Um Toque de Magia,
Desejo e... Amor
 
Por Lilah
 

Capítulo 1 - A Ameaça 

 
 
 

O Torneio das trevas terminara e Kurama deixaria o Makai pela segunda e, suspeitava, última vez. Não. Não podia deixá-lo partir sem conversarem, talvez  a conversa definitiva entre eles. Esse era o momento. E não desperdiçaria essa chance. Decidido, começou o caminho que o levaria até a fronteira , onde sabia que o encontraria.
 

      * * *

Mukuro observou Hiei desaparecer entre as árvores, com certeza indo ao encontro daquela raposa dissimulada.

Seus olhos brilharam de mágoa e rancor. Podia oferecer tudo ao Demônio do Fogo, mas fora preterida por causa de um humano-youko que, no passado, roubara, matara e destruíra muitas almas que dedicaram-lhe amor eterno. Não aceitava o fato de que, agora, era a vez de Hiei sucumbir aos encantos de Kurama... Não! Não perderia novamente para aquele Youko!

Tentaria sua última chance com Hiei. Se falhasse ainda teria um consolo: Não sofreria sozinha!
 

* * *

Kurama caminhava devagar em direção à fronteira. Em breve estaria de volta ao Nigenkai, de volta à sua família... Estava deixando o mundo das Trevas definitivamente. Era um sentimento contraditório: ansiava por apagar seu passado, porém não podia negar que adorava o ar, a vegetação, o reino das trevas; afinal, sua alma era de um demônio legendário...

“Chega!”, ordenou a si mesmo, “Fez sua escolha, Kurama. Nada mais te prende por aqui... Nada.”

A raposa suspirou pesadamente. Nada? A quem pensava enganar? Não uma coisa o prendia ao Makai, mas sim alguém... Um demônio... Um Demônio do Fogo... Seu Demônio do Fogo... Hiei.

Seu coração doía, só em pensar que não mais veria seu amado youkai. Afinal, trabalhando para Mukuro, vigiando as fronteiras, não haveria motivos para Hiei voltar ao mundo dos homens, o mundo que tanto odiava.

“Mas, e eu? Como vou fazer sem poder vê-lo? Sem ao menos conversar com ele? Afinal, antes de qualquer coisa, somos amigos. Pelo menos eu acho que somos amigos.”, esses pensamentos atormentavam a mente da raposa.

Amava Hiei em segredo a muito tempo... Tempo demais... Mas por saber que o youkai se afastaria dele se sequer desconfiasse de tal sentimento, contentara-se em ser apenas o amigo que o pequeno demônio esperava... E mesmo assim, muitas vezes sentiu que deixara escapar muito do seu sentir em alguns gestos: seu cuidado em tratar dos ferimentos, sua preocupação cada vez que  Hiei entrava em uma luta, até mesmo seu ciúme, quando o koorime fora lhe avisar de sua partida para o Makai, para encontrar com Mukuro... Seu instinto de Youko avisara: um rival poderoso!... Mais tarde confirmado, mas não era um rival e sim uma rival... pelo amor de Hiei!

Mas agora... Agora estava abdicando da luta... Hiei adorava o Makai e ficaria sempre muito perto de Mukuro... Era difícil de aceitar, mas a verdade era que perdera!

“Pare de se lamentar! Acabou! Volte ao mundo dos homens e cumpra suas metas: cursar a faculdade, continuar seu trabalho ajudando seu padrasto, cuidar de sua família, seus amigos e depois....”, parou de repente.

“Sim, e depois o quê? O que fazer? Como continuar sem a presença ‘dele’?”

Balançou a cabeça, agitando os longos cabelos vermelhos. Era mesmo uma raposa estúpida! Por mais que tentasse, sabia que nunca esqueceria seu amor por Hiei, e pior, não tinha a menor idéia de como continuar sem a presença do youkai em sua vida!

Continuou andando, divisando a fronteira um pouco mais ao longe. Foi quando sentiu o you-ki familiar... “Não! Não vou suportar vê-lo sabendo que é a última vez! Por favor, não pode ser!”, pensou o kitsune angustiado.

Mas era. Apoiado em uma árvore, como se estivesse esperando já a algum tempo e observando-o atentamente: Hiei.
 

* * *
 
 

Hiei observou Kurama caminhando lentamente até onde encontrava-se. O kitsune era lindo. Tão lindo que não cansava de admirá-lo, ainda que sempre disfarçasse, não conseguia deixar de segui-lo com os olhos. Fosse durante uma fuga, assistindo a uma luta do Youko, ou simplesmente como agora, caminhando elegantemente... Sim, decididamente aquela raposa conseguia mexer com todos os seus sentidos, até mesmo com os quais não sabia possuir.

Então, Kurama percebeu sua presença e parou. Chegara o momento!
 
 

* * *
 
 

“Hn. Cadê o Yusuke?”

“Acho que ele vai mais tarde. Tem muita coisa prá resolver.”

Hiei observou as roupas de Kurama, bem como a mochila que carregava. Característico objeto nigen.

“Você vai embora?”

“Eu vou direto prá casa, Hiei.”

Ele ia para casa, pensou Hiei. Típico de Kurama. O que deveria dizer agora? Não tinha a mínima idéia. Apertando a jóia que Yukina lhe entregara para “procurar” seu irmão desaparecido, acabou fazendo a primeira coisa que veio à mente, agitada por sentimentos, até então, desconhecidos. Jogou a corrente com a pedra brilhante em direção à Kurama.

A raposa pegou o objeto no ar. Abrindo a mão com curiosidade, contemplou a jóia. Sabia o que Hiei queria, mas não resistiu fazer uma provocação, ainda com uma pequena esperança no coração:

“Ah, mas o que é isso? Eu fico muito contente, Hiei, mas não posso aceitar o presente.”, observou o pequeno youkai olhá-lo confuso. Fechando os olhos, continuou: “Eu tenho o costume de usar...”.

Sem graça e sem saber como reagir ao comentário da raposa, Hiei apelou para o famoso “gênio mal-humorado”:

“Quem disse que era prá você?”, perguntou raivoso, mas ao mesmo tempo ansioso de talvez estar se revelando daquela forma.

Kurama riu, divertindo-se com a ira do koorime:

“Há, tudo bem, brincadeira minha. Eu sei que é prá devolver para Yukina.”

“Isso mesmo!”, confirmou o youkai invocado, “E dê o recado: Diga que o irmão dela já morreu.”

“E por que você mesmo não devolve a ela?”

  Não podendo encarar a raposa, Hiei respondeu desviando o olhar:

“Eu vou permanecer aqui. Quero que ela desista de me procurar.”

As palavras de Hiei calaram todas as esperanças de Kurama. O Demônio do Fogo jamais deixaria o Makai! Mesmo assim... talvez tivesse uma chance... A única: aquela jóia. Estendeu a corrente em direção ao youkai:

“Neste caso, é melhor que você mesmo devolva prá ela... Ainda que leve muitos anos...”

O Demônio do Fogo olhou para a raposa por alguns instantes. Bom, se não conseguisse falar tudo o que queria agora, ainda haveria a desculpa de devolver a jóia para Yukina, um bom motivo para voltar ao Nigenkai e reencontrar Kurama.

“Tá bom. Tudo bem. Eu não vou insistir.”, concordou, pegando a jóia de volta.

O silêncio pairou entre ambos. Tudo ficou em suspenso. Sabiam que a conversa terminara... Que tudo chegara ao fim... Kurama teria que continuar seu caminho, partindo definitivamente, e Hiei ficaria no Makai... sozinho novamente...

Em desespero, Kurama sentiu os olhos arderem. Se não partisse logo, começaria a chorar na frente do youkai. E isso ele não suportaria... Reunindo toda sua força, mas sentindo que morria por dentro, disse as únicas palavras que nunca gostaria de pronunciar:

“Adeus, Hiei.”
 

* * *

 
 
 

Hiei pensou que, durante toda sua existência, já conhecera todo tipo de dor. Mas pelo visto, enganara-se. A dor que sentia naquele momento não podia ser comparada a nenhuma outra. E aumentava cada vez que as palavras da raposa ecoavam em sua mente: “Adeus”.

Quando Kurama começou a andar em sua direção, cada passo significava uma sentença: a certeza de encontrar-se sozinho no mundo... Uma solidão sombria e sem fim.

Mais um passo. E o Demônio do Fogo teve a confirmação: não importava mais se teria ou não um motivo para voltar ao Nigenkai. Tinha que falar com a raposa agora, ou nunca mais conseguiria dizer o que estava em sua alma.

Mais um passo. Estavam lado a lado. Sua mente gritava, lembrando-o : É o momento! Sua última chance!

Mais um passo... E Kurama parecia estar muito longe já. Dando-lhe as costas. Afastando-se para sempre... Mais uma vez a dor contraindo o peito ao ouvir incessantemente: “Adeus”.

Mais um passo... Não!... A mente gritava, a alma gritava... NÃO!... O coração, por fim, gritava... E foi esse grito que fez com que as barreiras de seu medo, rompessem.

“Kitsune...”
 

* * *

 
 
 

Apenas alguns metros e estaria de volta ao mundo dos homens. E por mais que tentasse fingir que estava contente em voltar para casa, a cada passo sentia deixar uma parte de si no Makai. Sua parte mais querida. Quando passou por Hiei, todo seu corpo retesou por dentro, como que em protesto... Como se toda sua alma chamasse pelo koorime... Sua determinação em partir esmorecia a cada segundo, quando ouviu um sussurro dolorido.

“Kitsune...”

Kurama estancou no lugar. O coração batendo desesperado, ansiando por um milagre... O único que poderia fazer com que se sentisse inteiro novamente. Ao mesmo tempo, temia mover-se e descobrir que imaginara o chamado.

“Não vá ainda, kitsune... Eu... preciso dizer algo a  você.”. a voz de Hiei não passava de um murmúrio.

O ruivo voltou-se para  encarar o Demônio do Fogo. Hiei permanecia na mesma posição, de costas, mas a cabeça baixa.

“O que aconteceu, Hiei?”, sua pergunta saiu num tom mais baixo e rouco do que queria, mas o que podia fazer? Suas emoções estavam por demais agitadas para agir com razão.

“Eu não sei o que aconteceu!”, e imaginando que estava sendo muito fraco, ergueu a cabeça, olhando para as árvore, ainda não conseguindo encarar a raposa, “Hn. Definitivamente, não sei o que aconteceu. Só sei que não consigo aceitar o fato de ficar longe de você.”

Kurama arregalou os olhos, o verde-esmeralda ainda mais brilhante por causa das lágrimas que toldavam-lhe a visão, enquanto ouvia o pequeno youkai.

“Também não sei o que e isso que estou sentindo. Nunca senti nada parecido. É bom quando estou perto de você. Mas agora, dói terrivelmente ao imaginar que, se deixá-lo atravessar essa fronteira, ficarei sozinho de novo e para sempre. E não quero isso.”

Agora Kurama não mais importava-se com as lágrimas que, afinal, rolavam por sua face... Não eram mais lágrimas de aflição, mas sim de felicidade... Finalmente, ele e Hiei encontravam-se unidos pelo mesmo sentimento, além da amizade.

“Itoshii...”, sussurrou num apelo. Queria acalmar o coração de seu amado koorime, transmitindo confiança e carinho.

Hiei voltou-se para a raposa. Os olhos de rubi repletos de angústia e ansiedade. Apenas aquela palavra murmurada pelo Youko já proporcionara-lhe a segurança de terminar o que queria dizer. Encarando os lindos olhos que tanto o enfeitiçavam, afirmou com todo seu sentimento, ainda que confuso:

“Eu preciso de você, raposa. Não quero te perder. Não quero que me deixe!”

A mochila que Kurama carregava, deslizou para o chão quando superou a distância que o separava do Demônio do Fogo.

Por um longo tempo ficaram em silêncio. Os olhos trocando todas as verdades que as palavras não conseguiriam expressar. Lentamente, Kurama estendeu os braços para Hiei, que não hesitou em aconchegar-se neles.

Abraçando seu koorime apaixonadamente, o Youko apoiou a cabeça nos cabelos negros, enquanto murmurava:

“Nenhum de nós ficará sozinho novamente, itoshii... Onde quer que vá, me levará com você aí dentro, onde eu estiver, levarei você também dentro de mim... E no meio desse caminho estaremos sempre juntos, dividindo nosso sentimento... Nunca te deixarei!”

Hiei afastou-se o suficiente para levantar a cabeça e encarar a raposa:

“Ainda não sei como vou fazer, kitsune, mas também nunca te deixarei! Ainda que tenha que me dividir entre os dois mundos, não ficarei longe de você.”

“Eu sei”, Kurama concordou suavemente, depositando um beijo carinhoso no jagan coberto, “Eu entendo, por isso quero que também entenda que não é mais uma despedida... É uma promessa de um novo começo para nós dois... Em nosso próximo encontro, mais cedo ou mais tarde, poderemos pensar com mais cuidado sobre tudo.”, e com os olhos brilhando maliciosos, completou, “Entre certos intervalos, claro...”, sussurrou, enquanto deslizava as mãos de modo lânguido e sedutor, pelas costas de Hiei , sensualmente, até parar um pouco mais abaixo...

“Hn.”, resmungou Hiei, estremecendo nos braços do Youko, “Pode ter a certeza de que será mais cedo do que pensa, raposa... Principalmente depois disso...”, acariciando os cabelos vermelhos, mordiscou o pescoço de Kurama e sorriu de encontro à pele ao sentir-lhe o violento tremor a percorrer o corpo elegante.

Propositadamente, evitou beijá-lo nos lábios. Se começasse não pararia nisso. E aquele não era o lugar apropriado. Mais tarde... Quando fosse ao Nigenkai encontrá-lo, teriam muito tempo, a noite inteira para se amarem... A primeira de muitas... Por hora, tinha que deixar a raposa partir, mas seria por poucas horas. E era esse pensamento que aplacava seu desejo de querer mantê-lo ao seu lado no Makai.

“Você tem que ir.”, Hiei concluiu rangendo os dentes, afastando-se com dificuldade, “Mas em breve irei te encontrar.”, acariciou ou cabelos vermelhos enquanto murmurava, “Deixe a janela aberta esta noite, raposa.”

“Estarei esperando ansiosamente”, sorriu o Youko, inclinando-se, depositando um beijinho rápido na ponta do nariz do koorime.

Voltou para o lugar onde deixara a mochila caída. Pendurou-a de volta ao ombro e olhou novamente para o seu youkai:

“Estarei sempre esperando por, Hiei. Só você...”

E assim, sorrindo para o Demônio do Fogo, tomou a direção da fronteira, não mais em silencioso desespero, e sim com uma nova expectativa, e uma intensa alegria... Hiei voltaria para ele...
 

* * *
 
 

Hiei observou Kurama  distanciar-se aos poucos. Mesmo sabendo que em poucas horas estariam juntos novamente, não queria vê-lo desaparecer entre as árvores, em direção ao portal que dividia a fronteira entre os dois mundos.

Deu alguns passos em direção à densa floresta das trevas, quando sentiu uma energia familiar. Parou e esperou, deixando que percebessem que ele reconhecera a presença.

Logo mais, Mukuro apareceu por detrás de uma das grandes árvores.

“Hn. Não sabia que gostava de espionar os outros.”

“Você é meu comandante e vigia as fronteiras, por que não poderia te observar?”

“Ainda não estou na patrulha. E mesmo que estivesse, não tem porque me vigiar. Nem agora, nem depois.”, dando a conversa por encerrada, o youkai  continuou seu caminho.

Mukuro quase não conseguia controlar-se. Presenciar todo aquele encontro entre Hiei e aquele Youko fizera o sangue ferver, tamanha era sua raiva pela traição. Mas não podia deixar que essa raiva transparecesse agora. Precisa de todo seu controle para convencer o Demônio do Fogo a esquecer de vez aquela raposa dissimulada.

“Espere, Hiei! Precisamos conversar.”

O Youkai parou, olhando por sobre o ombro.

“Hn. Conversar o quê? Não tenho tempo. Tenho que me apresentar à patrulha e depois continuar meu treinamento.”

A mulher mais forte do Makai fechou os punhos com a força da raiva, mal contida. Ele ia continuar o treinamento. A quem queria enganar?

Percebeu que não conseguiria convencê-lo facilmente.

“Vai continuar o treinamento? Onde? No Nigenkai?”

O youkai estancou, confirmando, o que no fundo, já desconfiava: Mukuro o seguira e presenciara todo seu encontro com Kurama.

“Hn. Isso não é da sua conta.”

“É da minha conta se começar a atrapalhar suas obrigações como meu comandante, antes mesmo de começar.”

“Esse problema é fácil de resolver. Não serei mais seu comandante. Ficarei só na patrulha, como foi determinado no fim do Torneio.”

Ela deu um passo para trás, chocada com a fria decisão do Demônio.

“Como pode decidir isso dessa maneira? Eu te ofereci um posto que, muitos, matariam para conseguí-lo. Como pode largar tudo por causa dessa raposa disfarçada de humano?”, o ódio que sentia começou a acumular uma forte energia ao seu redor.

“Hn. Pouco me importa esse posto. Ofereça a qualquer um. O que faço ou deixo de fazer não cabe a você questionar. Sempre faço tudo do meu jeito. Já devia saber disso.”, finalizou , querendo encerrar de vez aquela conversa. Sentia a energia de Mukuro elevar-se de um modo muito estranho, mas muito forte.

Obedecendo ao seu instinto, o youkai voltou-se na direção da fronteira com ar resoluto. Algo lhe dizia que sua raposa corria perigo pelo ódio daquela mulher.

Mukuro percebeu a mudança de direção. Não! Não podia permitir!

“Aonde vai?”

“Hn. Vou para Nigenkai.”

“Mas o que está acontecendo com você, Hiei? Será que também permitiu-se enfeitiçar pelos encantos diabólicos daquele Youko? Não percebe que será mais um na longa lista de amantes? Ou talvez vai permitir que te destrua, com fez com Koronue, Sigure, e tantos outros!”

“Poupe seu fôlego, Mukuro! Nada do que disser me afastará de Kurama. Você sempre soube disso. Achei que tivesse aceitado o fato, quando percebeu minha reação durante a luta de Kurama com Sigure. Hn. Se algo tivesse acontecido a Kurama, Sigure morreria de qualquer modo. Só que pelas minhas mãos.”, continuou andando. O sentimento de perigo cada vez mais forte.

Afinal, Mukuro percebeu que perdera. Ódio e orgulho fizeram com que erguesse a cabeça, em desafio. Hiei continuava a caminhar, de costas prá ela, já quase alcançando a fronteira. Restava muito pouco tempo agora. Respirou fundo, e começou:

“Hiei! Me desprezou pela última vez. Não perdoarei, nem a você nem aquele Youko!”

O Demônio do Fogo continuou a andar, sem dar importância às palavras da mulher atrás dele.

Ela não se abalou. Estava apenas começando sua vingança, uma pequena parte de tudo o que planejava:

“Se você o possuir, estará decretando a sentença de morte de Kurama Youko!”

Hiei sentiu um arrepio gelado percorrer-lhe a espinha, aumentado a sensação de perigo. Conseguiu divisar a figura de Kurama, metros a frente, chegando à frente do portal. Não deixando-se intimidar pelas palavras, encarou-a :

“Deixe de falar besteiras!”

Mukuro sorriu friamente, apegando-se à raiva que sentia pelo desprezo de Hiei. Sim. Chegara o momento de usar seus outros conhecimentos que não as artes de guerra.

“Não estou falando nenhuma besteira. Pensa que minha força espiritual é só para técnicas de guerra e combate? Enganou-se, Hiei. Domino outros conhecimentos espirituais. Uma luta com você e aquela raposa não aplacará meu ódio pelo seu desprezo... Quero que você e ele sofram muito, mas através dos próprios sentimentos... E quando isso acontecer, terei o Youko em minhas mãos. Como eterno prisioneiro, ou com a cabeça a enfeitar minha fortaleza, se você o possuir.”

A mente de Hiei trabalhava febrilmente, tentando lembrar de tudo que referia-se àquela mulher. Outros conhecimentos para utilizar a energia espiritual? O quê?

Como num raio, a resposta surgiu à mente: a máscara que Mukuro sempre usava até o torneio proposto por Yusuke... Possuía inscrições mágicas! Estaria referindo-se à Magia? Se fosse isso...

Não... não podia ser... Tudo passou pela cabeça de Hiei num segundo, mas conseguiu responder com a indiferença de sempre:

“Hn. Está blefando!”

“Não estou blefando. E sabe disso. Então preste bem atenção no que vou dizer...”, fechou os olhos, elevando seu poder através da energia espiritual, então encarou o demônio firmemente, “Em breve, muito breve, Kurama perderá a memória de Youko, com ela, toda sua energia espiritual ficará adormecida, e não passará de um ser humano comum. Não lembrará nada do passado e nem de você. Mas daqui a três Luas Negras, será o período de preparação para o equinócio do Gelo. O bio-ritmo de Kurama será alterado e as ausências que sentirá serão seus momentos mais vulneráveis. Serão as exatas duas semanas antes da Lua Cheia do Equinócio. Um dia antes desse período, decretarei a Caçada. Uma recompensa será entregue ao demônio que, sem interferir no mundo dos homens, trouxer Kurama até mim.”, parou, observando a reação de Hiei.

Como sempre, o youkai permanecia impassível, mas sabia que, no fundo, temia pela raposa.

“Aqui entrará o seu sofrimento, Hiei... Se até a Lua Cheia do Equinócio de Gelo, você e Kurama se amarem, eu matarei seu precioso Youko, numa cerimônia de sacrifício, aqui no Makai. Se conseguir resistir, manterei a raposa em minha masmorra... bem longe do seu próprio cativeiro... bem longe dos seus olhos... E não se iluda, porque terei Kurama em minhas mãos até lá... Essa é minha Promessa... e minha vingança!”

“Isso é impossível de acontecer! Nunca conseguirá aprisionar Kurama, sequer matá-lo. E não há possibilidade dele perder a memória! Não acredito em nenhuma palavra!”

“Será que não? Mas não se preocupe, Hiei. Muito em breve pensará o contrário. E terá medo, muito medo! Porque eu quero que você ceda à tentação de amar aquele Youko! Porque assim, vou poder matá-lo como na Promessa e você sofrerá pelo resto de sua vida, preso num cativeiro, lamentando ser o responsável pela sentença de morte dele!”

“Cretina. Torno a repetir: não acredito nessas bobagens! Hn. E não tenho mais tempo a perder aqui!”

“Vai se arrepender por cada palavra, Hiei.”, disse raivosa. Tudo era questão de tempo até conseguir sua vingança contra aquele Youko. Mesmo assim, odiou-se por não conseguir resistir a uma última tentativa, “Você poderia conseguir tudo o que quisesse, se ficasse comigo.”

Hiei continuou andando, olhando em direção à Kurama, que entrava no portal que separava os dois mundos. Respondeu por sobre o ombro:

“Hoje, consegui tudo o que queria. Tudo o que quero é Kurama...  Além do quê, eu nunca quis você!”

Se, naquele momento, o youkai tivesse atacado-a com o Dragão Negro, não sentiria tamanha revolta. Como aquele Demônio ousava falar-lhe daquele jeito?... Menosprezando-a ao exaltar aquela raposa maldita! Cega de raiva e mágoa, concentrou a energia para um ataque:

“Fez a sua escolha. Então... leve uma lembrança minha para Nigenkai, Hiei!”, gritou, lançando o golpe através de uma bola energética.”

O Demônio do Fogo sentiu o ataque aproximando-se, mas não se preocupou. Percebeu que, por pouco, não iria atingi-lo.

Estava ocupado em contemplar Kurama, que já desaparecera dentro do portal...

DENTRO DO PORTAL!

O único lugar onde não era possível detectar, nem manifestar nenhum tipo de energia, por ser um espaço suspenso entre dois universos distintos. Sendo um campo neutro. Porém, qualquer energia fora do portal poderia atravessá-lo!

Se aquele ataque entrasse no portal... atingiria a raposa em cheio!

Maldita!

Era isso! O alvo não era ele! Era sua raposa!... Mais um segundo...

“KURAMA!!!”, Gritou desesperado, tentando avisá-lo do perigo eminente.

Correu até o portal a tempo de ver sua raposa voltar-se ao ouvir seu grito, um segundo antes do ataque de Mukuro atingir o kitsune, numa explosão que fez com que tudo desaparecesse dentro do escuro.

“Kurama.... NÃO!!!”

Girou sobre o corpo, empunhando a katana, pronto para atacar a responsável pelo golpe que atingira sua raposa, toda sua energia concentrava-se na dor que estava sentindo ao imaginar Kurama ferido.

Mukuro continuou parada onde estava, tranqüilamente.

“Poupe a katana e sua energia, Hiei. Vai precisar dela se quiser tentar correr contra o tempo e salvar aquele Youko. Ainda não quero que morra... Quero a Caçada, e a minha Promessa cumprida!”, disse, dando as costas para o youkai e voltando na direção da sua fortaleza.

Hiei apressou-se em entrar no portal para procurar por Kurama, que devia estar caído do outro lado, já no Nigenkai. Mas ainda ouviu o ultimo comentário de Mukuro :

“Seu maior desejo, será o seu castigo. Para ambos.”

A voz calou no momento que o Demônio do Fogo colocou os pés no mundo dos homens. Encontrou Kurama caído um pouco mais à frente... Inerte sobre uma poça de sangue.

O grito angustiado escapou da garganta sem que conseguisse conter.

“NÃO!!!”

 
 



Continua