Valsa a Três

 


por Rinko Himura



UM
 

Já era tarde, as ruas de Kyoto já estavam praticamente vazias. Podia-se ver uma névoa cobrindo as árvores e as vastas cerejeiras, sinalizando uma friagem que viria pela noite. Não estava ventando, só havia uma umidade no ar, que depositava pequenas gotas de água no chão, nos muros, nos telhados e nas folhas.

Embora estivesse frio, nada impedia Sanosuke Sagara de caminhar pelo bairro, após ter filado um jantar no restaurante Akabeko. Não conseguia parar de pensar em seu então amigo, Kenshin Himura. Passaram muito tempo juntos, enfrentando guerreiros que ameaçavam a paz, convivendo com os mesmo amigos no mesmo ambiente amigável. Obviamente, sabia dos sentimentos de Kaoru e Megumi pelo ex-hitokiri. Mas não tinha certeza se Kenshin correspondia a algum deles. E, sinceramente, ele torcia para que realmente não houvesse correspondência nenhuma.

Atravessara uma ponte de madeira grossa, com uma cerca de proteção baixa. Parou. O que sentia pelo Battousai? Sano sabia bem, mas fingia que não. Porém, toda vez que o olhava, sua vontade de abraçá-lo, de ficar junto dele chegava a ser quase incontrolável. Esse era o desejo de seu coração. Mas Sagara lutava contra ele. Julgava ser melhor daquela maneira: Kenshin de um lado, ele do outro.

Respirara profundamente, com uma dose de tristeza. Voltou a andar. Seu passo era largo, mas bastante lento. Nem aspiração pelo andar ele tinha mais. Aquela situação lhe incomodava a cada minuto que passava. Mas o que fazer? Declarar-se ao amado? Seria completamente imprudente, ao seu ver. Não queria abrir seu coração, para depois ele ser despedaçado. Pois por mais que desejasse, havia uma grande possibilidade de Kenshin amar outra pessoa.

Caminhou três quarteirões para cima e dobrara a esquerda, chegando a sua humilde casa. Entretanto, percebera que algo estava errado. Empurrara a porta violentamente. Alguém estava sentado no chão, encostado à parede.

-Você demorou, Sanosuke.

-Aoshi?

O ex-líder da gangue Oni riu. Estava com a cabeça baixa, com as mãos largadas nos joelhos flexionados.

-Mas que diabo você está fazendo aqui?

Aoshi não respondeu de imediato. –Acabei de chegar em Kyoto...Não tinha um lugar para ficar...

-O quê? Não sei se você sabe, mas existe uma coisa chamada Hotel!Vai caindo fora agora mesmo!

-Larga a mão de ser egoísta, Sagara. É só por uma noite. E eu prometo que eu não vou matar você.

Sano rangeu os dentes. –COMO É QUE É?

-Eu fico nesse cantinho. Você nem vai me notar.

-Nada disso! Vá procurar outro lugar!

-Agora? Mas na chuva?

-Que chuva, ô mané! Não tá chovendo!

No exato momento que Sanosuke abriu a porta, uma grande tempestade desabou. Ele olhara Aoshi, que voltara a olhar para o chão. Ficara irritado com aquela situação.

-Tá bom! Tá bom! Você pode ficar! Mas é só por hoje! Amanhã você pica a mula! Se eu te ver por aqui eu te quebro!

Aoshi permaneceu em pleno e absoluto silêncio. Sano deitou em seu tatame e tentou esquecer a irritação. Passou a pensar em Kenshin, que lhe acalmou o coração. E logo adormeceu.

*

No meio de seu profundo sono, Sano começou a se sentir molhado. E só acordou realmente quando se engasgou com ela.

-COF! COF! BLEARGH! –Tossiu ele, levantando-se num salto. Olhou para os lados: Havia água por todos os lados.

-AHHHH! O que aconteceu?

Voltou-se para o lado e avistou Aoshi tentando consertar a porta, que aparentemente quebrou com a tempestade.

-Aoshi, seu cretino! O que você fez?

-Eu não fiz nada! Foi essa chuva!

-Olha a minha casa! E eu nem paguei o aluguei desse mês! Como eu vou reclamar?

-É...Pelo jeito a casa caiu pro teu lado... Literalmente!

Sano partiu para cima de Aoshi quando esse começou a dar risada. O espadachim desviou e o atingiu com a bainha da espada.

-Fica frio, Sanosuke. Essas coisas têm conserto. –Deu-lhe as costas. –Bom, eu vou embora.

-Epa, alto lá! –Gritou Sagara. –Você destrói minha casa e vai embora?

O ex-líder da gangue Oni fingiu não ouvir, desaparecendo na chuva nebulosa. Sanosuke socou a parede e entrou na casa. Observou que no canto do lugar ainda estava seco. Andou até lá, a água chutando seus pés. Sentou-se na secura e tentou dormir sentado, enrolado a um lençol.

Mesmo com os olhos fechados, o lutador de rua não conseguiu dormir nem por um instante. Jogou o lençol longe.

-Como é que aquele maldito do Kenshin consegue dormir sentado? Minha bunda vai ficar quadrada!

Sua irritação começou a sumir à medida que seu verdadeiro sentimento pelo amigo veio à tona.

-Kenshin...

Alguma coisa o fez lembrar que o lençol não havia caído no chão. Olhou para frente e viu o lençol escondendo alguém por baixo.

Sano se espremeu contra a parede. –FANTASMA!

O indivíduo tirou a roupa de cama do rosto. –Fantasma é a senhora sua mãe.

Sagara voltara o olhar e viu Aoshi. Saltou para cima dele, deferindo muitos socos, que foram facilmente desviados.

-Como ousa me assustar desse jeito, seu imbecil? Quer me matar de susto? Quase que eu encharquei minhas calças!

Aoshi o empurrou. –Relaxa, Sagara. –Sentou-se ao lado do lutador de rua.

-Mas o que você pensa que está fazendo?

-Não tenho melhor lugar para ficar. –Aoshi se acomodou na aresta da parede.

Sanosuke engoliu sua ira. Juntou os joelhos para perto do peito e escondeu sua cabeça entre eles. Resmungava palavrões.

-Você gosta muito dele, não? –Perguntou o espadachim. Sagara o olhou.

-Hã?

-Do kenshin. Você morreria por ele, não?

Naquele momento, Sano não sabia bem o que responder. Decidiu ficar em silêncio, com a cabeça escondida entre os joelhos. Por que iria ficar conversando sobre algo tão íntimo com um ex-inimigo do seu amado? Era completamente absurdo. Só não era tão absurdo quanto o fato do antigo oponente do seu adorado estar dormindo em sua casa, e ao seu lado.

O lutador de rua fechou os olhos. Tudo que vinha á mente era Kenshin, mesmo contra sua vontade. Amava-o, sim, mas não queria se machucar nesse amor que tinha muitas chances de ser platônico. Queria sufocar esse sentimento dentro de si para fazê-lo desaparecer.

Aoshi voltou-se para Sanosuke. Tinha certeza que ele gostava, de algum modo mais profundo, do ex-hotokiri. Só tinha medo de se mergulhar nesse amor e sair ferido, desiludido. Passou a imaginar se Kenshin também admirava Sagara. Tentou esquecer essa idéia. O espadachim deitou a cabeça na parede e adormeceu. Sano caiu no sono profundo logo em seguida.

*

O sol nasceu mansamente no horizonte. Kenshin andava pelas ruas de Kyoto sempre sorridente. Passou pelo restaurante Akabeko para deixar uma mensagem de Kaoru a Tae. Depois, como estava ali perto, resolveu fazer uma visita a Sanosuke. Desde á luta contra Shishiu, os dois mal se viram.

Caminhava com passos apressados, com as mãos escondidas dentro no quimono. Pulava as poças que se formaram no chão com a chuva na noite anterior. Desviava das pessoas que, como ele, andavam depressa. Seguiu uma avenida quase até seu fim, e virou á esquerda. Chegou na última casa do terceiro quarteirão e bateu na porta levemente. Ninguém respondeu. Tentara de novo. Obtivera a mesma resposta. Resolveu verificar se a porta estava aberta. Quando a encostou com mais brutalidade, ela despencou.

-Oro?

Kenshin ficara sem graça, agachara para levantar a porta no maior silêncio, mas moveu seus olhos para o canto da casa, avistando Aoshi e Sano adormecidos, abraçados, com as camisas parcialmente abertas. Lentamente se levantou. Olhava aquela cena com surpresa e uma grande dose de tristeza. Seus olhos estavam arregalados, quase que deixando cair uma lágrima, com uma expressão inconformada. Observara que a mão de Aoshi estava perdida sobre o colo de Sano, que tinha sua mão enrolada nos cabelos do espadachim.

O samurai andou para trás, sem tirar os olhos dos dois. Saíra da casa e correu dali, sumindo no meio da multidão.

*

Quando Sano acordou, Aoshi já havia partido. Olhou ao redor, com uma certa sonolência, e levantou-se. Lavou-se e saiu da casa, erguendo a porta novamente ao seu lugar. Decidiu procurar por Kenshin. Não tinha mais dúvida: queria abrir seu coração ao amado.

Andou, cambaleando, pelas ruas de Kyoto até o dojo Kamiya. Encontrou Kaoru treinando Yahiko ao ar livre.

-Com licença... –Disse Sagara, entrando na academia. Os dois sorriram para ele.

-Como vai, Sano-kun? –Disse Kaoru.

-Vou bem, apesar de uma noite turbulenta. –Sanosuke procurou Kenshin com os olhos. –Cadê o kenshin?

-Ué, você não o viu? –Retrucou Yahiko. –Ele saiu cedo para falar com a Tae, mas depois disse que iria te visitar.

-Me visitar? Que horas?

-De manhãzinha.

Sano sentiu seu coração acelerar a batida. Sem dizer uma única palavra, ele saiu correndo do dojo para as ruas, á procura de seu amado. Tinha medo que ele tivesse visto o que não deveria.

*

Aoshi caminhava tranqüilamente pelo mercado superlotado de Kyoto, observando com interesse a agitação que cercava aquele lugar. Atravessou a longa avenida e virou á esquerda na penúltima esquina. Olhou para frente e viu Kenshin sentado na ponte que passava por cima de um rio brando. Observou-o de longe. Não tinha certeza se iria conversar com ele ou não. Tinha um estranho sentimento por ele que tinha medo de deixar transparecer.

Perdido nesses pensamentos, não havia notado que o samurai já havia notado sua presença e o olhava com tristeza. Nunca tinha visto Himura com um olhar tão aflito. Aoshi resolveu se aproximar, porém, com um gesto de longe, o battousai pediu que não. Ele se levantou e correu para o lado oposto. O ex-líder da gangue Oni tinha uma grande vontade de segui-lo, saber o que tinha acontecido, entretanto, alguma coisa o fez ficar ali observando seu ex-inimigo desaparecendo no horizonte. Mesmo assim, seu coração afundou-se em plena agonia.

*

Sanosuke passou aquela amanhã inteira procurando por Kenshin, mas não o encontrou em nenhum lugar. A cada minuto que passava, seu coração se enchia de tormento. Tinha medo dele ter presenciado algo que não deveria.

Já era quase meio-dia. O sol não estava tão forte. Sano estava cabisbaixo, andando por uma rua repleta de cerejeiras. Sentou-se á sombra de uma. Tinha um grande desejo de desaparecer da face da Terra.

Não conseguia parar de pensar em Kenshin. Agora, pensava mais ainda. E Com mais medo.

Apoiou sua cabeça no tronco da árvore e fechou os olhos. Via Kenshin, sempre sorridente. Achava-o lindo. Amava-o como nunca amou ninguém na vida.

-Ele nos viu...

Sano abriu os olhos e viu Aoshi, ao lado da árvore, olhando para o horizonte.

Mas o lutador não respondeu. Simplesmente desviou o olhar, com ódio. Estava tudo perdido. E era culpa de Aoshi.

Sano olhou o espadachim pelo canto dos olhos e observou uma nuvem espessa de tristeza em sua expressão. Naquele momento, teve a certeza: Aoshi também amava Kenshin.

*

A noite caiu brevemente. Sanosuke não sabia se continuava a procurar por Kenshin. Resolveu voltar para o dojo Kamiya. Abriu a porta. Estava escuro, a única luz era as lanternas das ruas, que iluminavam porcamente a academia. Caminhou, sem vontade, para dentro da casa, mas sentiu uma presença. Olhou para o lado e viu Himura sentado no degrau, olhando para baixo, com a espada perto do peito. Não estava dormindo. Estava triste.

Sano se aproximou, com um certo receio. Moveu seu olhar para o outro lado e avistou Aoshi caminhando na direção de Kenshin.

O ex-hotokiri resolveu elevar sua cabeça. Olhou os dois, com uma certa surpresa. Os três se encaravam com tristeza.

Então, Sano e Aoshi murmuraram a verdade:

-Kenshin... Eu te amo...

O Samurai ficou alarmado.

O vento soprou. Era uma bela noite.
 



Continua...
Um dia eu faço a segunda parte lemon... Aguardem... ^__^