Chovia, naquela tarde, como vinha chovendo já fazia boas duas semanas. Flik estava na sala de guerra do forte, lugar onde faziam as estratégias, apoiado à janela, vendo a chuva cair lá fora. Esses dias estavam sendo duros... tensão na fronteira entre Highland e Jowston... Anabelle cobrando dele relatórios sobre o que estava acontecendo... e ainda por cima, os mantimentos do forte estavam quase no fim...

Virou-se, irritado, e foi sentar-se à mesa, onde jaziam, por um momento esquecidas, as contas que ele estava fazendo. Ia recomeçar seu serviço, quando ouviu uma batida leve na porta.

"Que é!?" perguntou rudemente, movido pela irritação em que se encontrava.

"Er... estou atrapalhando?" veio a voz meio assustada de Jowy.

Isso melhorou um pouco o humor volátil do mercenário, que disse:

"Não, Jowy.... pode entrar...."

Jowy entrou e sentou-se em uma cadeira ao lado de Flik.

"Tem certeza que eu não estou incomodando?" perguntou Jowy, vendo todos aqueles documentos em cima da mesa.

"Não, não está.... eu preciso mesmo parar de me preocupar...."

"Alguma coisa errada?"

"Hum.... sim... algumas... nada com o que você tenha que se preocupar, todavia...." respondeu Flik, pensativo, enquanto analisava discretamente as coxas de Jowy.

Jowy levantou-se, irritado:

"Por que você NUNCA quer me dizer nada?"

"Você é um prisioneiro, não é?"

"Pois não quero ser mais!"

Flik riu da impetuosidade juvenil do outro, e perguntou, um sorriso provocativo nos lábios:

"E o que você vai fazer quanto à isso?"

"Eu posso provar que não trairia vocês! Deixe-me fazer alguma tarefa! E se eu for bem sucedido, deixe-me ser um de seus mercenários!"

Flik pôs a mão no queixo e quedou-se em pensamentos:

"Mesmo? Seu amigo Hiro também está interessado?"

Jowy nem se lembrara de Hiro....

"Ahn.... está, está...."

"Certo... então eu vou pedir que vocês dois vão até Radat, para encomendar os suprimentos necessários, porque os do forte já estão acabando..."

"Só eu e ele?" disse Jowy, meio preocupado de sair no mundo sozinho.

"Como eu vou comprovar sua fidelidade se eu mandar alguém com você, hum?"

"Certo.... nós.... nós vamos..... mas você vai confiar em mim depois disso, não vai?"

Flik acenou afirmativamente com a cabeça, e sua franja loira e rebelde caiu por cima da bandana azul.

"Vou.... olhe, vou fazer a carta para o fornecedor.... vocês, chegando em Radat, procurem por Lord Shu... ele é o nosso fornecedor fixo.... e apesar de meio venenoso, ele nunca nos enganou...." começa a escrever a carta, e Jowy aproveita que a atenção do outro está voltada para o papel para ficar admirando-lhe o rosto, a franja caída no olho, o pescoço tão branco...

Engoliu em seco. Nem queria saber aonde iriam parar seus olhos se ele continuasse observando Flik daquele jeito. Mentalmente, começou a reclamar: "Por que esse mercenário infeliz tem que ser tão bonito? Por que ele não é feio e fedido que nem os outros? Por que não é mau-caráter e grosso que nem os outros? Iria ser fácil odiá-lo.... mas não... ele tem que ser gentil, apesar de sarcástico... e lindo, lindo, lindo..... ARGH!"

Jowy sacudiu a cabeça, revoltado, e Flik olhou para ele com ar de interrogação:

"??? Está tudo bem?"

"Es... está.... tinha um... uma mosca, no meu nariz..." sorriu amarelo.

Flik levantou a sobrancelha com cara de quem não acredita muito, mas deixou para lá. Acabou de escrever a carta, pôs o selo do forte e entregou-a para Jowy, junto com uma bolsa com moedas de ouro.

"Bom, Jowy, é isso.... entregue a carta para Shu, confira o que está na lista, e volte. Se você for bem sucedido, vou passar a considerá-lo como um mercenário, não como um prisioneiro. Feito?"

Jowy sorriu e disse:

"Feito!"

Correu para ir avisar Hiro que eles iriam viajar, deixando Flik pensativo: "Quero ver a cara do Viktor quando eu contar para ele... vai me encher pelo resto do mês...."

Jowy encontrou Hiro no bar, tomando leite quente.

"HIRO!"

Hiro quase caiu da cadeira com o susto que tomou.

"Que?! Que?!"

"Nós vamos viajar!"

"Com essa chuva que não pára?!"

"É! Flik pediu que fossemos até Radat para comprar mantimentos..."

"Por que nós? Por que não um mercenário deles?" De repente, Hiro compreendeu. "Você quem pediu para ele te dar uma missão, não é?" Ergueu a sobrancelha, desconfiado.

"Nã... não... eu só fui falar com ele e... hum.... ele pediu.... aliás, mandou...."

"Eu não sou besta, Jowy.... mas tudo bem.... vou deixar para lá.... mas que que eu tenho a ver com isso???"

Jowy fez ar pedinte. Hiro deu um longo suspiro resignado e disse:

"Certo, certo.... mas você vai ficar me devendo essa...."

Jowy, feliz, foi correndo arrumar as coisas deles, seguido por Hiro, que tinha o ar mais desconsolado do mundo.
 
 

CONTINUA