LAÇOS



Por Shanty Lee


Parte I : Encontro
 

Mais um longo dia no Makai com seus céus vermelhos e tempestuosos; o Makai sempre foi assim desde que me entendo por gente. Correndo de lugar a lugar, lutando contra os mais terríveis inimigos, dia após dia prossigo nessa terra sem leis ou honra buscando um sentido para o meu viver. Sou Hiei, filho impuro, amaldiçoado, onde a minha sina é ser sozinho, cruel e infeliz. Nessa vida solitária não nego a minha satisfação de quando destruo youkais pervertidos e maldosos, cortando-os e degolando-os, ou até mesmo torturando-os lentamente, vibrando com seus últimos suspiros ou súplicas. A verdade é que nunca pude matar inocentes, por mais que eu tentasse ser cruel, ou despreza-los. Isto me faz sentir confuso e muitas vezes não entendo a minha própria natureza. E essa dúvida se torna tão viva e latente quando paro e começo a olhar para a minha jóia de lágrima. Esse é o meu único tesouro. É o que, de alguma forma, me faz desistir de tirar a minha própria vida. Como se essa pequena jóia que carrego em meu pescoço tentasse me dizer que ainda tenho algo muito importante a fazer. Mas o que? Hn! Também muitas vezes pensei em joga-la fora porque me faz lembrar da minha herança maldita; me faz ter essas reflexões sem sentido. Entretanto, sempre no último instante eu desisto. Apesar de tudo ela me faz sentir tão bem, tão calmo que até acredito que não sou tão desalmado, como penso. Contudo, por mais que eu fuja, a solidão continua a me perseguir. Eu estou tão só! Entretanto, em um fatídico dia a perdi durante uma luta e para salvar a minha sanidade procurei o cirurgião das trevas Shigure ,o qual implantou-me o olho diabólico com o intuito de procurar a minha jóia de lágrima e o País de Gelo. Primeiro encontrei este no qual fiquei sabendo da minha irmã Yukina que estava perdida; agora além da jóia tinha que encontrar Yukina...
 

* * *


 


Em um dia incomum, durante as minhas buscas, algo sublime aconteceu... Tendo andado muito tempo pelas areias, pelas rochas e pela neve, descobri um estrada. Não me lembro de já tê-la passado. Estava no leste do Makai, uma região muito traiçoeira, repleta de youkais poderosíssimos. Um local que abrange uma floresta muito extensa e fechada, excelente para quem quer se esconder ou armar armadilhas. Inclusive ouvi boatos que nela haviam muitos caçadores com a esperança de capturarem raposas místicas chamadas de Youko. Suas caldas valiam fortunas, se vivos talvez reinos. Os ricos do Makai acreditavam que elas lhe trariam sorte e que eram amantes incansáveis; têm-se gosto para tudo. Mas a verdade é que esses seres místicos estavam em extinção e esse era o seu valor. Resolvi seguir tal estrada e para minha surpresa, o que para mim não passava de uma história, surgi uma raposa com quatro rabos cumprimentando-me: "Ohayo." Não soube o que fazer; respondia o cumprimento ou atacava? Fiquei por instantes paralisado. Dizem que as vezes quando o mistério é muito impressionante, a gente não ousa questionar-se e age sem pensar. E por mais absurdo que parecesse, a mil milhas dos lugares habitados, talvez, em perigo de morte; respondi: "Ohayo." Pouco mais que um rouco sussurro. Mas eu não mais a via quando ouvi: "Eu estou aqui, disse a voz, debaixo do carvalho..." Movido por uma curiosidade sufocante sobre seres tão magníficos e misteriosos, perguntei: "Quem é você? ... Você é bem bonita... " "Hum... Sou uma raposa." Responde-me sorrindo como se o meu elogio a houvesse agradado. Perguntado-me porque pensei em voz alta tal elogio? Como não mais me manifestei a raposa continuou: "Você me passa muita tristeza e solidão... Você é apenas um garoto. O que faz sozinho aqui? Não sabe que é perigoso?" "Hn! Baka!!! Não sou apenas um garoto! E sei muito bem cuidar de mim. Além do que o que faço ou deixo de fazer não é da sua conta!"

Eu nunca dependi de ninguém e sempre procurei ser grosseiro com todos, para que nunca se aproximassem de mim e percebesse as minhas inquietações. Mas pela primeira vez tive medo. Medo de que a raposa fosse embora depois do grosso modo que falei. Era tão linda! Especialmente suas caldas prateadas; como tive vontade de toca-las. Então ela falou, como que não tivesse ligado para o que eu havia dito: "Quer conversar comigo? Mas antes você terá que me cativar!" Conversar??? Que droga! Mas o que ela quer dizer com cativar? Será que ela queria que eu a prendesse? O que eu faria com uma raposa? Então perguntei: "O que quer dizer 'cativar' ?"

* * *

Eu o observei por um instante, analisando-o. Parecia um garoto mas ao mesmo tempo passava muita sabedoria, muita melancolia. Como se sua dura vida no Makai o houvesse amadurecido antes do tempo, assim como eu. Também dá para ver que ele não é um simples ladrão ou mais um caçador atrás de mim. É possuidor de um jagan, sinto sua energia fluir através da faixa em sua testa; provavelmente para esconde-lo. Sim, um maijin. Pela sua postura e katana, escondida sobre o seu sobretudo, deve ser um espadachim talentoso. Entretanto, ainda não sei porque parei para falar com ele ou porque ainda estou aqui. Normalmente eu roubaria, mataria ou o conquistaria para ter mais uma noite de incontáveis prazeres. Apesar dele manter sua cara tão fechada e ar de 'sou dono de mim' não passa de um garoto inexperiente que ainda nem conhece os prazeres da carne o qual, com o seu coração fechado, talvez jamais o experimente. Com ele não se poderá forçar nada pois a recusa seria instantânea. Sempre pensei racionalmente, desde o dia em que perdi alguém muito importante; Kuranoe. Sofri muito, e não quero sofrer nunca mais! Entretanto, com esse garoto é diferente... Devo ensina-lo como me 'cativar'? Será que eu já não estou cativado por seu lindos olhos cor de rubi e aquela marca de estrela branca em seu cabelo? Pela primeira vez na vida não sei o que quero. Ou será que sei? Devo deixar meu coração falar mais uma vez? E se ele me rejeitar? Não sei como me sentiria, pois, sempre tive os amantes que quis. Bom... vamos ver no que dá. Sempre arrisquei a vida em tudo que fiz. Porque não arriscar o meu coração? E então o indaguei: "Você não é daqui. O que procura?
 

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O que eu procuro??? Que raposa insolente! Para quem têm a pele tão procurada e valiosa é por de mais corajosa. (...) "Não é da sua conta! O que quer dizer 'cativar'? Você ainda não me respondeu." Olhando pelo canto dos olhos a vejo mais uma vez sorrindo. Por mil demônios, ela realmente é um ser místico, creio que ela me enfeitiçou pois, por mais que eu queira, não consigo sair daqui. E como não respondo ela prossegue: "Os youkais daqui têm fuzis e me caçam, outros são larápios sem honra. É bem incomodo! Guardam tesouros também. É a única coisa interessante que eles fazem. Você procura por tesouros?" "Não! Já disse que não é da sua conta! Diga! O que quer dizer 'cativar' ?" Fui tão rude que mais uma vez pensei que partiria mas ela continuou parada, me observando, como que pensando no que dizer. Aquilo me incomodou muito e se não fosse minha frieza acho que teria ficado rubro. Contudo, de alguma forma creio que ela estava passando as barreiras do meu coração... Que bom que ela ainda não foi embora. E cuidadosamente respondeu-me como se também temesse a minha partida.

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Apesar de ele ser tão rude não consigo partir e deixar de vê-lo. Ele me enfeitiçou. Só pode ser isso! Como pode, eu Youko Kurama, o maior ladrão que o Makai já viu, repleto de amantes e admiradores, continuo a falar com um simples youkai que ainda nem desenvolveu corretamente o seu ki?! Isso é um absurdo! Mas não quero que ele parta e continuo o ser cortes. Sem saber ele que foi o único a ter esse privilégio desde que Kuro morreu. E calmamente me dirijo: "É uma coisa muito esquecida por todo o Makai. Significa 'criar laços'..." De alguma forma parece que minha estratégia está funcionando e ele sem me entender, mas menos rude, me indaga: "Criar laços?" Novamente procuro refletir sobre o que dizer, pois, provavelmente ele nunca experimentou tal coisa. Teria que ser de um jeito que traspassasse os seu muros de auto-proteção sem força-los. Já fiz tanto isso, roubando tesouros em fortes intransponíveis que qual seria a dificuldade de penetrar na mente de um simples youkai cujo nome desconheço?! Por que tenho medo de não conseguir? O que têm nele de tão diferente para mim? ... "Exatamente... Você não é ainda para mim senão um youkai inteiramente igual a cem mil outros youkais. E eu não tenho necessidade de ti. E você não têm necessidade de mim. Não passo a teus olhos de uma simples raposa a qual tem apenas curiosidade. Mas, se você me cativar, nós teremos necessidade um do outro. Será para mim único no mundo. E serei para ti única no mundo..."


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Pensei em repudia-lo diante de uma explicação tão melosa. Sentimentos, laços, seja o que for são para os fracos! Então lembrei-me da minha irmã Yukina e dos olhos da minha mãe antes de tirarem-me de seus braços. (...) Recentemente implantei o jagan graças ao cirurgião das trevas Shigure. Este me ensinou a arte de manejar a espada. E pouco mais que 7 meses me tornei muito poderoso. Encontrei o País de Gelo e soube da existência da minha irmã. Ainda não encontrei a minha jóia de lágrima mas decidi primeiro procurar a minha irmã que havia desaparecido do País de Gelo. E foi nessa busca que parei aqui... E com a lembrança da minha mãe Rina e Yukina que consegui responder-lhe sem muita animosidade. E confidenciar um segredo que só Shigure conhecia , pois, aquele maldito me obrigou a contar-lhe minha vida para realizar a operação. "Hn. Começo a compreender. Tenho uma irmã gêmea... E mesmo sem conhecê-la creio que ela me cativou..." "É possível. Vê-se tanta coisa por essas terras..." "Não foi por esses territórios." A raposa pareceu-me intrigada.


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Interessante. Ele tem uma irmã gêmea. E pelo o que eu pude perceber gosta muito, sem nem ao menos conhecê-la. Agora vejo que ele não é tão insensível como luta por demonstrar. E começo a entender o porque do meu fascínio. Ele é um garoto que possivelmente fora abandonado como tantos outros. Eu não fui?! Mas apesar da dura vida e de até ter congelado o seu coração; manteve a sua inocência. Também pela intuição algo me diz que ele é um koorime. Recordo de um dos meus amantes terem me falado sobre um País de Gelo onde só moravam mulheres, que tinham uma vida muito longa. Elas só tinham filhas, e filhos se misturassem com outra raça o que era proibido. Hum... Então ele é considerado amaldiçoado tanto quanto eu. Por isso que ele deve ter sido abandonado e não ter conhecido a sua irmã, provavelmente a sua mãe foi morta, essa era a lei, conforme Tezake contou-me.

"De um País de Gelo?" "Sim." Respondeu-me tristemente. "Há caçadores nesse país?" Não pude deixar de perguntar ^^. Ele parou um pouco, acho que recordando... "Não." "Que bom! Têm tesouros?" "Também não." "Nada é perfeito." Suspiro. Ele me lançava um olhar de extrema curiosidade, fascinação, embaraço e confusão. Então decidi falar um pouco de mim e retornar a explicação: "Minha vida é monótona. Eu procuro tesouros e os youkais me caçam. Todos os tesouros se parecem e todos os youkais se parecem também. E por isso eu me aborreço um pouco. Mas se você me cativar, minha vida será como cheia de luz. Conhecerei um barulho de passos que será diferente dos outros. Os outros passos me fazem esconder-me. O teu me chamará para fora da toca, como se fosse música. E depois, olha! Vês, lá longe no céu?" Já estava escurecendo e nessa parte do Makai era possível enxergar as estrelas, continuo: "Eu não posso ir até as estrelas. Até porque não teria o que fazer lá. (sorriu). As estrelas não me lembram coisa alguma. E isso é triste! Mas você têm cabelos negros como a noite e essa linda marca de estrela neles. Então será maravilhoso quando me tiveres cativado. As estrelas me farão lembrar-me de ti. E eu amarei cada estrela que surgi no horizonte quando começar a anoitecer..." Calei-me e considerei por muito tempo, não acreditando no que disse depois: "Por favor... cativa-me!"
 
 

CONTINUA....
 



Por Shanty Lee
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