de seu querido Alexandre..."

"... !!!", o ruivo se espantou, mas continuou calmo, "Amigos dele? E por que estou assim? Eu não tenho nada a ver ele."

"Mas que modéstia. Se Alexandre te escutasse agora aposto que ficaria muito triste."

"Parem de enrolar. O que querem de mim? Querem se vingar de Alexandre? Pelo o que ele fez com a cidade? Pois têm o meu apoio. Vão e prendam-no! Eu não me importo!"

"Mesmo? Será mesmo que você não se importa?", o homem com a arma falou pela primeira vez, "Não foi isso que eu vi quando você estava na cama com ele..."

"O que?!", Camilo se espantou, sem deixar de ficar vermelho

"Ah... você é tímido? Uma surpresa, pois eu achava que timidez era uma característica inexistente entre os... gays.", o velho falou com desprezo a última palavra.

"Você... você viu?!"

"Hmpf! Foi nojento, contra as leis da natureza, contra a moral das pessoas de bem... mas eu me obriguei a ver sim.", ele disse fazendo uma careta de desgosto acompanhada pelo restante do grupo, "Claro que não vi tudo, meu estômago não agüentaria, mas eu tinha que dar uma boa olhada na sua cara e em quanto Alexandre se preocupa com você."

"E agora nós vamos usar você para matar o prefeito.", o jovem de terno voltou a falar.

"Mas antes...", o velho falou sorrindo, "Vamos castigá-lo pelos seus atos contra a moral da cidade."

"Esses negócio... homossexualismo... deve ser extinto do planeta. Nada pode ser mais grosseiro que dois homens juntos."

Camilo viu a mão em punho vindo na sua direção, mas não desviou. Sua cabeça foi jogada para trás enquanto a dor do soco aumentava em seu rosto.

"É um absurdo o prefeito de uma cidade ser viado! É uma vergonha! E você, amante dele, também deve pagar por essa vergonha!"

Dessa vez o golpe foi atrás, acima da nuca. Camilo caiu sobre a mesa, sem gritar, sem expressar sua dor. Seus olhos, passando do verde para o cinza, eram frios, desprovidos de sentimento.

"Nós vamos nos vingar do que Alexandre fez com a nossa família e vamos aproveitar para limpar a cidade!"

Alguém, Camilo nem se importava mais em saber quem, chutou as pernas da cadeira onde estava e ele caiu de joelhos, batendo o queixo na quina da mesa e ficando pendurado pelas algemas.

"Não queremos bichas andando pela cidade e assediando nossas crianças!"

"Como você ousa ser professor? As escolas não deviam deixar alguém que dá o cu lecionar!"

"Seu anormal! Aberração!"

"Não sei como Deus permite que bichas como você continue vivendo!"

"Gente que espalha doença arregaçando as pernas!"

Eram os cinco homens gritando, xingando e batendo, mas Camilo não soltou um grito, não deixou escapar um sinal de sofrimento. Ficou mudo e impassível enquanto chutes e socos ficavam cada vez mais fortes contra seu corpo. Antes de voltar a inconsciência, ele não agüentou e deixou escapar um gemido de dor, mordendo o lábio, tentando abafá-lo.
 
 
 
 
 
 
 
 

"Realmente... esse rapaz é maravilho! Maravilhoso!", Alexandre, o avô, bradou feliz, levando uma xícara de chá à boca, "Inteligente, simpático e ainda movimenta a vida nessa cidade de merda!"

"Vovô!!!", Rúbia o repreendeu, brava

"Mas eu estou falando a verdade. Nunca vi meu neto assim... nunca vi comoção tão grande por causa de um homem só!", ele deu mais um gole no chá, "E olha que Alexandre não ficou assim nem quando teve que enfrentar a família Raposo!"

"Vovô, Camilo pode estar em perigo nesse exato momento e o senhor fica dizendo essas coisas?", a garota disse exasperada

"Pois é... maravilhoso esse rapaz, maravilhoso! Um pouco de ação nunca é demais. Ele vai ficar bem, não se preocupe."

"Parem de falar!", Alex gritou de repente, "Vocês dois, quietos!!!"

Mudando de expressão, o velho Alexandre olha sério nos olhos do neto de diz, "Não fale nesse tom comigo. Se está desesperado e não consegue se controlar não desconte em nós! Não tenho culpa se meu neto se tornou um homo e ficou todo afetado!", Alex e Rúbia o olham surpresos, "Bah! Achou que eu só porque sou velho não perceberia a influência que o rapaz da capital tem sobre você? Enquanto era um homem ou uma mulher sem compromisso na sua vida eu ainda via uma luz, mas quando aquele rapaz entrou nesta casa eu vi que, pelo meu neto, poderia perder as esperanças de continuar a família. E se acha que foi fácil pra mim ver que o meu menino se tornou algo estranho e simplesmente sorrir, está enganado!"

O velho se aproximou de Alex, que ainda estava surpreso, "Eu sei... que isso sempre existiu. Que a homossexualidade sempre esteve presente em todas as sociedades, abertamente ou escondida, ela sempre existiu. Eu estaria negando minha formação em História se dissesse o contrário. Mas é muito difícil pra mim, ver você sendo um deles, Alexandre. É difícil mas ao mesmo tempo é gratificante ver que você continua firme com seus propósitos e convicções, continua honesto, forte e competente em tudo o que faz.", uma mão trêmula chega ao ombro de Alex, "Eu fico feliz em saber que você continua sendo o meu neto...", ele sorriu meio sacana dizendo, "Se chorar e me abraçar agora eu juro que te deserto."

"... vovô... você fala demais.", Alex também sorriu, "Todo esse discurso só pra dizer que não se importa e enquanto isso o meu professor corre perigo."

"Então não enche mais o meu saco e vai salvar esse rapaz!", o velho voltou a se sentar, tomando mais um gole de chá.

"Nós nem sabemos se ele está mesmo correndo perigo, vovô.", Rúbia disse, com uma expressão mais tranqüila, "Ele simplesmente desapareceu."

"Mas ele não deve estar só desaparecido. Eu tenho quase certeza que o velho Raposo está com ele. Só está esperando passar um tempo para entrar em contato."

"Será que ele teria tanta coragem assim de te enfrentar de novo? Afinal, só sobraram ele e o filho... o resto da família..."

"Eu matei. Eu sei que eles estão somente em dois, mas mesmo assim são perigosos."

"Não se esqueça, Rúbia, que foram justamente esses dois que conseguiram enganar o povo e suceder o meu lugar na prefeitura.", Alexandre, o avô, disse sério, com o rosto escondido pela xícara de porcelana, "Mesmo depois de tudo o que eu fiz para mostrar as atrocidades que a família deles fizeram no passado... mesmo depois de eu querer limpar o passado da cidade, mudando o nome e consertando os estragos que eles deixaram."

"Eles compraram votos e voltaram ao poder...", a garota disse triste, lembrando-se da época em que seu pai e avô decidiram mandar ela e Alex para a capital por segurança.

Foi nesse período que tudo mudou em Alexandre. Em menos de dois meses ficaram sabendo da morte do pai e do desaparecimento do avô. Seu irmão ficara louco, deixando-a sozinha por uma semana, voltando completamente diferente, prometendo vingança à família Raposo.

Ele estudou muito, conheceu várias pessoas, trabalhou dia e noite. Entrou na faculdade de Direito, abriu uma empresa, fez dinheiro e ficou famoso no mundo dos negócios. Respeitado por todos como um jovem que subiu rápido na vida e ainda cresceria muito. Não apenas intelectual, Alexandre também treinou o físico, ficando mais robusto, forte, ágil e rápido.

Parecia apenas um rapaz obcecado em vencer. Mas Rúbia sabia que era muito mais e quase entrou em desespero quando soube que o irmão estava tendo aulas de tiro. Ele levou a sério e com rigidez tudo o que fez. Virou um homem distante e frio a ponto de ter que fingir simpatia para conseguir o que queria. Apenas mantinha-se um pouco mais humano e verdadeiro com sua irmã. Ela era a única coisa que o fazia lembrar-se de ser humano e também a única coisa que tinha na vida.

Nesse meio tempo, Alex conheceu um rapaz da sua idade, mas com uma vida bem diferente da dele. Júlio era um rapaz feliz e sem preocupações que passou a se encontrar com Alexandre quando este precisava descontar todo o seu stress. No começo, Rúbia não sabia qual era a relação dele com seu irmão, mas entendeu depois de uma conversa com o próprio Júlio.
 
 
 
 

"Oh, Alex! O que aconteceu?"

"Não se preocupe, lindinha, seu irmão só está bêbado de sono.", Júlio disse sorrindo, deitando Alex no sofá. O rapaz estava de saída quando escutou um choro baixo. Virando-se encontrou Rúbia com os olhos cheios d’água, "Ei, ei... calma... por que está chorando, lindinha?"

"Meu... irmão...", ela gaguejou entre soluços, "Ele... por que ele faz isso? Por que ele... não desiste?"

"Shhh... calma, calma.", o rapaz fez Rúbia sentar-se ao lado do irmão, "Sabe o que seu irmão está fazendo? Ele está buscando alcançar uma meta que ele mesmo se obrigou a alcançar. Ele está se esforçando, dando o máximo que pode para ser o melhor e vencer. Mas você sabe que ele não quer vencer aqui... seu irmão quer vencer lá naquela cidade do interior, pequena e insignificante."

"... mas..."

"O que ele pensa é que se ele vencer aqui, com certeza vencerá lá. Ele acredita nisso e luta por isso. Claro que é um caminho muito mais difícil e cansativo o que ele escolheu. Mas ele quer que seja desse jeito e nem você pode mudar isso. Melhor do que eu, você sabe o quanto ele é teimoso."

"... o que... você é... do meu irmão?", a menina perguntou incerta, "Você sempre aparece quando ele... ele..."

"Ah, eu sou uma válvula de escape.", Júlio respondeu ficando um pouco embaraçado na frente da menina de 12 anos.

"Válvula de escape...", ela repetiu abaixando a cabeça, ficando quieta, com algumas lágrimas ainda correndo até dizer, "Você é gay, não é?"

"Uh... sou. Mas seu irmão..."

"Isso não tem problema.", Rúbia falou devagar e baixinho, "Meu irmão... ele sempre parece mais calmo depois que vocês saem juntos. Eu não me importo."

"Er... não pense mal de Alex, lindinha. Não é como se ele..."

"Eu já sou crescida para falar dessas coisas.", ela protestou, "Mas ainda é estranho..."

"Então não vamos falar mais, ok?", Rúbia olhou confusa enquanto ele sorria, "Se você ainda acha estranho é melhor esperar mais um tempo antes de discutirmos. Enquanto isso, deixe seu irmão por minha conta."

Júlio estendeu uma mão que Rúbia encarou por alguns segundos antes de aproximar a sua.

"Negócio fechado, lindinha.", ele piscou um olho chacoalhando as mãos, sem deixar de sorrir, "Agora eu preciso ir."
 
 
 
 

O telefone toca e tira Rúbia da corrente de lembranças que ela mesma se colocou. Alex atende, sua expressão fica séria e ela vê nos olhos do irmão algo diferente, um brilho diferente. O mesmo olhar que ele tinha no dia em que voltaram para Rosa Rúbia. Isso era um sinal... um sinal de que alguém iria morrer com certeza.

"Vovô... pode me fazer um favor?", Alex perguntou logo depois de desligar o telefone

"Fale, meu filho."

"Mantenha a polícia longe disso até e exatamente às vinte horas.", ele diz calmo, enquanto escrevia algo em um pedaço de papel, "Depois, leve-os até este endereço."

"O que você vai fazer, Alex?"

"Nesse endereço o delegado encontrará a família Raposo e seus capangas.", Alex continuou, sem dar atenção a pergunta que lhe foi dirigida, com um tom de voz autoritário, "O delegado deverá prendê-los."

"Alex, vovô perguntou o que você...", Rúbia tentou falar, mas foi interrompida por um olhar severo do irmão.

"Eu espero ter sido claro.", ele disse enquanto vestia um casaco, "Não me esperem voltar. Segunda-feira eu vou direto para a prefeitura."

Com essas ordens, Alex saiu da sala sem dizer mais nada, deixando seu avô e sua irmã pra trás. E, para os três, parecia que era definitivamente.
 
 
 
 
 
 

Camilo acordou lentamente, aproveitando o silêncio e a solidão para acostumar-se com a dor. A dor... não era uma ou mais dores em seu corpo. Era a própria dor, cobrindo todo o seu corpo como um cobertor grosso e grande, fazendo o simples pulsar de seu sangue um sofrimento. O curto movimento dos seus olhos, por baixo das pálpebras fechadas, seu peito subindo e descendo lentamente com a respiração fraca, o inesperado tremor involuntário em seus dedos... tudo era dor.

Os olhos, verdes e claros, abriram-se devagar. Ainda semifechados, tudo o que viam era embaçado, uma imagem disforme que ia se compondo aos poucos. Ele engole em seco atestando a presença de sangue. Passando a língua no interior de sua boca, Camilo descobre pequenos cortes e o gosto do seu sangue mais acentuado nesses pontos.

"Leve-o para o porão. Alexandre deve aparecer daqui a pouco e seria bom se ele não o visse por aqui."

"Sim, senhor."

O som de passos vindo em sua direção alertou Camilo para fechar os olhos e fingir inconsciência. Enquanto dois pares de mãos o soltavam da mesa, ele pensou em quão miserável era a sua situação. Era apenas uma isca para atrair Alexandre. Mal eles sabiam que se dependesse do prefeito ele já estaria morto agora.

Se não fizesse alguma coisa ficaria preso pra sempre ou acabaria morto como compensação pelo plano frustrado desses homens. Claro que eles não hesitariam em matá-lo, pois achavam que era gay, só porque um deles o viu... Camilo ficava com vergonha só pensar.

Como um homem podia lhe dar prazer? É impossível! Camilo nunca gostara, nunca se interessara por homens. É certo que seus relacionamentos nunca foram do tipo modelo... mas é que ele nunca amara de verdade. Todas as mulheres com que saíra nunca o tiraram do sério como...

Quem queria enganar? A verdade é que Alexandre conseguira remover toda a utilidade da palavra nunca...

"Deixe que eu dou conta dele sozinho.", uma voz o tirou de seus pensamentos

"Consegue mesmo?", outra voz, vinha mais de perto

"Sim, apenas coloque os braços dele sobre o meu ombro, assim fica fácil. Ele não é tão pesado."

"É... homem fraco da cidade. Não tem músculo para fazer peso.", disse o homem, colocando Camilo no ombro do outro.

Era uma ótima chance. Abrindo os olhos devagar, mirando o chão, Camilo percebeu que estavam descendo por uma escada de madeira e que ficava cada vez mais escuro. O segundo homem não os acompanhara, então, estavam sozinhos.

Olhando em volta, o ruivo notou pedaços de madeira, ferramentas e outros objetos pendurados nas paredes. Uma pequena claridade vinha de uma janelinha no alto de uma das paredes, quase encostando ao teto. Pelo tipo de luz que vinha da janela, alaranjada, quase vermelha, ele supôs que já deviam ser mais de 18 horas.

Antes que pudesse ver e pensar em mais alguma coisa, o homem que o carregava parou e, com um impulso, jogou seu corpo para frente. Camilo rapidamente segurou com firmeza os ombros do rapaz enquanto caía e, ao encostar o primeiro pé no chão, levantou o joelho da outra perna direto no abdômen do outro.

O homem dobrou o corpo e abraçou a si mesmo, sem ar. Suas pernas falharam e ele ia cair de joelhos quando um punho foi de encontro com seu queixo, jogando-o inevitavelmente para trás. Ainda tonto e sem ar, o homem nada pode fazer quando Camilo o virou de costas, amarrando seus braços e logo depois fechou sua boca com um lenço e fita adesiva de construção.

Afastando-se um pouco, o ruivo respira, tomando fôlego e bate as mãos contra a lateral da calça, levantando uma fina nuvem de poeira. Quando ele se aproxima novamente do homem, o olhar dele é de pavor e de medo. Camilo vacila, não entendendo a reação quase de pânico.

"Oh... você acha que eu...", ele disse espantado, quando o entendimento invadiu-lhe a mente. Depois retorquiu bravo, sentindo-se insultado, com a cor de seus olhos tornando-se cinza, "Bem que eu gostaria mesmo de ter coragem pra fazer isso, mas não sou igual a você. Eu não torturo por prazer."

Camilo pegou na amarra que fez nos punhos do homem e arrastou-o até debaixo da escada, escondendo-o. Depois, procurou pelas paredes alguma coisa que pudesse usar como arma, pois não demoraria muito para alguém descer desconfiado e, principalmente, armado.
 
 
 
 
 
 

"Por que a demora?", o velho perguntou para ninguém em particular

"Vá ver o que aconteceu lá embaixo.", o jovem de terno disse em voz de comando para um dos rapazes, "Tome, leve isto com você", ele jogou uma arma para o empregado, "Espero que saiba usá-la."

"Sim, senhor."

O rapaz se foi e os três restantes esperaram por mais algum tempo, o velho ficando impaciente.

"Alexandre... é bom você aparecer logo.", ele murmurou bravo, "Será que além de bicha virou covarde?"

"Calma, pai. Deve levar pelo menos uma meia hora pra ele escapar da cidade sem ser visto e mais uns quinze minutos pra ele chegar aqui."

"Você tem razão... Ei, você!", o velho apontou para o único homem que restara com eles, "Vá lá fora e me adiante se Alexandre se aproximar."

"Sim, senhor."

Passaram-se mais alguns segundos quando um estrondo seguido da explosão de um tiro foi ouvido, fazendo o velho Raposo e seu filho pularem assustados, com armas em punho.

"O que foi isso?", o velho gritou desorientado, pois não sabia se o que escutara viera do porão ou do lado de fora da casa
 
 
 
 
 
 

"O que vocês fizeram?"

A voz imponente e autoritária de Alexandre preencheu o ambiente e parecia que até as paredes tremiam com o som. Lá estava ele, com uma arma na mão direita e com os olhos brilhando em fúria, escaneando cada pedacinho da grande sala a procura de Camilo.

Alexandre tinha acabado de chegar a fazenda dos Raposo e estava escondido tentando achar um meio de entrar sem chamar atenção quando reparou no capanga que descia calmamente a escadaria que levava a entrada do casarão. Sorrindo pela sorte, Alex derrubou facilmente o homem mas acabou deixando-o cair sobre o viveiro de pássaros ao lado da escadaria, chamando mais atenção do que o necessário.

Mas mal o homem caíra no chão, Alex escuta a explosão de um tiro vindo de dentro da casa. Sem pensar duas vezes, achando que por sua culpa Camilo já estivesse morto, ele escancara a porta frontal, deparando-se apenas com o velho Raposo e seu filho, ambos também com caras assustadas e armas em punho.

"Filho, vá ver o que aconteceu!", o velho Raposo ordenou

"Não se mexa!", Alex gritou apontando a arma para a cabeça de Roberto Raposo, que congelou onde estava.

"Não se atreva a apontar uma arma para o meu filho, Alexandre!", o velho também gritou, apontando sua arma para a cabeça de Alexandre.
 
 
 
 
 
 

Saindo de seu estado de choque, Camilo leva uma mão à testa, que queimava e ardia. Logo depois de ver que a mão voltara manchada de sangue, o mesmo líquido espesso e rubro escorreu para o seu olho direito deixando sua visão embaçada.

"Ele... me acertou...", o ruivo murmura ainda com os olhos mirando a própria mão, mesmo sem enxergá-la direito

Foi tudo muito rápido. Ele estava esperando o homem descer todos os degraus para atacá-lo por trás, mas um barulho do lado de fora da casa fez com que os dois se assustassem e, quando deu-se conta que era observado, Camilo avançou, mas não conseguiu desviar do tiro. Felizmente, o homem não o atingiu mortalmente.

O ruivo escutou um grito vindo do andar de cima, mas não conseguiu identificar as palavras. Mais um grito e mesmo não sabendo o que fora dito, Camilo teve a leve impressão de ter escutado o nome de alguém.

"Alexandre...?"

Camilo se levanta e, com alguma dificuldade, começa a subir as escadas, sem importar-se com o homem amarrado e inquieto e com o corpo caído imóvel no chão, com dois pedaços de madeira, que já foram um, sobre ele.

"Alexandre? Ele... ele está aqui?", o ruivo pergunta a si mesmo, duvidando da sua mente, já que não conseguia escutar mais nada. Tudo voltara a ser só silêncio.
 
 
 
 
 
 

"Eu não vou deixar que seu filho saia daqui.", Alexandre disse friamente, recompondo a calma.

Se o velho Raposo também estava assustado quer dizer que o tiro não era esperado. Talvez Camilo ainda esteja vivo.

"E eu não vou permitir que você mate o meu último filho. Abaixe a arma!"

"Se você quer tanto saber o que aconteceu, deixe-me pelo menos gritar por Camilo.", Alex sugeriu, sem mover um músculo, "Saberemos pela voz de quem responder. Se um dos seus homens ou Camilo."

"Está bem... Grite!", o velho concordou
 
 
 
 
 
 
 
 

"Camilo!!!"

Camilo retesou-se no mesmo instante que o grito chegou ao seus ouvidos e ecoou pela casa. Já estava fora do porão, não sabia exatamente onde, mas não estava muito perto do dono da voz. Era o seu nome... sendo chamado por aquela voz...

"Essa voz... é de... O que, o que ele está fazendo aqui?", o ruivo perguntou-se, aflito. Ele tomou fôlego para responder, mas parou quando algo veio em sua mente. Alexandre pode estar preso, deve ter sido obrigado a gritar, aqueles homens devem saber que ele escapou, "Não... não vou responder! Mas... ele tem que continuar gritando, senão não vou encontrá-lo..."

"Camilo!!!"

Suspirando de alívio, Camilo caminhou o mais rápido que pode na direção da voz.
 
 
 
 
 
 
 
 

"Camilo!!!", Alexandre grita mais uma vez, mais alto que antes, desesperando-se interiormente por não obter nenhuma resposta

"Não adianta gritar mais!", o velho Raposo disse ríspido, "O seu professor deve estar morto!"

"Então por que os seus homens também não respondem?", Alex rebateu bravo, sem tirar os olhos e a mira de Roberto, "Ele está vivo!"

"Então se sabe que ele está vivo pare de apontar essa arma para o meu filho!"

"Desça a sua antes.", Alex murmurou friamente.
 
 
 
 
 
 

"Alexandre... grite mais um vez...", Camilo disse baixinho, apoiando-se em uma parede, "Onde você está?"

Voltando a andar, o ruivo esbarra em uma peça de mármore que caí e se estilhaça no chão.

"Droga...", Camilo culpou-se e segurou-se nas fissuras da parede para manter-se de pé. Seu corpo todo doía e sua cabeça latejava praticamente gritando de dor.
 
 
 
 
 
 

Alexandre teve que se esforçar para não conter um sorriso. O barulho fora causado por Camilo, tinha certeza disso. Com mais esperança, ele analisa rapidamente a grande sala, sem desviar muito o olhar de Roberto e do velho Raposo.

"Não vai abaixar a arma, senhor Raposo?", ele disse

"Eu não sou bobo! Não vou deixar você apontar livremente essa arma para o meu filho!", o velho respondeu furioso

"Ora, por favor... eu não sou como o senhor. Se abaixar a sua arma eu abaixo a minha, o senhor sabe disso.", Alex disse como tratando uma criança.

"... eu estou de olho em você.", o velho advertiu e depois falou para Roberto, "Filho, fique preparado."

"S-sim, pai...", o jovem respondeu gaguejando
 
 
 
 
 
 
 
 

Camilo continuou andando mesmo sabendo que poderia ser inútil, pois se tomasse um corredor errado, acabaria mais longe de Alexandre. Mas também não poderia ficar parado.

"Eu... sou um idiota...", ele disse bravo, respirando devagar, "Poderia estar fora daqui há tempo... poderia pular agora mesmo, ali, naquela janela... mas eu, idiota, tenho que ir atrás dele...", parando um pouco ao sentir as pernas falharem, Camilo desabafa com o nada, "O que ele fez comigo? Ele é um monstro... um ditador, assassino... por que eu...", ele gaguejou, "Por que eu... não é possível que eu o ame... eu não posso amar um homem assim, não posso. Mas essa é a única explicação para o que eu estou sentindo... e é tão terrível, tão sufocante pensar nisso."

Suspirando pesadamente, Camilo limpa pela décima vez o olho direito do sangue que atrapalha sua visão e segue andando.

"É terrível achar que hoje eu descobri quem eu amo... mas também hoje posso perder tudo...", o ruivo fecha os olhos e suspira, entrando por um corredor diferente, maior e mais decorado, com apenas uma saída.
 
 
 
 
 
 
 
 

O velho Raposo abaixava o braço lentamente sob o olhar atento de Alexandre, este mantinha o próprio braço imóvel, ainda apontado para a cabeça de Roberto.

Mesmo olhando para a direção do velho, Alexandre sabia que sua mira continuava a mesma, por isso estava calmo. Mas quase foi pego de surpresa, com o salto que seu coração deu, quando, olhando para o corredor atrás do velho Raposo, viu, escondido nas sombras, a figura de Camilo.

O ruivo estava parado, com os olhos verdes arregalados de espanto. Alexandre percebeu que ele tremia e viu, não muito nitidamente, o machucado na testa, acima do olho direito.

Alexandre inspirou. Expirou. Inspirou. Roberto Raposo estava com a arma abaixada e de costas. Expirou. A mão do velho Raposo estava ao lado da perna. Inspirou. Alexandre abaixou-se, escondendo-se atrás de um sofá e atirou uma vez. Roberto Raposo caiu gritando de dor.

"Seu verme!", o velho Raposo gritou enfurecido e também atirou, mas apenas acertou a madeira espessa e forte de jacarandá que compunha o sofá e o ferro fundido da mesa que estava atrás do sofá onde Alexandre estava escondido.

"Alexandre!!!"

O grito de Camilo chamou a atenção dos dois homens e ambos olharam para o corredor.

"Maldito! Ainda está vivo, viado?", o velho Raposo apontou a arma para o ruivo, que não tirava os olhos do local onde Alexandre estava.

"Não! Se abaixe!", Alex gritou e atirou logo em seguida. Tudo o que viu foi o velho e Camilo caindo, "Não!"

Alexandre se levantou e correu até o ruivo. Seu coração quase veio à boca ao ver o sangue escorrendo pela testa do ruivo e todos os machucados que estavam tão visíveis no corpo dele.

"Camilo?", ele perguntou baixinho, segurando-o possessivamente, "Camilo, por favor..."

"... uh...", o ruivo gemeu antes de abrir os olhos, "Você... está bem?"

"Que pergunta boba...", Alex sorriu, abraçando-o mais forte, "O que aconteceu? Você não podia esperar eu chegar?", ele brincou

"Eu não sou mulher. Não preciso ser salva...", Camilo respondeu, enquanto passava os braços pelo pescoço do moreno.

"Meu professor... eu nunca...", Alex começou, mas um dedo fechou seus lábios.

"Gosto mais quando me chama do outro jeito.", Camilo disse sorrindo, enquanto ficava vermelho

"Eu nunca mais vou permitir que alguém toque em você... meu Camilo."
 
 

Continua...