Valsa a Três

 


por Rinko Himura



TRÊS
 

Naquela noite, Sano não dormiu. Simplesmente não conseguiu, por mais que quisesse. Pudera, como adormecer depois do que ocorreu? Não conseguia achar uma resposta sensata para sua situação. Como pôde sentir tamanho desejo por Aoshi, seu inimigo pelo amor de Kenshin? Não conseguia se conformar. Não compreendia como pôde achar criterioso responder na prática a pergunta: o que Aoshi tinha que atraia o Battousai? Era absurdo. Estava com raiva de si. Como pôde se entregar à curiosidade e deixar-se flagrar por Saitou? Não conseguia achar uma saída para a grande furada que entrara.

Sagara rolou no seu velho tatame, com os olhos apertados, induzindo-se a dormir. Fora em vão. Logo, ele se irritou. Levantou-se. Levou as mãos à cabeça. Estava com medo. Estava com raiva. Estava com medo do que Saitou poderia fazer. Ele poderia muito bem contar para Kenshin. Seu coração se espremia só de pensar nessa possibilidade. Tinha que fazer alguma coisa. Mas o quê?

Vestiu-se e sentou-se perto da janela. O sol estava para nascer. Seria um belo dia, sem nuvens no céu, sem sinal de chuva. O vento era refrescante. Sano estava confuso. Estava completamente sem rumo.

Ficou pensando o que fazer até a alvorada. Então se decidiu. Levantou-se, determinado, e saiu de casa. Já havia pessoas nas ruas, perto do mercado, comprando utensílios domésticos, pinturas e alimento. Sanosuke andou rapidamente pela multidão, atravessando a ponte em direção ao Dojo Kamiya. Iria abrir o jogo com Kenshin, embora já tivesse aberto parcialmente. Desta vez, iria exigir uma posição por parte do Battousai. Não agüentava mais viver na expectativa. Queria saber se o ex-hitokiri correspondia ao seu amor ou não de uma vez por todas.

Chegou na porta da academia. Tocou no portão. Tirou a mão. Ficou imóvel em frente à entrada. De repente todas as frases que diria ao amado sumiram da sua mente. Não conseguia pensar em nada, e não tinha coragem de entrar. Resolveu ir embora. Deu dois passos e parou. Voltou. Deu os ombros. Virou-se para porta novamente. E tornou a dar as costas.

-O que você tá fazendo? Ficou louco?

Sano pulou de susto. Olhou. Era Yahiko, saindo do Dojo com uma vara de pescar nas mãos. O lutador de rua se recompôs.

-Porra Yahiko! Você quer me matar de susto, moleque?

-Então me explique porque você tá zanzando aqui na porta do Dojo e não entra logo como uma pessoa normal!

-Ora seu moleque...

Yahiko driblou Sano. –Não tenho tempo para brigas.

-Aonde você vai?

-Pescar, não tá vendo? Kenshin está lá dentro, ajudando a Kaoru a limpar o Dojo. Como eu detesto fazer faxina, eu me ofereci para trazer o almoço.

O garoto voltou a andar rumo ao riacho que corria ali perto. Sano olhou para o portão do Dojo semiaberta. Sua coragem ainda estava ausente. Espiou pela fresta. Tentou achar Kenshin com os olhos. Encontrou-o lavando o chão da academia. Ficou alguns instantes fascinado, porém sua covardia lhe despertou. Suspirou tristemente, e abandonou seu posto, caminhando pela rua sem rumo.

*

Passou aquele dia inteiro com os olhos baixos, olhando para a paisagem através de sua janela. Era impossível tentar desviar seus pensamentos para outra coisa além de Kenshin. Ensaiava consigo mesmo frases e idéias para dizer, mas ao lembrar que tinha que fazer isso cara a cara com o ex-hitokiri, seu coração se estremecia, e esquecia de tudo.

Sano chorou silenciosamente. A última vez que tinha chorado fora quando perdera seu mentor em batalha, tempos atrás. Chorava com uma imensa dor no coração, uma dor que era pior que um soco ou um chute; ela machucava diretamente em seu coração.

Enxugou as poucas lágrimas que deixou escapar. Respirou profundamente, decidido a falar com Kenshin de uma vez por todas. Levantou-se e caminhou até a porta. Abriu-a com força e deparou-se com Saitou.

-Que pressa, Sagara!

Sanosuke saltou para trás.

Saitou entrou na casa, com as mãos nos bolsos. Olhou em volta, com um grande sorriso cínico.

-Que porcaria de casa que você tem...

O lutador de rua sentia uma grande ira dentro de si, mas não considerava a idéia de agredir o membro da polícia uma boa atitude. Afinal, ele tinha visto seu deslize com Aoshi. Sua reputação estava nas mãos dele.

-O que você quer, Saitou?

-Está nervoso, Sagara?

Sano não respondeu.

-Estou aqui para saber como vai seu romancinho com o ex-líder da gangue Oni, Aoshi Shinomori...

-Eu não tenho romance nenhum com aquele idiota!

Saitou riu, maleficamente. Desviou o olhar de Sanosuke. Sagara, por sua vez, ignorou a presença dele e caminhou até a porta.

-Aonde vai, Sagara?

-Isso lá te interessa?

O capitão do grupo Shinsen agarrou a gola do lutador de rua e o puxou para dentro as casa novamente. Num salto, Sano se levantou.

-O que é? Quer brigar? Então vamos brigar! Vamos brigar logo!Eu não tenho medo de você!

Sagara avançou contra Saitou, que desviou dos golpes com uma infinita facilidade. Acertou-lhe contragolpes fortíssimos, que fizeram Sanosuke cambalear. Um deles, o último, fora tão incrivelmente forte que o fez voar até a parede e cair.

Saitou o observou de longe. Sano escondeu o rosto machucado com os ataques. Segundos depois, o membro da polícia podia ouvir os soluços de choro do adversário e seus resmungos.

-Merda... Eu só perco... Como eu sou imprestável... Um verdadeiro inútil... O que Kenshin poderia encontrar em um cara como eu... Um merda como eu... Nada... Absolutamente nada... Porra... Eu me odeio... Vou desistir de Kenshin... Cansei... Eu não sirvo... Não sirvo pra nada... Eu sou um merda...

Sano sentiu uma aproximação. Sentiu a mão de Saitou erguendo sua cabeça. O lutador de rua ficou esperando mais um golpe, mas o que recebera fora uma lambida na maçã direita do rosto, onde escorria sangue.

-Você é um merda sim... Mas pode ser útil para uma coisa...

Saitou virou-se para a outra maçã e lambeu o sangue.

-Você é vampiro, por acaso?

O policial o olhou. –Não...Mas posso ser, se quiser...

Saitou agarrou a nuca de Sano e beijou-o afetivamente. Sano estava sem reação. Tentou entender o que Saitou estava querendo com aquilo tudo. Porém, não demorou a deixar sua excitação falar mais alto.

Sano fora deitado no chão, enquanto o membro da polícia passeava com a língua e suas mãos pelo seu corpo. Saitou voltou a beijá-lo com ardente prazer, tentando arrancar sua calça. Passou a dar-lhe mordidelas carinhosas no pescoço e ombros e a massagear suas coxas firmes de lutador. Naquele momento, estranhamente, desligou seus pensamentos de Kenshin. Achou que Saitou seria rude, entretanto estava sendo gentil e apaixonado. Não estava abusando, forçando, maltratando. Estava sentindo uma grande ternura, uma gentileza que não sabia que poderia existir entre ele e o lobo de Mibu. Estava se sentindo amado.

Enquanto Saitou lhe lambia os mamilos, Sano sorriu sozinho. A situação era estranha, mas, ao mesmo tempo, era agradável. Começou a desejá-lo. Queria receber esse amor que o membro da polícia estava disposto a lhe dar. Queria o seu amor.

*

Sano acordou repentinamente de um sonho bom. Olhou ao redor; estava em sua casa. Estava nu, debaixo de um lençol fino. Já era noite. Olhou para o lado. Saitou estava adormecido como um bebê depois da mamada. O lutador de rua sorriu. Observou as feições do parceiro. Acariciou seu rosto levemente, sem querer despertá-lo.

Mas se lembrou de Kenshin. A confusão retornou ao seu estado original. Olhou bem fundo do coração: sempre amou o Battousai, e sempre iria amá-lo, não importava o que ele fizesse. Porém, depois daquele acontecimento inacreditável, Sano tinha um fio de esperança. Podia esquecer do andarilho. Podia recomeçar sua vida de outro modo. Havia achado um incentivo, que jamais imaginou que viesse a se tornar realidade.

Ajeitou-se para ficar olhando para o lobo de Mibu. Agora, Kenshin fora esquecido novamente.

*

Assim que Saitou saiu de sua casa, Sano fora dar uma volta. Atravessou a ponte e percorreu a rua paralela ao riacho que corria manso, entre cerejeiras e vaga-lumes. Estava com um grande sorriso nos lábios, algo que não conseguia esconder. Era uma nova sensação. Muito boa, por sinal.

-Pelo jeito, seu dia foi muito deleitável...

Aquela voz era conhecida. E muito. Olhou para trás. Era Kenshin.

Sano afugentou o olhar do ex-hitokiri, sentando-se no gramado, em frente ao riacho. Kenshin deu dois passos e parou. Permaneceram em um longo silêncio. O vento soprou, fazendo muitas folhas de cerejeiras voarem.

Nenhum sabia bem o que falar pro outro. Mas o andarilho reuniu coragem suficiente para atirar a primeira pedra.

-Eu queria... Eu queria pedir desculpas.

Sanosuke ficara surpreso com o que ouvira.

-Eu não... Eu não fui muito amigável com você, Sano-kun... Por isso, peço desculpas...

-Não foi nada. Eu que fui um idiota.

-Não. Você não foi.

-Eu não deveria ter dito nada para você. Você teve toda a razão de me evitar. Eu o peguei desprevenido.

-Não posso negar. Mas nada justifica a minha rudez.

O lutador de rua sorriu pelo canto da boca, ainda sem olhá-lo.

-Sobre o que você falou para mim naquele dia... Você me pasmou. Fiquei confuso, afinal, não foi o único a me dar tal revelação...

-Aoshi... –Murmurou Sano.

-Muitas vezes fiquei com vontade de conversar com você, ouvir o que você tem para me dizer, ouvir sua confissão. Mas fiquei com medo. Estava muito confuso. Minha cabeça estava superlotada de pensamentos.

-Eu imagino...

Kenshin suspirou. –Eu deveria ter te procurado... Não quero perder sua amizade...

-Você não vai perder. Nossa amizade é muito mais forte que... Qualquer coisa.

Kenshin sorriu. Mas havia algo mais em seu sorriso. Sanosuke, ao finalmente olhá-lo, notou a diferença. Percebeu o que ele queria, e resolveu fazê-lo. Levantou-se, aproximou-se. Tocou a face do andarilho. Beijou-o delicadamente. Fora um beijo longo, saboroso, prazeroso, um desejo dos dois.

Quando compreenderam, estavam deitados no gramado úmido. Kenshin embaixo, Sano em cima. O lutador de rua tirou o quimono do ex-hitokiri, deixando seu corpo nu. Acariciou com a boca todo o seu peito, com as mãos deslizou por tudo até chegar no sexo.

Ergueu Kenshin em seu colo. Beijou seu pescoço e peito. O samurai agarrou sua nuca e ajeitou-se. Sano tirou sua calça e a penetração teve início.

Era um ato amoroso. Estavam se amando, como jamais o fizeram. Tinham tido uma relação há algum tempo, mas ambos estavam sob efeito do saquê. Nada era como aquele momento. O amor pairava no ar. E uma grande sensação de despedida também

Sim, Sano estava se despedindo de seu grande amor. E kenshin estava aceitando esse carinho, estava compreendendo que não era mais dono titular de seu coração.

O movimento era lento, Sano não parava de beijá-lo com amor. Penetrava seu sexo no ânus de Kenshin, com o pensamento que estava fazendo amor, pela primeira e última vez, com seu amado imortal. Estava dizendo adeus. Estava desejando muitas felicidades para ele.

A excitação aumentou, mas nada mudou a delicadeza e o afeto da relação. Sano somente aumentou o movimento, as carícias. Soltaram gemidos prazerosos, amorosos. Kenshin levou sua cabeça para trás, quando chegaram ao ápice do prazer. Ficou naquela posição, olhando a luz da luz adentrando pelos galhos das árvores. O sentimento que tinha naquela hora, um misto de alegria e tristeza, resumiu-se numa lágrima.

Sano o abraçou fortemente, sua respiração já tinha voltado ao normal.

-Adeus...Kenshin...

*

Kenshin entrou no Dojo, com a parte superior do quimono meio caída. Fechou o portão. Caminhou para dentro da casa, porém avistou um vulto, perto do salão de treinamento. Aproximou-se.

-Aoshi-kun...

Aoshi estava sentado na escada, mas se levantou. Kenshin abraçou-o intensamente.

-Despedi-me dele...

-Eu sei. Eu sei...

Olharam para o céu. A lua estava maravilhosa, brilhante como seus olhos. Kenshin sorriu. "Adeus, Sano...".
 
 

Fim