Verão
 
Por Fernanda del Rey

Um


 

Era mais uma tarde como todas as outras no Castelo Ienuvus. Estava muito quente e ninguém tinha vontade de fazer nada, apenas deixar-se jogado em algum canto, lagarteando.

E, obviamente, Flik e Viktor não eram exceção à regra, e estavam sob uma árvore, com dois copos de cerveja gelada, descansando Deus sabe do que.

Após a recente descoberta de que ele consideravam-se mutuamente mais que meros amigos, eles passavam mais tempo juntos que nunca, e sempre que tinham um momento a sós, como esse, Flik aproveitava para se aconchegar ao peito de Viktor (alerta, lógico, a qualquer um que se aproximasse...). E naquela vez, não foi diferente...

- Viktor, está tão quente hoje, não?

- Demais...

- Eu vou tirar esse casaco, está me matando...

E unindo a ação às palavras, tirou seu casaco e ficou só com a blusa amarela que usava por baixo, mas ainda estava com calor, porque a blusa tinha mangas...

- Ainda estou com calor.

- Fique só de camiseta, oras. - respondeu simplesmente Viktor, bebendo um gole de cerveja.

- Mas... eu só estou com uma camiseta underware...

- E...

- Eu sei lá, eu fico constrangido...

- Deixa de ser besta... eu já vi bem mais que isso.

- Eu sei! - Flik cora - Mas eu não quero tornar público.

- O que vc tem? Barriga? Mancha? Micose? Deixa de besteira, homem.

Flik suspira e tira a blusa, ficando só com a camiseta sem mangas que ele usa como roupa de baixo. Bem mais refrescado, recosta-se outra vez em Viktor, e suspira.

Mas, como nada com esses dois é romântico por mais que cinco minutos, ao suspirar mais profundamente Flik sentiu um odor, digamos, peculiar.

- O que é isso? - pergunta Flik, cheirando o ar com expressão de desaprovação.

- Isso o que? - pergunta de volta Viktor, com cara de quem não entendeu mesmo.

- Esse cheiro morto... ... ... ... É você! Que nojo! Esse calor de 200 graus e vc não toma banho, Viktor? - Flik grita e levanta de um pulo, afastando-se de Viktor e cheirando-se para ver se o cheiro tinha contaminado-o. - Eca, vc me contaminou!

- Ora, pare com isso... - Viktor diz. Olhando para os lados, levemente constrangido. - O que as pessoas vão pensar?

- Que vc fede, ora essa! E é mentira?

O outro faz expressão ofendida.

- Eu não fedo.

- E ainda por cima não sabe falar... vc é às vezes tão irritante...

- Se eu sou tão irritante, tchau Flik! - Viktor sai bruscamente e deixa Flik sozinho com expressão de "o que aconteceu?".

- Viktor?

- O que foi, Sir Flik? - aparece Nina. - Algo errado? O sr. Está com uma cara...

- Será que eu magoei ele? Estou me sentindo culpado agora...

- O que?

- E o pior é que eu não posso me aconselhar com ninguém... ou posso?

- O que?

- Será que os Eternais...?

- O que? Sir Flik? - pergunta Nina, perplexa, a Flik que pegara sua roupas no chão e saíra correndo para procurar os Eternais.

*

Eles não estavam no bar de Leona naquele dia, porque era muito abafado lá dentro, então arrastaram umas mesas para fora e sentaram-se ao ar livre, com cerveja e suco à vontade. A cena era bem típica (para os Eternais, é claro...). Arethe lia um livro, Nina lixava as unhas, Agathos olhava para a própria cauda, Nexus brincava com a própria trança, Phronnesys fumava um cigarro e Kyron brincava com sua dragoazinha, Hellraiser. E Sophya bebia um suco...

Flik se aproxima e pergunta:

- Com licença?

Os sete olham para ele, e ele sente-se um pouco constrangido em perguntar o que queria.

- Er... esqueçam.

- Não, sentaí. - diz Sophya - Fala, filho.

- É, qual o problema? - pergunta Agathos.

- Numas.

- Eu... acho que magoei um amigo meu e...

- O Viktor? Fala logo, fofo. - diz Nina.

- ... ... é, o Viktor. Eu disse que ele fedia e ...

- Gentil..... - diz Nexus, com tom sarcástico.

- Mas ele fede mesmo, qual é o problema? - diz Kyron, acariciando Hellraiser.

- Mas, magoa, oras. Vc não sabe nada de relacionamento humano? - pergunta Nexus.

- Não.

- Oh, Deus... De qualquer modo, eu acho que vc deveria pedir desculpas a ele.

- E pedir de um modo sutil praele tomá banho. Sabe, só pq vc ama ele, não tem que ficar cheirando fedô alheio.

- ...

- Vai nessa, aê. Eu acho que, numas, é uma boa idéia. Pede pra ele tomar banho com vc que eu aposto que ele não vai negar... eh, he, he.

- ... Eu... vou pensar no assunto. Obrigado, eu acho. - Flik se afasta e Sophya diz:

- A gente num ajudô nada...

*

Viktor estava no jardim, sentado em uma cadeira com um ar pensativo. Flik aproxima-se e senta junto a ele.

- Viktor?

- ...

- Eu magoei vc?

- ...

- Puxa, me desculpe, eu não quis... mas é que na hora eu fiquei com raiva e...

- Se eu quisesse obrigar vc a ficar dias sem tomar banho, vc ficaria com raiva?

- O que?

- Se eu obrigasse vc a ficar dias sem banho, vc ficaria com raiva?

- Aborrecido...

- E como acha que eu me senti?

- Mas é diferente!

- Por que?

- Porque... porque... porque... porque ficar sem tomar banho incomoda as pessoas ao redor, mas tomar banho todo dia nunca matou ninguém.

- Tomar banho todo dia é coisa de viado...

- E o que vc é?

- Eu não sou viado!

- Não?!? E pq a gente...

- Sei lá, eu devia estar bêbado...

A expressão de Flik muda completamente, ele fica olhando para o outro chocado, meio sem voz...

- Vc devia estar bêbado? É por isso que fica abraçado comigo no jardim? É por isso que sempre que pode me beija pelos cantos? É por isso...

- Pare com isso...

- Eu... eu... - pisca fortemente, tentado conter as lágrimas. - Eu... quer dizer que eu sou uma bicha e vc não?

- Flik... - Viktor estica a mão para tocar o rosto de Flik, que a repele com um tapa.

- Ótimo, Viktor... se vc sente-se tão bem com seu fedor e toda essa sua macheza, divirta-se...

Flik sai do jardim, sem ao menos olhar para trás, e Viktor suspira... "eu ainda não me acostumei com a idéia... é estranho ser... invertido. Logo eu... com quem eu posso me aconselhar? Com os Eternais... será?"

Ele levanta e vai até onde os Eternais estão.

*

A cena continua a mesma de antes, com a diferença de que agora Nina é quem está bebendo um suco.

- Oi. Eu queria...

- Sei. Pedir um conselho, não é? o que foi que vc fez para Flik? - pergunta Arethe.

Viktor conta. Os Eternais se entreolham.

- Não é por nada, não, mas vc foi bem mais ofensivo que ele... - diz Agathos.

- Com certeza... essa mania besta que bofe tem de achar que não é gay também... tsc, tsc... - diz Nina.

- Se eu fosse vc... - começa Kyron.

- Obrigaria Flik a te perdoar, não é? Pois não é assim que funciona!

- Vc sabe o que eu ia dizer, seu anjo anão? Então fique quieto!!! Bem, como eu ia dizendo... vc deveria pedir desculpas a ele... mas desculpas decentes... eu imagino como ele deve estar se sentindo...

- Mas...

- Ele deve estar se sentindo o último dos homens da terra... se até mesmo o amante dele acha que ele é um fresco, o que a humanidade diria se descobrisse?

- Vc se sente assim, Kyron? - pergunta Agathos.

- EU NÃO DISSE QUE EU ME SENTIA ASSIM!!! EU DISSE QUE FLIK SE SENTE ASSIM!!! - Kyron grita para Agathos, que cai da cadeira e diz, do chão:

- Eu entendi... eu entendi... calma, calma, olha a pressão do sangue...

- Eu acho, que, numas, aê... uma prova de boa vontade sua ia ser tomar um bom banho e ir perfumadinho falar com ele...

- Eu concordo... - diz Arethe.

- Eu... vou fazer isso. E tomar um banho e... mas eu nem tenho perfume...

- Usa esse aki, ó... é bom... - Sophya dá um perfume para Viktor, que sai para fazer esse sacrifício por Flik.

*

Flik está em seu quarto, choroso, mas teimando em segurar as lágrimas, quando Viktor entra. Ele deita-se e cobre-se com o lençol, dando as costas por resposta.

- Flik?

- ...

- Flik, pare de birra.

- ... ...

- Flik, fale comigo. - ele senta na beira da cama.

- ... ... ...

- Por favor - ele ouve um som de cheirar embaixo do lençol, e ouve a pergunta abafada.

- Que cheiro é esse?

- Cheiro? Que cheiro?

- Esse, de sabonete e perfume... é... é vc? - ele sai de baixo do lençol.

- Eu sinto muito, eu não quis ser rude, é que eu não me acostumei ainda, é esquisito ser invertido... eu me sinto estranho, não diferente, mas tão contra os princípios de infantaria a que eu estou acostumado e...

- ... Vc tomou banho?

- Desculpe, eu não quis te magoar, vc me perdoa?

- ... oh, eu... eu... - abraça Viktor - perdôo sim...

- Fora isso, se eu não tomar banho, vc nunca vai querer me chupar...

- O QUE?!?

*

Na mesa do Eternais, lá fora, começa a escurecer, e eles apenas mudaram de cadeiras, mas continuam lá, firmes e fortes, quando ouvem:

- O QUE?!?

- O que será que o Viktor disse para ele?

- Qualquer coisa... o menino é estressado...

- Isso faz mal, sabia? Aumenta a pressão...

- Numas.

E a noite cai no castelo Ienuvus, uma noite quente em que... bem, não interessa agora, isso fica para outra história (uma NC-17 de preferência...)

 

 
CONTINUA
 



Por Fernanda Del rey
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Dezembro de 2000