Conflitos
Por Senhorita Mizuki

Capitulo 4
 

E quem um dia irá dizer
Que existe razão
Nas coisas feitas pelo coração?
E quem irá dizer
Que não existe razão?

Eduardo e Mônica, Legião Urbana
 
 

Abriu um dos olhos, fechando-o em seguida e soltando profundamente o as dos pulmões. Franziu as finas e claras sobrancelhas e abriu ambos os olhos azuis, era impossível concentrar-se.

Na sua frente, uma figura alta e morena não parava de andar pelo aposento, fuçando nas prateleiras e armários. Ia ficar doido, caso ele não parasse com aquilo!

- Poderia ficar quieto um instante, Milo?

- Oh? Desculpa...

Sentou no colchão macio, fitando o vazio por um momento, depois jogou-se na cama, esticando os braços. Shaka cedeu, aquele não era seu dia. Foi sentar-se na cabeceira do móvel, mas próximo da cabeça morena deitada de Milo.

- Fale, o que te incomoda?

- Hum...nada...

- Camus?

- É...nós brigamos...

- Eu já sabia.

- Fiz uma grande besteira em manda-lo embora.

- Não era o que queria?

- De jeito nenhum! Lutei tanto por ele, por que quereria que fosse embora?

- Mas mandou...

- Mandei.Ah! como sou estúpido, idiota, orgulhoso de uma figa!

Começou a estapear o próprio rosto, proferindo vários insultos a si mesmo. Virgem segurou seus pulsos, fazendo-o parar. Passou a alisar os cachos escuros espalhados pela colcha de cetim, carinhosamente. Notou a marca avermelhada no ombro direito, parecia uma...mordida?

- Quem fez isso?

- .....

- Foi...ele?

Milo admitiu envergonhado, escondendo a marca.

- Numa luta?

- Não.

- Que selvageria...esse foi o motivo da briga? Ou o resultado dela?

Sentou-se, curvando as costas e escondendo o rosto entre os joelhos flexionados, balançando levemente o corpo para trás e para frente.

- Ele te machucou, porque o quer ainda de volta, Milo?

- Eu o feri muitas vezes e ele nunca me expulsou ou brigou comigo, não foi esse o problema.

Por diversas vezes o havia feito, no calor da paixão, quando faziam amor. Acabado o ato, Milo constatava envergonhado as marcas vermelhas de arranhões no seu corpo causadas pelas suas unhas compridas. Não raro, voltava com as mãos sujas de sangue. Camus apenas sorria e o confortava, dizendo que não precisava se conter nem se preocupar com aquilo, que aquelas cicatrizes eram mais valiosas que as de uma luta, por mais extraordinária que ela fosse.

Aquário era seu oposto, fazia tudo com calma, paciente, acariciando-o gentilmente, sempre evitando movimentos bruscos que o machucassem. Assustara-se com a mudança súbita de comportamento dele, na última noite juntos.

Ainda lembrava vivamente dos olhos frios, duros e felinos, que lembravam os de um animal feroz prestes a atacar sua presa e aplacar sua fome. O que estava acontecendo com Camus, afinal?

- Você o conhece, Milo. Esqueça-o e parta para outra, ou pretende ficar atrás dele feito um cachorrinho?

- Não posso, Shaka. Você não entende? É tarde demais...

Puxou a alça da camisa regata, revelando a marca. Olhou carinhosamente para ela, sorrindo, aquela era a prova de que pertencia a ele. Virgem balançou a cabeça inconformado, não acreditando na atitude de Milo.

- Isso é insanidade...

- E quem disse que o amor é racional, Shaka?

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Fazia sua refeição, solitário, num canto de uma das compridas mesas. Andava afastado dos colegas ultimamente. Pensava em voltar para a Sibéria, lê podia ficar totalmente sozinho, naquela terra gélida e vazia.

Mirou para frente, sentindo-se incomodado. June, a companheira de Shun, fitava-o intensamente, mas de forma nada amigável. A impressão que tinha daquele olhar, era a de que, a qualquer instante, ela pularia dali direto para o seu pescoço, fincando as longas unhas na sua carne.

Perdera o apetite, levantando-se, deixando metade do prato ainda cheio. Saiu do refeitório, a moça o seguiu, largando a comida quase intocada. Andou com a amazona em seu encalço e, enchendo-se daquela perseguição ridícula, voltou-se para ela.

- O que quer?

Ao invés de receber uma resposta, acabou recebendo um tapa que quase o desequilibrou. Viu satisfeita a marca dos seus dedos ficar avermelhada na face pálida do loiro.

- Porque fez isso, sua doida?

- Você não tem vergonha, não tem compaixão?

- Do que está falando?

- Não se faça de sonso!

- Está maluca?

- O que há entre você e Ikki?

Encarou a menina de cabelos longos e dourados, num misto de espanto e confusão. Abriu a boca, mas som algum saía de sua garganta. A moça sorriu, colocando as mãos nos quadris.

- Eu vi os dois juntos ontem, não vai adiantar de nada negar.

- O...o...o que viu?

- Exatamente isso que acabou de pensar, Hiyoga. Infelizmente, flagrei o momento íntimo dos pombinhos.

- O que quer? Fazer alguma chantagem?

- Como? Ora, mas que desaforo!

- É lógico, mal te conheço!

- O caso é que Shun estava comigo e quase presencia a linda cena, consegui perceber a tempo e impedi-lo de ver.

Recebeu a notícia com outro choque, não chegou a cogitar a possibilidade de alguém tê-los visto. Normal, já que se tratava de um lugar conhecido por todos do Santuário. A vergonha que seria se Shun houvesse flagrado os dois, como Ikki podia ser tão descuidado? O que estava pensando, não queria nada com aquele marginal.

- Passei seis anos cuidando de Shun, na Ilha de Andrômeda. Sei como ele é frágil, que magoa fácil. Possui um grande amor e admiração pelo irmão, e por você, Hiyoga. Temi pela reação dele se soubesse que vocês...

- Nós não temos nada! O que viu foi um engano, um erro! Não irá se repetir, está ouvindo?

Partiu para cima de June, apontando furiosamente o dedo no seu nariz. Afastou-se precavida.

- Não me interessa o que há entre vocês, só peço que não machuquem Shun, é inocente demais para deixar-se atingir e para entender essas coisas.

Encerrou seu discurso e voltou para o refeitório. Cisne permaneceu pensativo, que diabos estava fazendo? Havia tanta confusão na sua cabeça. A conversa com a amazona fez reavivar a lembrança do beijo do dia anterior. Apesar da sua reação de nojo, havia sentido o contrário, um arrepio que percorreu seu corpo inteiro. Poderia ser...não! Não podia! Pela sua honra de guerreiro, por Shun, não podia ceder!

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Entraram no jato de interior luxuoso e sofisticado, seriam algumas horas de viagem. Decidiu sentar-se nos fundos, não demorou muito para que Kanon se instalasse na poltrona ao lado da sua. Camus sentiu-se desconfortável, queria viajar em paz, em silêncio. Pediu mentalmente para que falasse apenas de assuntos banais ou negócios, ou que ficasse calado o trajeto inteiro. Descartou a última hipótese, não ia ter esse prazer, com certeza.

A aeromoça ofereceu-lhes algumas bebidas, que o francês recusou educadamente. O outro pegou logo uma garrafa inteira de uísque para si, enchendo o copo achatado. Levantou-lhe o copo, como num brinde, e bebeu de um só gole.

- Como tem passado, Camus?

- Bem.

- Hum...E Hiyoga, cresceu bastante?

- Evoluindo.

Respondia ao interrogatório em monossílabos, resmungando, e dando a entender que não estava a fim de conversa. Kanon soltou uma risada sarcástica, dando um tapinha no seu joelho.

- Conversar com você realmente é muito animador e interessante, meu amigo. Percebe-se que a comunicação flui entre a gente, não sente isso?

- Que graça...tem vocação para ser palhaço, Kanon! - tirou a mão do seu joelho rudemente - Prefiro dormir e deixa-lo num alegre mon&ólogo, boa noite!

- Hunf! Sem graça...

- Ótimo! Me avise quando pousarmos.

Cumprindo o que dissera, Camus virou-se de lado, cruzando os braços e encostando a cabeça no assento. Adormeceu em poucos minutos.

Ficou ofendido, mas, paciência, o conhecia a bastante tempo para acostumar-se com sua personalidade. Encheu mais uma vez o copo, sorvendo o líquido amargo e forte. Podia aproveitar e abrir o laptop, adiantando algumas coisas, preparando outras.

Mas preferiu apreciar a garrafa inteira, admirando o rosto perfeito e sereno contra as nuvens cinzentas que se mostravam através da pequena janela.

Estremeceu sentindo um ventinho morno na nuca, bem próximo da orelha. Abriu os olhos lentamente, deparando-se com o rosto de Kanon perto do seu, tão perto que quase...

- Bom dia...- sussurrou.

- Por Zeus! Me dá um tempo, Kanon!

Empurrou o cavaleiro marinho, que se afastou a contragosto.

- Que mal humor...Bem se vê que ta precisando de um...

- Olha lá o que vai falar!

- Descanso!

Chegaram na mansão de Solo em uma Mercedes, dirigida pelo dragão marinho. Sorento abriu a porta, curvando-se em cumprimento e convidando-os a entrar com um gesto. Estava vestido à caráter, como um empregado da casa, provavelmente o mordomo.

- Seja bem vindo, sr. Camus. Julian o espera no escritório.

Deu-lhe as malas e o casaco. Kanon acompanhou-o com o olhar, até que ele entrasse no aposento indicado. Depois sorriu para Sorento, pegou uma das malas de sua mão e deu-lhe um tapinha nas nádegas, subindo as escadas seguido do rapaz.

Encontrou Julian falando ao telefone, assim que notou sua presença, fez um gesto para que se sentasse. Despediu-se rapidamente da pessoa com quem falava, desligando o aparelho. Estendeu-lhe a mão.

- Como vai o senhor?

- Bem, obrigado. Porque me chamou com tanta urgência, algum problema?

- Sim, é Issac.

- Issac? O que aconteceu? Algo relacionado com o colégio?

- Calma. Na verdade ele deveria estar no colégio, mas está aqui. Não sei porque, tentei falar com ele, e nada!

- Tentou falar com os superiores?

- Não posso, porque não sou maior de idade, e quando falei que Kanon ia falar com eles, me proibiu de fazer isso!

- Nesse ponto eu concordo, Kanon não tem o que fazer lê! Onde ele está?

- Lá fora, olhando para o mar. Faz três dias que não come.

Acompanhou-o para fora da casa, avistou o menino de cabelos esverdeados ao longe, sentado cabisbaixo numa pedra. Pediu para que Julian os deixasse a sós, indo ao encontro dele. "Por Favor, que não sejam drogas!"

A vista do mar daquele ponto era vertiginosa, dava tonturas ao ver quão alto estavam do nível da água. Embaixo, via-se inúmeras rochas fragmentadas, onde as ondas quebravam em grandes proporções.

Issac tinha entre os dedos uma pequena pedra, brincava com ela. Percebeu que alguém acabara de chegar, e estava de pé pouco atrás de si. Olhou para cima com descaso, imaginando ser Kanon ou Julian, ou até mesmo Sorento com mais uma bandeja de comida, surpreendeu-se.

- Mestre? O que faz aqui?

- Olá, Issac. Vim fazer-lhe uma visita, só isso.

- Visita?

- Porque não está no colégio?

Desviou o olhar para a figura próxima a casa, baixando a cabeça. Ergueu-se nervoso, como era mais baixo que Camus, teve de levantar o rosto para encara-lo.

- Eu não gosto desse lugar, quero voltar para a Sibéria! Estou cansado deles e de tudo!

Apontou para Julian, percebendo que começara a falar dele, ficou preocupado com o que iria dizer.

- No internato sou motivo de gozação por ser caolho!

- Eu já não lhe disse para não dar ouvidos aos outros?

- Não é só isso! É esse lugar, essas pessoas, esse..

- Pare um pouco e respire fundo, não estou entendendo nada do que diz!

Obedecendo, Issac acalmou-se, ainda estava tr6emulo e com um nó na garganta.

- É Kanon...

- O que tem ele?

- Teve um acidente no colégio, um dos edifícios pegou fogo. Nos mandaram de volta para casa, até que fosse reformado.

Camus ficou aliviado, não fora expulso, nem arranjara confusão na escola. Pediu para continuar a falar.

- Portanto ninguém aqui sabia que eu vinha, não achei necessário avisar. Entrei pelos fundos, já que eu tinha a chave de lá e estava com fome. Era de noite, e os empregados estavam dormindo. Passei pelo quarto de Julian e ouvi um barulho, achei que ainda estava acordado e resolvi entrar.

Parou de relatar, deixando o mestre mais curioso ainda e impaciente. Issac viu Kanon se juntar a Julian, trincou os dentes e apontou para ele.

- E eu encontro aquele filho da mãe na cama com ele, advinha o que faziam?

O cavaleiro avançou um passo, sendo impedido pelo rapaz moreno.

- Melhor não nos intrometermos.

- Não quero dizer o que ele fez depois, é humilhante demais...Por isso eu quero ir embora desse prostíbulo! Kanon controla nossas vidas como bem entende, e nem Julian nem Sorento se opõem a ele!

- Chega!

O cavaleiro marinho avançou furioso, ignorando os apelos de Julian. Deu um tapa no rosto do afobado rapaz, Camus não teve tempo de impedi-lo.

- Não tem o direito de me difamar, mocinho!

- Pare, Kanon! Você...o tocou?

- E você vai acreditar nesse moleque?

- Quer me jogar contra meu mestre?

- É um mentiroso!

- Parem, os dois!

Gritou a plenos pulmões para ser ouvido, levantando os braços para mantê-los longe um do outro. Suspirou, massageando as têmporas.

- Onde eu estava com a cabeça quando aceitei deixa-lo cuidar de Issac?

- Está brincando.

- Não estou, é sério. Ainda não entendo por que confiei em você, conhecendo como conhecia. Foi só coloca-lo em suas mãos para juntá-lo ao seu exército de conspiração contra Athena, usando-o para seus propósitos. Mas como a deusa o perdoou, eu também o perdoei. Inutilmente, por que continua abusando dos garotos, não merece ser um cavaleiro.

Virou se, andando em direção da casa. Atrás de si, Kanon bufava, transbordando de raiva. Riu sarcástico, antes de partir para cima do cavaleiro de gelo, pegando-o de surpresa. Saíram rolando até a borda do precipício, os dois garotos ficaram alertas.

Defendia-se dos socos dados em profusão de fúria, conseguindo agarrar seus pulsos, mantendo-o longe. Empurrou-o, tirando o peso de cima, levantou-se cambaleante. Kanon recuperou-se e partiu novamente para o ataque, Camus desviou-se, mas acabou tropeçando e caindo do penhasco.

- Mestre!

O coração de Issac quase saltou pela boca, ao ver Camus desaparecer de vista. Correu para a borda, o outro cavaleiro olhava estático para o corpo desfalecido de Camus nos rochedos. Havia sangue nas pedras, uma onda veio e banhou-o, deslocando-o um pouco.
 
 

TO BE CONTINUE...

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