Um Toque de Magia,
Desejo e... Amor
 
Por Lilah
 

Capítulo 5: Desejo Proibido 
 
 

A escuridão murmurava, fazia Hiei lembrar-se do passado, de quem era, o que era, transportando-o através do tempo e do espaço para o local de onde escapara depois de muito sofrimento. Chamas de velas tremulavam no pesado silêncio do salão. Sólidas paredes negras formavam a fortaleza de Mukuro. Não podia acreditar que estava novamente ali. Queria sair desse lugar que o sufocava, mas não conseguia.

Via-se discutindo com a mulher, negando-se a partilhar sua cama e ser seu companheiro. Não era esse tipo de sentimento que sentia por ela. Queria ir embora, àquela hora, Kurama estaria deixando o Makai e se não falasse com ele naquele momento, não haveria outra oportunidade.

Seu encontro com a raposa... Um dos momentos mais doces e bonitos de toda sua vida... Tanto sonhara em ter o amor de Kurama, e agora seu sonho era realidade, em poucas horas estariam se amando como se não houvesse tempo nem espaço e tudo se resumisse a união de ambos.

De repente o céu tornou-se negro e chamas ergueram-se ao redor de ambos. Um risada fria e vitoriosa ouviu-se na escuridão que o cercava, correntes envolveram seus corpos e foram separados violentamente. Tentava soltar-se, ajudar sua raposa que estava cercada de demônios a prendê-lo naquele Altar de Sacrifícios... Um sombra destacou-se entre as chamas... Mukuro... caminhava com a espada apontada para Kurama... Não... não podia permitir!

Alguém empurrou-o na direção da mulher, que segurou sua mão, depositando a espada e fazendo-o apontar para o Youko... “Cumpra seu dever, Hiei, execute a sentença que determinou.”... “NÃO!”, gritou, tentando libertar-se das correntes que o aprisionavam e das mãos que obrigavam-no a erguer a espada em direção à raposa.

“Faça o que deve fazer, Hiei! Faça!”, a mulher gritava, enquanto o Youko olhava para ele com os olhos dourados, tranqüilos e confiantes, conseguindo divisar bem ao fundo, as matizes do tom esverdeado de seu corpo humano. “Faça! Mate-o! Já o condenou, agora execute a sentença!”, a mulher continuava a gritar... “Não”, começou sussurrante encarando Kurama, “NÃÃÃÃÃÃO!”.

O grito terrível de Hiei foi abafado pelas vozes exaltadas dos demônios, que exigiam o cumprimento da Promessa e a execução de sua caça. Mukuro ergueu a mão do youkai, que tentava largar a espada, porém ela não o permitia. A espada descreveu um arco e Hiei arregalou os olhos.

“Hiei..”, o suave murmúrio fez-se ouvir entre os gritos alucinantes. Ele olhou para os olhos da raposa, sem expressão, sem vida... o sangue jorrando do corte mortal da garganta... “Hiei..”, seu nome soou mais alto.

“Kurama?”, Hiei tentou vê-lo responder ao seu chamado, mas só via o sangue e seus olhos... Morto! Ele matara sua raposa!... “Kurama!”, desesperou-se.

 “Calma, Hiei... É só um pesadelo.”

Os olhos do youkai abriram-se ao sentir o calor da mão de Kurama no peito nu. Sentou-se no sofá e olhou ao redor.

 “Está tudo bem, Hiei, você teve um pesadelo.”

“As vozes...”, ele olhou ao redor novamente, mas não viu as chamas das tochas nem o altar. Examinou as próprias mãos, incrédulo ao vê-las limpas. Tinha se espalhado tanto sangue! Ainda sentia seu calor em suas mãos, seu cheiro adocicado... Matara Kurama...

 “O vento.”, murmurou Kurama.

 “O quê?”

“Acho que foi o vento...”, disse a raposa olhando para as janelas. “Ele geme, uiva.”

“Hn. Não foi o vento.”, a voz de Hiei estava áspera. Respirou fundo e relaxou-se esfregando os olhos. “Não... Não foi o vento. Maldita!”

 “Quem?”

A voz suave acalmou os tremores que ainda abalavam o corpo de Hiei e os dedos da raposa deslizaram pelo braço forte, como línguas de fogo derretendo o gelo que se formara em seus ossos.

“Ninguém...”, a imagem de Mukuro não saía da cabeça de Hiei, lembrando-lhe o caminho que o forçara a tomar, o sangue que derramara, que poderia vir a derramar. Enojado, esfregou as mãos na calça, como se pudesse livrar-se das lembranças.

“Está tudo certo, Hiei. Eu também tive pesadelos com as escuridões, com o passado que não lembro. Nunca pensei que pudesse sofrer tanto com aqueles sonhos, mas sofri...”

Talvez fosse o brilho das lágrimas dele à luz incerta do fogo na lareira ou o modo que Kurama passava os dedos no seu braço, o fato é que ele esqueceu tudo: o angustiante passado e o ameaçador futuro.

“Eu tenho uma vida tranqüila no mundo dos homens, mas sinto falta das lembranças que perdi. Não foram apenas algumas coisas que esqueci, foi toda uma vida! Uma vida que tem profunda ligação com a vida que levo hoje. Uma não pode existir se não depender da outra.”

 “Às vezes é melhor não lembrar, Kurama...”

“Não prá mim. Tenho que lembrar. Vivo com a sensação que me falta algo. Algo vital. Não só minha energia, nem minha memória em si, mas algo que esqueci junto com isso.”, as lágrimas desciam lentamente, sem que percebesse.

Kurama. Sua raposa. O seu destino. Hiei procurou livrar-se da profunda tristeza e segurou a mão dele, detendo a carícia que o perturbava. As lágrimas de Kurama enfraqueciam o controle de Hiei, abafavam a voz interior que o advertia para não tocá-lo, para não conversar com ele. Mas o reflexo cambiante do fogo e o vento gemendo lá fora impeliram-no a enxugar-lhe as lágrimas, a amenizar-lhe o sofrimento.

“Pensei que meus escurecimentos eram causados por eu não ser forte o bastante para agüentar a perda de uma parte da minha existência. Nunca mais senti a energia das plantas, como Yusuke diz que sempre fiz, me senti traído pelo meu próprio corpo, minha mente. Achei que o negror era uma fuga.”

“Não.”, explicou Hiei, “Não são uma fuga, são a busca pela verdade, pelo que está perdido. Mas são também sua parte mais vulnerável, onde eles se aproveitam de seu estado para enfraquecê-lo, para...”

“Cale-se!”, exaltou-se Kurama. “Não comece a dizer algo que não vai completar, Hiei. Não quero apenas uma parte da verdade. Quero a verdade toda ou não me conte nada. Já estou bastante confuso...”

“A verdade...”, era clara a tristeza do Demônio. “Você não acreditaria em mim, Kurama!”

“Eu acredito! Você me conhece, conhece meu passado, sabe por que não posso me lembrar.”

“Deixe o passado em paz, é melhor não lembrar... ainda. Ter a resposta pode ser maldição em vez de benção. Pense nas coisas boas da sua vida, sua família, amigos, enfim, tudo que você lembra. Não posso preencher o vazio.”

 “Você não quer isso, sim!”

“Não posso! Apenas posso dizer que devo mantê-lo aqui e protegê-lo. Você é parte de mim, kitsune. A melhor parte, à qual me apego quando as lembranças se tornam tão negras que temo perder o juízo.”

Uma estranha quietude pairou sobre eles. Hiei estava temeroso da reação da raposa: com certeza Kurama lhe voltaria as costas, como a um louco. Mas isso não aconteceu. A raposa segurou a mão dele.

“Você é terrível, Hiei...”, murmurou e não havia raiva em sua voz. “Quero odiá-lo, porque se recusa a me dizer o que tenho direito de saber. Quero desprezá-lo, mas não passo. As duas semanas passadas foram as piores de minha vida. Então você surgiu, salvou-me da escuridão.”, inclinou-se e seus lábios tocaram o ombro do Demônio do Fogo; a boca úmida, cálida, despertou uma sensação indizível em Hiei. Agarrando-se ao pouco de bom senso que lhe restava, murmurou:

“Você não devia estar aqui. Volte para seu quarto, Kurama.”

“Não é isso que você quer.”, replicou a raposa, colocando a mão onde os lábios haviam estado. “Sei o que se passa em você, Hiei...”, ficou abalado pelas emoções que percebia nele. “Tem medo, mas também fica contente por estarmos juntos...”

 Hiei assentiu, com um leve sorriso.

“Errou numa coisa, kitsune: não é contentamento a emoção que me perturba.”, tornou-se sério. “Estar tão perto de você, sabendo que não posso tocá-lo, quero dizer, tocá-lo de verdade, é um tormento mortal, Kurama.”

 Olharam-se demoradamente, o silêncio realçado pelo sussurro do vento lá fora.
Como ele queria enfiar os dedos nos sedosos cabelos vermelhos! Mas sabia que não se satisfaria com isso. Kurama era tentador demais com a forma do corpo elegante insinuado sob o tecido do pijama que estava usando. As pernas longas e perfeitas achavam-se curvadas sob o corpo. Desejou loucamente sepultar-se dentro dele, o corpo esguio e suave contorcendo-se contra o dele, suas bocas coladas num beijo ardente.

Proibido. A palavra surgiu gravada em fogo em sua mente.

“Conte-me o que esta pensando, Hiei.”, pediu baixinho.

“Não.”

Mas ele não precisava contar. Os dedos suaves deslizaram pelo seu ombro e só então ele lembrou-se que a raposa o “sentia”. Seus músculos enrijeceram e a respiração parou. O olhar de Kurama tornou-se mais escuro ao aprofundar-se no dele e ver que um avassalador desejo por ele que consumia-lhe a mente, o corpo e o controle.

“Minha nossa!”, exclamou a raposa, num sussurro.

Queria retirar a mão, porém Hiei segurou-o, apesar de saber que não devia fazê-lo. Esquecera-se de Mukuro, dos demônios que os seguiam e da maldita Promessa. Só existia desejo. Levando a palma da pequena mão aos lábios, Hiei beijou-a e murmurou:

“Você esteve em meus sonhos a vida inteira, kitsune. A ligação entre nós é muito forte.”

“Sim...”, os olhos cor de esmeralda cintilavam.

Dedos invisíveis tocaram o coração de Hiei e por um instante o rosto confiante de Kurama, na caverna de Yansang, brilhou na escuridão de sua mente... Por uma fração de segundo uma voz gritou que ele rompesse a força que os unia, porém sua raposa estava perto demais para lutar contra o desejo.

“Você está aqui, kitsune, dentro de mim. Sempre esteve. Por isso nossa ligação e tão forte. Por isso eu daria a vida para continuar tocando você.”

Os olhos da raposa assumiram o tom quente de ouro líquido, num lampejo do olhar dourado... E Hiei sentiu seu desejo alastrar-se para ele, como um incêndio indomável. Kurama pegou a outra mão de Hiei e colocou-a sobre o próprio peito. As batidas do coração dele combinavam com as do coração do demônio.

“Eu sei, Hiei.”, o peito arfava com a respiração ofegante e o desejo do demônio aumentou. “Nunca senti essa sintonia com ninguém como com você. Posso não lembrar do passado, mas tenho essa certeza dentro de mim, como tenho a certeza de estar aqui, neste momento, com você. Senti isso quando nos tocamos pela primeira vez. É muito diferente de tudo. É  forte, imperioso, como se estivéssemos ligados também fisicamente.”

“Está assustado?”

“Não sei. Fiquei perdido quando as escuridões começaram. Aí você surgiu e eu me senti... sei lá!”, os olhos da raposa assumiram uma luz diferente, repletos de desejo e de desespero. “Hiei, você me faz ficar com raiva, frustrado, excitado... são sentimentos reais!”

Hiei fitou os mamilos endurecidos e bem visíveis sob o suave tecido do pijama. Sua boca secou. Precisava sentir o gosto deles, queria fazê-los endurecer ainda mais sob as carícias se suas mãos, da língua. Talvez algo assim fizesse um demônio ir contente para sua sepultura...Num impulso, puxou-o para si e seus corpos colaram-se. Enfiou os dedos na farta cabeleira, segurou a cabeça de Kurama e aproximou-lhe o rosto até que suas bocas se uniram com selvagem intensidade. Enfiou a língua entre os lábios quentes e saboreou o doce interior da boca. Como se estivesse morrendo, bebeu vida da fonte salvadora que havia dentro de sua raposa. Sabia que morreria, mas seria uma morte suave.

Quando Kurama passou os braços ao redor do seu pescoço e as línguas se encontraram o controle foi empurrado para o canto mais obscuro da mente de Hiei. Precisava sentir o coração dele batendo junto ao seu, a respiração dele misturando-se com a sua, até que se movessem e existissem como um só ser. Soltou a cabeça de Kurama para deslizar os dedos entre os cabelos sedosos. Desceu as mãos para as costas e percorreu-a até chegar às nádegas cheias e firmes. Envolveu cada uma com as mãos e fez com que sua raposa movimentasse os quadris, o ventre roçando seu sexo ereto. Um suave gemido escapou da boca de Kurama, excitando-o ainda mais, fazendo a calça do pijama deslizar pelas pernas longas e bem torneadas.

As coxas esguias tinham a maciez do tecido que acabara de retirar... Não... sua raposa era ainda mais macia. Segurou a barra da blusa e ergueu-a até as mãos roçarem os mamilos duros e ardentes, acariciando-os. Em seguida, separou os lábios dos da raposa e foi descendo, acariciando cada centímetro de pele com a língua úmida, até que chegou a um mamilo, que lambeu, beijou e mordeu levemente.

Kurama arqueou o corpo, oferecendo-se à boca voraz de Hiei. As coxas pressionavam o sexo pulsante dele, o seu próprio sexo, duro e rijo roçando o corpo do demônio, fazendo-o sentir um tipo de inferno no qual gostaria de penar para sempre. Um inferno onde os corpos de ambos ardiam em chamas. Hiei encontrava-se completamente perdido num mar de sensações nunca sentidas, seu sexo atingia proporções dolorosas, exercendo uma pressão constante sob o tecido da calça jeans, e o desejo por sua raposa se tornava irracional. Jamais imaginara que era possível viver algo tão deliciosamente torturante. Nos mais alucinantes sonhos que tivera com Kurama, sua imaginação não chegara sequer perto daquela doce agonia.

Contudo, a pequena parte dele que empurrara para um canto escuro da mente, exigiu que parasse o que fazia, pois só poderia levá-los à destruição. Tinha que ser forte. Ele forçou-se a soltar o mamilo que mordiscava de modo torturante e fechou os olhos, tentando ignorar o corpo arfante e trêmulo que implorava por suas carícias.

Se a raposa não fosse tão cálido e apaixonante em seus braços! A fome que Kurama sentia era tão ardente e alucinada quanto à dele. Foi então que Hiei admitiu a verdade: estivera esperando a vida inteira pelo momento de se unirem, se amarem. Ofegante, fez a raposa deitar-se no sofá e seu corpo cobriu o dele. Mais uma vez suas bocas se colaram num beijo desesperado e o ruivo abandonou-se ao fogo que lhe percorria as veias.

Hiei desceu a mão impaciente para o ventre macio, segurando e acariciando o sexo vivo e pulsante, apertando-o levemente, fazendo o corpo da raposa arquear-se. Kurama gritou, mas ele sufocou o grito com outro beijo, enquanto descia o zíper de seu jeans. Em segundos, seu membro achava-se livre, rígido, inchado, pronto para agasalhar-se na gruta quente e aveludada  do ruivo.

Kurama moveu-se, procurando livrar os lábios dos dele, mas Hiei não permitiu: tornara-se incapaz de qualquer pensamento racional. Com uma das mãos segurou-lhe os pulsos acima da cabeça dele; com a outra, obrigou-o a abrir-se para ele e arremeteu no momento em que Kurama conseguiu libertar a boca.

“Hiei!”, gritou Kurama, um instante antes que o demônio o penetrasse.

A voz, repleta de medo e prazer o fez parar. Ele recuou um instante antes de decretar a sentença de morte de sua raposa.

“Por favor...”, contorceu-se a raposa sob seu corpo.

Hiei fitou os confiantes olhos verdes, cheios de desejo e lágrimas. Kurama confiava nele, mesmo sabendo que poderia violentá-lo, se quisesse. A fúria apoderou-se dele, ardendo-lhe nas veias. Desprezando-se, levantou-se, fechou o zíper da calça e aproximou-se da janela. Afastou a cortina e olhou a clareira enluarada, os nervos a ponto de arrebentar.

“Hiei...”

Ele não se voltou. Não tinha coragem de encarar a raposa.

“Vá dormir, Kurama.”, disse com raiva.

“Mas...”

“Vá para o seu quarto!”, não queria ver as lágrimas, podia senti-las em sua voz.

“Desculpe, Hiei...”

Um instante depois ele ouviu-o entrar no quarto e teria rido se sua alma não chorasse. A raposa pedira desculpas a ele, que quase o condenara à morte. Deu um soco na parede junto à janela. Doeu e sangrou por causa do ferro da esquadria, mas achou o castigo pequeno por ter faltado ao juramento que fizera a si mesmo. Descontrolado, atacara Kurama como uma fera faminta ataca a presa e quase o levara para a sentença que pairava sobre suas cabeças. Não podia fazer amor com sua raposa, assim como não podia contar-lhe o passado. Seus corpos não podiam unir-se e não podia esclarecê-lo sobre o que estava escondido por trás de tudo, de sua memória perdida. Se cumprisse mais um terço da Promessa feita, esse deslize seria como catalisador de tudo o mais que aconteceria: a Caçada ainda mais acirrada e a morte de Kurama.

“Maldita seja, Mukuro!”, praguejou.

Hiei soltou a cortina. Achavam-se a menos de uma semana da lua cheia, então a escravidão deles terminaria. Quem sabe, depois de tudo terminado, quando a memória de Kurama voltasse, bem como sua energia, poderiam continuar o que tinham começado essa noite. Naquele noite tinham chegado perto da ruína.

Maldita! Ela sabia e esperava que Hiei completasse o que começara essa noite, queria a morte de sua raposa. Mas não o faria, não cederia, como jurara a si mesmo... A visão do corpo atraente e dos cabelos de fogo o atormentava, enfraquecia seu controle, chamava por ele... Esperava poder resistir, mas a incerteza o infernizava sem piedade.
 

* * *

Raios de sol filtravam-se pela  janela da cozinha na manhã seguinte. Kurama parou no umbral, os olhos fixos nas costas de Hiei que estava sentado à mesa, limpando a katana. Vestia-se de preto, como sempre. Observou os músculos movimentando-se sob a pele, enquanto ele trabalhava.

“Hiei”, chamou e ele imobilizou-se, tenso. “Precisamos conversar sobre ontem.”

“Acho melhor esquecer”, a voz dele soou contida. “Não há nada a dizer.”, Terminou de ajeitar a katana em movimentos bruscos.

“Há, sim. Não podemos simplesmente esquecer que nós...”, a voz faltou e Kurama ficou vermelho, enquanto ele se imobilizava. “Bem, nós quase...”

 “Hn. Quase cometemos um erro.”, completou ele.

“Erro?”, Kurama sentiu raiva, decepção, vergonha. “Não foi erro: nós quase fizemos amor.”

“Amor e luxúria são coisas diferentes.”, falou, machucando a raposa ainda mais.

 “Não era luxúria! Era algo mais e sei que você sabe disso, Hiei.”

“Você pode saber como me sinto, Kurama, mas não me conhece. Não se engane pensando que me conhece. Há coisas a meu respeito que não pode imaginar. Coisas tão negras que é melhor deixar quietas.”

“Desculpe ter decepcionado você... Acho que não estava preparado para aquelas sensações ainda.”

“Me decepcionado?”, ele riu amargo, “Eu quase estuprei você ontem e acha que me decepcionou?”

“Você chama o que houve entre nós de estupro?”, horrorizou-se a raposa.

“Hn. Sim.”, resmungou Hiei.

“Eu quis que você me tocasse!”

O demônio empalideceu:

“Não daquele jeito, Kurama! Queria que eu o acariciasse, beijasse, mas não que fizesse o que quase fiz. Droga!”, a raiva esmoreceu e só restou a tristeza. “Eu não sabia o que estava fazendo. Será que não entende, Kurama?”

A raposa deu uns passos para ele, aflito com tanta angústia.

“Não!”, Hiei quase gritava. “Fique longe de mim, pelo nosso bem. Não sei se vou conseguir me conter na próxima vez. Maldição! Não pode haver próxima vez!”

Pegou a katana e saiu de casa.

Kurama apoiou-se na pia, atordoado. Não podia negar que na noite anterior, Hiei ficara diferente. Mudara de suave para quase brutal, mas ele não se assustara com isso: assustara-se consigo mesmo por desejá-lo tão intensamente, pouco se importando pelo modo dele se comportar.

Foi para o quarto e deixou-se cair na cama. Era um bobo. Um solitário e desesperado bobo que estava apaixonado por um demônio que não queria nada com ele. Um erro. Era assim que ele classificava o que houvera entre eles. Um erro que pretendia não repetir.

Puxou a manta até o pescoço e entregou-se ao sono estranho que o impedia de pensar em Hiei e de sofrer.

Mas ele apareceu-lhe em sonhos, como fizera na noite anterior: os cabelos negros, o peito forte brilhando à luz das chamas da lareira, as mãos febris, a boca quente, ávida. E Kurama aceitou o único ser que podia acabar com sua solidão e fazê-lo feliz.

Nessa mesma tarde, quando as sombras do crepúsculo começavam a se adensar, Kurama levantou-se. Não podia dormir para sempre. Precisava ocupar-se com alguma coisa. Observou o quarto. Limpo. Nada para limpar.

Foi até a porta da sala. Hiei estava no sofá, deitado, fingindo dormir. Achavam-se a poucos metros, mas era como se um deles estivesse na lua. Estou aqui, se precisar de mim. Estou cuidando de você. As palavras emitidas por ele ecoaram na mente de Kurama, mas não o satisfizeram. Queria recapturar os momentos da noite passada, quando haviam conversado, acariciado um ao outro. Com tristeza, soube que não conseguiria. Hiei queria distância, até lhe dissera para ficar longe.

Apertou os lábios e foi para a cozinha. Bolinhos. Fazer bolinhos seria uma boa distração. Além de ser algo para se distrair depois, comendo.

Uma hora depois terminava de arrumar a cozinha, enquanto os bolinhos assavam no forno, enchendo a casa com um aroma delicioso. Com um sorriso, lembrou-se de sua mãe, ela sempre fazia aqueles biscoitos. Principalmente nos dias de chá beneficente... O chá beneficente! É depois de amanhã! ... Sempre acompanhava a mãe nesses eventos. Tudo bem que Shiori não estranharia o fato de Shuuichi sair de casa, sem avisar, para fazer um curso, mas nunca deixaria de ligar para a mãe, desculpando-se por não poder acompanhá-la! De alguma forma, teria que falar com a mãe, senão ela ficaria preocupada com ele. E só tinha um jeito... Hiei.

Uma música explodiu na sala. O demônio devia estar procurando alguma música, pois testava vários CDs. Outra música tocou mais alto, fazendo-o ir até a sala. Mesmo que Hiei não falasse com ele, não queria ficar sozinho e... tinha um pedido a fazer-lhe.

“Hiei...”

“Hn.”, ele não o olhou.

“Preciso telefonar.”

“Não.”

“Sim!”, como o demônio lhe lançasse um olhar cortante, ele acrescentou: “É importante. Leve-me até um telefone.”

“Hn. De jeito nenhum.”

“Por favor, preciso telefonar.”

“Pare de se preocupar com a escola, os amigos, etc. Já avisei o pessoal e tudo bem: você está oficialmente num curso e aproveitando para descansar de um período conturbado.”

“Não é nada da escola... é minha mãe!”

O demônio parou de mexer no complicado aparelho para encará-lo.

“Sua mãe também está sabendo. Por que a súbita necessidade de falar com ela?”

“Sempre acompanho minha mãe em chás beneficentes. Amanhã é chá para um grupo de voluntários que cuidam de filhos de mãe solteiras. Minha mãe participa desse grupo, entre tantos outros, a cada quinze dias, ele passa o Sábado, comigo, visitando essas crianças do abrigo.”

“Desculpe”, Hiei sacudiu a cabeça, “mas sua mãe terá que compreender.”

“Não vai compreender.”, irritou-se Kurama, “A não ser que eu fale com ela. Se não ligar para dizer que estou bem, mas que não vou poder acompanhá-la, ela irá se preocupar muito, e desconfiar que não estou em curso! Nunca deixo de avisar minha mãe, Hiei!”

“Hn. É muito perigoso. São só mais quatro dias, depois você fala com ela.”

“Por favor, Hiei. Tenho cooperado o tempo todo!”, o olhar dele tornou-se irônico. Está bem, tentei fugir mais uma vez, mas o que esperava? Seqüestrou-me e me pediu que confiasse em você, sem explicações a não ser uma vaga história que...”

“Ainda acha que é uma “história”?”

“Bem, sei que é verdade”, concedeu a raposa. “Mas preciso telefonar. Faça-me esse favor... Só esse, Hiei!”

As sobrancelhas do demônio franziram-se. Era evidente que Hiei lutava consigo mesmo.

“Se não me levar”, insistiu Kurama, “irei sozinho! Não adianta me trancar no quarto: eu descubro um jeito de escapar.”

“Não gosto de ultimatos.”

“Nem eu, mas você não me dá saída... Olhe, não me agrada a idéia de ir sozinho, mas se for preciso eu vou. A escolha é sua.”

Depois de alguns segundos, ele assentiu:

“Amanhã.”, concedeu, só porque sabia que se prendesse Kurama, ele daria um jeito de escapar de qualquer maneira. Podia estar desmemoriado, mas ainda era um demônio... um Youko, e youkos sempre encontram uma saída!

Kurama sorriu e , dominando o impulso de abraçá-lo, agradeceu.

“Obrigado.”

“Hn.”

Foi tudo o que Hiei disse, antes de caminhar até a janela, ficando a pouca distância de Kurama, que admirou de novo o rosto de traços firmes, decididos, quase frios. Parecia sinistro, mas Kurama não pensava assim, apenas conseguia olhá-lo, fascinado pelos lábios sensuais, que sabiam ser determinados e suaves. A vontade de passar os dedos por eles era quase insuportável. Conteve-se a custo. Hiei deixara bem claro que não devia tocá-lo e que ele também não tocaria em Kurama.

“Você não escutou música enquanto estamos aqui. O rádio está funcionando bem, não?”, o demônio inquiriu.

“Quê?... Ah... É , agora eu vi que está funcionando. Não liguei porque achava que estava quebrado.”, não conseguiu resistir ao impulso ou à força desconhecida que o obrigava a tocar aquele demônio. Ergueu um braço, mas a mão dele segurou-lhe o pulso, imobilizando-o antes que o tocasse.

“Cuidado, Kurama. É melhor não fazermos nada para nos arrepender.”

“Não vou me arrepender.”

“Vai, sim, maldição!”, largou-o, foi à porta da frente, abriu-a e pediu: “Por favor, ouça o que lhe digo, Kurama. Não sou o que você pensa. Fique longe de mim, pelo seu próprio bem.”

A porta bateu atrás dele. Kurama sentou-se no sofá e pôs a mão no rádio, sentindo-o vibrar. Hiei tinha razão, sempre ouvia música porque a música sempre o ajudava nos momentos difíceis. De súbito, teve uma necessidade incrível de ver Hiei. Foi até a janela da sala e afastou a cortina. Ele estava no pórtico, encostado a um pilar, os braços cruzados, a atenção concentrada na floresta. Devia ter sentido o olhar dele, pois estremeceu; mas não o fitou Kurama.

“Há alguma coisa entre nós...”, murmurou Kurama. “Sei que há e você também sabe.”

Uma rajada de vento varreu a clareira, erguendo folhas secas. O frio entrou pelas frinchas da janela e Kurama arrepiou-se. A noite prometia ser muito fria, como as outras. Hiei não parecia ligar para o vento gelado. Continuou imóvel, como uma estátua imune aos elementos, como se olhasse para algo que só ele podia ver.

Livrando-se da idéia perturbadora, Kurama forçou-se a largar a cortina e afastar-se da janela. Voltou para o sofá e ficou ouvindo música. Entrecerrou os olhos, procurando esquecer a inexplicável atração que Hiei exercia sobre ele, o perigo que o ameaçava, o passado fora de seu alcance...

* * *

 
 
 

No dia seguinte, já era noite quando Hiei o chamou lá de fora, Kurama parou no pórtico, observou-o colocar a mochila no assento traseiro da moto e perguntou:

 “Onde a gente vai?”

“Hn. Tem um lugar aqui perto. Um bar, ou algo assim. Deve haver um telefone lá. Fica a uns trinta quilômetros daqui, e é o lugar mais próximo.”

“Por que vamos tão tarde?”, observou a copa das árvores recortadas contra o céu malva do crepúsculo. “Logo vai anoitecer.”

 “Tem medo do escuro?”

“Não seja bobo!”, Kurama estremeceu de frio, e Hiei tratou de fazer com que a raposa vestisse sua jaqueta de couro.

 “Não precisa ter medo.”

“Já disse que não tenho medo!”, ignorou o sorriso do demônio, “Mas você disse que corro perigo, ele não seria menor de dia?”

 Hiei fez que não.

“Não existe perigo menor, Kurama. Os que querem pegá-lo agem noite e dia. A noite reforça seus poderes, mas...”, ele olhou para a raposa com ar distante, “mas a noite também pode nos proteger e dar cobertura, entende?”

“Não...”, essa resposta fora ditada pela teimosia: Kurama sabia que Hiei tinha razão. As palavras dele confirmavam o estranho fascínio que a noite exercia sobre ele, pois não a temia.

 “Vamos”, Hiei indicou o assento traseiro.

 “Está muito frio, Hiei! Você vai congelar.”

O demônio estava apenas de botas, jeans e camisa de mangas curtas, que mal cobriam os bíceps trabalhados.

 “Hn. O frio não me incomoda.”

“Você é que sabe...”, apoiou as mãos nos ombros dele e sentou-se na moto. “Estou curioso para ver como sairemos daqui sem trilha na mata.”

 “Hn. Acha que não há uma trilha?”

“Bem...”, a pergunta apanhou-o de surpresa. “Eu não a encontrei, mas se você saiu, tem que haver.”

 “Então, acredita que há uma trilha?”

 “Eu... claro que acredito!”

“Hn. Então, há.”, Hiei ligou o motor e num segundo estavam em movimento. “Segure-se.”

 Obediente, Kurama passou os braços pela cintura dele.

 “Você enlouqueceu?”, gritou, quando dispararam na direção da sólida floresta.

“ Só porque você não pode ver, Kurama, não significa que uma coisa não existe. Acredite!”

 A moto voava para o que ele tinha certeza que seria um desastre.

O grito morreu na garganta de Kurama quando ele viu o espaço entre duas imensas árvores. No mesmo lugar de onde vinha o choro sofrido que ouvira na primeira noite, os galhos curvos formavam um gigantesco arco. A abertura pareceu aumentar à medida que se aproximavam, até que divisou uma trilha.

Hiei dirigia com firmeza a moto trovejante para dentro da densa escuridão que a luz do farol a rompia, diretamente à frente deles. Atrás, a escuridão fechava-se de novo: não se percebia a mínima fresta entre os galhos, como se um monstro houvesse engolido a moto e os dois.

Kurama agarrou-se com mais força, os dedos enterrando-se nos músculos do estômago de Hiei. O ronco do motor misturou-se ao vento que assobiava em seus ouvidos. As árvores pareciam vivas, os galhos eram como mãos enormes tentando pegá-los. Escondeu o rosto nas costas do demônio. Por fim, as árvores foram rareando e eles desembocaram numa estradinha de cascalho. Hiei diminuiu a velocidade e parou.

“Você está bem?”, teve que fazer força para soltar os braços da raposa de sua cintura e esfregou-lhe as mãos, que estavam duras de frio.

“Não havia nenhuma trilha, Hiei.”, Kurama ofegava, com o rosto sobre o ombro dele, o coração descompassado. “Procurei bem, no dia seguinte que pensei ter escutado aquele choro...”

“Há pouco você disse que tinha que haver.”, lembrou-lhe ele, os dedos massageando-lhe as palmas das mãos.

“Procurei tanto e não achei!”

“Hn. Às vezes o que procuramos está à nossa frente e não vemos. Não há limite para o real e o irreal. Às vezes eles se confundem.”

“Quem se confunde todo sou eu!”

“Eu sei e...”

“Sente muito, mas não pode me dizer nada.”, o ruivo suspirou, sacudindo os ombros.

“Você está aprendendo, kitsune...”, Hiei soltou-lhe as mãos e tornou a segurar o guidão da moto.

Ligou o motor e rodaram pela estradinha de cascalho.

Kurama tratou de esquecer a floresta e a trilha, para não ficar louco. Passou de novo os braços pela cintura de Hiei. O vento era frio, mas o corpo dele o aquecia, incrível calor que emanava de Hiei, seu peito esmagado contra as costas firmes. Jamais se sentira tão bem como naquele momento. As escuridões, a ansiedade em descobrir o passado, o perigo que o ameaçava, tudo desaparecera como por encanto. Estava com um demônio poderoso, que o protegia, e não queria separar-se dele.

No entanto, cerca de meia hora depois teve que fazê-lo. Luzes iluminavam o pátio diante do Big B Bartho, o nome escrito em néon azul no alto de uma enorme estrutura que lembrava um celeiro. Hiei entrou no estacionamento, passando entre motos, caminhonetes e carros.

“Deve ter muita gente...”, comentou Kurama, enquanto ele estacionava num canto.

“Hn. Você quem quis telefonar.”

“Mas você podia ter escolhido um lugar mais calmo.”

“Hn. Antes de mais nada, não sou desse mundo, não sei quando as coisas aqui vão ser calmas ou não, e depois é o lugar mais próximo da cabana. Não podemos nos afastar muito dela.”, enfiou as chaves num bolso, ajudou Kurama a descer da moto e entraram no Big B.

Caminharam até o balcão, o barman olhou para eles curioso. Hiei colocou uma nota das que Yusuke lhe dera, em cima do balcão.

“Preciso fazer um telefonema para a outra cidade.”

“Ainda não tenho troco suficiente. A noite é criança... Mas pode usar o telefone do escritório. É melhor falar lá dentro, porque o barulho aqui está demais.”

Hiei olhou para a raposa, disso ele não entendia, então era a vez do ruivo entrar na conversa.

“Obrigado”, agradeceu Kurama.

“De nada moça! Se seu namorado me permite um elogio, é uma das moças mais bonitas que já entrar na casa.”

Kurama abaixou os olhos, constrangido, não por ser confundido com uma mulher; isso já acontecera outra vez a semanas atrás e Yusuke comentara que sempre fora assim; mas enrubesceu pelo galanteio ser feito na frente de Hiei, que, percebeu o ruivo, apertou uma das mãos com força.

“Onde fica o telefone?”, perguntou em voz baixa, os olhos vermelhos brilhando e a voz vibrando pela fúria.

“Lá atrás, depois da segunda porta, à direita.”

Logo estavam ao lado do telefone, e Kurama discava para sua casa, quando a voz conhecida atendeu, disse.

“Mãe? Sou eu!”

“Shuuichi, meu filho! Como você está? Gostando do curso? Se alimentando direito? Melhorou das dores de cabeça?”, sorriu ao ouvir a avalanche de perguntas da mãe.

“Estou bem sim, mamãe. Olhe, vou responder rápido porque estou no telefone público e não posso demorar. O curso está ótimo, como não é integral, tenho descansado bastante, me alimentado direito sim, e as dores de cabeça já não existem mais... Só liguei porque não queria que ficasse preocupada, mas sinto muito por não poder acompanhá-la amanhã no chá beneficente.”

“Não tem importância, meu filho. Logo imaginei que por causa desse curso, você não estaria aqui, mas se não tivesse ligado me confirmando, ficaria muito preocupada.”

“Eu sei, e não queria isso. Agora não precisa se preocupar por nada, estou muito bem!”, Enquanto falava, ouviu a porta abrir, depois fechar. Compreendeu que Hiei o deixara sozinho e teve uma estranha sensação de perda. Sentia-se protegido quando estava por perto. “tenho que ir, mamãe. Fique tranqüila.”

“Até a volta, meu querido. Se cuide direitinho, hein? Eu te amo, filho!”

“Também te amo mamãe! Adeus.”

Desligou o telefone e foi direto para o banheiro. Estava com os olhos cheios de lágrimas e não queria chorar, lavou o rosto com bastante água fria. Respirou fundo recompondo-se. Ajeitou os longos cabelos com as mãos e saiu a procura de Hiei. Encontrou-o um pouco distante de onde estava, de costas para o balcão, os braços apoiados sobre ele. Observava a pista, onde vários casais dançavam. Os cabelos negros reluziam sob as luzes ondulantes. Era muito bonito, com seu jeito sombrio e olhar misterioso.

Kurama sabia que jamais sentira-se tão atraído por alguém, era um certeza que vinha de dentro, de sua alma. E apesar de provocar-lhe um certo medo, Hiei ateava fogo em suas veias. Havia algo primitivo nele, algo violento e ameaçador. Como o caos que existia antes de surgir céu e terra. Esse caos vivia em Hiei, ele trazia vida e morte, fogo e gelo, dentro de si, o que Kurama percebia e que também o atraía.

Não podia impedir-se de imaginar o que aconteceria se Hiei perdesse o controle e, ao imaginá-lo, era arrebatado por uma perigosa tempestade de emoções. Ele havia chegado perto naquela noite...

“Você é gostosa de se olhar, sabia?”, uma voz masculina cortou-lhe os pensamentos.

Ao voltar-se, Kurama deu com um par de olhas castanhos escuros, cheios de lascívia. A barba mal feita eriçava o rosto do homem e uma feia cicatriz marcava-lhe uma das frontes. O sorriso lembrava os dentes arreganhados de um leão prestes a abocanhar a presa.

“É a mulher mais bonita do mundo.”, ele chegou perigosamente perto, exalando forte cheiro de bebida. “Nunca tinha visto cabelos dessa cor.”

Essa não! De novo? Mais um estúpido me confundindo com uma mulher? Bom, calma!, aconselhou-se. Já estivera em situações bem piores esses dias, saberia resolver essa situação. “Obrigada pelos elogios, senhor. Agora, se me der licença...”

“Poxa! Até a voz é sexy! Sexy, como você todinha... Venha, menina bonita”, ele conseguiu segurar as mãos que o empurravam, “vamos dançar!”

“Eu não quero dançar... além do quê estou com alguém.”, completou a raposa ao ver-se puxado para a pista de dança.

“O babaca que se lixe!”, indiferente aos protestos, o brutalhão segurou-o com firmeza e começou a dançar. “Ele não devia tê-la deixado a solta. Só um doido larga uma gostosa como você por aí. Se fosse a minha pequena, não ficaria um instante longe de mim. O seu namorado é um cretino.”

“Me largue!”, explodiu Kurama, esquecendo a educação.

Mas ele apertou-o mais:

“Não, até terminarmos de dançar, benzinho. Relaxe e goze.”

“Me largue! Estou avisando...”, a resposta do homem foi uma risadinha e um apertão. “Você pediu isso!”, Kurama empurrou-o para trás e sem hesitar, ergueu um joelho com toda força atingindo-o embaixo.

O homem gemeu, soltou-o e dobrou-se em dois.

“Sua vagabunda desgraçada!”, arquejou, quase sem voz.

“Eu avisei”, começou a distanciar-se, mas lembrando que ele ainda o tratava como se fosse uma mulher, olhou por sobre o ombro e ironizou, “Não acredite em tudo o que vê.” Procurava abrir caminho entre os pares e seus olhos encontraram-se com os de Hiei no momento em que o homem o alcançava e segurava-o por um braço.

“Ainda não terminamos, moça, e...”

“Solte-o.” ordenou Hiei.

“Você é que pensa! Volte para a lata de lixo de onde saiu, baixinho. Agora ela é minha!”

Muito mais alto que Hiei, o grandalhão não deu a menor bola pra ele. Minha? O infeliz pensava que Kurama era mulher? Hn. Pouco importa o que ele pensa, vai aprender da pior forma possível que Kurama era DELE e ninguém tocava na sua raposa.

“É, coisa nenhuma!”, a voz de Hiei era tão gelada quanto seu olhar.

Os olhos de ambos faiscavam e o receio gelou a espinha de Kurama.

“Não devia ter deixado a menina sozinha, baixote. Mulher solteira é de todo mundo.”, o grandalhão provocou.

Kurama sentiu a reação de Hiei, e antes que o pior acontecesse, ele se envolveu na confusão, colocando um fim na história.:

“Não sou solteira.”, esclareceu o ruivo aproveitando-se que confundiram-no com uma mulher. “Nós somos casados e vou dançar com meu marido.” Voltou-se, pôs as mãos nos ombros de Hiei e ordenou baixinho, “Dance.”

Os olhos vermelhos cintilavam de raiva.

“Olha aqui, eu não...”

“Dance”, insistiu a raposa, “Você não devia ter interferido: eu ia controlar a situação. Dance Hiei... Não quero encrenca... por favor!”, puxou-o para o centro da pista. Hiei fitou-o por um longo momento, depois seu olhar clareou, enlaçou-o e começaram a dançar.

“Você não precisava se justificar”, a voz profunda chegou quente e macia em seu ouvido, “nem tinha que mentir, Kurama.”

“Desculpe... Eu não devia ter dito que somos casados, mas não queria que você brigasse, disse que não devemos chamar atenção, que temos que nos proteger, não é com você brigando que vamos conseguir isso.”, engoliu em seco e acrescentou, “E desculpe por obrigá-lo a dançar. Sei que não quer ficar perto de mim, que me proibiu de tocá-lo...”, a vos dele sumiu e a mão de Hiei acariciou-lhe as costas, parecendo queimar a pele através da blusa.

O coração de Kurama bateu mais forte, e ele quis Hiei mais perto. O demônio segurou-lhe o queixo e o fez encará-lo.

“Não é que não queira você, kitsune. Quero muito, é esse o problema.”

Para a surpresa de Kurama, o demônio aproximou-o mais de si. O olhar ardente causou-lhe medo e, ao mesmo tempo, ateou fogo líquido em seu corpo.

“Você é o meu problema. Um problema sem solução. Sei que devia ter ficado longe e que o certo teria sido expulsá-lo para sempre de meus pensamentos. Hn. Tentei!”, era evidente que ele estava no limite de sua resistência. “Você está me deixando louco!”

Kurama abriu os lábios, mas antes que falasse ele fechou-os com um beijo. Sua língua quente explorou o interior da boca aveludada, não deixando qualquer dúvida sobre o quanto o desejava. A raposa colou-se a ele e um calor diferente surgiu-lhe no íntimo, expulsando a frieza que há tanto tempo morava em sua alma. O mundo deixou de existir. Eram apenas os dois e Kurama sentiu-se feliz, até que começou o formigamento em suas mãos: sentiu que congelava.

Hiei recuou, uma expressão selvagem e confusa ao mesmo tempo, no rosto bonito. Disse o nome dele, mas Kurama nada ouviu. O silêncio parecia estrondar ao redor dele. Via a cabeça de Hiei movimentar-se muito devagar, enquanto ele olhava de um lado para outro, procurando algo ou alguém entre os casais que lotavam a pista.

“Hiei...”

Chamou-o, mas não ouviu a própria voz. O sangue pulsava, barulhento, em seus ouvidos. Em desespero, agarrou-se nele, a escuridão apagando aos poucos as luzes verdes e vermelhas. A escuridão tornou-se mais intensa, à medida que ele perdia a sensação do próprio corpo. Suas pernas se dobraram, sem vida, um segundo antes de Kurama mergulhar no nada, com o nome de Hiei nos lábios, o medo no coração. Naquele instante soube que as pessoas de quem ele falara estavam muito perto.

Hiei amaldiçoou-se milhares de vezes. Apertou Kurama ao peito, pedindo-lhe que passasse os braços em seu pescoço, enquanto o carregava para fora do bar. A raposa obedeceu e abraçou-o como se fosse um salva-vidas. Permaneceu alheio a tudo durante a volta. Sua força e a de Hiei eram suficientes apenas para impedir que eles o levassem, no entanto era a única ligação com a realidade.

O regresso foi brutal, Hiei lutando para manter Kurama neste mundo o bastante para que se mantivesse em cima da moto durante a louca corrida. Ao chegarem, carregou-o para dentro da casa.

A cabana não lhes serviria por muito tempo mais como refúgio contra os que queriam pegar Kurama. Algumas coisas haviam mudado. Hiei sentia isso tão intensamente quanto sentia o corpo dele junto ao seu. Algo estava diferente. Algo acontecera no bar enquanto ele saboreava a proximidade de Kurama em vez de vigiar o ambiente. Se nada houvesse mudado, ela não teria sido dominada pela escuridão, não nos braços dele, não com as forças de ambos fundindo-se numa força mais poderosa. Mas não fora o suficiente.

Entrou na casa e a escuridão envolveu-os, densa e desconcertante. Foi até o quarto de Kurama e abriu a porta com um pontapé. Deitou-o na cama e acendeu a vela que estava na mesinha ao lado da cabeceira. A suave claridade mostrou a palidez da raposa, e ele sentiu como se um punhal se cravasse em seu peito. Incapaz de mover-se observou as feições delicadas, os cabelos de fogo espalhados sobre o travesseiro. Os olhos cor de esmeraldas estavam abertos, mas Kurama nada via. Encontrava-se inconsciente até certo ponto e reagia à voz dele. Sua raposa... tão atraente e proibido!

Quando deu por si, ele acariciava o rosto lindo, que se aqueceu de imediato ao seu toque. Sentou-se na beirada da cama, ergueu-o e tirou o blusão de couro, jogando-o na cadeira de balanço. Tornou a deitá-lo e tocou de leve a camiseta que moldava o tórax elegante. Não! O aviso explodiu em sua mente e ele recuou as mãos antes de sentir os mamilos.

Tirou as botas de Kurama e deixou-as no chão. Desabotoou o jeans com gestos lentos, desceu o zíper e retendo a respiração, ergueu-se aos pés da cama e tirou-o, revelando aos poucos as pernas esguias. Vestido apenas com a blusa e a cueca de algodão, Kurama fez a respiração dele tornar-se ofegante e o sangue turbilhonar nas veias. Foi subindo o olhar dos finos tornozelos para as coxas bem feitas, a sombra de pêlos ruivos, cor de fogo, mal ocultos pela cueca que usava.

Hiei sentiu a boca seca. Nunca quisera tanto algo em sua vida. Tudo o que precisava fazer era murmurar ordens e a raposa faria tudo que ele desejasse. Poucas palavras e Kurama seria dele.

As mãos de Hiei começaram a tremer e sentiu uma força crescer em seu íntimo, impelindo-o para a raposa. Caiu ajoelhado junto da cama e, hesitante, tocou o ventre macio com as pontas dos dedos. Como se tivessem vida própria, suas mãos passaram a agir sobre o corpo inteiro de Kurama, explorando cada curva, cada reentrância, sentindo a ereção urgente entre as pernas.

Quis agarrar-se ao último bocado de controle e não conseguiu. Deslizou as mãos sobre a pele acetinada, até erguer a blusa, revelando o peito elegante, esguio. Acariciou os mamilos e respirou fundo quando eles enrijeceram. Inclinando-se tocou o umbigo com os lábios, introduziu a língua nele, depois deslizou-a até os mamilos lambendo, mordiscando, provando... até descer, e sentir o gosto do sexo de sua raposa.

Tornou a subir, envolvendo um mamilo levemente entre os dentes, friccionando-o lentamente; enquanto uma das mãos deslizava por dentro da cueca e os pêlos sedosos pareceram vivos, queimando como fogo. Hiei mal ouviu o fraco suspiro de Kurama, tal o rumor que o sangue agitado fazia em seus ouvidos. Então, a raposa arqueou os quadris, o corpo pedindo mais, sem saber o que fazia.

A realidade desabou sobre Hiei, como ondas de um mar revolto sacudindo um cais, fazendo-o oscilar. Precisava sair daquele transe sensual ou... bateu o braço na mesa de cabeceira, cortando a mão com o castiçal da vela, que tombou queimando-o... Ergueu-se e recuou, fitando o rosto de Kurama. A raposa ainda movia os quadris, como se procurasse por ele.

Respirando fundo, Hiei fechou os olhos e cobriu-o com a manta. Só então tornou abri-los. Não devia. Não importa quantas mantas o cobrissem, não bastariam: a imagem tentadora estava impressa em sua memória, os mamilos duros, a seiva doce de seu sexo escorrendo no lençol... Nunca esqueceria esse quadro. Nunca deixaria de desejar Kurama.

Cambaleante, foi para a porta. Tinha que sair dali, senão iria possuí-lo, estivesse a raposa consciente ou não.

Alguma coisa acontecera essa noite. Os demônios tinham arranjado um modo de se aproximar, de influenciá-lo, de alcançar Kurama, apesar da proteção dele. Haviam descoberto um jeito de enfraquecê-lo.

Percebia Mukuro rindo de sua derrota, e o tempo não parava de passar. Tinham três dias.

O fascínio do mal era muito poderoso: unir-se a Kurama iniciaria uma cadeia de acontecimentos que o revoltavam. Mas não havia saída. Ele sempre soubera que seria impossível conter-se, apesar de haver se preparado para se conter. Tanto sacrifício para nada.

Só havia uma solução. A verdade rugiu nos ouvidos de Hiei e ele caiu de joelhos... Poderia arcar com as conseqüências?
 

 



Continua