Yomi
não vira nada da destruição que seus soldados afirmavam
que viram, do gigante que foi derrubado num redemoinho de fogo negro. Não
precisava ver, com aquela misteriosa visão do mundo que tinha através
de seus olhos eternamente, cruelmente fechados. Ele sentiu, pelovibrar
do chão, quando parou, sobre as rochas que levariam ao acampamento
dos mercenários, num dos extremos ao longe do cerco feito por Mukuro
ao redor da floresta. Ele somente votou o rosto naquela direção,
longe demais para escutar os urros da fera, mas perto o suficiente para
sentir sua força de matança. Todavia, uma outra muito mais
selvagem, terrível por ser de fato uma abominação
de sua natureza, a fêz calar-se. O Rei de Gandara, alí, mais
uma vez o bandoleiro de anos antes, não economizou um suspiro, pensando
se poderia bater-se de frente com um inimigo como aquele que destruía,
num calor sobrenatural o youki distorcido e caótico de um monstro.
Pois
certo que não, já que ele já tinha problemas demais
tendo somente aqueles desafetos.
Aquele
youki dominante o fêz por um momento pensar no arrogante Capitão
da Guarda de Mukuro, a quem todos sabiam que ela não continha um
estranho olhar. Yomi poderia ter notado isso ainda que ele não houvesse
escutado de outros. Aquela ameaça de morte que recebera na sala
de reuniões de seu palácio servira para confirmar uma coisa
óbvia, somente.
Quando
chegou ao platô das rochas, onde ainda era preciso descer por um
caminho mais ou menos tortuoso até o resto da trilha para o acampamento,
pôde sentir que o sol tocava seu rosto, sinal de que as nuvens do
temporal evidente estavam se desmanchando. Um Dragão Negro? Somente
o morto Capitão da Guarda conseguia fazer a chuva estiar, quando
o Dragão Negro, aquele golpe que era toda a concentração
de seu mortífero youki concentrada de uma vez, usando o metal da
espada para conduzí-lo. Ninguém nunca sobrevivera aquele
golpe.
E
o vento que agora soprava era carregado de um cheiro de carne queimada
que o fêz engolir em seco, enojado não com aquilo, mas com
o que isso o fazia lembrar. Seu pecado de matar um youko.
Ele
matara Kurama, o Youko, pelo fogo. Aquele mesmo ser a quem ele jurara amor
e ódio eternos estava morto por vontade sua. Mas Yomi não
encontrava-se arrependido. Não como qualquer outro se encontraria.
Ele lamentava ainda não poder ter olhado por uma última vez
naqueles olhos dourados, aquele amarelo de crepúsculo, cheio de
lascívia e desejo.
Desejo
satisfeito em braços de outros... Sussurrou, sem som algum, enquanto
pisava duro, sentindo uma satisfação inigualável de
estar fazendo aquilo de uma certa maneira ainda por Kurama, o Youko, ou
o que restara dele, que vivia naquela rosa. Por ele, Yomi aceitara de própria
decisão quebrar um velho julgamento, e vestir aquelas roupas de
novo, tanto tempo guardadas, feito se secretamente ele soubesse o que iria
acontecer...
Até
quando pretende ficar aí, Yomi? O chefe quer falar com você!
Um youkai de pele escamosa, completamente amarela e aspecto de serpente
falava com uma sombra. Os outros, que estavam mais longe, seguramente ao
redor de uma fogueira e muito perto dela olhavam para ele com curiosidade,
achando que falava sozinho. Riam-se dele, que ignorava os olhares. Sabia
que Yomi estava lá, apesar do silêncio, entre a escuridão
da mata.
É
a minha vez de fazer a vigia. A voz profunda de Yomi trespassou de medo
e respeito os que riam, não muito dele, sem o perceberem em meio
aos troncos. Eles silenciaram e chegaram mais perto do fogo ainda do que
estavam.
Assassinos
de elite não fazem vigia. Você é o único...
Hah, essa é boa!! Vamos, saia daí e vá falar com ele
antes que ele nos arranque o couro.
Hm,
hm. -Foi então que ele
saiu das sombras, parecendo estar vestido delas. Aquele era o traje que
vestia quando ia executar as ordens, ele era o matador preferido de Kurama,
o Youko, dentro do bando, nunca deixara uma testemunha, nunca deixara um
de seus procurados vivo. Com aquelas vestes de couro negro, Yomi praticamente
desaparecia na noite, seus cabelos serviam bem para completar a confusão
que ele causava, deixava-o muitas vezes cair desfeito sobre o rosto pálido,
sobre o pescoço longo e muito branco também. Chegara a ter
tanto respeito em meio aqueles lacaios sujos, aquela escória que
seguia Kurama em seus saques, em suas matanças, que ele era então
o sub-chefe. As ordens que não fossem daquela raposa haveriam de
serem sua. E de mais ninguém. As mortes que não fossem pelas
mãos ou pelo chicote dela, haveriam de serem dele. Era a única
forma de estar perto dele, seguindo-o, obedecendo-o, beijando o chão
que Kurama pisava.
Era
Kurama quem tinha seu nome dito com pavor em todos os pequenos reinos que
formavam o Makai naquela época, mas quem fazia os grandes senhores
da guerra terem medo de dormir com as janelas abertas era ele, Yomi, que
matou, naqueles tempos em que vestiu negro, todos os que se atravessavam
no caminho de um bando de ladrões, pulhas e falsários, enganadores,
saqueadores e matadores. E principalmente, matou a todos a quem Kurama,
o Youko, odiava.
Poderia
ter se suicidado se Kurama assim o quisesse.
Poderia
ter vendido sua alma, posto que ela estava perdida devido ao sangue que
estava em suas mãos e também estava em seu coração.
Posto que ele por completo estava perdido, entregue a humilhações
que nunca imaginara, suportando-as todas com prazer.
Seu
rosto estapeado, sem motivo e por motivos ridículos. Seu nome dito
com desdém. Suas palavras desfeitas na frente de todos. Seu desejo
aceso para depois ser renunciado. Seu amor mantido e depois destruído.
Seu orgulho sendo pisado. Ele todo, sendo pisado. E permitia-se tudo isso,
por vontade própria. Por amor a Kurama, o Youko, e também
por ódio.
Quando
chegou à entrada da caverna, tão estreita que para entrar,
ele, com sua altura, com seus ombros, precisava curvar-se e passar de lado,
as pontas de pedras passando com força em suas coxas longas, quase
atravessando o couro. Depois da passagem, um corredor um pouco mais largo
e um sentinela que lhe sorriu e mostrou a palma da mão calejada,
sinal de que poderia ir em paz.
Yomi
segurou os cabelos com uma das mãos, junto a nuca, não os
deixando espalharem-se para se queimarem na lâmpada de óleo
que estava acesa, pendurada a uma altura que poderia chamuscá-lo,
e isso não era de bom agouro. Naquela época, os cabelos de
Yomi eram muito mais curtos em comparação ao que o discreto
desleixo que adquiriu, o fêz deixar que ficassem. Eram longos, sim,
mas somente esbarravam seus ombros, e tanto eram leves que lhe davam ares
de uma fera. Passou por alí já sabendo o que poderia esperar
ver depois da última curva, quando a caverna deixava de ir para
baixo, o chão com pequenas poças de água que as goteiras
constantes faziam, e subia de novo, para uma galeria mais espaçosa.
Era
naquela galeria que Kurama fizera seu covil, onde recebia seus amantes,
mas onde invariavelmente dormia absolutamente sozinho.Yomi entrou, escutando
murmúrios, vendo singelas formas sob a luz dos candeeiros, que não
eram somente de seu chefe, espalhadas pelo chão, sobre a esteira,
sobre a tapeçaria roubada que também forrava o chão.
A garrafa de saquê virada, a bebida derramada no chão. Yomi
não se surpreendia com nada do que poderia ver alí.
Desde
quando obedecia as ordens de Kurama, o Youko, entrava naquela alcova, mal
iluminada, o ar cheio de fumo de ervas afrodisíacas, vapores de
chás fortes e estimulantes, suores e suspiros de excitação.
Ele não era indiferente a nada disso, muito pelo contrário,
certamente ninguém que entrasse alí era afetado mais do que
Yomi por todas aquelas impressões, sensações... Mas
nada era tão devastador, nada o deixava mais fora de si do que ele
mesmo, Kurama, o Youko.
Ele
sempre estava, quando naquele compartimento, quando dedicado a seus prazeres,
com seu corpo longo e pálido solto dentro do quimono muito branco
que vestia, o nó afrouxado, seus amantes, mais de um dou mais de
dois, às vezes muitos, outras vezes, mesmo sozinho, permitindo que
eles metessem suas mãos curiosas pelas fendas do tecido. O que Yomi
não teria dado, naqueles anos, para ter suas mãos sobre aquela
pele?
Um
dia ele dissera a si mesmo que poderia dar um olho por isso. Ah, se ele
soubesse que esses desejos custariam muito caro...
Quando
estava alí, em pé, assistindo calado aquele pequeno espetáculo
de luxúria, Kurama, o Youko, olhou-o por longos momentos, calado,
somente sorrindo, seus olhos de crepúsculo também sorrindo.
Ele beijou os lábios de um de seus amantes e voltou-se para Yomi:
Eu
sabia que não ia se negar a vir. Ele riu baixo e beijou os lábios
de um outro belo e jovem youkai que estava esparramando-se a seus pés,
suspirando seu nome. Não
interessa o quanto você demora, você sempre vem.
Isso
é tudo? Disse, em resposta, sabendo a qual perigoso jogo aquela
conversa inicialmente inofensiva o levaria. De tanto que era vítima
daquela perversão, conhecia cada maneira de ser introduzido a ela.
Tantos anos de amor e ódio dedicados aquele desgraçado, dando
sua vida, sua morte, corpo e alma, e era apenas isso o que poderia esperar,
mesmo sabendo com todas as suas forças que Kurama não poderia
lhe ter apenas desprezo e aquele desejo terrível que somente Yomi
poderia satisfazer.
Você
sabe que não. Kurama falou, sem deixar de sorrir, mordendo o
lábio, perverso como somente ele era naqueles anos de glória.
Ele sabia da força de sua beleza, sabia o quanto cada gesto seu
tinha poder sobre a vontade de Yomi, e sabia o que seu subchefe faria por
uma migalha de amor. Ambos sabiam disso. Sacudiu suas franjas prateadas,
sedosas, cintilando no amarelo das lâmpadas de óleo, enquanto
se deixava escorregar, da liteira para o chão, sobre os tapetes,
onda se deitou entre seus amantes, o nó de seu quimono terminava
de ser desfeito nas mãos ávidas deles.
Eu
não sei de nada.
Você
sabe dos meus desejos, e para você, eles devem ser tudo, Yomi.
Já não sorria, suspirava.
Seus
amantes puxavam agora o tecido estampado da túnica por debaixo do
obi branco, revelando sua pele inteiramente. Yomi baixou os olhos, seu
rosto longo e branco, continuava sereno como antes, mas um rubor corava
seus lábios, agora. Ele olhou para o corpo de Kurama, o Youko, enquanto
este lhe falava, a voz falseando, alternando-se de suspiros e gemidos:
Eu
gosto quando você me olha assim, Yomi. Não! Não se
mova, não se atreva a me contrariar. Fique assim mesmo, olha para
mim, Yomi. Olhe bem nos meus olhos.
Odiando-se,
ele fazia exatamente o que o líder do bando mandava que fizesse,
era como se ele tivesse poder até sobre seus pensamentos. A impressão
que tinha era que Kurama sabia até de seus mais secretos pecados
e desejos.
A
sua alma me pertence, e tudo o que há nela também. Ele
disse, após um longo silêncio, seus olhos cerrando-se, um
dos jovens youkai ajoelhando-se entre seus joelhos, esfregando-se em seu
colo, as costas contra o seu peito, seu corpo todo nu no meio das roupas
espalhadas.
Humilhante
saber que não poderia deixar de se afetar com o cheiro dele, que
se sobrepunha a todos os outros, pior ainda igualmente saber que também
era desejado. Era o seu nome que era suspirado, logo alí, no chão,
aos seus pés, quando ele via Kurama, o Youko, segurando com muita
firmeza a cintura do youkai ao mesmo tempo em que outro, que estava ao
seu lado enterrava seu rosto em seus cabelos prateados, quase brancos naquela
luz. Ele chamava seu nome, jogando a cabeça para trás, quando
penetrava o jovem, puxando-o para si de uma só vez, fazendo-o ficar
de quatro no chão, ignorando seu grito. Ele também não
deixava de olhar Yomi muito fundo, na cor de carne de seus olhos.
É
meu até o seu amor... O seu desejo... Mas nunca será seu
o meu corpo... Ele sussurrou entrecortadamente, enquanto arremetia,
indiferente aos pequenos e curtos gritos que arrancava de seu amante a
cada vez que se lançava dentro dele, indiferente também ao
fio de sangue que corria pelas coxas do youkai ajoelhado, que contorcia-se
inteiro, os outros esfregando-se em Kurama, segurando com firmeza seus
cabelos aos punhados, cheios de um desejo muito selvagem, disputando seus
beijos, as fêmeas passando com força as unhas em suas costas
lisas e nuas, e um outro youkai segurando firme seus ombros fazendo ele
se inclinar para a frente.
Yomi
fechou os olhos para não ver aquele tal, qualquer um, não
importava, fazendo seu o que ele sempre desejara. Mas então, o grito
o fêz olhar a cena a sua frente. Sem sair-se do jovem, Kurama inclinara-se
para frente, seus cabelos presos entre as mãos do outro youkai,
feito rédeas, e Kurama chamava seu nome, arquejando, embriagado
de prazer nos braços de todos aqueles, os outros tocando seu corpo
por toda a parte, arranhando, lambendo, suas belezas todas parecendo muito
vulgares agora, em expressões de êxtase, amando-o, amando-se
entre si, amando somente a luxúria que aquele cheiro de cio lhes
inspirava. Kurama chamava o nome de Yomi, chamando-o, estendendo-lhe uma
das mãos, tirando-a de sobre a anca do youkai que se contorcia enlouquecido,
completamente empalado por seu membro.
Impossível
ter orgulho quando até este lhe havia sido há muito pisado.
Yomi
tomou aquela mão suada na sua, com força, como se aquele
gesto fosse o mais erótico de todos o que já vira Kurama
realizar. E segurou-a com muita força, apertando firme, quando ela
também cerrou-se, ele vendo, impassível, cheio de amor e
de ódio, cada estremecimento, cada estertor, cada vibração
e palpitação do corpo de Kurama, o Youko, sendo penetrado
pelo outro também com violência, fazendo entre os três,
entre todos eles, um grande balanço, um só ritmo de sexo
e penetração, aquela mão na de Yomi afrouxando-se,
os dedos tensos esticando-se, seu nome dito com tanto desejo naquela orgia
debaixo dos lampiões, velas e candeeiros. Sim, ele jamais teria
o corpo de Kurama, o Youko, mas este não lhe era de todo indiferente.
Era a sua mão que ele segurava quando permitia que seu corpo fosse
possuído, por qualquer um menos Yomi.
Eu
jamais serei seu... Ele gemeu, sendo sua vez de contorcer-se, dentro
do youkai, e seu outro amante dentro dele, e todos os outros obtendo seu
prazer de esfregar-se neles, as peles contra a sua, sua mão soltando-se
da dele.
Eu
sei.
Mesmo
assim não desiste de mim... Arfou, seu corpo todo vibrando de
êxtase, os dentes de seus amantes fechando-se sobre sua pele, as
unhas passando sobre seu peito.
E
você, desistiria de mim se eu o fizesse? Precisava saber, sempre
precisava ouvir aquilo, alguma, qualquer palavra que significasse que Kurama
não lhe era indiferente, para ter forças de suportar assistir
a mais uma orgia, e mais outra, e ainda outra depois daquela, tantas mais
que pudessem vir...
Você
jamais terá o meu corpo... Os movimentos estavam mais rápidos,
seu rosto cobria-se do rubor do gozo. Yomi engoliu em seco, sem piscar,
sua respiração estava pesada como se fosse ele quem estivesse
nas carnes de Kurama, o Youko, como fosse possuído por ele, ao mesmo
tempo. Seus olhos dentro dos seus, suas palavras cruéis, seu desprezo,
seu fingido desprezo.
O
ritmo daqueles corpos tão suados, as fêmeas esfregando-se
nas suas coxas longas, os youkais possuindo-se ao redor deles, pelo chão,
inebriados. Yomi nunca poderia ser indiferente a ele. Seu cheiro de cio,
que ele exalava quando estava cheio de desejo, tomava conta de seus sentidos
também.
...
Eu nunca vou desistir de você, Yomi... O ritmo que eles adquiriam
fazia com que suas palavras saíssem misturadas a gritos ardentes,
urgentes.
O
Youkai que o possuía o fazia com violência e desejo, induzido
pelo gozo que se aproximava, fazendo-o estremecer, fazendo com que as investidas
de Kurama no outro fossem mais fortes ainda, e arrancando-lhe um longo
gemido, e alargando a faixa de sangue que descia pelas coxas dele, desinibido
pelo desejo, quase um grito, que foi o primeiro a ecoar pela alcova, até
o chão parecia vibrar com aquele orgasmo, que não vinha sozinho,
o grito das fêmeas, que tinham seu clímax sobra a pele de
Kurama, puxando ferozes seus cabelos, ao mesmo tempo do youkai que estava
dentro dele, e ele apenas sentia, sem tirar os olhos dos de Yomi, o prazer
que se espalhava ao seu redor, do mesmo modo que se espalhava dentro dele
aquele jorro que ele sentia transbordar de si, e descer lento por suas
coxas. Mas ele continuou somente arfando, não havia tido seu clímax
ainda, estava se guardando, tenso, todo seu corpo arrepiado, poderia chegar
ao orgasmo até mesmo se respirasse fundo demais, e foi assim, todo
ereto, excitado ao máximo, úmido do sêmem de um de
seus amantes, que ele, separado dos outros, deitou-se entre eles, no chão,
sobre a desordem que se fazia de corpos suados e lânguidos, e chamou
Yomi com um olhar, abrindo as pernas, afastando os joelhos, seu pênis
muito ereto apontando para o teto.
Eu
prefiro matar a desistir de quem eu amo. Ele apoiou os pés no
chão, balançando seus quadris, oferecendo-se, continuando
a falar com Yomi daquela forma de sempre, como se fossem apenas eles em
meio aquelas pessoas muitas vezes completas estranhas para ambos. Venha,
Yomi, isto é tudo o que terá de mim. Terá meu amor,
mas jamais terá o meu corpo.
O
assassino que sujara as mãos em seu nome aproximou-se um passo,
como se de fato fossem apenas eles alí, e ajoelhou-se entre aquelas
longas pernas, desejando que elas o envolvessem em um mudo convite, mas
isso não aconteceu, e pela primeira vez Yomi atreveu-se a dar prazer
a Kurama, o Youko, suas mãos tocando forte o interior de suas coxas,
esfregando as palmas em sua intimidade úmida de suor e quente de
desejo, sentindo os pêlos lisos e finos em seus dedos, enquanto envolvia
com ambas as mãos aquele membro, apertando, masturbando-o com força,
fazendo-o gritar de dor e de prazer, afinal, comum
alívio de libertação, aquela ponta vermelha vibrando
quentíssima, esfregada com ira, quase ferindo, deslizando no suor
das palmas das mãos longas de Yomi, e em meios aqueles tremores
de prazer que pareciam uma agonia de morte, Kurama se retorceu, aflito,
fechando os olhos, gritando seu nome, gozando em suas mãos, o gozo
cheio e farto, respingando sobre sua barriga, encharcando os dedos de Yomi,
aquele cheiro forte deixando-o tão louco que poderia tê-lo
violentado alí mesmo.
Mas
em vez disso, Quando a última gota deslizou de entre aquelas coxas
para o chão, Yomi levantou-se, seus cabelos desgrenhados de seu
arfar meio encobrindo seu rosto. E Kurama, o Youko, quando descerrou seus
olhos, meio desfalecido de volúpia, disse-lhe, sem sorrir, mas passando
a ponta de seus dedos pelo rosto do amante que o havia possuído
momentos antes, que estava deitado ao seu lado:
Yomi...
Eu não posso deixar de dizer... Eu nunca lhe disse isso... Os seus
olhos são tão bonitos...
Ele
achou que era apenas mais um escárnio, mas não deixaria isso
abafar a sua satisfação, havia tocado o Youko, dado-lhe prazer,
era o seu nome que ele gritava quando estava no auge da paixão,
era a ele que amava, mesmo que jamais e entregasse.
Havia
quantos anos que estavam juntos, unidos até que a morte os separasse,
unidos pelo amor e pelo ódio? Muitos, não sabia quantos,
mas era muitos, e pela primeira vez Kurama prendera-se a elogiar seus olhos.
E permitira ter aquele privilégio de tocá-lo como somente
seus amantes podiam tocá-lo. Por que agora, depois de tanto tempo?
Ele não sabia.
Ele
também não poderia saber que quando saísse dalí,
em seu passo apressado, exultando de uma alegria pervertida, não
iria muito longe, na verdade, mal teria tempo de sair da caverna e logo
encontraria, saindo pelo atalho do outro lado do rochedo, aquele mesmo
que possuíra Kurama, o Youko, perante seus olhos, pronto a matá-lo,
arrancar seus olhos e levá-los para seu chefe.
Mas
ele não conseguiu cumprir a ordem que lhe fora dada.
Yomi
chegou ao acampamento, os mercenários o reconheceram naquelas vestes,
o chamaram pelo nome. Muitos alí conheciam seus feitos de assassino
e de bandoleiro, o respeitaram por isso. O fizeram a par do que estava
havendo, contaram dos pavores dos soldados que não queriam adentrar
a floresta. Fizeram-no sentar-se ao redor da fogueira, saborear o gosto
da carne de pássaro, assada, temperada apenas com sal grosso, junto
com eles. Eram youkais ferozes, em sua maioria não eram melhores
do que ele mesmo fora um dia. Por isso o respeitaram, por isso, o obedeceram,
para espanto dos generais que alí estavam. E quando o sol terminava
de se esconder detrás do horizonte, numa profusão de violeta
no céu, Yomi, alí, naquele momento não mais o Rei
de Gandara, ordenava que fossem feitas tochas, para serem acesas em breve.
Em que o disse, expulsou seus soldados, sem armamento algum, para voltarem
ao castelo, e ele? Ele buscava uma faixa estreita de couro, arrancada das
amarras que seguravam as pontas das tendas, para amarrar seus cabelos,
pois não perdera muitos de seus costumes de bandoleiro, e um desses
dizia-lhe que ter seus cabelos chamuscados pelas brasas não era
de bom agouro...
_____________________
Hiei
continuava olhando-o de uma distância segura. Não gostava
de que o tocassem, não sabia por que,mas não gostava, tal
deixava-o angustiado e temeroso de alguma coisa. Nem sabia por que permitira-se
abraçar quando vira-o chorando. Estava mais curioso agora do que
temeroso, na verdade. Não parava de olhá-lo, ainda que não
quisesse chegar perto daquela flor que falava e que vira apavorada, ao
que também não conseguia se aproximar, em uma espécie
de timidez. Kurama... este era o nome? Sim, era, ele lhe dissera, naquela
sua voz tão doce, em seus modos ora ingênuos, ora selvagens,
ora frios. Olhava-o de cima da árvore, escondido nas folhas, sentado
nos galhos retorcidos. Via-o logo embaixo de si, as pernas mergulhadas
na água de um dos lagos isolados que o rio formava, onde a água
ainda estava limpa, onde as árvores não haviam morrido ao
redor, tocadas pelo monstro. Estava tão triste e diferente quanto
antes, olhando suas mãos vermelhas, longas, seu cabelo somente espalhado
em seus ombros, não flamejavam mais, estavam molhados, sua túnica
estava molhada, o melhor que havia feito para limpá-la não
havia sido o bastante, colada em sua pele, quase transparente.
Você
me escutou? Ele perguntou, afinal, falando com a voz um pouco mais grave
que antes, por causa do choro, ou talvez fosse somente impressão
de Hiei.
Sim,
eu escutei. Mas eu não sei lhe responder isso.
Você
pode tentar? Por favor? Voltou-se para cima, olhando exatamente na direção
de Hiei, como se pudesse vê-lo mesmo com a penumbra do anoitecer.
É
importante para você?
Essa
pergunta... Kurama mordeu o lábio, pensando afinal, no que era importante
para ele. Sim, Shiori era muito importante. Não havia dúvida
alguma. Aquilo que estava acontecendo com ele agora, de estar tão
mal, seu youki sumindo... mesmo que ela não pudesse fazer nada para
ajudar, não queria estar longe dela agora.
Ele
fêz que sim, ansioso. Quase em seguida, Kurama, a rosa, via o terceiro
olho de Hiei, aquele Jagan violeta e estranho, cintilar, brilhar no meio
do escuro das folhagens.
Não!
Ele disse, precipitadamente, fazendo menção de se levantar,
e Hiei não imaginava a razão daquilo.
Não
é fogo.
Eu
sei. Mas venha para cá! Para perto de mim!!
Por
que?
Por
favor, Hiei!... Ele se encolheu mais para o lado, deixando uma parte
maior da margem para Hiei ficar alí, e encolheu-se mais ainda, abraçando
os joelhos, trêmulo de frio e um nervoso inexplicável, mas
ainda tentando sorrir-lhe, inspirar-lhe confiança.
Hiei
não soube por que perdeu seu tempo pensando naquilo, naquele pedido
tão estranho. Só iria usar o Jagan para tentar achar aquela
nigen que cuidara da rosa que lhe sorria agora. Poderia ter dito algo pouco
gentil, poderia ter dito simplesmente um não a sua vontade de querê-lo
por perto, mas em vez disso, ele desceu do galho, num pulo, sentindo-se
muito leve, mais do que nunca, em qualquer de suas lembranças, nem
as que estavam nele, e nem nas que vinham agora, aos poucos, como se abrisse
os cômodos lacrados de uma velha casa.
Frio,
ele olhou para Kurama por um longo tempo, analisando aquele sorriso que
parecia tão inocente, e naquele observar não revelou nenhuma
de suas dúvidas, e afinal Hiei sentou-se, bem distante dele, também
retraído, mas sem deixar de olhá-lo ainda com aquela curiosidade
de antes.
Hiei
não havia se lavado, estava ainda sujo, seu quimono manchado e respingado
de sangue, seu queixo também ainda manchado, mas não parecia
mais ameaçador. Parecia novamente um menino e não uma fera.
Um meninotão indefeso aos
olhos de Kurama...
Ele
mergulhou os pés na água tranqüila, as libélulas
passando por perto, as borboletas que ainda apareciam em busca do cheiro
de Kurama, muito mais fraco do que antes, quase não poderia ser
percebido com a mesma facilidade, agora. Kurama voltava-se devagar para
acompanhar seu movimento, vendo como a terra em seus tornozelos se desfazia.
Ele empertigou-se e respirando fundo, Hiei fechou os olhos, concentrando-se
para fazer aquilo de novo: usar seu jagan. Ele não era mais como
antes, aquele aspecto de seu poder, aquela visão total que poderia
ter das coisas, atravessando tempo e espaço, agora era muito mais
sensível, e quando tentava, precisava de muito menos esforço
do que antes, e quando sentia, quando tinha as visões em sua mente,
elas eram muito mais fortes, e não vinham com a dor de antes, aquela
que acompanhou-o em sua antiga vida desde quando apoderou-se do olho demoníaco.
Você
pode ver?... Kurama perguntou, após um longo tempo de silêncio,
em que viu somente os olhos de Hiei movendo-se ligeiros debaixo das pálpebras.
Ele estava imundo, como sua pele poderia respirar debaixo de tanto pó
e terra?
Mas
que pergunta... o menino vestido naquele obi negro ainda guardava uma certa
arrogância das capacidades de seu jagan. Aquilo não fora posto
em sua testa de graça e nem sem sacrifício, ao menos isso
Genkai fizera por ele, dera-lhe mais uma maldita existência, mas
tirara a dor de ver através dele.
...Posso.
O youki de Genkai está atrapalhando, está muito forte onde
ela está. Disse, evitando seu olhar, abanando o ar para afastar
as libélulas que queriam prender-se em seu cabelo muito negro e
espetado, liso demais e muito leve para deixar-se cair, e então,
seu youki fazia-os flamejar naquele reluzir azul.
Mas
a minha mãe está?...
Preocupada.
Ah...
Ele sorriu de uma forma muita aberta e muito doce. Não era mais
aquela rosa selvagem, era só uma flor pálida, não
havia o que temer. Hiei tentou olhá-lo nos olhos quando escutou
seu riso, mas estes eram tão verdes, tão profundos quanto
abismos, prometiam uma absoluta perdição, tão completa
que o deixava confuso. Ele corou e desviou os olhos de novo.
É
claro que ela está viva. Deve estar.. preocupada com você...
Se é que ela se importa tanto assim.
Ela
se importa.
Como
você a sente?
Do
que está falando?... Seu sorriso, mesmo não tendo o mesmo
viço de antes, ainda iluminava seu rosto pálido, sua pele
que melhorara muito pouco daquela palidez de morte de antes. Ele encheu
uma das palmas em concha e derramou sobre o joelho descoberto de Hiei,
fazendo-o encolher-se e esconder-se mais sob o obi. Não fique
com medo... É apenas...
Chuva.
Eles
se encararam por um instante que pareceu uma eternidade. Desta vez foi
a vez de Kurama sentir-se envergonhado. Hiei lembrava-se de suas palavras,
ele se lembraria do seu beijo?... Como saber? Ele só sabia que gostaria
muito de beijá-lo mais uma vez, e não somente mais uma. Aqueles
lábios tão pequenos, ainda manchados... Aquele gosto tão
doce de flor.. será que teria agora o inconfundível gosto
de sangue?
Eu
quero saber se você é grato pelo que ela lhe fêz.
Ela
me criou. Uma parte de mim, pelo menos.
Mas
isto o faz grato?Você a ama? Lhe tem ódio? Lhe tem consideração?
Eu
não lhe tenho ódio. Nem rancor. Ele me tirou de um pesadelo
e de um sonho verde, que eu nunca mais vou voltar a sonhar... Mas eu não
lhe tenho ódio... Ele continuava a encher a mão de água,
espalhando-a pela parte da perna de Hiei que o obi não conseguia
encobrir. E você? Por que
tinha tanto rancor por Genkai? Ainda tem?
Você
a ama?
Por
que não amaria? Eu poderia morrer, poderia ser uma aberração.
Poderei me tornar uma, e ela ainda estaria ao meu lado. Ele passou a
mão úmida sobre a perna de Hiei, que simplesmente olhava-o
fazer isso, alheio, ou distraído demais com suas perguntas, era
difícil saber. Mas seu coração era tão acelerado
agora quanto o de uma caça assustada, e os olhos de Kurama eram
tão estranhos...
O
seu pesadelo... Era o fogo? Estava com aquilo atravessado na garganta
havia muito, não poderia continuar segurando aquela dúvida
em si. Vira-o daquele jeito, transtornado de medo, disposto a deixar até
mesmo sua consciência e sua alma para escapar ao temor do fogo. Que
segredo era aquele que estava agora entre eles, que o fazia silenciar enquanto
esperava por uma resposta? Ele silenciava e podia escutar o pequeno coração
dentro de seu peito quase explodir, tantas eram as coisas que sentia, várias
e simultâneas. E aquela mão fria subindo por sua perna...
E
o seu, é não me deixar te tocar.
Ele
saltou na água, sumindo nela, fugindo da pergunta e da proximidade
de Kurama. O lago agitou-se, a água agitou-se na superfície,
escureceu mais com a terra que se desfez de sua pele, e o obi flutuou,
sozinho. Quase não houve som quando Hiei pulou, tampouco respingos.
Kurama deixou a roupa molhada, ou o que restava dela, da luta e dificuldades
que havia tido com aquela fera que queria devorá-lo, pesar, livre,
para baixo, por seus ombros de adolescente, quando se esticou, pronto a
ir atrás dele, sem querer ainda pensando-o indefeso, imaginando
todo tipo de fera tais como a que enfrentaram, se escondendo em cada sombra
do bosque. Ainda tremia quando pensava naquilo, e mais ainda, não
negava, quando pensava no fogo.
Colocou-se
todo para frente, tentando pegar o obi que as pequenas, mínimas
ondas na água, traziam para perto da margem onde estava, seus dedos
resvalando nele, seus olhos passando na superfície da água
escura, em busca do vulto pálido do corpo dele, temendo que ele
fugisse, o deixasse sem mesmo a lembrança de um último beijo.
Nunca nesta vida ele imaginara que um ser pudesse ser tão presente
em sua vida. Agoras, todas as suas decisões dependiam de Hiei, não
do que ele dizia, mas somente por ele estar em sua vida, e ele na dele.
Quando
esticou-se mais, quase segurando a seda molhada com sua mão ainda
vermelha,foi que aconteceu. Hiei
surgiu na sua frente de novo, saindo da água tal um fantasma de
afogado. Colocou-se de joelhos bem na sua frente, fazendo força
para olhá-lo nos olhos, cheio de atrevimento, e colocando-se para
olhá-lo bem de perto, seus rostos muito próximos. Seus hálitos
misturando-se com um estranho reconhecimento. Seus olhos encontrando-se,
prendendo-se um ao outro, irremediavelmente, completamente.
Se
você teme o fogo, por que não teme brincar comigo?... Foi
o que Hiei lhe sussurrou, seus lábios pequenos e avermelhados, sua
brancura destacada na penumbra do crepúsculo, seu corpo pequeno,
feito que de mármore, projetado sobre o de Kurama, completamente
desnudo, entregue a suas próprias dúvidas.
...
Por
que insiste nisso? Em me tocar?... Em me salvar?...Se eu nada sou para
você?...
...
Por
que quando fala nunca está respondendo o que eu pergunto?...
...
Eu
não sou nada para você. Por que se importa tanto comigo?
...
É verdade. Você não é nada para mim...
...
Ele olhava como se não pudesse deixar de apreender até
mais do que o sentido daquelas palavras.
...
Mas também eu sinto como se pudesse ser tudo.
Seus
olhos... Hiei olhava em seus olhos, enxergava aquele verde profundo, enxergava
um abismo... mas não via seu fundo. Da mesma feita, Kurama olhava-o
como se pudesse atravessá-lo com um olhar, como se soubesse que
ele tinha uma alma muito mais antiga do que parecia, tão atormentada
quanto a sua. E por que ele não o tocava? Por que não o beijava?
Estava com o rosto tão próximo do dele que bastaria um gesto,
uma mudança na dureza daquele olhar que Kurama, aquela rosa estranha,
teria feito-o. Do que Hiei poderia ter medo se sabia, se tanto havia visto-o
tentando salvá-lo, que ele não o machucaria?
Um
arrepio de frio fêz com que Kurama estremecesse, seu corpo cedeu
mais, seus ombros soltos, desnudos, deixaram seus corpo quase cair no próprio
peso. Mas antes que o fizesse, aquele menino que ele salvara tantas vezes,
como que em penitência, tomou-o em suas pequenas mãos, quentes
como se houvesse fogo correndo sob sua pele pálida, não permitindo
que caísse com as costas de uma vez sobre as raízes escuras,
sobre o mato que cercava as margens. Ele o amparou, outros arrepios vindo
do fundo de seu corpo, o toque de Hiei sobre si trazendo uma estranha sensação
de reconhecimento. Sentiu aquele calor de suas mãos, e logo de seu
corpo todo, sobre o seu, o tecido de suas roupas, molhado, escorregando
entre eles, desaparecendo entre eles, entre seu corpo e o de Hiei.
Não
diga mais nada. Não me faça promessas que não vai
cumprir.
Não
há promessa. Ele sussurrou, de olhos fechados, suas pálpebras
tremendo, quando voltou o rosto para o lado, evitando aquele olhar que
era rubro como seus próprios cabelos.
Diga
meu nome. Ele atreveu-se a segurar o rosto de Kurama entre suas mãos
de menino, e com uma voz que não condizia com seu rosto, profunda
como o fim de um trovão, disse-lhe isso.
Você...
É uma flor de fogo... Eu vi o seu fogo.
Meu
nome... Diga meu nome! Ele suplicou num fio de voz, como se daquilo
dependesse toda sua existência.
Você
é a flor da agonia... Hiei. Suspirou mais uma vez, levando os
braços para em torno daqueles ombros estreitos, como se fosse Hiei
que ainda precisasse ser cuidado e protegido. Ele afastou os joelhos lentamente,
entrelaçando suavemente as suas pernas longas com as dele, sentindo
aquele calor entre suas coxas, mais uma vez, como quando o beijou uma primeira
ver.
Mas
Kurama não fêz mais nada.
Quem
fêz foi Hiei, soltando seu peso sobre o corpo daquela criatura que
misteriosamente parecia ter uma alma, sem se importar, pela primeira vez
desde que acordou naquela caverna imunda, com os rumos que sua existência
tomava,com o seu medo de se permitir
tocar, com as mesquinhas preocupações de sua antiga vida.
Ele encostou sua testa molhada sobre a de Kurama, cerrando seus olhos,
e somente sentindo, aprendendo no meio daqueles braços a escutar
palavras a princípio sem nexo, mas que formavam o eco do murmúrio
silencioso que sempre estava presente na mata, quer quisesse ele escutar
ou não. Era o que Kurama fazia também, naquele transe, naquela
respiração em suspenso.
Então,
Hiei o beijou.
O
fêz tão doce e desajeitadamente como Kurama o fizera naquela
noite que parecia-lhe distante e nebulosa. E por este mesmo tanto aquele
beijo foi o mais delicioso de todos... Nunca antes os lábios macios
de Hiei pareceram-lhe tão doces, mortíferos. Ele se largoua
tudo o que poderia acontecer. Poderia ser devorado, assassinado, possuído,
do que lhe importava, se morreria naqueles lábios que tanto o enchiam
de desejo?
Todavia,
por mais que aquele gesto aquecesse-o por dentro, por mais exultante que
pudesse estar, cada vez pior se sentia, aquele frio que cortava seu corpo
em calafrios ferozes continuavam. Quando Hiei afastou os lábios
do seus, quando fêz-se entres eles aquele finíssimo fio de
saliva, ele sentiu-se tremer mais forte, e o toque em seu corpo, antes
tão delicioso, agora era insuportavelmente doloroso, e isso o fêz
afastá-lo imediatamente.
Está
vindo!... Ele dizia-o com uma certeza repleta de um temor inexplicável.
Kurama tentava desesperadamente respirar, suas mãos puxaram mais
ainda suas roupas para o lado, ofegando então com desatino.
O
que?... Hiei segurava seu rosto, seu corpo desejando aquele toque e
aquele aconchego morno entre eles, aquele calor que sempre desejara mas
nunca soubera nomear.
Ele
está vindo!... ele quer o meu sangue... ahn...-
Gemeu longamente, levando as mãos à cabeça, cerrava
os olhos com força, e Hiei viu, chocado, que aquela agonia não
lhe trazia dor. Kurama estava sorrindo de uma maneira que nunca vira antes,
e suas palavras... ele falava de dor, da dor que viria, como se não
fosse mais aquela rosa quem falasse, como se não mais se lembrasse
quem era Hiei. Aquelas palavras não eram dele. Ele dizia um nome
que não era o seu. ... ele deseja o meu corpo... pelos deuses,
vai me enlouquecer ... aaannh... fogo!! Está dentro de mim... a
morte está dentro de mim... Fogo!...
Eram
derradeiros gemidos de prazer. E em meio a eles, Hiei escutando-os, ele
nada compreendeu. Aquelas palavras, o que quer que significassem, eram
parte de um passado que Kurama fazia questão de manter-lhe como
um segredo. E o nome que ele dizia, era tão baixo, somente um ruído
atravessando sua garganta.
Rosa...
eu estou aqui! Hiei falou-lhe, erguendo-se sobre os joelhos, olhando
para o corpo abandonado aquele espetáculo de sensações,
debaixo do seu.
Hiei!...
Ele chamou-o por uma primeira vez agora, como se fosse aquela voz profunda
o único elo que não permitia-lhe afundar-se de vez naquela
loucura de seu delírio, tantas lembranças juntas, tanta dor...
e tanto prazer, aqueles chifres que reluziam diante das trevas em seus
olhos fechados. Olhos. Olhos que ele fechara para sempre. Olhos nos quais
ele nunca poderia ver a luz de um perdão...
Kurama!
Abra os olhos! Por favor, abra os olhos!!.
Ele
obedeceu, lançando os braços para os lados, num último
debater-se naquele chão selvagem. A rosa que olhou-o nos olhos então,
não foi a mesma que o beijou, não foi a mesma que o salvou
tantas vezes. Era a mesma que temia enlouquecer de tanto pavor, mas não
havia fogo. O único fogo que Hiei viu foium
lampejo incandescente, no fundo de seus olhos verdes como escamas de serpentes.
Hiei!
Não deixe que ele me leve! Eu tenho tanto medo... de querer ir!
Ele ofegou, seu peito subindo e descendo, vendo com alívio que
não estava mais preso aquela sensação que era somente
um vago eco em todo seu corpo, que se apoderara dele logo naquele momento.
Hiei inclinou-se sobre ele, sem dizer nada, somente maravilhado, atormentado
pelo que julgara ver. As luzes do crepúsculo brincavam sobre ele,
mas não poderiam estar sobre Kurama.
Ele,
a rosa, estava deitado sobre a escuridão da terra e sob a escuridão
da floresta. Mas era impossível não ver, ainda que sem esforço
algum, que em meio ao verde precioso de seus olhos, um rasgo abria-se no
fundo deles naquele momento. Um rasgo como em dourado, uma brasa de algo
muito mais forte do que poderia conter-se nele...
_____________
Shiori
encolhia-se um pouco mais entre as altas voltas, as largas bandas de madeira
que faziam as raízes expostas da árvore, projetando-se fora
do chão e subindo pelo caule acima, muito além da altura
de uma pessoa. Não parava de rezar sem parar as antigas orações
que aprendeu quando criança, quando nunca imaginaria as armadilhas
que o destino lhe faria. Em seu mundo, nada disso seria possível.
O melhor, e o pior, que poderia ter sido feito lá, foi feito por
ela mesma. Foram as suas mãos, que ela sentia as palmas machucadas
agora, depois do esforço insano que fizera de correr o mais que
podia, sem rumo, cega pelas lágrimas, cega pelo arrependimento,
que fizeram aquela obra do Mal assim ela o julgara, assim ela agora o
acreditava, ainda que a contragosto...
A
criatura sem alma que os deuses bem fizeram de não permitir viver
até o amanhecer. E quando finalmente imaginava-se perdoada por seu
erro... Alguém precisava arrepender-se em lugar dela. A flor de
fogo... a semente de um demônio... eram todas palavras tão
cruéis quanto as de uma profecia, e seu nome era repetido naquela
profecia como a mulher que abrira a caixa de Pandora.Não
queria por nada de todos os mundo ter de estar passando por isso, por tamanho
tormento. Se houvesse um modo de voltar no tempo, fazer as coisas diferentes...
Não, ela não imaginava sua vida sem Kurama, era impossível.
E pensava nele com todo o amor de mãe que lhe dispensara, desde
o instante que permitira-o chamá-la de mãe. Mas ao contrário
de quando a estufa foi incendiada, tinha certeza de que nunca mais voltaria
a vê-lo.
Ele
não voltaria... ela vira o fogo erguer-se para o céu, as
nuvens afastando-se com a lufada de ar e calor de encheu o céu.
Tanto horror. De repente Shiori sentia-se tão velha, tão
incapaz, tão... humana. Como se atrevera a aceitar o convite tentador
que Yomi lhe fizera? Quem era ela para aceitar tratos com criaturas que
nem sequer eram humanas? Deus... aquilo não deveria ser a vontade
de Deus, ela mesma O desafiara. Ela criara vida. Uma vida que não
pertencia a nenhum dos mundos... Shiori não parava de repetir aquelas
palavras:
Eu
plantei a semente de um demônio... Nada a fazia parar com aquilo,
nem o soluçar, nem a inevitável lembrança do que Genkai
fizera. Preferia morrer, matar-se a fazer o que a louca Genkai fizera,
arrepender-se àquele ponto, destruir daquela forma o que construíra.
Era vida afinal! Ainda que Genkai houvesse gritado-lhe tantas vezes antes
de... quando horror, que visão infernal foi a que tivera... Shiori
queria acreditar, que tanto seu filho, Kurama, quanto aquele menino que
erguera a espada contra a Doutora Genkai... tinham alma.
Totalmente
mergulhada em si mesma, não entendia o que estava havendo agora,
se os híbridos estavam mortos, todos, se a fera que Genkai erguera
para matá-los, estava morta também. Não sabia o que
estava fazendo que ainda sentia a dor em seus joelhos e palmas esfolados,
que não estava morta também. Mas o cheiro de sangue traria
a correção de mais este erro, como diria Genkai. Se o que
fizera fora um erro, talvez aquela fosse uma solução. Exilada
de seu mundo, traidora de Deus, das leis dos homens e das leis Dele, traidora
de sua palavra, prometida a Yomi, anos antes... traidora de seu próprio
filho, o primeiro... e de Kurama, o último...
Eu
plantei... Ela afinal engasgou-se em suas próprias palavras.
Estava tão escuro entre as raízes, entre o chão revirado
da floresta, pássaros raros e noturnos gritando vez ou outra. Mentira.
Estava mentindo para si mesma, mais uma vez. A noite naquele mundo era
silenciosa e sem vida. A floresta toda parecia morta depois do que vira,
depois do que seu coração atormentado acostumava-se a crer...
... aquela semente!...
Os
animais tão ferozes que os soldados de Yomi sempre lhe diziam que
infestavam as florestas do Makai deveriam aproximar-se logo. Aquele era
o único pensamento que a aliviava... Não tinha coragem de
se matar, tentar ter dignidade, Shiori só queria fechar os olhos,
como fazia agora... e quando abrí-los novamente, simplesmente ver
algo que não a amedrontasse como tudo naquela floresta, e saber
que tudo não passara de um grande mal entendido...
Um
estalo de folha perto de seu tornozelo (certamente quebrado, ou no mínimo
torcido, além de arranhado profundamente...) a fêz sem querer
abrir os olhos, o mais que podia, tentando se acostumar com a escuridão
densa que havia sob as copas, entre o mato, e rés a terra. Prendeu
a respiração, sentindo um estremecimento tão violento
que poderia jurar, para todo o sempre, que seus ossos afastavam-se das
juntas.
Uma
fera, exatamente tão terrível quanto nos seus piores pensamentos,
tão ameaçadora quanto todas as suas culpas feitas carne,
vinha devorá-la. Seus dentes branquíssimos reluziam na escuridão.
Incapaz
de falar, Shiori mal articulava uma vaga réplica das palavras de
Genkai antes de tornar-se aquela coisa negra e maldita, pronta a destruir
Kurama e Hiei.
Mas
apesar dos dentes afiados que entrevia, apesar da selvageria de seus olhos
e de sua silhueta escura e disforme, nada disso, e nada antes teve tanto
poder de assombrá-la quanto a mão quase infantil, pálida
e sedosa, que aquele animal estendeu-lhe...
Continua