Como Morrer Bem



 
 
 

Por Umi no Kitsune


Capítulo 4
 
  O jovem de cabelos loiros olhou para o irmão sem deixar de pressionar o braço recém-engessado contra o pescoço do pai que estava perdendo o ar. Olhando de volta para o pai, ele grita mais uma vez: Leonardo solta o pai, que cai no chão. O menino mais novo olhou para o irmão e depois para o pai no chão. Um grande silêncio invade a sala, apenas a respiração ofegante do velho no chão se faz presente.

*****


 
  Leonardo observa a mão estendida na sua direção. Saulo começa a andar para o interior da casa. Sentindo-se estranho por ser deixado sozinho, Leonardo levanta-se: Depois de observar Saulo lhe dar as costas e sumir por uma porta, Leonardo suspirou profundamente. "Por que eu reagi daquele jeito? Ele não é igual ao meu pai... não merecia ouvir aquilo." De alguma forma, sem saber como, ele sentiu uma necessidade extrema de desculpar-se. "Foi só um mal entendido... eu confundi as coisas, as pessoas, meus sentimentos." O loiro se levantou fazendo o caminho de volta para o quarto, mas antes que pudesse controlar suas pernas elas o fizeram seguir o caminho feito por Saulo. "Certo... pedir desculpas pra ele não deve ser tão difícil..."

Atravessando a porta, Leonardo avistou Saulo de costas, mexendo em alguma coisa na pia.

Apesar de concordar com a cabeça diante da proposta de Saulo, Leonardo continuou na cozinha observando e pensando. À sua direita, Leonardo avistou uma mesa redonda com quatro cadeiras de madeira. Fazendo mais barulho do que queria, ele afasta uma cadeira e tenta, em vão, sentar-se silenciosamente. Um "nhhheeeeeeeck" alto saiu do assento fazendo o loiro congelar seus movimentos até ter certeza que não iria cair. Ele não queria ter mais problemas com o homem, mas podia jurar que ouviu ele rindo baixinho. "Ele acha que eu estou aqui apenas pra tirar um peso da minha consciência?", Leo pensou bravo. Pra falar a verdade, ele nem sabia porque diabos estava lá... tirar peso da consciência é que não era. Por alguns minutos, apenas os sons que Saulo fazia com os utensílios de cozinha foram ouvidos. Pareciam até alto demais diante do silêncio entre os dois homens. Saulo começou, então: A voz de Saulo saiu um pouco triste dessa vez, pelo menos foi o que o Leonardo pensou. Isso o deixou com um sentimento estranho. Estava tentando pedir desculpas ou piorar as coisas, afinal? Decidindo que o assusto deveria mudar de sujeito, Leonardo perguntou num tom mais amigável: Tudo parou de repente. Saulo ficou imóvel por um bom tempo, sempre de costas. Leonardo achou que escolheu muito mal o novo assusto e tentou dizer alguma coisa para se consertar, mas Saulo falou antes, sem emoção nenhuma na voz: Recuperado do susto, o loiro suspirou. A mão direita alcançou uma mexa do longo cabelo e num movimento ágil, ele fez daqueles fios como prendedor para o resto do cabelo. Sentindo-se mais relaxado depois de fazer algo com as mãos, ele suspirou de novo e perguntou: "Geralmente gente como ele paga para não ser perturbado...", pensou Leo. Leonardo percebeu logo que estavam falando do garoto. Saulo ficou um bom tempo em silêncio. Leonardo pensou que ele fosse chorar na sua frente, mas para a sua surpresa o moreno socou a pia, amassando o aço na beirada. Saulo se vira para Leonardo pela primeira vez depois que começaram a conversa. Leonardo conseguiu ver toda a dor e raiva que Saulo estava sentindo através dos seus olhos escuros. Um sentimento de culpa por tê-lo julgado mal atingiu o loiro. Logo, não bastava mais apenas pedir desculpas, mas confortá-lo daquela dor. Sentir-se intimidado por Saulo não foi difícil. Os olhos castanhos transmitindo raiva e dor, as mãos fortes o apertando nos ombros, a altura que fazia Leonardo ter que levantar o rosto para encará-lo melhor... o corpo todo do moreno insinuava-se mais forte e poderoso que o dele.

Leonardo estava com medo. Medo... um sentimento que, nas duas últimas décadas, era completamente estranho ao loiro. E agora voltava para ameaçá-lo. Mas por que o medo? De alguma forma ele sabia que Saulo não iria machucá-lo, não mais. Sua mente não lhe dava as respostas, apenas muitas dúvidas e uma certeza: não aconteceria nada de mal com ele se ficasse ao lado de Saulo. Mas por que? Por que ele pensava desse jeito? E por que, sabendo que não lhe aconteceria nada, por que tinha medo? Na verdade... do que tinha medo?


 
 
 
 

Ele queria ver isso de novo. Queria intensamente ver de novo, com mais atenção, mais lentamente... Saulo sacudiu a cabeça voltando a realidade. No momento em que sacudiu Leonardo pedindo uma resposta, uma cascata loira-acobreada avançou sobre o rosto bronzeado e sobre suas próprias mãos. Os fios, sedosos demais para as mãos de Saulo, fizeram um movimento, uma carícia, acompanhando a cabeça de Leonardo, que deixou o moreno encantado por alguns poucos segundos até recobrar a razão. Mesmo assim, sentindo-se envergonhado por dispersar-se do assunto, seu próprio filho, ele continuou admirando o brilho suave dos fios que cobriram o rosto de Leonardo até que este falou com uma voz incerta:

Dando-se conta que ainda segurava o loiro pelos ombros, Saulo o solta e dá um passo pra trás, nervoso. Ele se voltou para a pia evitando mostrar o vermelho em seu rosto. "Que situação mais estranha...", ele pensou.

Depois de muito tempo de silêncio, Leonardo fala:

Saulo olha o loiro por cima do ombro, confuso por um instante, e sorri, meio sem graça. Saulo não pode evitar, mas sorriu levemente com o comentário, dando graças por estar de costas. Saulo notou uma nota de tristeza nas últimas palavras de Leonardo, que não terminou a sentença, ficando em silêncio. Depois de ligar o fogão ele se vira e depara-se com uma cena que o deixou sem falas. Leonardo estava com um olhar estranho, parecia concentrado em seus pensamentos, mas a tensão no queixo quadrado e os olhos semicerrados deram a Saulo a impressão de que o loiro estava... magoado. Machucado seria a palavra certa, muito machucado por dentro. Se aproximando devagar, o moreno sentou-se em uma cadeira próxima e perguntou: "Se ele estiver falando a verdade, essa tal de Silvia deve ser uma...", Saulo fechou os olhos evitando continuar com o pensamento. Não era da sua conta se o loiro estava falando ou não a verdade. Respirando profundamente, ele volta a se sentar. A imagem do cabelo de Leonardo se desprendendo e caindo solto pelas suas mãos o surpreendeu quando ele fechou os olhos por uma instante. Piscando lentamente, ele fita o arranjo de flores secas no centro da mesa, imaginando por que essa imagem o abalou tanto. Saulo suspira impaciente diante do comentário.



Continua...