Como Morrer Bem

 



Por Umi no Kitsune



Capítulo 2
 

Saulo esfregava os olhos e bocejava profundamente quando Belle entrou na sala com uma bandeja contendo uma xícara de café.

Saulo olhou atônito para o rosto de Belle esperando alguma expressão dela além de descrédito pelas suas palavras. A velha senhora realmente não acreditava que uma madrugada inteira em claro pudesse fazer o Grande Saulo perder o sono. Para ela, Saulo podia fazer tudo, era como um herói ou algo muito próximo disso.

Com os cabelos curtos tingidos de castanho penteados elegantemente para trás, com uma roupa fina e discreta e a personalidade ativa e dinâmica, Anabelle não se parecia em nada com uma senhora beirando os sessenta anos. Amiga de infância do pai de Saulo, trabalhou como secretária do presidente da empresa até a morte deste, quando passou a cuidar apenas dos negócios de Saulo.

Ele, então com trinta e cinco anos, sentia-se meio sem graça de ter alguém tão protetor acompanhando-o nas reuniões. Lembra até hoje, com muita vergonha, em uma das suas primeiras reuniões com a diretoria, quando Belle repreendeu o sócio do seu pai só porque ele fez uma crítica ao "menino que está só começando!". Menino que na época estava com vinte e oito anos e arrancou muitas risadas de todo o pessoal da mesa de reuniões.

Saulo terminou seu café apoiando a xícara na bandeja. Dando pouca importância ao comentário de Belle, virou-se para a tela do computador e começou a digitar. Belle saiu da sala silenciosamente. Saulo não pretendia magoá-la, mas não queria mais entrar nesse assunto morto e acabado. Agora era apenas ele e seu filho Guilherme. Ninguém mais iria atrapalhar sua família.
 
 

*****


 
  Silvia não responde. E por um instante, Leonardo amaldiçoou o fato de estarem a duzentos metros do chão e quatro metros distantes um do outro. Mas depois, pensando melhor, não era problema seu se a sua sobrinha tinha mentido ou escondido algo dos pais dela só para viajar com ele até o interior. Certo que não era uma simples viagem.

Depois de falar com Silvia no telefone, Leonardo saiu para encontrá-la no Castelo Branco Km 67, restaurante de beira de estrada, onde iam comer antes de qualquer viagem. Mas, não estava nada combinado, eles iriam apenas jantar juntos. Então surgiu a idéia, Leonardo estava com todo o equipamento de segurança no porta-malas da Pick-up, Silvia disse que iria telefonar pedindo autorização aos pais... e eles foram.

Dormiram no carro e logo de manhã começaram a escalar. Agora estavam voltando com o sol se pondo, quase no meio do caminho. E Silvia lhe vem com uma dessas! O melhor a fazer é nem se incomodar e deixar a bomba explodir mais tarde na mão da sobrinha.

Silvia olhou pra cima, para a face sorridente do tio e disse: Ao chegarem no chão, a menina perguntou meio que preocupada: Silvia acena com a cabeça.

Leonardo achou melhor dormirem mais uma noite por lá e depois voltarem para o carro de manhã. Algo na maneira de Silvia o fez pensar que ela ficou muito feliz depois que tomaram essa decisão. E, antes de irem dormir, Silvia ficou estranha com ele. Sorria de modo diferente, falava devagar demais, olhava demais.

Os olhos negros de Leonardo scanearam o terreno. Ele deduziu que iria fazer muito calor durante a noite para se ficar dentro do sleeping, então estendeu o tecido grosso sobre o chão e deitou por cima, levantando os braços e pondo as mãos na nuca.

Aos poucos foi sentindo o sono chegar. Leonardo fechou os olhos e se pôs a divagar. Gostava desses momentos antes de cair no sono profundo.

Lentamente, Leonardo foi sendo puxado de volta ao mundo real. Ainda meio sonolento, ele sentiu uma mão percorrendo o seu abdômen e subindo pelo seu peito. Uma outra mão se juntou a primeira quando esta foi se esconder nos cabelos de Leonardo.

O que estava acontecendo? Leonardo ergueu a própria mão e segurou a mãozinha que descia pela sua cintura. Ele sentiu um respirar forte e pausado bem próximo do seu pescoço e abriu os olhos.

A escuridão não impediu Leonardo de saber que a sobrinha estava corando violentamente em seus braços. Leonardo soltou a garota no chão e disse rispidamente: Não agüentando, Silvia caiu em lágrimas soluçando fortemente.

*****


 
 

Enquanto o filho esteve na sua sala, Saulo não parara de digitar no teclado, dirigindo o olhar ao menino algumas vezes para ter certeza de que ele não se importava de não ter a atenção total do pai em si. Robert Shartell era o americano que a empresa contratara há menos de um ano. Com seu sotaque e estilo alimentar peculiar o estrangeiro conseguiu a amizade de Guilherme no momento em que foram apresentados.

Robert estava fazendo um bom trabalho na empresa e era confiável. Já tinha jantado na casa deles várias vezes e era um bom amigo. Apesar de estar morando no Brasil já há um ano, Robert ainda não conseguira tirar aquele sotaque forte de americano e se perdia quando alguém falava em uma velocidade muito rápida. Isso fazia Guilherme segurar as gargalhadas, já que Saulo disse para ser discreto com o homem.

Depois de alguns minutos o telefone toca.

Saulo fechou o arquivo que estava cuidando e desligou o telefone. No instante seguinte entrava uma mulher exuberante dentro da sua sala. Natália. Sempre que queria alguma coisa ela voltava linda e sexy, achando que teria ainda algum efeito sobre Saulo. O perfume forte se espalhou rapidamente pela sala inteira e o tac-tac do salto agulha de seu sapato fez Saulo imaginar o quanto gastaria para restaurar o piso de madeira dos arranhões.

Natália abre os braços com um sorriso, enorme agora, esperando alguma reação do garoto. Mas Guilherme apenas ficou parado na porta olhando sem emoção a mulher arrumada a sua frente. Guilherme ficou mais um tempo mudo e sem reação até dizer: Então, como se lembrando de algo importante, o menino disse sorrindo: Chegando no hall onde ficava a mesa de Belle, Saulo viu Robert falando sem parar em inglês com a velha senhora que tentava acalmá-lo de algum jeito. O americano estava completamente em pânico, sacudindo a secretária, em busca de uma ajuda em vão, já que Belle entendia inglês, mas não o inglês de alguém desesperado.



Continua...