Pas-de-Deux

 

por Rinko Himura


Parte II


Sanosuke fizera exatamente como havia prometido a si próprio: Estava se acabando na bebida. A suposição que seu amado Saitou estava tendo um caso havia se confirmado da pior maneira imaginável. Estava completamente sem rumo, inconsolável e abatido. Mal comia e dormia, o máximo de esforço que ousava fazer era de apanhar a garrafa de saquê e virá-la na boca. Esse era o alimento que matava a fome angustiada de seu infindo sofrimento.

Kenshin fora lhe procurar uma única vez, mas Sagara o recebeu inteiramente bêbado; fora grosseiro e ameaçou seu antigo amante com socos e chutes tortos, porém não deixavam de ser poderosos. Não restou nada para o andarilho fazer além de deixar seu amigo mergulhado em pura desesperança.

Mas garrafas de saquê não duram para sempre. Não demorou muito para as economias de Sano acabarem e não sobrar um centavo para gastar em bebida. Tentou continuar com sua jornada derradeira bebendo fiado no restaurante Akabeko, no entanto seu vício não fora longamente sustentado pela amizade com a dona do restaurante.

Sagara resistiu á bebida substituindo seu vício com outro. E por mera coincidência, esse lhe causava muito mais prazer: as brigas de rua.

Passou semanas e semanas arrumando encrenca, seja por dinheiro ou só pelo deleite de sentir sua grandiosa mão amassando e quebrando costelas, dentes e narizes. Não importava a identidade ou a quantidade dos adversários: havia voltado a sua profissão anterior, antes de conhecer Kenshin e mudar sua visão do mundo.

Sim, as brigas lhe causavam um gozo inabalável, mas no fundo de sua sã consciência, Sanosuke sabia que o caminho que havia escolhido para afogar sua consternação era totalmente errôneo e chegava a ser até infantil. Mesmo assim o seguia. Era a única maneira de perder tempo fazendo outra coisa além de pensar em seu amado.

Mais uma vez, Kenshin tentara lhe endireitar. Envolveu-se na briga comprada pelo companheiro e acabou deixando-o inconsciente. Levou-o até o Dojo Kamiya onde Megumi cuidara de seus ferimentos, mas jamais poderia tratar de sua verdadeira lesão, que era interior e só ele podia ver.

Sano ignorou a ajuda dos amigos, desta vez com mais educação; simplesmente deixou a academia e refugiou-se em sua casa, destruída pelos seus vícios. Passou muito tempo procurando uma resposta para aquela situação, porém nada lhe vinha a mente. Foi assim que ele, mesmo sem ter alguma intenção, voltou a beber e a brigar, unindo os passatempos que o fazia esquecer de sua profunda e incurável dor.

E em um desses "entretenimentos" rotineiros, Sanosuke, bêbado e ainda machucado da última briga, fora preso pela polícia de Kyoto.

*

Passara duas noites na cadeia, largado no canto da cela, olhando para o teto, com suas lágrimas secas. Ali, engaiolado por um cubículo autoral, Sanosuke estava coibido de saciar seus vícios, então sofria pensando em Saitou. Perguntava-se como uma situação tão fátua pôde se transformar numa novela de traição e repressão, onde somente ele padecia com as conseqüências. Ao menos na cadeia ele pode pensar os detalhes de toda a situação e tentar compreender como chegara aquele ponto.

"Tudo por causa de uma interpretação errada", ele pensou. Era tudo que conseguia pensar. O início daquilo tudo era um patético erro de interpretação. Isso chegava a lhe causar ânsia de tão ridículo.

E todos aquele sentimentos e pensamentos o enlouqueceram. Não chorava mais, nem xingava a si mesmo: agora gargalhava. Gargalhava extravagantemente, sua voz ecoava pelos corredores. Passou um grande tempo dando risada, por um motivo bastante incerto, o que o rotulava ainda mais como louco desvairado.

E naquele fim de tarde, um policial veio até sua cela. –Sanosuke Sagara?

Sano o olhou, ainda com uma risada ofegante.

-Você está solto.

-Eu? Solto? Fala sério...

-Pagaram a sua fiança, pode ir embora.

O lutador se levantou. –Olha meu chapa, só pode ter sido um grande engano...

-Vá logo, suma daqui, seu vagabundo! Antes que eu me arrependa!

Sanosuke correu corredor afora e fez exatamente como lhe fora ordenado. Passou pela delegacia olhando atentamente como policial, na esperança oprimida de avistar seu amado.

Caminhou para casa, sem muita expectativa para seu futuro. Pensava no seu fiador: quem pagara sua fiança? Desejava que fosse Saitou, mas havia uma grande rejeição por essa idéia em seu coração. Apostava que fora Kenshin ou algum amigo do Dojo Kamiya. Talvez até Tae, a dona do Akabeko, sua eterna fiadora. Mas tinha quase certeza que fora Kenshin e seu bom coração.

Assim que chegou em casa, sentara-se em seu tatame parcialmente destruído, e refletiu. Instantes depois, alguém batera na porta.

-Entre. –Sano disse, com uma voz sorumbática. Ele voltou-se para porta e ficara surpreso com a visita que recebera. –Você?

*

Sano serviu sua última garrafa de saquê para Soujirou Seta, que aceitou timidamente. Sagara o olhava com um misto de emoções sacudindo dentro de seu coração; não sabia se o odiava ou não. Simplesmente era tudo muito confuso, seus pensamentos eram duvidosos e seus sentimentos improváveis. Serviu-o com saquê em silêncio, procurando evitar olhá-lo. Seta estava de joelhos, com suas mãos fechadas em seu colo. Estava com seu olhar fixo para o chão. Tinha vergonha de encará-lo.

Sanosuke bebera rapidamente seu saquê. Imaginava o que o ex-samurai de Shishiu queria com ele.

Resolveu então perguntar. –O que veio fazer aqui?

Soujirou não respondeu. Sano tivera uma suposição espontânea: Talvez o jovem sorridente fosse o responsável pela sua liberdade.

-Você quem pagou minha fiança, não foi?

-Sim, fui eu.

Sano bebeu seu segundo gole de saquê. –Por quê?

-Me senti culpado, senhor Sagara. –Levou sua testa a superfície do chão, como num gesto de perdão. –Sinto muito, senhor Sagara. Quero que me perdoe. Eu fui tolo. Fui incapaz de engolir meu desejo. Sinto muito.

-Deixe de ser maricas, ô meu! –Gritou o lutador, despertando um sentimento de pavor no seu convidado. –Não foi culpa sua, sua pequena besta!

-Então...Foi sua culpa? –Perguntou Soujirou, ingenuamente, voltando a olhar para Sagara, abrindo um leve sorriso.

-Que minha o quê, ficou louco? –Berrou Sanosuke. –Eu não tenho culpa não, mané! Eu só estava com uma puta raiva e queria comer alguém para me vingar! –Acalmou-se, dera mais um gole no saquê, desta vez pela boca da garrafa. –Mas temos que admitir que você foi muito burro de cair na minha lábia... Eu sabia que eu era irresistível, mas não pensei que fosse tanto assim a ponto de um ex-inimigo meu ficar a fim de mim!

Soujirou ergueu uma das sobrancelhas, enquanto assistia Sano dando risada de seu próprio comentário. Porém depois começou a sorrir.

Repentinamente, Sagara parou de rir. Ficou sério como um coveiro. O samurai levantou-se. –Tenho que ir.

-Não! –Sanosuke agarrara o seu punho, impedindo-o de partir. –Você não vai sair daqui até me revelar o que realmente veio fazer aqui!

Seta tentou se soltar. –Não! Eu só vim pedir desculpas e dizer que fui eu quem pagou a fiança, só isso!

-Mentira! Pára de falar bosta, seu boçal, e desembucha!

-Não! Me larga, se não quiser que eu corte seu braço fora!

-Pois tente! Quando você fizer isso, eu já terei quebrado seu punho!

Os dois ficaram se encarando furiosamente, Soujirou tentando ser solto e Sano o pressionando a ficar e falar a verdade.

-Pra mim chega, eu vou matar você! –Gritou Seta.

-Ah, que coisa romântica, primeiro você se deita comigo depois você quer me matar! Muito bonito isso!

-Cala a boca, seu infeliz! Você quem me seduziu e só Buda sabe o quando eu estava necessitado!

-Sei, pelo jeito Saitou não foi muito potente contigo, né franguinho?

-Você não sabe nada sobre o que realmente aconteceu!

-Sei o suficiente para querer que vocês dois se danem!

Seta rangeu os dentes. –Você é um bárbaro mesmo, seu imbecil! Me solta agora se ama tanto sua vida!

-Você só ameaça, franguinho! –Puxou-o para perto, prendendo-o contra seus fortes braços. –Ahá! Quero ver você sair agora! Me fala logo todo o lance que você teve com o Saitou antes que eu quebre sua costela!

-Seu selvagem, me larga! Eu tô te avisando!

-Ó, o franguinho tá nervosinho!

-Como eu pude deixar um ordinário como você meter em mim? É inconcebível!

Sano zangou-se e o apertou. –Como é? Vá dizer que não gostou!

-Idiota! Me solta!

-Diz aí, mané!

-Eu te odeio, como posso ter gostado?

-Sei, sei!

Subitamente, como um flash de luz, os dois se olharam por uma fração de segundos e depois caíram no tatame, beijando-se e abraçando-se, como se o desejo tivesse tomado conta deles.

Sano dava mordidelas no pescoço de Soujirou, que tentava tirar a blusa do lutador de rua. Ambos estavam muitos afobados. Seta apertava as nádegas densas de Sagara, puxando-o contra si, querendo que o ato se consumisse rapidamente.

Mas isso não aconteceu. Sanosuke foi tomado por uma súbita lembrança de Saitou, que o fez se afastar do jovem samurai.

Seta olhou-o, com sem blusa e com a calça meio aberta, sem entender o que havia acontecido. Mesmo assim, resolveu não perguntar.

Com a mão, indicou a porta para Soujirou, que obedeceu sem contestar.

"Mas o que esse franguinho tem para Saitou gostar tanto?", pensou. A resposta veio logo em seguida. "A mesma coisa que fez você gostar dele".

*

Dois dias depois, Sano decidiu sair de casa. Havia ficado todo aquele tempo em sua humilde morada, pensando exatamente o que fazer para se livrar daquela situação inconfortável.

Passeou pelos arredores, com sua mente fixada em Saitou e Soujirou. Andou constantemente, perdido em seu próprio delírio, arrematando alguma idéia de como agir. Sentia-se frustrado e triste, agitado e enraivecido, tudo ao mesmo tempo.

Sua caminhada fora tão longa que quando percebeu, o sol já estava caindo no horizonte. Ouviu sua barriga roncar tão alto que teve a impressão de todo o Japão escutar. Decidiu procurar por um restaurante. Observou que estava longe demais do Akabeko para filar um bóia.

Acabou encontrando um ao virar a esquina. Entrou. Estava tudo escuro.

-Ei! Tem alguém aí?

Não houve resposta.

Bufou longamente e deu os ombros para sair. Porém, algo lhe puxou para dentro. Sano esquivou-se e endireitou-se para a defesa.

-Quem é que tá aí? –Gritou. Seus olhos não estavam acostumados ainda com o breu total.

Então, ouviu uma respiração perto de sua orelha. –Sentiu minha falta, benzinho?

Sano arregalou os olhos e pulou para frente, voltando-se velozmente. Havia reconhecido a voz. –...Saitou...?

Saitou riu alto. Acendeu uma lamparina, que só iluminou parcialmente o vasto restaurante abandonado.

-Saitou...

-Eu estava com saudades de você, Saninho...

O membro da polícia se aproximou, mas Sagara se afastou, com os olhos baixos de decepção.

-O que foi?

-Você me traiu. Você me traiu pensando que eu tinha te traído. Você se vingou injustamente. E me magoou profundamente.

Saitou o olhou, serenamente (sim, isso nunca acontece!). Tocou com as mãos o rosto do amado. –Nunca te trai.

-Como não?

-Era minha intenção, mas nunca aconteceu. Soujirou é um rapaz incrível, mas não posso me enganar... –Aproximou seus lábios dos de Sano. –Eu te amo...

Beijou-o afetuosamente. Sano retribuiu. Tinha sentido falta dele, sim, não podia se enganar. Amava-o tanto que quase permaneceu o resto da vida na cadeia. Enlouqueceu, encheu-se de bebida, entrou em inúmeras brigas, tudo porque amava desesperadamente o Lobo de Mibu.

Saitou o deitou no chão. Seus beijos tornaram-se mais delicados, passando dos lábios para o pescoço, descendo ternamente para o peito nu. Sano nunca se sentira tão feliz, experimentando novamente o amor de Hajime, um amor que não era platônico. Passava as mãos firmes nas costas bem definidas do policial, depois tentando arrancar-lhe a blusa.

Por um minuto, Saitou parou. Ergueu-se para olhar para seu amante direito. Sano estava seminu, olhando-o com incompreensão, a luz fraca da lamparina iluminando parte de seu belo rosto. Hajime sorriu. Deslizou uma de suas mãos em sua face e desceu-a lentamente pelo corpo, chegando no órgão do lutador de rua, estimulando-o com carinho.

Sano soltou um gemido de prazer e logo puxou Saitou para perto, voltando a beijá-lo. Uma insinuação de penetração se iniciou. Sagara agarrou-se na cintura de Saitou, que estava sobre ele, excitando-o com aquele vai-e-vem sutil, o começo de uma prazerosa relação sexual.

Sanosuke mantinha-se de olhos fechados, com a boca semiaberta, pronunciando ás vezes sons de deleite, enquanto seu amado lhe adentrava com brandura, ora beijando-lhe o pescoço e o peito nu, ora passando as mãos docemente sobre sua pele molhada de suor.

Quando Sagara abriu os olhos, avistou Soujirou tirando a roupa ao seu lado. Por um momento, toda aquela excitação lhe abandonou, no entanto Saitou o confortou novamente.

-Ele veio se juntar a nós...

-Se juntar a nós?

-Sei que o desejou... Eu também o desejei... É hora de nos satisfazermos...

Seta sorriu e beijou Sano, virando-o para colocá-lo em cima de si. O lutador de rua ficou um pouco confuso com aquela situação, porém todo seu desejo voltou a possuí-lo, correspondendo as carícias do samurai.

Por algum tempo, ficaram se beijando, até Sagara decidir consumir o fato. Sorriu ao ouvir o suspiro de prazer que havia provocado em Soujirou. Passou a sentir Saitou atrás de si, beijando-lhe os ombros e o pescoço, e preparando para a penetração.

A luz iluminava aquele ato á três, com uma grande aura de amor. Soujirou acariciava as nádegas de Sano, enquanto ele lhe enchia de gozo e beijava seu amante.

Após um bom tempo entre carícias e penetrações carinhosas, os gemidos aumentaram naquela sala. Aparentemente, os três iriam chegar ao orgasmo. Sano passava os dedos no peito de Soujirou, que lhe apertava ainda mais as nádegas, no mesmo momento em que Saitou segurava seu amado por trás, beijando-lhe os lábios e colocando todo seu amor em seu ato.

Minutos depois, os três explodiram de prazer.

Os gemidos cessaram. Ouvia-se somente a respiração acelerada dos três participantes.

Fora à conclusão de um Pas-de-Deux triplo.

Um sopro do vento frio invadiu o restaurante abandonado, apagando o único punhado de luz que tinham: a lamparina.

Sano observou Saitou deitado ao seu lado, que lhe retornou o olhar docilmente. O vento havia apagado a luz do lampião, mas os dois sabiam que nem um vendaval extinguiria o amor que os unia.
 
 

Fim

(será??)